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ACÓRDÃO N.º 914/2024

 

PROCESSO N.º 1157-A/2024

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Ministério Público, em representação da Direcção Provincial da Saúde da Huíla, melhor identificado nos autos, veio, ao Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão prolactado pela 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º ¬1866/20, que, confirmando a decisão da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial da Huíla, negou provimento ao recurso de agravo do Despacho de indeferimento e ordenou o seu prosseguimento em conformidade com a lei.

O Recorrente apresentou as suas alegações, sustentando o seguinte:

1. Em primeira instância o Tribunal a quo citou o Ministério Público, em representação do Estado, que, por sua vez, inicialmente, requereu prorrogação do prazo para mais 30 dias. Posteriormente, o Ministério Público requereu novamente prorrogação de igual prazo, que foi deferida.

2. Ante a prevalência da ausência de informação essencial para fundamentar a defesa do Estado, o Ministério Público, no uso da prerrogativa constante na 2.ª parte do n.º 3 do artigo 486.º, requereu a 3.ª e última prorrogação, que foi liminarmente indeferida pelo Juiz a quo, por entender não existirem razões excepcionais atendíveis para prorrogar o prazo conforme requerido.

3. É de referir que o relato dos factos constante no Acórdão induz a uma compreensão errónea, dando a entender que o Ministério Público no seu último requerimento extrapolou o prazo de prorrogação de seis meses, o que não colhe.

4. Pois, sem grandes exercícios de raciocínio facilmente se percebe que os prazos de prorrogação, efectivamente requeridos pelo Ministério Público, foram de 30 dias e, por último, 3 meses, o que perfaz um total de 5 meses, ou seja, os pedidos de prorrogação não excederam os 6 meses delimitados por lei.

5. Ora, o fundamento que sustentou o indeferimento, sufragado pelo Tribunal ad quem, de não existirem razões excepcionais atendíveis para prorrogar o prazo por mais de seis meses é rebuscado e peca pela sua desconformidade legal, na medida em que, como já acima dissemos, o cômputo da prorrogação do prazo, que se requereu nas três ocasiões perfez, apenas, um total de cinco meses.

6. Pelo que dúvidas não subsistem que só nos casos em que o pedido de prorrogação extravasa os seis meses determinados por lei, conforme disposto na parte final do n.º 3 da norma em referência, é que cabe esclarecimentos ao detalhe para fundamentar eventual prorrogação além dos seis meses, o que seria uma excepção.

7. In casu, constata-se que o Tribunal, enquanto intérprete, se sobrepôs ao legislador.

8. Segundo NEVES RIBEIRO, A.C., in O ESTADO NOS TRIBUNAIS, págs. 38 e 39, Coimbra Editora; “O legislador muitas vezes não se orienta por critérios rigorosamente dogmáticos. Considera antes razões pragmáticas ou de eficácia. E o intérprete não pode sobrepor-se ao legislador. É o caso da programação do prazo a favor do Estado … representado pelo Ministério Público. São situações em que dificuldades práticas de obtenção de elementos para a defesa, justificam a prorrogação. Mas não será legítimo afirmar-se que esta ofende por forma intolerável o princípio de «igualdade de armas», utilizadas pelas partes no processo civil. O que é decisivo para esta igualdade é a garantia de idênticas condições de eficácia, ainda que com recursos a meios diversos, favorecendo-se instrumentalmente uma parte, sem prejudicar substancialmente qualquer delas… (Pode, na verdade, suceder que o garantir a equidade no processo leve a conceder à parte um aparente benefício, como meio de colmatar uma presumível dificuldade de actuação processual proveniente da estrutura da parte – e é precisamente nesta perspectiva que vemos as aludidas «prerrogativas» do Ministério Público) – A equidade reside aqui”.

9. O Acórdão em apreço resulta de má interpretação da norma contida no n.º 3 do artigo 486.º do CPC, que contraria tanto o seu espírito quanto a letra;

10. Nesse conspecto, é evidente a violação de princípios constitucionais, precisamente, os princípios da legalidade, do contraditório e da ampla defesa, previstos nos artigos 6.º e 174.º n.º 2 da Constituição da República de Angola.

Termina o Recorrente, solicitando a procedência do recurso e, em consequência, seja o Acórdão em apreço anulado, com as devidas consequências legais.

O processo foi à vista do Ministério Público, que, em conclusão, ressaltou que, sendo Recorrente e tendo apresentado alegações neste Tribunal, não lhe é devida vista nesta instância, razão pela qual abstém-se de emitir vista nos presentes autos, nos termos do n.º 1 do artigo 707.º do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi do artigo 2.º da LPC (fls. 132-133).

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º e do 53.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), bem como da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).

Além disso, foi observado o prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns, conforme estatuído no § único do artigo 49. º da LPC.

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente é parte, como representante do Estado nos termos do artigo 20.º do Código de Processo Civil (CPC) e em representação da Direcção Provincial da Saúde da Huíla, no Processo n.º ¬1866/20, que correu os seus termos na 1.ª Secção da Câmara do Cível e Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, pelo que tem legitimidade para recorrer, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao abrigo do qual, “podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional (…) o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

IV. OBJECTO

O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem como objecto apreciar e decidir se o Acórdão proferido pela 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo que negou provimento ao recurso de agravo e confirmou o Despacho de indeferimento exarado pelo Tribunal a quo, ao aplicar o n.º 3 do artigo 486.º do CPC ofendeu ou não princípios, direitos e garantias consagrados na Constituição da República de Angola (CRA), invocados pelo Recorrente.

V. APRECIANDO

Na Sala do Cível do Tribunal Provincial da Huíla corre trâmites o Processo n.º 314/2017-M, nos termos do qual o recorrente, Ministério Público, em representação da Direcção da Saúde do Governo Provincial da Huíla, foi citado, aos 13 de Abril de 2018, para, no prazo de 20 dias contestar, nos termos do artigo 20.º do CPC.

No decurso do prazo, veio o Recorrente, aos 19 de Abril de 2018, requerer a prorrogação do prazo para mais 30 dias para apresentar a contestação, nos termos do n.º 3 do artigo 486.º do CPC, indicando carecer de informação ou esclarecimento, tendo o requerimento sido deferido e o prazo alargado até ao dia 4 de Junho de 2018 (fls. 41 e 42).

Decorrido este prazo, em 5 de Junho de 2018, mais uma vez, o Recorrente, Ministério Público, requereu ao Juiz do Tribunal a quo a prorrogação do prazo para a contestação por mais 30 dias. O requerimento foi deferido (fls. 43 e 44).

Com a invocação das mesmas razões, baseadas no n.º 3 do artigo 486.º do CPC, em 27 de Julho de 2018, o Ministério Público requereu, novamente, a prorrogação do prazo para a contestação, por mais 30 dias. Mais uma vez, o pedido, ora formulado, foi deferido aos 9.10.2018. (fls. 45 e 46).

Por último, em 6 de Dezembro de 2018, veio o Recorrente (Ministério Público), requerer a prorrogação do prazo para a contestação, por mais três meses, nos termos do n.º 3 do artigo 486.º do CPC, alegando as mesmas razões que estiveram na base dos pedidos anteriores (fls. 47). Desta feita, aos 7 de Maio de 2019, o Juiz da causa indeferiu o requerimento do Recorrente por considerar não existirem razões excepcionais atendíveis para prorrogar o prazo para além de seis meses (fls. 51).

Inconformado com o Despacho de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo para apresentação da contestação (fls. 51 e 52), ao abrigo do n.º 3 do artigo 486.º do CPC, o Recorrente interpôs recurso de agravo para o Tribunal Supremo (fls. 54 e 68), onde a 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro decidiu, no Acórdão em crise, confirmar a decisão recorrida e o prosseguimento dos autos em conformidade com a lei (fls. 102 a 109).

Uma vez mais, inconformado com a decisão, o Recorrente veio a esta Corte interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por considerar que o Acórdão recorrido, ao confirmar a decisão prolactada pela Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial da Huíla e ordenar o prosseguimento dos autos em conformidade com a lei, viola princípios constitucionais, por erro na interpretação e aplicação do n.º 3 do artigo 486.º do CPC, por parte das instâncias recorridas.

Constata-se dos autos que o Recorrente, para alegar que o Acórdão recorrido enferma de inconstitucionalidade, elenca os mesmos factos invocados, apreciados e decididos no Tribunal ad quem e mesmo no Tribunal a quo, ou seja, o erro na interpretação e aplicação do direito ordinário (n.º 3 do artigo 486.º do CPC).

Ora, não é da competência do Tribunal Constitucional apreciar matérias próprias da competência de outros tribunais, não obstante, as decisões destes tribunais, estarem sujeitas ao escrutínio desta Corte, em razão da natureza jurídico-constitucional, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 181.º da CRA e do artigo 49.º da LPC.

Nestes termos, esta Corte Constitucional irá apenas apreciar e decidir se o Acórdão em crise, ao julgar improcedente o recurso e, em consequência, declarar válida a Decisão recorrida, enferma de inconstitucionalidade, nomeadamente, se ofende ou não os princípios da legalidade, do contraditório e da ampla defesa, invocados pelo Recorrente e consagrados nos artigos 2.º, 6.º, e no n.º 2 do artigo 174.º, todos da CRA.

a) Sobre a violação do Princípio da Legalidade

Alega o Recorrente que ante a ausência de informação essencial para fundamentar a sua contestação, em defesa do Estado, no uso da prerrogativa constante no n.º 3 do artigo 486.º do CPC, requereu sucessivamente três prorrogações mas, perante o quarto pedido de prorrogação, aos 6.12.2018, o requerimento foi liminarmente indeferido pelo Juiz a quo, por entender, erroneamente, haverem decorrido mais de seis meses e não existirem razões excepcionais atendíveis para prorrogar o prazo para além de seis meses, conforme estabelece o n.º 3 do artigo 486.º do CPC.

Diz o Recorrente que o relato dos factos constante no Acórdão dá a entender que o Ministério Público no seu último requerimento extrapolou o prazo de prorrogação de 6 (seis) meses, o que não colhe, pois os prazos de prorrogação efectivamente requeridos por si, perfazem um total de cinco meses, não excedendo, portanto, os seis meses delimitados pelo n.º 3 do artigo 486.º do CPC. Por esta razão não colhe o argumento de não existirem razões excepcionais atendíveis para o indeferimento do pedido de prorrogação.

Assim, o Recorrente alega que o Acórdão prolactado pela 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo ofende o princípio da legalidade, previsto no artigo 6.º da CRA, porquanto, ao confirmar a decisão do Tribunal a quo, contraria o sentido estatuído no n.º 3 do artigo 486.º do CPC, uma vez que a interpretação e aplicação que faz deste preceito não reflecte o espírito da lei. ln casu, constata-se que o Tribunal, enquanto intérprete, se sobrepôs ao legislador.

Caberá razão ao Recorrente?

O princípio da legalidade é a maior garantia de observância dos direitos do cidadão, para a segurança jurídica e demais valores consagrados na Constituição e na lei, estando consagrado nos artigos 2.º e 6.º da CRA.

O n.º 1 do artigo 2.º da CRA dispõe que “a República de Angola é um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa”.

O n.º 2 do artigo 6.º da CRA estabelece uma hierarquia, ao dispor que “o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis”.

Segundo Raúl Araújo e Elisa Rangel, “o Estado de Direito não é apenas um estado constitucional. Ele é na sua essência um Estado de direito que se funda no respeito da legalidade pelo que a sua actividade e dos seus órgãos e agentes se deve pautar pelo estrito respeito da lei” (Constituição da República de Angola, Anotada, Tomo I, 2014, p. 200).

No âmbito da legalidade da função jurisdicional, os tribunais necessitam de um fundamento constitucional e legal das suas decisões, ou seja, uma interpretação e aplicação imparcial, correcta, justa e previsível, com base nas normas jurídicas, para a resolução de qualquer litígio.

Ora, é o artigo 486.º do CPC que se refere ao prazo para a contestação. Este preceito, no seu n.º 3, estabelece que “ao Ministério Público é concedida prorrogação do prazo quando careça de informações que não possa obter dentro dele ou quando tenha de aguardar resposta a consulta feita a instância superior. A prorrogação não pode, salvo em casos excepcionais devidamente justificados, ir além de seis meses”.

Logo, desde que o Ministério Público careça de informações nas condições a que o n.º 3 do preceito alude, entende-se que, o pedido de prorrogação não pode ir além de seis meses, salvo em casos excepcionais devidamente justificados.

Neste sentido, sustenta José Lebre de Freitas que “o pedido de prorrogação do Ministério Público há-de ser fundamentado, o que significa que o juiz terá de apreciar a fundamentação concretamente aduzida (a integrar uma das duas situações previstas: informação que não possa ser obtida dentro do prazo, provenha ela dum serviço público ou seja colhida junto de particulares; resposta a consulta a instância superior, feita dentro da hierarquia do Ministério Público ou Ministro da Justiça, que não chegue dentro desse prazo) e, em face dela, decidir (...)” (Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2008, pp. 309-310).

Assim se interpreta, porque pode-se considerar ilegal o despacho do juiz que concede ao Ministério Público a prorrogação do prazo da contestação que vá além de seis meses, sem que o requerente apresente as razões excepcionais que justificam tal prorrogação, ex vi do n.º 3 in fine do artigo 486.º do CPC.

É por esta razão que Abílio Neto sustenta que “quando a prorrogação a que se refere o n.º 3 vá, injustificadamente, além de seis meses, o interessado pode agravar do despacho que a concedeu, e do qual virá a ter conhecimento, pelo menos, quando for notificado da apresentação da contestação. O provimento do agravo terá como consequência ser retirado o articulado do Ministério Público, por extemporaneidade (...)” (Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2007, p. 275).

In casu, importa referir que a confirmação da decisão recorrida pelo Acórdão em crise ocorreu porque passavam já mais de seis meses, desde a data da citação pelo Tribunal a quo (fls. 40), quando o Representante do Ministério Público requereu a prorrogação do prazo para a contestação, por mais três meses e pela quarta vez, em 6 de Dezembro de 2018 (fls. 47) e porque não apresentou as razões excepcionais estabelecidas, nos termos do n.º 3 in fine do artigo 486.º do CPC.

Vejamos:

O Recorrente foi citado aos 13.04.2018 para contestar a acção, no prazo de 20 dias, o que devia fazer até ao dia 3.05.2018 (fls. 40).

Após requerer sucessivamente, por três vezes, a prorrogação do prazo para apresentar a contestação por mais 30 dias e terem os respectivos pedidos sido casuisticamente deferidos pelo Tribunal a quo, o Ministério Público requereu, aos 6.12.2018, a prorrogação do prazo para contestação, por mais três meses.

Ora, desde o decurso do prazo de 20 dias para contestar (3.05.2018) até a data do pedido da última prorrogação pelo prazo de 3 meses (6.12.2018), haviam já transcorrido sete meses, sendo, portanto, de considerar que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 486.º, “a prorrogação não pode, salvo em casos excepcionais devidamente justificados, ir além de seis meses”.

É por esta razão que o Acórdão recorrido (fls. 107) realça que, “de facto ao Ministério Público é concedida prorrogação do prazo, quando careça de informações que não possa obter dentro dele ou quando tenha de aguardar resposta a consulta feita a instância superior. (…) Ora, dos pedidos de prorrogação constantes dos autos a fls. 30, 41 e 47, os fundamentos apresentados pelo Recorrente ao Juiz “a quo” foram os mesmos "... por carecer de mais informação e esclarecimentos adicionais", sem, contudo, esclarecer ao Tribunal que informações adicionais precisavam para, a título excepcional, contestar nos termos da lei. Assim, entende este Tribunal, que tais fundamentos carecem de sustentação que permitam ao juiz considerá-los bastantes, face ao disposto no n.º 3, do artigo 486.º do CPC, porquanto, ao ser assim, o deferimento dos mesmos, e pelas razões apontadas, resultaria numa flagrante violação ao princípio da igualdade de armas e da tutela jurisdicional efectiva (artigo 29.º da CRA)”.

O prazo, segundo Ana Prata, é considerado o “Lapso determinado de tempo dentro do qual deve ser exercido um direito, cumprida uma obrigação, praticado determinado acto ou produzido um efeito jurídico. Os prazos podem ser convencionalmente estabelecidos pelas partes num negócio jurídico, fixados pela lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade” (Dicionário Jurídico, Volume I, 5.ª Edição actualizada e aumentada, 4.ª Reimpressão, Almedina, 2011, p. 1090).

O prazo do Ministério Público para contestar é considerado um prazo judicial (o período dentro do qual um acto processual pode ser praticado), consagrado no n.º 3 do artigo 486.º do CPC, a cuja contagem são aplicáveis as regras do n.º 2 do artigo 144.º do CPC que estabelece que “o prazo judicial é contínuo; começa a correr independentemente de assinação ou outra formalidade, e corre seguidamente, mesmo durante as férias e nos domingos e dias feriados, salvas as disposições especiais da lei”.

Segundo Alberto dos Reis “1.º o prazo começa a correr independentemente de assinação ou de qualquer outra formalidade, isto é, começa a correr automaticamente, pela simples circunstância de ter chegado o dies a quo, ainda mesmo que este dia seja domingo, ou feriado, ou de férias; 2.º Uma vez iniciado o curso do prazo, este não sofre interrupção: corre seguidamente, mesmo durante as férias e nos domingos e dias feriados. (…)”. (Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição — Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, p. 272).

Logo, tendo já decorrido sete meses desde a data inicial em que o Recorrente deveria contestar a acção (3.05.2018) até a data em que o mesmo pediu a última prorrogação (6.12.2028), o Acórdão recorrido, ao decidir como o fez, teve como fundamento legal, o n.º 3 in fine do artigo 486.º do CPC que dispõe “(...) A prorrogação não pode, salvo em casos excepcionais devidamente justificados, ir além de seis meses”.

Nestes termos, considera esta Corte Constitucional que a decisão vertida no Acórdão do Tribunal ad quem ao confirmar a decisão prolactada pelo Tribunal a quo, resultou da aplicação do n.º 3 do artigo 486.º do CPC e não ofende o princípio da legalidade.

b) Sobre a violação dos Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa

O Recorrente alega, também, terem sido violados os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no n.º 2 do artigo 174.º da CRA, por ter sido colocada em causa a prerrogativa legal da prorrogação do prazo a favor do Ministério Público, estabelecida no n.º 3 do artigo 486.º do CPC.

Alega o Recorrente que a prerrogativa da prorrogação do prazo a favor do Ministério Público, constante do n.º 3 do artigo 486.º do CPC é a garantia de idênticas condições de eficácia, ainda que com recurso a meios diversos, favorecendo-se instrumentalmente uma parte, sem prejudicar substancialmente qualquer delas.

Os princípios do contraditório e da ampla defesa, alegados pelo Recorrente, encontram-se ligados, na medida em que, a defesa garante o contraditório e por ele se manifesta, uma vez que, o princípio do contraditório consiste em garantir que ninguém sofra os efeitos de uma sentença sem ter tido a possibilidade de uma efectiva participação nela, com vista a sustentar as suas posições jurídicas, de modo que o Tribunal possa limitar-se a julgar de maneira imparcial.

O juiz não pode, em regra, decidir com base apenas em prova produzida por uma das partes, sob pena da decisão ser considerada nula, uma vez que o princípio (do contraditório e da ampla defesa) faculta à parte contrária a possibilidade de efectuar a mais completa defesa quanto à imputação que lhe é dirigida.

A ampla defesa faculta aos cidadãos a apresentação de argumentos a seu favor com vista a garantir o devido processo legal, visando a paridade de armas entre as partes e, assim, evitar o desequilíbrio processual, possível gerador de desigualdades e injustiças. Assegura, portanto, o acesso aos autos, a oportunidade para a produção de provas necessárias à sua defesa e, consequentemente, a possibilidade de impugnar as acções contrárias e interpor os recursos cabíveis, tendo em atenção o espírito jurídico-constitucional.

O princípio do contraditório vem consagrado no n.º 2 do artigo 174.º da CRA, e estabelece que “No exercício da função jurisdicional, compete aos tribunais dirimir conflitos de interesses público ou privado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, bem como os princípios do acusatório e do contraditório e reprimir as violações da legalidade democrática”.

Segundo Jorge Augusto Pais de Amaral “Através da contestação, é dada ao réu a oportunidade de se defender da pretensão formulada pelo autor na petição inicial. É, em suma, a resposta do réu à petição inicial apresentada pelo autor” (Direito Processual Civil, 13.ª Edição, Almedina, 2017, pág. 227).

O Ministério Público ao requerer, aos 6 de Dezembro de 2018, a prorrogação do prazo para a contestação, por mais três meses invocando carecer “(…) de informações ou esclarecimentos e documentos necessários para fundamentar e proceder a uma justa defesa dos interesses do seu representado (fls. 47 e 49)”, foi notificado, conforme Despacho de 12 de Março de 2019, “(...) para informar que razões excepcionais justificam a prorrogação já que esta não pode ser superior a seis meses – artigo 486.º n.º 3, CPC” (fls. 48).

Porém, ao invés de informar que razões excepcionais justificavam a prorrogação já que esta não pode ser superior a seis meses, o Ministério Público veio, aos 22.03.2019, reiterar o pedido anteriormente formulado, por entender que só com o seu último requerimento de prorrogação para mais três meses estavam observados os limites legais em termos de prorrogação do prazo para contestar (fls. 47).

Posto isto, o Tribunal a quo indeferiu o requerimento do Ministério Público atinente ao pedido de prorrogação, por mais três meses, do prazo para a contestação, “por não existirem razões excepcionais atendíveis para prorrogar o prazo por mais de seis meses, no caso concreto, por mais de um ano (...)”. Esta decisão foi sufragada pela 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, no Acórdão em crise.

O Tribunal Constitucional constata que o Recorrente, na qualidade de representante do Estado, foi legalmente citado para contestar de acordo com o artigo 20.º do CPC e, nos termos do n.º 3 do artigo 486.º do CPC, recorreu à prerrogativa concedida ao Ministério Público para lograr o deferimento de três pedidos de prorrogação do prazo para contestar, bem como recorreu da decisão de indeferimento do quarto pedido de prorrogação para o Tribunal Supremo e da decisão desta instância suprema da jurisdição comum interpôs o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

Foram, portanto, observadas as mais elementares garantias de defesa e de recurso e não se vislumbram no Acórdão recorrido quaisquer ofensas aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Neste contexto, o Acórdão em crise, ao confirmar a decisão de indeferimento do pedido de prorrogação para a contestação, por não vislumbrar razões excepcionais para a prorrogação do prazo para além de seis meses, conforme determina o n.º 3 in fine do artigo 486.º do CPC, não violou os princípios da legalidade, do contraditório e da ampla defesa, alegados pelo Recorrente e consagrados nos artigos 2.º, 6.º e 174.º, n.º 2, todos da CRA.

Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 2 de Outubro de 2024.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva (Relator)

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dr. Gilberto de Faria Magalhães

Dr. João Carlos António Paulino

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva

Dr. Vitorino Domingos Hossi