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ACÓRDÃO N.º 947/2024

 

 

PROCESSO N.º 1168-D/2024
Relativo a Partidos Políticos e Coligações de Partidos Políticos
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO
Estevão José Pedro Kachiungo, com os demais sinais de identificação nos autos, veio ao Tribunal Constitucional, interpor a presente acção contra o partido União Nacional para a Independência Total de Angola (doravante UNITA), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, 17.º, n.º 3, alínea e) e 29.º, todos da Constituição da República de Angola e dos artigos 1.º e 5.º, n.º 1, alíneas a) e b) dos estatutos da UNITA, conjugados com o disposto no n.º 6 do artigo 24.º do Código de Procedimento Administrativo.

O Requerente, expôs as razões fácticas e de direito que fundamentam a presente acção, invocando, em síntese, o seguinte:
1. Em Março de 2024, com fundamento nos Estatutos da UNITA, o Requerente solicitou a declaração de nulidade de três deliberações, interligadas, de órgãos do Partido, que foram a seu tempo impugnadas, por violação dos Estatutos e da Lei.

2. A primeira deliberação refere-se a uma suspensão preventiva, imposta pela Comissão Política da UNITA, em Novembro de 2021. Tal deliberação está ferida de nulidade, por ter sido ilegalmente transformada em sanção, que durou dois anos, desprovida de prévia audição do membro e competente processo disciplinar.

3. Terminado o período de dois anos de suspensão arbitrária, por carta datada de 27 de Dezembro de 2023, o Requerente informou ao Presidente do Conselho Nacional de Jurisdição e Auditoria (adiante CNJA) que continuava a aguardar a notificação da data a partir da qual devia reassumir a plenitude dos meus direitos e deveres no Partido em que milita ininterruptamente desde 1975.

4. Em resposta, o CNJA informou que havia uma outra deliberação da Comissão Política, segundo a qual, o Requerente passou a ser considerado na situação de cessação de filiação, deixando de ter direitos e garantias e estar sujeito a deveres dos membros da UNITA, nos termos conjugados dos artigos 11.º e 12.º do Regulamento Interno do Partido, por se ter apresentado em acto eleitoral, em candidatura adversária da candidatura apresentada pela UNITA.

5. Esta segunda deliberação, da autoria do Conselho Nacional de Jurisdição e Auditoria, tem o número 12/11/023 e diz respeito a um Processo n.º 12/CNJA/023-PJ, ao qual o Requerente nunca teve acesso.

6. A existir, assenta em pressupostos falsos, ofende princípios constitucionais e viola direitos fundamentais, na medida em que “sanciona” o Requerente com uma forçada “cessação de militância”, sem qualquer audição prévia.

7. A terceira deliberação, n.º 01/01/024, de 1 de Fevereiro, também é nula, porque manda instaurar um novo processo disciplinar sobre alegados factos que terão ocorrido em 2022 e cujo prazo de instrução já caducou há mais de um ano.

8. A deliberação n.º 02/03/024, de 4 de Março, relativa à uma sanção de repressão registada por alegados factos ocorridos em 2022, é igualmente nula porque os constantes na “nota de culpa” – não constituem infracção disciplinar, não foram apreciados em sede de um procedimento disciplinar.

9. Os 4 (quatro) factos alegados na nota de culpa considerados como infracções disciplinares são os seguintes: a) Participação e pronunciamentos públicos, no acto de tomada de posse do Presidente do MPLA, empossado como Presidente da República, desrespeitando a decisão do Partido que declinou o convite por não estar de acordo ao modo de eleição do Presidente empossado; b) Pronunciamentos públicos contra a participação de deputados do Partido numa manifestação pública convocada pela sociedade civil; c) Publicação nas redes sociais da deliberação n.º 12/11/023 e dos Doutos Despachos de sua Excelência Presidente do CNJA; d) Ligação directa com indivíduos expulsos que hostilizam publicamente de modo reiterado e continuado o Partido.

10. Além disso, foi reiteradamente negado, ao Requerente, o direito de acesso e de consulta a todos e a qualquer dos processos acima referidos.

11. Considera que, em todos e em qualquer dos casos, não violou nenhuma norma estatutária ou legal, pelo que o seu cadastro deve permanecer absterso, quer como militante, quer como membro da Comissão Política da UNITA desde 1982.

12. A 20 de Maio de 2024, voltou a escrever para o CNJA, reiterando o pedido de resolução interna do contencioso, para não recorrer às instâncias judiciais competentes da República em vista a salvaguarda dos respectivos direitos fundamentais.

13. Na mesma data, informou ao Presidente da UNITA sobre os atropelos à lei e aos Estatutos, por parte do CNJA, porém, não obteve qualquer resposta.

14. Sendo o Conselho de Ética o órgão do Partido que tem por objectivo, prevenir conflitos e assessorar os membros nas questões éticas do Partido, o Requerente, a 20 de Maio de 2024, solicitou também os bons ofícios das instâncias competentes do Partido, para se cumprir a lei e realizar a justiça internamente, sem necessidade de recurso à impugnação judicial.

15. Apesar de todos estes esforços, a nulidade dos actos ilegais que o privam dos respectivos direitos constitucionalmente protegidos, não foi declarada, a ficha do Requerente permanece manchada, pois a legalidade não foi reposta.
Conclui a incursão recursória solicitando a esta Corte, a declaração de nulidade das deliberações ora impugnadas, bem como a reposição da legalidade, especialmente no tocante ao pleno gozo de direito de participação política enquanto membro da Comissão Política, incluindo o direito de ser eleito, nos termos dos Estatutos e da lei.

A Requerida, regularmente citada, juntou a sua contestação, tendo nela exposto, no essencial, o seguinte:

1. O interesse directo do Requerente em demandar a UNITA procede da filiação político-partidária na UNITA e, concomitantemente, do exercício de direitos político-partidários que se estabelecem a partir do momento da filiação e terminam com a morte, expulsão ou cessação voluntária do membro.

2. Por virtude de infracção disciplinar grave, para a salvaguarda da unidade, do prestígio e do bom nome do Partido e por decisão dos órgãos competentes da UNITA, pode ser coerciva e temporariamente interrompido o exercício de direitos político-partidários.

3. O interesse directo do Requerente em demandar a UNITA, nesta lide, cuja matéria de fundo é a tutela jurisdicional de direitos (reposição da legalidade, incluindo o pleno direito de participação política do lesado, enquanto membro da Comissão Política, com sua capacidade eleitoral passiva incólume), ou seja, o regresso do Requerente à Comissão Política, depois de cumprida a sanção disciplinar que lhe foi aplicada pelo Conselho Nacional de Jurisdição e Auditoria (CNJA), só pode ser aferido e só encontra fundamento e limite no âmbito do pleno e efectivo exercício de direitos político-partidários na UNITA.

4. Aquando da realização do XIII Congresso Ordinário da UNITA, em sede do qual ocorreu a renovação de mandatos dos membros da Comissão Política, o Requerente se encontrava sob suspensão por infracção disciplinar grave.

5. O Requerente, enquanto membro da Comissão Política cessante, sequer participou do referido congresso que elegeu a Comissão Política vigente.

6. A UNITA não realiza congressos, nem elege a todo tempo a sua Comissão Política, mas sim, a eleição obedece a uma periodicidade estabelecida no n.º 1 do artigo 27.º dos seus Estatutos.

7. Sendo que o pleno e efectivo exercício de direitos político-partidários foi interrompido, por força daquela interrupção, o interesse directo do Requerente deixou de existir e por arrasto, o Requerente não é parte legítima nesta demanda.

8. O Requerente nunca manifestou interesse no processo que à data tramitava no CNJA da UNITA, ao ano de 2021.

9. Regularmente notificado pelo CNJA, à data de 4 de Dezembro de 2021, o Requerente não compareceu à audiência marcada e em outro momento, por intermédio do seu mandatário Dr. Laurindo Sahana, remeteu uma carta na qual manifestou preterir da convocatória do CNJA, portanto, manifestou todo desinteresse em participar no processo do qual era parte interessada.

10. O Requerente, quando podia e tempestivamente, optou por não exercer o direito a ampla defesa, isto é, o direito de utilizar todos os meios legais para defender seus interesses em sede do CNJA.

11. Tendo o Requerente cumprido a sanção aplicada e manifestado, por carta dirigida aos órgãos da UNITA, o seu interesse em reassumir o exercício dos seus direitos interrompidos, por força da Deliberação n.º 05/2021 do CNJA, obteve da parte da Requerida o devido provimento e permitido o exercício dos direitos político-partidários.

12. Através de expedientes ardilosos e manifestamente de má-fé vem, hoje, em 2024, nesta Corte Constitucional impugnar a deliberação prolactada no Processo n.º 05/2021, quando sabe ou deveria saber que por decorrência do tempo e por não ter impugnado a decisão da Comissão Política de suspensão preventiva e em consequência disso, o processo sobredito precludiu o direito do Requerente recorrer dessa deliberação em sede do CNJA, por força do previsto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 16.º, dos Estatutos da UNITA.

13. Portanto, encontrando-se caducado o direito de o Requerente recorrer nos termos devidamente já fundamentados, estaremos perante uma excepção peremptória de caducidade, não podendo a presente acção ter outro desfecho que não seja a absolvição da Requerida da totalidade dos pedidos, nos termos expressos no n.º 3, do artigo 493.º e do artigo 496.º, ambos do CPC.

14. Em nenhum momento do extenso articulado o Requerente se refere ao facto de terem já sido repostos os respectivos direitos político-partidário na UNITA, incluindo os reclamados “plenos direitos de participação política e a capacidade eleitoral passiva”. (Docs. 3, 4 e 5).

15. Apesar de não reclamada a capacidade eleitoral activa, também foi reposta, isto é, o Requerente pode votar, embora, o que é curioso, o Requerente tem como único foco a capacidade eleitoral passiva, ou seja, pretende apenas e tão-somente ser votado e não já exercer o seu direito de voto activo.

16. A Requerida alega que a carta a que o Requerente faz alusão é dirigida ao Presidente do Conselho Nacional de Jurisdição e Auditória, com conhecimento ao Presidente da UNITA, datada, por lapso, de 8 de Janeiro de 2023, sendo a data correcta a de 8 de Janeiro de 2024.

17. No essencial, o Requerente refere que tinha cumprido os dois anos de suspensão e que aguardava pela notificação do CNJA sobre a data a partir da qual reassumiria a plenitude dos seus direitos e deveres no Partido. (Doc. 5).

18. O Presidente da UNITA submeteu o assunto à consideração da XIII Reunião Extraordinária do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA que, como é de conhecimento público, aprovou em 8 de Fevereiro uma Resolução que considerou pôr findo o período de suspensão do membro Estevão José Pedro Kachiungo. (Doc.3).
19. Sobre a “ficha manchada” de que o Requerente se refere, se esta referência é feita face à suspensão por dois anos, como cominação prolatada no Processo n.º 05/2021, do CNJA, por infracção disciplinar grave, obviamente, a ficha está mesmo manchada, em decorrência desse mesmo processo, pois, não existem quaisquer outros processos, cujas deliberações sejam de conhecimento da requerida.

Termina a incursão peticionando que seja dado provimento à contestação e julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa, porque provada, e em consequência absolver a requerida da instância. Não sendo acolhida a excepção dilatória, que seja julgada procedente, porque provada, a excepção peremptória de caducidade, e em consequência, absolver a requerida de todos os pedidos formulados pelo Requerente.

O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA
Em conformidade com o estabelecido no artigo 30.º e alínea j) – parte final – do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), conjugado com os artigos 3.º, alínea j), 63.º n.º 1 alínea d), 66.º n.º 1 todos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC) e ao n.º 2 (parte final) do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (LPP), compete ao Plenário do Tribunal Constitucional a cognição e julgamento dos conflitos intrapartidários, corolários da aplicação das normas estatutárias ou das convenções de Partidos Políticos.

Considerando, pois, que a questão de fundo impugnada pelo Requerente, se circunscreve no âmbito de um conflito intra-partidário, em homenagem aos preceitos supra aludidos, esta Corte dispõe de competência para conhecer o seu mérito.

III. LEGITIMIDADE
O Requerente é militante do partido UNITA e parte interessada em demandar, ao abrigo do previsto no artigo 26.º do Código de Processo Civil – aplicável ex vi do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional (LPC), possuindo legitimidade para o efeito, ao passo que a Requerida, UNITA, representada pelo respectivo mandatário, tem interesse directo em contradizer, pelo que, de igual modo, a esta assiste legitimidade no presente processo, nos mesmos termos e fundamentos legais ora ostentados.

IV. OBJECTO
Emerge como escopo da presente acção, verificar se procede o pedido de declaração de nulidade das deliberações prolactadas por órgãos estatutários da UNITA, que culminaram com a privação do exercício dos direitos fundamentais do Requerente e a não renovação do seu mandato como membro da Comissão Política do referido Partido.

V. QUESTÃO PRÉVIA

A fim de propiciar uma análise mais aprofundada da lide, cumpre inicialmente abordar as questões preliminares suscitadas pela Requerida:
No que concerne à excepção dilatória de ilegitimidade activa deduzida pela Requerida, contra o Requerente, importa ressaltar que o mesmo possui legítimo interesse de postular em juízo contra a UNITA, na medida em que busca a tutela jurisdicional efectiva de direitos que entende terem sido violados, conforme preconizado no ordenamento jurídico.

Ora, a legitimidade do Requerente para a propositura da acção em sede desta Corte decorre da alegada violação de normas constitucionais, legais e estatutárias pelo Partido UNITA, do prévio esgotamento das vias administrativas internas e da demonstração de interesse directo e legítimo, conforme previsto no artigo 26.º do CPC.

Como bem assinala Hermenegildo Cachimbombo “no caso da legitimidade, quer a activa quer a passiva, quando exista, viabiliza tão-somente o seguimento e o julgamento do mérito daquela acção individualmente considerada” (Manual de Processo Civil I & Perspectivas da Reforma, 1.ª ed., Casa da Ideias, 2017, p. 88).

De resto, a excepção de ilegitimidade activa arguida pela Requerida se revela improcedente, na medida em que, o Requerente possui legitimidade ad causam para propor a presente acção.
Quanto a aludida excepção peremptória de caducidade, sobressai dos autos as alegações segundo as quais “o Requerente quando podia tempestivamente, optou por não exercer o direito a ampla defesa, isto é, optou por não utilizar os meios legais para defender os seus interesses. Daí ter precludido o direito de o Requerente recorrer daquela Deliberação em sede do CNJ, por força do previsto nos termos dos n.º 5 e 6 do artigo 16.º dos Estatutos da UNITA” (fl. 242).

Ora, a aludida norma conduz a uma interpretação divergente da defendida pela Requerida, sendo evidente que o teor nela contido não se circunscreve à regulamentação de “caducidade”, mas sim à de “regras de disciplina”.

Por outro lado, alega a Requerida que, regularmente notificado pelo CNJA, à data de 4 de Dezembro de 2021, o Requerente não compareceu à audiência marcada para o efeito e, em outro momento, por intermédio do respectivo mandatário, remeteu uma carta na qual expressou preterir a convocatória, manifestando todo o desinteresse em participar do processo do qual era parte interessada (cf. fl. 241).

Diante da ausência de quaisquer elementos probatórios nos autos que corroborem com as alegações apresentadas, se conclui não existir base fáctica para o acolhimento da excepção invocada.
Mais a mais, importa referir que o Requerente solicita a esta Corte Constitucional a declaração de nulidade das deliberações prolactadas pela Requerida, que entende terem violado os direitos consagrados na Constituição, na Lei e nos Estatutos. Ora, sendo as nulidades invocáveis ad aeternum e tendo sido o Requerente parte visada pelas deliberações da Requerida, àquele assiste plena legitimidade para as suscitar, sendo tempestivas, conquanto não tenha ocorrido facto superveniente que prejudique o conhecimento das mesmas. Nestes termos, não procedem as excepções suscitadas.

VI. APRECIANDO
Este recurso teve na sua origem o facto de o Requerente ter sido sancionado mediante deliberações proferidas por órgãos estatutários da União Nacional para a Independência Total de Angola (doravante UNITA), e, com efeito, peticiona o Requerente, a declaração de nulidade das deliberações ora impugnadas e a consequente reposição da legalidade, incluindo o pleno direito de participação política, enquanto membro da Comissão Política, com a sua capacidade eleitoral passiva incólume, nos termos dos Estatutos e da lei.

Analisado os autos, cumpre apreciar as questões demarcadas que se seguem abaixo:

a) Da aplicação da medida disciplinar de suspensão preventiva

Vale, antes de mais, aludir que a suspensão preventiva no contexto partidário constitui uma medida cautelar decorrente do ultraje aos princípios e normas partidárias imposta, por órgãos estatutários contra um de seus membros, que é temporariamente repelido de suas funções no seio partidário. Dito de modo distinto, é uma medida de carácter acautelatório, sujeita a provas sobre factos qualificados como infracções, presumivelmente perpetrados por quem está vinculado a uma organização partidária.

Nos termos do n.º 3 do artigo 19.º dos Estatutos da UNITA “a) a suspensão consiste na interrupção dos direitos de membro do Partido durante o período da sanção; b) enquanto durar a sanção o infractor deve cumprir os seus deveres partidários; c) a suspensão é aplicada a casos de infracções graves”.

Em consonância com o disposto no n.º 2 do artigo 26.º do Regulamento Interno da UNITA, “o membro que cometer infracção grave é sancionado com repreensão ou suspensão, conforme a natureza e as circunstâncias da infracção”.

Ora, dos dispositivos normativos supracitados, se apreende que a medida disciplinar em tela tem carácter transitório, restringindo, por prazo determinado, o exercício dos direitos do membro, sem prejuízo do cumprimento de seus deveres estatutários.

Quanto à alegada suspensão preventiva desprovida de audiência prévia e de processo disciplinar, imposta pela Comissão Política da UNITA, mantida durante dois (2) anos, é mister, em princípio, acentuar que o carácter temporário da suspensão preventiva visa, efectivamente, garantir que a providência adoptada não se dilate além do necessário, respeitando os limites máximos estabelecidos na legislação aplicável.

Nesta conformidade, estatui o n.º 2 do artigo 35.º do Regulamento do Conselho Nacional de Jurisdição e Auditoria da UNITA, que “a suspensão preventiva não deve exceder o prazo de instrução”.
Por conseguinte, o n.º 1 do artigo 34.º do aludido diploma impõe que “a instrução do processo deve concluir-se no prazo de 30 dias que pode ser prorrogado por mais 15 dias, por deliberação do órgão de disciplina competente, quando a complexidade da questão ou outro motivo justifique”.

Por outro lado, o processo disciplinar, latu sensu, é instaurado para apurar infracções que lesem o interesse de um ente jurídico, não podendo, contudo, ser arbitrário, sendo exigida para o efeito, a observância do princípio da legalidade.

Com efeito, resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Regulamento do CNJA que “constitui nulidade insuprível: a aplicação das medidas disciplinares de repreensão, suspensão e expulsão, sem processo disciplinar”.

A audiência prévia, por seu turno, outorga ao sujeito passivo, a possibilidade de se pronunciar sobre os actos processuais praticados pela contraparte. Nela está em causa, fundamentalmente, o princípio do contraditório, que corresponde ao direito reconhecido ao interessado para tomar conhecimento das alegações da parte contrária de modo a poder contrapor, podendo influenciar o juízo competente. O princípio do contraditório constitui uma garantia democrática que confere a participação efectiva das partes em um processo, visando garantir que não se tome medidas sem que se proporcione o direito ao contraditório. É o que resulta do n.º 2 do artigo 174.º da Constituição da República de Angola (CRA).

Ora, no âmbito disciplinar intrapartidário, o princípio do contraditório se assume como um instrumento de equilíbrio entre o órgão estatutário e o membro do Partido, na medida em que garante a concretização de uma decisão justa, alicerçada, especialmente, nos estatutos, regulamentos e demais diplomas reitores da vida interna do Partido.

De forma expressa, o n.º 1 do artigo 36.º do Regulamento do Conselho Nacional de Jurisdição e Auditória (adiante CNJA) estabelece que “o arguido deve ser notificado, para comparecer a fim de ser ouvido em declaração nos autos”.

Por conseguinte, resulta do n.º 1 do artigo 32.º do Regulamento Interno da UNITA, o imperativo segundo o qual “o membro do Partido não pode ser sancionado sem ter sido previamente ouvido, salvo a advertência”. A aplicação de qualquer sanção, salvo a advertência, deve ser precedida de audiência do membro, sendo declarada nula oficiosamente, ou por arguição de qualquer membro ou órgão se a referida diligência não ocorrer, tal como se extrai do preceituado no n.º 2 do artigo em revista.

Com efeito, o Regulamento do CNJA prevê nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 45.º que “constitui nulidade insuprível: a falta de notificação do arguido para ser ouvido nos autos ou para contestar a acusação querendo”.

Adlezio Agostinho, ao se referir sobre o princípio do contraditório, aponta que “este princípio fundamenta-se na expressão latina audiatur et altera pars (que significa que ninguém pode ser acusado sem ser ouvido, as partes devem ter as mesmas prerrogativas durante o desenvolvimento da relação jurídica processual), expressão essa que visa garantir a ciência bilateral de todos os actos e termos processuais, de tal modo que tem como objectivo garantir a efetivação do binómio informação acusação - defesa. O direito do contraditório estipula a regra de que nenhum conflito é decidido sem que a outra parte seja dada a possibilidade de deduzir a oposição. Nesta perspectiva, este princípio proíbe a prolação de decisões surpresas (...) “(Manual de Direito Processual Constitucional, AAFDL Editora, 2023, pp. 402-403).

Ora, consoante o ordenamento jurídico, o direito à ampla defesa configura-se como elemento indissociável do processo disciplinar, sendo exercido por intermédio da contestação à nota de culpa, na qual o membro poderá postular a realização de diligências probatórias. Destarte, a instauração de um processo disciplinar confere ao membro o direito de controverter as acusações a ele imputadas.

Das alegações do Requerente e dos documentos juntados aos autos, se extrai claramente a ideia segundo a qual, a inquietude do mesmo se cinge no facto de a deliberação proferida pelo Conselho Nacional de Jurisdição e Auditoria, a 4 de Dezembro de 2021 (cf. fl. 255 a 265 dos autos), que o conduziu à suspensão da Comissão Política, por 2 (dois) anos, ter tido como corolário natural a não participação no XIII Congresso Ordinário da UNITA, sede em que ocorre a renovação de mandatos dos membros da aludida Comissão Política, realizada entre 2 a 4 de Dezembro de 2021, pelo que a não renovação do respectivo mandato neste órgão, o afastaria, consequentemente, da Comissão Política (cf. n.º 1 do artigo 33.º dos Estatutos da UNITA).

Da redacção extraída do n.º 2 do artigo 13.º dos Estatutos da UNITA, perfilham, entre outros, como requisitos para se ser eleito ao cargo de Presidente do Partido: (i) Ter, na data da apresentação da candidatura, os últimos 15 anos de militância ininterrupta, consequente e irrepreensível (alínea b); e (ii) Ser membro da Comissão Política (alínea e).

Sucede que, a suspensão faz suster, transitoriamente, o exercício dos direitos político-partidários, colocando em causa a ininterruptibilidade da militância. Ainda mais comprometedora das eventuais ambições do Requerente, consiste no facto de actualmente, não ser membro da Comissão Política, uma das condições para concorrer a liderança do Partido. Neste particular, verdadeiramente, reside a razão dos pedidos de declaração de nulidade das deliberações, mormente da deliberação que suspendeu o Requerente da Comissão Política.

Neste particular, importa indagar se pode esta Corte Constitucional reverter tal situação. Sobre a exposta colocação, cumpre discorrer infra.

Como supracitado, a Comissão Política é eleita em Congresso. A composição dos órgãos colegiais (dos quais faz parte a Comissão Política) saídos do XIII Congresso Ordinário da UNITA, que decorreu entre 2 e 4 de Dezembro de 2021, fez parte do dossier entregue ao Tribunal Constitucional no âmbito do processo de anotação do referido conclave.

Por outro lado, a realização de congressos nas lides do partido UNITA está acoplada a periodicidade que decorre do disposto nos termos do n.º 1 do artigo 27.º dos Estatutos, segundo o qual “o Congresso reúne-se ordinariamente, de quatro em quatro anos por convocação do Presidente do Partido, ouvida a Comissão Política”. Todavia, o Requerente, enquanto membro da Comissão Política cessante, sequer participou do simpósio em face do qual se elegeu a Comissão Política vigente.

Indubitavelmente que não se insere nas competências deste Tribunal mandar integrar, judicialmente, membros de partidos políticos nos órgãos destes, ainda mais se tratando de entes de natureza electiva. Isso configuraria uma violação ao princípio da autonomia dos partidos, assim como da afirmação jurisprudencial do princípio da intervenção mínima na vida dos partidos políticos.

Esta tem sido a posição extraída da jurisprudência desta Corte, à luz da qual, “a intervenção do Tribunal Constitucional no que concerne ao controlo da conflitualidade interna dos partidos, deve ser balizada pelo princípio da intervenção mínima, o que também encontra justificação em face da autonomia que lhes é conferida” (Acórdão n.º 737/2022).

Nesta medida, em sede dos conflitos intra-partidários, a intervenção do Tribunal Constitucional se circunscreve ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 63.º da Lei do Processo Constitucional, o que está igualmente amparado no n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos. A intervenção da Corte, se circunscreve, assim, a matérias que têm que ver com a impugnação de eleições e deliberações de órgãos de partidos políticos ou de resolução de quaisquer conflitos internos que resultem da aplicação de estatutos e convenções partidárias.

assim, é incontornável a convicção de que não é possível ao Requerente integrar a Comissão Política actual, dado que esta foi eleita em Congresso.

De resto, do articulado (fl. 4) resulta que o próprio Requerente optou por não atacar, oportunamente, a sanção disciplinar de suspenção. Dos autos é possível constatar que “o Requerente preferiu suportar tudo isso em silêncio”.

Ora, nos termos do artigo 23.º dos Estatutos da UNITA, “o membro do Partido pode recorrer da sanção que lhe tenha sido aplicada, ao órgão ou organismo imediatamente superior”.

Analogamente, se extrai do n.º 1 artigo 28.º do Regulamento Interno da UNITA que “os actos praticados pelos órgãos do Partido estão sujeitos à impugnação, quando não se conformem com os Estatutos ou Regulamentos do Partido, com a Constituição e com a Lei, devendo a acção ser intentada junto do Conselho Nacional de Jurisdição e Auditória no prazo de vinte dias, a contar da data do conhecimento da prática do acto impugnável”.

b) Da cessação de filiação no Partido

Quanto à alegada cessação de filiação imposta pelo CNJA, por Deliberação n.º 12/11/023, no Processo n.º 12/CNJA/023-PJ, cabe liminarmente aludir que, nas lides partidárias, a cessação de filiação consiste na ruptura do vínculo entre o Partido e o membro. Tal ocorre por razões distintas, dentre as quais, a mudança de partido por decisão do membro, bem como por determinação interna do próprio partido, em virtude da violação de normas estatutárias. No caso em concreto, tal medida se evidenciou, em razão de o Requerente, presumivelmente, ter adoptado conduta incompatível com as directrizes do partido UNITA.

Nesta ordem de ideias, à luz do estatuído no artigo 28.º da Lei dos Partidos Políticos (Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro), perfilham entre as premissas para o cancelamento da filiação partidária as seguintes: a) morte; b) ingresso na magistratura; c) incorporação nas Forças Armadas Angolanas ou nas Forças Policiais; d) renúncia; e) expulsão do partido; f) filiação em outro partido; g) candidatura ao exercício de cargo político no Estado por parte de outro partido político”.

O parágrafo único do artigo 9.º do Estatutos da UNITA, determina que “cessa a filiação no Partido o membro que se apresente em qualquer acto eleitoral em candidatura adversária da candidatura apresentada ou apoiada pela UNITA”.

De igual modo, o parágrafo único do artigo 24.º do Regulamento da CNJA, determina que “cessa definitivamente a filiação no Partido o militante que se apresentar em qualquer acto eleitoral em candidatura adversaria da candidatura apresentada ou apoiada pela UNITA”.

O Regulamento Interno da UNITA, estabelece nos termos do seu artigo 4.º que, “o membro cessa a sua filiação no Partido: a) por morte; b) por renúncia; c) por expulsão do Partido; d) por suspensão automática devido a imperativos legais, tais como os resultantes do ingresso na magistratura judicial ou nas forças de defesa e segurança; e) por filiação em outro Partido; f) por se apresentar em qualquer acto eleitoral em candidatura adversária da(s) candidatura(s) apresentada(s) ou apoiada(s) pela UNITA”.

Ora, os partidos políticos possuem autonomia para definir regras e critérios para admissão e afastamento dos respectivos membros. No entanto, na hipótese de cessação de filiação, são vedados critérios incompatíveis à Constituição da República de Angola, à lei, aos Estatutos e demais diplomas reitores da vida do Partido.

Neste contexto, a cessação de filiação partidária deve, excepcionalmente, ocorrer sob amparo das disposições normativas previamente aludidas. Dito de modo distinto, o vínculo partidário, apenas, se extingue quando se verificarem os cenários que derivam do contexto legal em revista. De contrário, pode resultar em nulidade da deliberação em crise em virtude de ter sido operada a margem das premissas que decorrem do disposto nos diplomas acima aludidos.

Entrementes, dos autos não se extraem quaisquer referências segundo as quais, o aqui Requerente tenha participado, efectivamente, do evento que ditou o seu afastamento das lides do partido UNITA.

Todavia, na sua contestação, nos articulados 28.º, 30.º e 36.º, a Requerida afirma que o vínculo jurídico entre o Requerente e o Partido já foi reposto e que, não existem quaisquer outros processos contra o Requerente, para além daquele no qual foi prolactada a suspensão (cf fls. 243, 244, 245 e 270 dos autos), estando este, no presente momento, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos. No mais, o Requerente, no artigo 10.º do requerimento (cf. fl 5 dos autos), confirma que a deliberação onde se decidiu a (suposta) cessação de filiação já foi anulada, em Janeiro de 2024. Portanto, da análise dos autos, esta questão deve ser considerada provada.

c) Da instauração do procedimento disciplinar relativo a factos ocorridos em 2022

Quanto a este particular, vale salientar que no caso em concreto, os actos que serviram de sustentáculo para a instauração do novo processo disciplinar contra o Requerente, remontam a 2022. Porém, foram submetidos a censura em 2024, ao abrigo da deliberação n.º 01/01/24 relativa ao processo n.º 12/CNJA/023-PJ (cf. fls. 141).

A este respeito, o Regulamento do CNJA, consagra no n.º 2 do artigo 34.º que “o procedimento disciplinar caduca no prazo de 30 dias, contando da data em que o órgão de jurisdição competente teve conhecimento da infracção”.

Nesta senda, a instauração do processo disciplinar sobre factos ocorridos a margem do legalmente previsto, evidencia, integralmente, violação da norma em apreço, e, por conseguinte, torna inválida a sanção dela emergida, na medida em que extrapola o limite.

Com efeito, a ocorrência da caducidade do procedimento disciplinar, constitui nulidade insuprível. É o que se extrai do consignado na alínea d) do n.º 1 do artigo 45.º do Regulamento do CNJA.
Manuel de Andrade atesta que “a caducidade ou preclusão é um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não exercício prolongado por certo tempo, o fundamento específico da caducidade é o da necessidade da certeza jurídica. O direito da acção caduca pelo decurso do respectivo prazo sem que tenha sido exercido pelo seu titular“ (Teoria da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina Editora, 1998, p. 463).

Na perspectiva de Luís Alberto Carvalho Fernandes “é o instituto pelo qual os direitos, que por força da lei ou de convenções, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo“ (Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, p. 705).

Os prazos de caducidade incidem, em regra, a partir do período em que o direito se torna exercitável. Logo, o exercício da competência disciplinar pelo CNJA, a margem do lapso temporal assente, coloca, inequivocamente, em crise o princípio da legalidade, princípio este amparado pelo artigo 1.º dos Estatutos da UNITA, segundo o qual, “o partido rege-se pelos presentes Estatutos e Regulamentos do Partido, pela Lei dos Partidos Políticos e demais legislação aplicável”. Entretanto, em face do que se deixou expendido no tópico acima, decorrente do artigo 10.º do já mencionado requerimento do Requerente, esta questão se afigura prejudicada pela solução ali exposta.

d) Da medida disciplinar de repreensão registada relativa a factos ocorridos em 2022

Importa, prima facie, patentear que na escala das sanções disciplinares, a repreensão registada consiste no registro escrito de uma punição aplicada em virtude da prática de uma conduta incompatível com os ditames legalmente previstos, conduta esta, susceptível de subverter o funcionamento da organização.

Da conjugação dos artigos 19.º, n.º 2, dos Estatutos da UNITA e 24.º, n.º 2, do Regulamento do CNJA, resulta que “a repreensão consiste na crítica à conduta do infractor, no órgão a que está vinculado. E tem por fim alertá-lo dos danos que os actos por ele praticados podem causar ao Partido; b) A sanção de repreensão é sempre registada e averbada no processo individual; c) A repreensão é aplicada nos casos de infracções médias”.

Compulsados os autos, se extrai a fl. 146, que a alegada medida disciplinar adveio do facto de o aqui Requerente ter participado e se pronunciado publicamente, no acto de tomada de posse do Presidente do MPLA, empossado como Presidente da República, comportamento que ocorreu ao arrepio da decisão do Partido UNITA, que declinou o convite por não estar de acordo ao modo de eleição do Presidente empossado, por um lado.

Por outro, por ter, igualmente, se pronunciando publicamente contra a participação de deputados do Partido UNITA numa manifestação pública convocada pela sociedade civil; por ter publicado nas redes sociais a deliberação n.º 12/11/023 e dos Doutos Despachos exarados pelo Presidente do CNJA; bem como, por ter mantido ligação directa com indivíduos expulsos que hostilizam publicamente de modo reiterado e continuado o Partido, tal como se extrai da nota de culpa relativa ao Processo n.º 02/CNJA/024-PJ, da autoria do Conselho Nacional de Jurisdição e Auditoria da UNITA.
Na verdade, os actos descritos acima foram praticados em 2022, e o Conselho Nacional de Jurisdição e Auditoria, órgão que proferiu a deliberação, fê-lo em 2024, tal como se extrai da deliberação n.º 02/03/2024, exarada a 4 de Março de 2024 (cfr. fl. 89 a 91).

Nesta senda, a decisão em tela colide frontalmente com o previsto no n.º 2 do artigo 34.º do Regulamento do CNJA, segundo o qual “o procedimento disciplinar caduca no prazo de 30 dias, contando da data em que o órgão de jurisdição competente teve conhecimento da infracção”.

Com efeito, a constatação da caducidade do procedimento disciplinar, constitui nulidade insuprível, tal como se extrai do texto consignado na alínea d) do n.º 1 do artigo 45.º do Regulamento do CNJ.

Em decorrência disso, a deliberação impugnada, violou de forma patente, o direito à ampla defesa e contraditório, o princípio do devido processo legal, bem como o princípio da legalidade, em virtude de os factos já aludidos terem sido censurados em sede de um procedimento disciplinar precludido. Todavia, a questão em apreço, à semelhança da anterior e pelas mesmas razões já encimadas, se encontra também prejudicada.

e) Da violação do princípio legal de decisão e da omissão do dever de decidir

Quanto a invocada violação do dever de decidir, vale, a este respeito, asseverar que o princípio legal da decisão é um dos pilares da ordem jurídica angolana, especialmente, no âmbito processual, porquanto, visa garantir a justiça, a segurança jurídica, bem como a transparência das decisões. Contribui, igualmente, para a protecção dos direitos fundamentais, pois assegura que as decisões sejam proferidas com fulcro nas normas jurídicas aplicáveis, em especial a Constituição, leis, Estatutos, regulamentos e outros diplomas que comportam o quadro normativo partidário.


Dos autos (fl. 54, 109) se extrai, notoriamente, que o aqui Requerente submeteu dois (2) recursos ao CNJA, com o intuito de obter deste, a declaração de nulidade das deliberações ora impugnadas. Todavia, dos autos não se aparta qualquer reacção do CNJA, em face dos recursos submetidos. Por conseguinte, tal absentismo gerou incertezas no contexto dos direitos e deveres partidários do aqui Requerente.

Ora, o direito a uma decisão deriva, em regra, de uma pretensão formulada, sempre que estiver em causa a defesa de interesses próprios do peticionante, impondo, assim, o exercício da competência do órgão Requerido.

No fundo, o que aqui se pretende caucionar é que as decisões dos órgãos públicos sejam prolatadas de forma célere e transparente, evitando, deste modo, que as lideranças partidárias adiem deliberadamente as questões importantes no seio do Partido.

Com efeito, a não emissão de uma posição por parte do órgão competente sobre as questões cogitadas pelo Requerente, privou-o do exercício de direitos no seio do partido. Na senda do que se deixou figurado nos tópicos acima, não sendo este uma excepção, se acha também prejudicado pelos mesmos fundamentos.

De resto, em face do acima exposto, ainda que fosse de se aderir à asserção do Requerente e, no limite, fossem declaradas nulas todas as deliberações que corporizam as alegadas sanções disciplinares materializadas ao arrepio dos diplomas em revista, continuaria esta Corte sem poder vislumbrar em que medida é que esta decisão, no presente momento, teria utilidade, uma vez que, como referido e documentalmente comprovado (fls. 270 e 271 dos autos) pelas próprias partes, contra o Requerente já não pendem quaisquer limitações em relação ao exercício dos seus direitos e deveres como militante do Partido.

Das contra alegações (fls. 243-244) se extrai, declaradamente, que “os direitos político-partidários do Requerente na UNITA, já terem sido repostos, incluindo os reclamados “plenos direitos de participação política e a capacidade eleitoral passiva” e apesar de não reclamada a capacidade eleitoral activa, essa também foi reposta “i.e”, o Requerente pode votar, embora o Requerente tenha como único foco a capacidade eleitoral passiva, ou seja, pretende apenas e tão somente ser votado”.

Em face do acima exposto, é entendimento desta Corte, estar a presente acção maculada pela inutilidade superveniente da lide, em consonância com o que se extrai da alínea e) do artigo 287.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC, que tem como corolário a extinção da instância.

Na doutrina, José Lebre de Freitas sustenta que “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” (Código de Processo Civil Anotado, 2.ª ed., Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 555).

Sob o mesmo prisma, Abílio Neto advoga que “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objecto do processo” (Código de Processo Civil Anotado, 22.ª ed., Ediforum, 2009, p. 456).
Destarte, pelos fundamentos acima, dúvidas não restam que o efeito jurídico que se pretendia lograr com a presente acção afigura-se supervenientemente inútil, na medida em que o fim visado pelo Requerente já foi alcançado na sua plenitude, pelo que, essa Corte limita-se a declarar a extinção da instância.

Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DECLARAR A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, NOS TERMOS DAS ALÍNEAS E) DO ARTIGO 287.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, EX VI DO ARTIGO 2.º DA LEI N.º 3/08, DE 17 DE JUNHO – LEI DO PROCESSO CONSTITUCIONAL.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 18 de Dezembro de 2024.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dr. João Carlos António Paulino (Relator)
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto