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ACÓRDÃO N.º 917/2024

 

PROCESSO N.º 1150-B/2024
(Apensados os Processos n.º 1151-C/2024 e 1152-D/2024)

Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações de Partidos Políticos
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Mussa Nganga, José Chizau e Samuel da Costa Camawe, com os melhores sinais de identificação nos autos, vieram a esta Corte Constitucional, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), intentar a presente acção relativa a partidos políticos e coligações de partidos políticos, contra o Partido de Renovação Social, adiante designado PRS.
Os Requerentes devidamente notificados, apresentaram as suas alegações, constantes de fls. 30-34 dos autos, aludindo em síntese, o que infra arrolamos:

1. Viram rejeitadas as suas candidaturas ao cargo de secretários provinciais do PRS por orientação do Presidente do Partido e candidato único à sua própria sucessão, o que constitui violação dos artigos 57.º da CRA e 14.º dos Estatutos.

2. As comissões preparatórias provinciais das conferências violaram os Estatutos do Partido, designadamente, o número 1 do artigo 41.º que espelha as múltiplas candidaturas, tal como a alínea d) do ponto 11, o ponto 2.1. e o ponto 7.º da Directiva n.º 5/2023 do Secretariado Executivo Nacional, visto que a nível nacional, provincial e municipal todas as candidaturas foram rejeitadas, mantendo-se os secretários do mandato anterior como únicos candidatos à sua própria sucessão.

3. São militantes que cumprem com as suas obrigações, nos termos do artigo 13.º dos Estatutos do PRS, daí que não se pode aceitar que seja uma única pessoa a usufruir do direito de ser permanentemente eleito e aos demais o dever de sempre o eleger.

4. A exclusão dos potenciais candidatos aos diferentes escalões de funções partidárias é um atentado à democracia, ou seja, viola a CRA, a lei e os Estatutos, além de constituir fonte de conflito e instabilidade no partido.

5. Os membros da Comissão preparatória das Conferências Provinciais a quem lhes fora incumbida a tarefa de coordenar e executar os trabalhos preparatórios desta foram indicados e impostos pelo candidato único que concorreu a sua própria sucessão e não obedeceu ao previsto na alínea c) do artigo 31.º e na alínea i) do artigo 39.º, ambos dos Estatutos do PRS.

6. Assim, não é da competência do Secretário Provincial cessante criar uma Comissão Provincial para realização da V Conferência, e sim do Comité Provincial do PRS, equiparado a Comité Central, conforme se estabelece nas alíneas b) e i) do artigo 39.º dos Estatutos do PRS.

7. Estabelecem as alíneas a) e c) do artigo 31.º que os delegados a todos os níveis devem ser eleitos em Assembleias de militantes, núcleos, comunais e municipais e o número de delegados e de membros do Comité Nacional são fixados de acordo com a situação política do momento ou qualquer necessidade observada pelo Comité Nacional do PRS.

Os Requerentes terminam pedindo que seja a presente acção julgada procedente e decretada a nulidade das V Conferências Provinciais do PRS de Luanda e do Moxico, ordenando a organização e a realização das assembleias e conferências nos marcos da Constituição e dos Estatutos e que fiquem sem efeito as referidas Conferências Provinciais.

O partido PRS, Requerido nos autos, notificado para contestar, apresentou-as, constitutiva de fls. 38 e verso e 39 e 81 e verso, da qual se transcreve, no essencial, o seguinte:
1. O Requerente Mussa Nganga agiu de má-fé, pois alega que as Comissões Preparatórias Nacional e Provincial foram criadas em violação da Constituição e dos Estatutos do PRS e o Presidente do partido terá feito pronunciamentos públicos que orientassem para a existência de uma candidatura única.

2. O Requerente também sabe que houve múltiplas candidaturas em todos os círculos eleitorais, boletins de votos das províncias da Huíla, Benguela e Região Cuango, e que, em províncias como a da Huíla, Bengo, Benguela e na região Cuango foram eleitos novos secretários provinciais.

3. O Requerente, ainda, alega que a sua candidatura foi injustamente rejeitada. De facto, a Directiva n.º 05/2023, no ponto 12.2. estão estabelecidos os requisitos, dois dos quais não foram cumpridos pelo Requerente, então candidato. Por este facto a sua candidatura foi correctamente rejeitada.

4. O objectivo do Requerente foi o de colocar em causa o elevado nível de organização e civismo e está a expor de forma dolosa a imagem do PRS.

5. Quanto aos Requerentes José Chizau e Samuel da Costa Camawe, é falsa a afirmação de que os Requerentes foram candidatos a qualquer cargo, ao que os mesmos não juntam qualquer meio de prova nesse sentido, nem de que tenham cumprido os requisitos para o efeito constantes da Directiva, nem houve quaisquer decisões unilaterais por parte do Presidente do PRS.

6. No geral, o Requerido contesta que os Requerentes Mussa Nganga, José Chizau e Samuel da Costa Camawe agem de má-fé porque sabem que os organismos do PRS se regem pelas Resoluções do Congresso, do Comité Nacional, do Conselho Político e do Secretariado Executivo dentro do espírito de democracia vigente no País.

7. Têm conhecimento que por via do Acórdão n.º 880/2024 ficou confirmado que todos os actos preparatórios do V Congresso do PRS foram realizados no estrito cumprimento dos Estatutos.

8. Os Requerentes têm noção do referido no n.º 2 do artigo 21.º dos Estatutos do PRS, segundo o qual: “os organismos provinciais, municipais e comunais do Partido orientam-se pelas Resoluções do Congresso, do Comité Nacional, do Conselho Político e do Secretariado Executivo, que controlam a realização da sua actividade nas áreas administrativas da sua jurisdição, sempre no espírito da democracia vigente no País”.

O Requerido termina pedindo que seja considerado improcedente o pedido dos Requerentes e, seja o PRS, exonerado de qualquer culpa.

O processo foi à vista do Ministério Público.
Com dispensa dos vistos legais prévios a coberto do n.º 3 do artigo 707.º, ex vi do artigo 2.º da LPC, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.


II. COMPETÊNCIA

Nos termos do artigo 30.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 66.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), em conjugação com o n.º 2, segunda parte, do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (LPP), o Plenário do Tribunal Constitucional é competente para conhecer e julgar os conflitos internos resultantes da aplicação dos Estatutos ou Convenções de partidos políticos. Tratando o presente processo de um conflito partidário, é o Tribunal Constitucional competente para apreciar e decidir a presente acção relativa a partidos políticos e coligações de partidos políticos.


III. LEGITIMIDADE

A legitimidade para a apresentação de uma acção relativa a partidos políticos e coligações cabe, nos termos do artigo 26.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – LPC, aos Requerentes que, na qualidade de militantes do PRS, têm interesse directo em demandar e o Requerido, PRS, representado pelo seu Presidente, em contradizer, pelo que lhes assiste legitimidade no presente processo.


IV. OBJECTO

O objecto da presente acção circunscreve-se à apreciação das alegadas violações à Constituição, à lei e aos Estatutos do PRS no âmbito da preparação das Conferências Provinciais de Luanda e do Moxico, que culminaram com a não admissão das candidaturas dos aqui Requerentes.


V. APRECIANDO

É submetido à apreciação desta Corte Constitucional o conflito resultante da impugnação das Conferências Provinciais de Luanda e do Moxico, nas quais os ora Requerentes, alegadamente, viram as suas candidaturas rejeitadas.

Com efeito, requerem a intervenção do Tribunal Constitucional por entenderem que o processo orgânico das Conferências provinciais em questão, que culminaram com a não admissão das suas candidaturas, violou a Constituição, a lei e os Estatutos do PRS.

Preliminarmente, cumpre assinalar que este processo é resultado da junção de três processos, designadamente, o Processo n.º 1150-B/2024, o Processo n.º 1151-C/2024 e o Processo n.º 1152-D/2024, decorrente do Despacho Único visualizado a fls. 20, em virtude de, apesar de serem acções intentadas separadamente pelos referidos militantes do PRS, a verdade é que têm a mesma matéria controvertida e a mesma pretensão.

Nesta senda, a coligação de autores ocorre quando haja uma conexão material entre os pedidos, que, sendo compatíveis, tornam admissível a coligação, tal como no caso sub judice, porquanto, a causa de pedir é a mesma, de harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo Civil (CPC).

Debruçando-nos sobre a questão material controvertida faz mister destacar:

Relativamente ao Requerente Mussa Nganga que se candidatou ao cargo de Secretário Provincial do PRS em Luanda, e viu a sua candidatura rejeitada pelo facto de não pertencer a nenhuma estrutura do partido (núcleo), perlustrados os autos, constata-se que deu entrada nesta Corte uma cópia do cartão de militante e outra da Declaração de Reconhecimento de Estudos a fls. 5 e 6 do Processo n.º 1150-B/2024.

Todavia, o Requerente não remeteu qualquer documento que ateste a sua qualidade de membro de qualquer das estruturas do PRS, pelo que, entende este Tribunal que andou bem a Comissão Preparatória Provincial de Luanda da V Conferência Ordinária do PRS ao cumprir com o previsto nos pontos 12.2. e 13. da Directiva n.º 05/2023, do seu Secretariado Executivo.

Quanto ao Requerente José Chizau, não se consegue descortinar com precisão a que cargo se candidatou, tanto é, que no recurso dirigido a esta Corte alega que a sua candidatura foi rejeitada pela Conferência Provincial de Luanda do PRS por ter invocado elementos inexistentes e outras situações que não constam da Directiva aprovada pelo Secretariado Executivo.

Entretanto, verifica-se que o Requerente dirigiu uma epístola aos órgãos eleitorais do seu Partido, manifestando a sua insatisfação por existir uma alegada orientação para candidaturas únicas e o Requerido na sua contestação refere que não recebeu qualquer candidatura em nome de José Chizau, facto que, compulsados os autos, veio a verificar-se não corresponder à verdade. Com efeito, consta dos autos à fls. 5, uma carta dirigida à Comissão Preparatória com o assunto “Carta de apresentação de candidatura”, sem especificar em concreto a que cargo se candidata, tal é a confusão e a falta de clareza do documento juntado. Ademais, o Requerente não junta prova, nem de que a sua candidatura tenha sido rejeitada, nem de que deste facto tenha reclamado junto dos órgãos internos do Partido.

No que diz respeito ao Requerente Samuel da Costa Camawe, que viu a sua candidatura rejeitada por ter sido supostamente sancionado pela Comissão Nacional de Ética e Auditoria, por ser membro activo da CME e por não possuir a categoria de membro do Comité Provincial, como consta dos autos a fls. 9 do Processo n.º 1152-B/2024.

Efectivamente, e ao contrário do que alega o Requerido na sua contestação a fls. 81 e verso dos autos, resulta do processo que o aqui Requerente, candidatou-se ao cargo de Secretário Provincial do PRS no Moxico e viu a sua candidatura rejeitada pelos motivos acima elencados.

Compulsados os autos, esta Corte Constitucional verifica que o Requerente Samuel da Costa Camawe não juntou qualquer meio de prova que invalida as conclusões da Conferência Provincial do Moxico do PRS, que estiveram na base da rejeição da sua candidatura, pelo que, à guisa de exemplo, o simples facto do ora Requerente ser membro activo de um órgão da Administração Eleitoral de per si o desqualifica para a função que pretendia concorrer, uma vez que estabelece o n.º 3 do artigo 37.º da Lei Orgânica Sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral - Lei n.º 12/12, de 13 de Abril, que, “os Membros da Comissão Municipal Eleitoral (…) não podem pertencer a órgão de direcção, a qualquer nível, de qualquer partido político ou coligação de partidos políticos”.

Assim sendo, a decisão de rejeição da Comissão Preparatória da Conferência Provincial do Moxico do PRS, em relação à candidatura do Requerente Samuel da Costa Camawe cumpriu com os requisitos constantes da supracitada lei.

Observe-se que, as inquietações levantadas pelos ora Requerentes incidem, essencialmente, sobre a invalidação das Conferências Provinciais de Luanda e do Moxico que, alegadamente, violaram a CRA, os Estatutos e a Directiva n.º 05/2023 do Secretariado Executivo do PRS.

Sobre esta temática, e grosso modo, ao que as alegadas violações das normas estatutárias dizem respeito, cumpre destacar que as questões suscitadas pelos Requerentes foram já objecto de uma providência cautelar instaurada contra o PRS, assim como de uma acção principal decorrente daquela, das quais esta Corte Constitucional oportunamente se pronunciou sobre as mesmas questões que os ora Requerentes aqui levantam, destacando-se, assim, o entendimento vertido nos Acórdãos n.ºs 880/2024, de 27 de Março e 908/2024, de 10 de Setembro.

Pelo facto do Tribunal Constitucional em arestos anteriores ter já considerado que, no processo orgânico conducente à realização no V Congresso Ordinário, o PRS observou as respectivas regras internas para a constituição da Comissão preparatória, bem como os procedimentos legais e estatutários que conformam todo o processo, antes mesmo que este processo tivesse sido apreciado por esta Corte, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 2.º da LPC, estamos diante de uma situação de inutilidade superveniente da lide.

Refere a doutrina que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, advém quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objecto do processo, ou à causa na relação substancial que lhe está subjacente. Por esta razão, a análise minuciosa de cada uma das preocupações apresentadas pelos ora Requerentes foi apenas efectuada dentro do cariz pedagógico do Tribunal Constitucional. Logo, não é possível que o Tribunal Constitucional tenha uma conclusão diferente.

De resto, em todo o caso, dissipados e esvaídos os fundamentos supra referenciados, era de se negar provimento as pretensões dos Requerentes e, ainda que assim não fosse, estando-se diante da figura da inutilidade superveniente da lide a pretensão dos Requerentes, nunca seria julgada procedente.

Destarte, dilucidada a questão nos termos narrados, esta Corte Constitucional declara a extinção da instância, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente ao processo constitucional ex vi do artigo 2.º da LPC.
Nestes termos,

 

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DECLARAR A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA, POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, NOS TERMOS DA ALÍNEA E) DO ARTIGO 287.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, SUBSIDIARIAMENTE APLICÁVEL POR FORÇA DO ARTIGO 2.º DA LEI DO PROCESSO CONSTITUCIONAL.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 3 de Outubro de 2024.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente e Relatora)

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dr. Gilberto de Faria Magalhães

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dr. João Carlos António Paulino

Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva

Dr. Vitorino Domingos Hossi