Loading…
TC > Jurisprudência > Acórdãos > Acórdão Nº 922-A/2024

 

 

 

 

ACÓRDÃO N.º 922-A/2024

 

 

PROCESSO N.º 1126-B/2023
Aclaração do Acórdão n.º 922/2024

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional

I. RELATÓRIO

Ildefonso Armando Gama Ferraz e Pedro Lussati, com os demais sinais de identificação nos autos, tendo sido notificados do Acórdão n.º 922/2024 deste Tribunal Constitucional, vêm, nos termos e para os efeitos do estabelecido na alínea a) do artigo 669.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), requerer a aclaração do referido Acórdão.

Para Ildefonso Gama Ferraz, a pretensão de aclaração assenta, em síntese, no seguinte:
1. Não ter sido apreciada a questão relativa ao alegado impedimento dos Magistrados do Ministério Público decorrente do facto de terem participado quer da fase de instrução contraditória, quer da de julgamento.

2. Não ter sido atendida a invocada excepção de litispendência, na medida em que os factos pelos quais foi acusado, pronunciado e condenado foram objecto de apreciação no Processo n.º 181/2020, que correu trâmites no Tribunal Militar da Região de Luanda, situação que configura violação ao princípio non ibis in idem, reflectido no n.º 5 do artigo 65.º da CRA.

3. O Tribunal a quo ignorou o facto de ter sido a Casa de Segurança do Presidente da República e não o Recorrente a defraudar o Estado ao retirar dinheiro do Banco de Poupança e Crédito para efectuar pagamentos, em forma de salários, aos activistas do partido MPLA e dissidentes do partido UNITA e da FLEC-FLAC e para financiar a campanha eleitoral do referido partido político.

O Requerente Pedro Lussati, por seu lado, sustenta o seu pedido de aclaração nos fundamentos que se seguem:
1. Não foi possível perceber no Aresto do Tribunal Constitucional se o excesso de prisão preventiva viola ou não direitos fundamentais, pois que o Tribunal não se pronunciou sobre a invocada violação de um conjunto de direitos e princípios constitucionais, como os princípios da proibição do excesso, da dignidade da pessoa humana, do processo penal democrático, da proibição de prisões ilegais e o direito à imagem.

2. O Tribunal Constitucional não considerou as questões invocadas para sustentar a violação do princípio da não auto-incriminação como a reportagem da TPA, denominada o “Banquete-Operação Caranguejo”.

3. O Tribunal Constitucional não teve em conta as questões suscitadas para fundamentar a violação do princípio do processo justo e equitativo, como as relativas ao apuramento do património incongruente e à aplicação do ritualismo processual previsto da Lei n.º 15/18, de 26 de Dezembro – Sobre o Repatriamento Coercivo e a Perda Alargada de Bens, o que configura omissão de pronúncia.

4. Ao ter invocado a violação do princípio da presunção de inocência pelo facto de os seus bens terem sido colocados à venda antes de qualquer condenação transitada em julgado, não se compreende a posição do Tribunal Constitucional quando entende que o ora Requerente deveria fazer fé em juízo, pois não foi possível perceber se os factos notórios carecem de prova.

Dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 3 do artigo 707.º do CPC, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. OBJECTO

Constitui objecto da presente aclaração verificar se o Acórdão n.º 922/2024, de 6 de Novembro, proferido no âmbito do Processo n.º 1126-B/2023, enferma de obscuridades e ambiguidades que importe esclarecer.

 

III. APRECIANDO

Os Requerentes apresentaram, em separado, o pedido de aclaração de um mesmo Acórdão (o Acórdão n.º 922/2024), pelo que o solicitado será apreciado em conjunto, tendo, obviamente, em consideração os fundamentos em que cada um alicerça a sua pretensão, se for o caso.

Assim, vejamos.

É consabido que o poder jurisdicional do Tribunal quanto à matéria da causa fica esgotado uma vez proferida a sentença ou acórdão, limitação que decorre da necessária estabilidade da decisão judicial, que é corolário de segurança jurídica, e sobre o qual dispõe o n.º 1 do artigo 666.º do CPC, aplicado subsidariamente ao processo constitucional ex vi do artigo 2.º da LPC.

Esta não é, porém, uma regra absoluta, já que a decisão judicial pode conter aspectos dúbios ou ininteligíveis, gozando, então, o tribunal da prerrogativa de a modificar, desde que, em decorrência desse processo, seja mantido o essencial do que foi julgado e dos seus fundamentos. Como resulta do n.º 2 do artigo supracitado, a decisão judicial pode ser alterada para rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas e para reforma quanto a custas e multa.

No caso em apreço, os Requerentes fundam o seu pedido de aclaração na alínea a) do artigo 669.º do CPC, pretendendo, assim, obter esclarecimentos sobre ambiguidades e obscuridades que, na sua óptica, estão reflectidas no Acórdão aclarando.

Do que tem sido a compreensão deste Tribunal, espelhada na sua jurisprudência, o acórdão ambíguo conduz a uma interpretação de sentido ambivalente, dúbio e confuso, estando, deste modo, a obscuridade relacionada com a ininteligibilidade da decisão, com a sua difícil compreensão, ou seja, com a impossibilidade de ser alcançado o seu exacto sentido, sendo que o “(…) de aclaração não pode resultar de um mero exercício para ter uma reapreciação do pedido.”(Ver, a título de exemplo, Acórdão n.º 738-A/2023, disponível em www.tribunalconstitucional.ao).

Ora, pelos fundamentos esgrimidos, parece evidente que o que está em causa com o presente pedido de aclaração, nada tem que ver com aspectos ambíguos e obscuros da decisão aclaranda. O que parece relevar é o facto de os Requerentes pretenderem que esta Corte adira às alegações que expenderam em sede do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, que assentam em fundamentos que contrariam a interpretação e aplicação do direito operada em sede dos tribunais da jurisdição comum e, no caso, do Tribunal Supremo.

Nesta medida valerá sempre ressaltar que, no âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, de que provém o Acórdão em aclaração, este Tribunal não se perfila como mais uma instância de recurso comum, com poderes para reapreciar quer o julgamento da matéria de facto e o reexame da prova, quer o modo como o direito infraconstitucional é interpretado e aplicado, desde que daí não decorra qualquer lesão a direitos fundamentais (ver, entre outros, os Acórdãos n.ºs 791/2022 ou 886/2024 , disponíveis www.tribunalconstitucional.ao).

Facto é que, embora sem o detalhe pretendido pelos Requerentes, este Tribunal, parametrizado pelo que constitui o objecto do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, no âmbito do qual é chamado a aferir da constitucionalidade da decisão judicial por violação de princípios, direitos, liberdades e garantias fundamentais, não deixou de sindicar o que, neste domínio, lhe foi demandado, embora tenha decidido em sentido contrário à pretensão dos Requerentes.

Quanto ao alegado por Ildefonso Armando Gama Ferraz, relativamente à excepção de litispendência, para que não subsistam dúvidas retoma-se o que sobre a matéria foi o entendimento da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo que, do ponto de vista da sua constitucionalidade, não merece qualquer reparo deste Tribunal Constitucional, que inquine a constitucionalidade da decisão aclaranda na parte referente aos aqui Requerentes. A Câmara Criminal concluiu, pois, no sentido de não estarem reunidos os requisitos da litispendência, acentuando que o Requerente, em sede do Tribunal Militar, foi julgado por factos ocorridos na Brigada Especial de Limpeza, com decisão ainda sem trânsito em julgado, sendo que no âmbito do processo que está na base do Acórdão objecto desta aclaração, foi acusado por factos relativos à actividade prestada na Secretaria Geral da Casa de Segurança do Presidente da República, enquanto oficial de finanças, com responsabilidade na emissão de ordens de saque (fls. 18 620/verso e 18 621).

Relativamente ao alegado sobre os pagamentos realizados pela Casa de Segurança do Presidente da República, esta constitui matéria que, tal como está formulada, não foi sindicada pelo Tribunal Supremo, que, em segmento algum do seu Aresto que foi objecto do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, a ela se refere. Por esta razão, e não tendo esta Corte Constitucional poderes substitutivos dos da jurisdição comum, também não lhe competia avaliar do mérito desta questão.

Por outro lado, é de notar que o modo como o Requerente Pedro Lussati articula os seus questionamentos demonstra uma compreensão do essencial da decisão tomada por esta Corte Constitucional e não propriamente o facto de existirem ambiguidades ou obscuridades, estando, ao contrário, manifestamente em causa a expressão do seu desacordo com o decidido por esta Instância. Os aspectos que o Requerente identifica foram articulados de modo global para aferir do que alegou em termos de lesão de direitos e princípios fundamentais.

Destarte, é inequícovo o sentido e o alcance do Acórdão aclarando e que não se verificam pontos imprecisos, ambíguos ou obscuros que requeiram esclarecimentos e que coloquem em causa a decisão nele firmada, isto é, a de negar provimento ao pedido de declaração de inconstitucionalidade do Aresto prolactado pela 1.ª Secção da Camara Criminal do Tribunal Supremo, interposto no âmbito de um recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: MANTER O ACÓRDÃO Nº 922/2024, NOS SEUS PRECISOS FUNDAMENTOS, POIS NÃO SE VERIFICAM AMBIGUIDADES OU OBSCURIDADES QUE IMPORTE ESCLARECER OU RECTIFICAR.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 17 de Dezembro de 2024.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva

Dr. Carlos Manuel do Santos Teixeira

Dr. Gilberto de Faria Magalhães

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora)