ACÓRDÃO N.º 882-A/2024
PROCESSO N.º 1078-B/2023
Aclaração do Acórdão n.º 882/2024
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Augusta João Afonso com os demais sinais de identificação nos autos, tendo sido notificada do Acórdão n.º 882/2024, deste Tribunal, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 669.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por força dos artigos 39.º e 52.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), requerer a aclaração do referido Acórdão.
Para sustentar a sua pretensão de aclaração apresenta, em síntese, os seguintes fundamentos:
1. Quer o sobrevindo Acórdão do Tribunal Supremo, quer o Acórdão do Tribunal Constitucional, situam-se na mesma linha de categorização predial feita na sentença de 1.ª Instância e na mesma linha de improcedência.
2. Foi feita confusão ou indevida equiparação entre autonomia de facto entre os dois pisos do edifício principal e autonomia jurídica imobiliária.
3. Os Juízes enquanto titulares do Poder Judicial, nas duas instâncias e no Tribunal Constitucional, criaram direito novo, portanto legislaram, ao criarem a figura duma situação condominial de facto, com eficácia comparada à do direito real a uma fracção autónoma.
4. O Tribunal Constitucional invadiu a competência do Poder Legislativo, assim como a competência do Poder Executivo, e, nesta medida, desrespeitou, frontal e certeiramente, o princípio pilar constitucional da separação de poderes, herdado pelos Estados democráticos de direito.
5. Desde a sentença de 1.ª instância até ao Acórdão do Tribunal Constitucional, passando pelo recorrido Acórdão do Tribunal Supremo, foi feita confusão ou indevida equiparação entre autonomia de facto entre os dois pisos do edifício principal e autonomia jurídica imobiliária resultante de um alvará de constituição de propriedade horizontal, que culminasse com um procedimento administrativo do mesmo nome tramitado no Governo Provincial de Luanda (GPL) com vista ao registo conservatorial da propriedade horizontal de dois pisos da edificação principal como facções (fracções) autónomas e ao registo do complementar logradouro a uma e outra fracção.
6. É consabido que a aquisição onerosa (compra e venda) dum imóvel só é formalmente válida, se feita através duma escritura pública em cartório notarial, artigo 875.º do CC e artigo 89.º, al a), do Código de Notariado, e só é oponível a terceiros, se registada/inscrita a aquisição na competente Conservatória do Registo Predial, artigo 7.º, n.º 1, do Código de Registo Predial, ou enquanto omissa a inscrição na matriz predial respectiva. É com esta formalização e com este registo que tem de se ocupar o julgador, se quiser cumprir a lei e, portanto, evitar a violação de direito expresso.
7. A conclusão imediata a tirar daqui, no campo do Direito Constitucional, é a de que a sentença de 1.ª instância, tal como o Acórdão do Tribunal Supremo que confirmou, incorreu em violação do “do direito ao direito”, como internacionalmente é chamada a garantia (em Angola, tutela jurisdicional efectiva), consagrada no artigo 29.º da CRA, cujo o n.º 1, sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva” descreve “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…).”
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar para decidir.
II. OBJECTO
O objecto do presente pedido de aclaração consiste na apreciação do Acórdão n.º 882/2024 do Tribunal Constitucional, prolactado no âmbito do Processo n.º 1078-B/2023 e verificar se contém alguma obscuridade ou ambiguidade entre os fundamentos que sustentaram a decisão.
III. APRECIANDO
O Tribunal Constitucional, mediante o Acórdão n.º 882/2024, decidiu negar provimento ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade interposto pela então, ali, Recorrente Augusta João Afonso, no âmbito do Processo n.º 1078-B/2023.
À guisa de introito, importa desde logo clarificar que o poder jurisdicional do Plenário do Tribunal Constitucional, quanto a matéria da causa, esgota-se proferida a decisão do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, em obediência ao estatuído nas disposições combinadas dos artigos 666.º a 670.º e 716.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 2.º da LPC.
Lebre de Freitas, ao discorrer sobre os efeitos da sentença, refere que “Um dos efeitos da sentença consiste no esgotamento do poder jurisdicional do juiz que a profere (…), o juiz da causa não pode, em regra, rever a decisão proferida” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, 2.ª edição, 2008, p. 697).
Todavia, entende, o autor, em comentários ao artigo 669.º do CPC, que: “A alínea a) do n.º 1, faculta a qualquer das partes requerer o esclarecimento da sentença quando esta contenha obscuridades ou ambiguidades. No primeiro caso, a sentença, ou parte dela, é ininteligível; no segundo caso, apresenta-se, também, total ou parcialmente, com um sentido duplo” (Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2008, p. 707).
Igualmente, diz Ana Prata que “O pedido de aclaração tem, pois, cabimento quando algum passo importante do texto da sentença não permite compreender o pensamento do julgador ou, por comportar dois ou mais sentidos diversos, suscite dúvidas sobre aquele em que foi utilizado” (Dicionário Jurídico, Direito Civil, Direito Processual Civil e Organização Judiciária, 5.ª ed. — Actualizada e Aumentada, Almedina, Coimbra, 2006, p. 36).
• Sobre o requerimento de rectificação ou aclaração do Acórdão e a sua reforma
No presente pedido de aclaração, a Requerente invoca no essencial os mesmos fundamentos legais e factuais que apresentou a este Tribunal em sede do requerimento do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, alegando que este Tribunal tomou mal a decisão, por ser sua livre convicção de que lhe devia ter sido dado provimento em sede do seu pedido.
Ora veja-se:
Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 669.º do CPC, os fundamentos do pedido de aclaração de uma decisão residem no facto de existir alguma ambiguidade ou obscuridade na decisão, que a torne ininteligível ou com sentido duplo.
No pedido retro, a Requerente deleita-se a fazer constatações que de outro modo deveriam ter sido feitas em outras instâncias, não sustenta o pedido de aclaração em qualquer obscuridade ou incompreensões.
Entende-se, assim e deste modo que a eventual interpretação que a Requerente dá ao sentido dos textos legais não sustenta por si só o pedido de aclaração do Acórdão nem a sua reforma.
De outra forma, as dúvidas que apresenta quanto a decisão da 1.ª instância e relativas a matéria fáctica que não estão directamente relacionáveis com as questões de constitucionalidade não devem ser objecto de apreciação do Tribunal Constitucional e tampouco sustentam a reforma do Acórdão reclamado.
Dito de outro modo, a simples enunciação dum suposto incumprimento de normas, como refere a Requerente, sem o demonstrar, não sustenta o pedido para a reforma da decisão proferida por este Tribunal Constitucional e, no mais, denota-se, em todo articulado que sustenta o seu pedido de aclaração, que a Requerente não aduz nenhuma passagem do Acórdão susceptível de ser tornado claro ou inteligível, quer na fundamentação, quer no seu dispositivo do discurso judicatório.
De facto, no Acórdão aclarando, este Tribunal não constata falta de fundamentação da decisão e no mais utiliza-se uma linguagem clara, vernácula, coerente, suficiente e com a transparência que se exige no âmbito dos poderes jurisdicionais e no estrito cumprimento da Constituição e da lei, apresentando de forma específica e exaustiva as concretas razões que alicerçam a decisão de não dar provimento ao requerimento de inconstitucionalidade do Acórdão do Tribunal ad quem.
Nesta medida, e porque não é da competência desta Corte Constitucional aferir se os demais tribunais, no âmbito do julgamento, procederam, ou não, a uma correcta apreciação das provas, dentro dos limites do princípio da livre apreciação da prova, entende-se por isso que as considerações feitas sobre àquelas não podem ser aqui objecto de reapreciação nos termos do pedido ora formulado.
Importa, por isso e mais uma vez se elucida que ao Tribunal Constitucional compete, em geral, administrar a justiça em matéria de natureza jurídico-constitucional, não sendo, portanto, e nem se poder constituir em uma nova instância da jurisdição comum, pois, as suas competências estão delineadas nos artigos 181.º da CRA e 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.
Ora, nos termos do previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º, n.º 1 do artigo 716.º e do artigo 732.º, todos do CPC, reitera-se, que a aclaração se limita ao esclarecimento de obscuridades ou ambiguidades, que a decisão aclaranda contenha, não podendo ser utilizada para se obter, por via oblíqua ou desapropriada, a modificação do mérito da decisão, como a Requerente, efectivamente, pretende fazer.
Aliás da vasta jurisprudência desta Corte, se vem enfatizando o verdadeiro sentido da aclaração como expressamente reflectido no Acórdão n.º 705/2021:
“O pedido de Aclaração de Acórdão deve expressar à luz da norma sobredita, as alegadas ambiguidades ou obscuridades que dificultam a compreensão dos fundamentos evocados. Pede-se a aclaração para desmistificar os pontos imprecisos do Acórdão. Só assim, o Tribunal estaria em condições de aclarar os reais termos em que se requer. O pedido de aclaração não pode resultar de um mero exercício para se ter uma reapreciação do pedido”.
“Fazendo pedagogia, que também incumbe a esta Corte de justiça constitucional, o que se extrai do pedido de Aclaração dos Recorrentes, entende-se que foi tão bem percebido e por isso mesmo solicitam uma reapreciação como se de uma terceira instância se tratasse. Ora, este Tribunal, não é parte da jurisdição comum, é um Tribunal de especialidade, a quem compete administrar a justiça, mormente em matéria específica à constitucionalidade das normas, nos termos do artigo 181.º da CRA”.
Ainda, neste sentido, vão os Acórdãos n.ºs 822-A/2023, de 4 de Outubro, e 871-A/2024, de 6 de Março, ambos, prolactados pelo Tribunal Constitucional, ao afirmarem que “Ambiguidade significa ambivalência ou pluralidade de sentidos. Ambíguo é o acórdão confuso, de sentido dúbio, que contém alguma passagem equívoca, que se presta, razoavelmente, a interpretações diferentes ou apresenta duas antíteses como se fossem convergentes. Obscura é a decisão de difícil compreensão, que contenha algum passo ininteligível, cujo sentido exacto não pode se alcançar”.
A este propósito, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, afirmam que “O pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos). A forma como a alínea a) do artigo 669.º se encontra redigida (<<alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha>>) deixa claramente transparecer a ideia de que a aclaração pode ser requerida, tanto a propósito da decisão, como dos seus fundamentos (que também constituem parte integrante da sentença)” (Manual de Processo Civil, 2.ª Edição — Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, p. 693).
Em face do acima expendido, o Tribunal Constitucional conclui que não existe qualquer questão que careça de esclarecimentos, nem o Acórdão aclarando suscita dúvidas passíveis de se extrair dele duplo sentido ou incompreensões, e no mais se entende que o Acórdão não apresenta algum aspecto que seja obscuro ou ambíguo.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: MANTER, NOS SEUS PRECISOS TERMOS O ACÓRDÃO N.º 882/2024, POR NÃO HAVER OBSCURIDADE OU AMBIGUIDADES QUE IMPORTAM ESCLARECER.
Custa pela Requerente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 07 de Agosto de 2024.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães (Relator)
Dr. João Carlos António Paulino
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Dr. Vitorino Domingos Hossi