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ACÓRDÃO N.º 993/2025
 
PROCESSO N.º 1221-A/2024
Processo de Fiscalização Abstracta Sucessiva
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I.   RELATÓRIO 
Ordem dos Advogados de Angola (OAA), na qualidade de Requerente, veio a este Tribunal, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 230.º da Constituição da República de Angola (CRA), artigo 18.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) e da alínea f) do artigo 27.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), intentar a presente acção de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade do artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro, Regime Jurídico do Número de Identificação Fiscal.
O Requerente fundamenta o seu pedido enunciando a restrição de direitos fundamentais consagrados na CRA, tais como o direito à propriedade privada e liberdade de iniciativa económica e os direitos de circulação e emigração e de associação, previstos nos artigos 37.º, 38.º, 47.º e 48.º, respectivamente, todos da Constituição.
Em síntese, o Requerente alega que: 
1. O artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro (Regime Jurídico do Número de Identificação Fiscal) determina que o titular de um Número de Identificação Fiscal (NIF) suspenso ou cessado, fica impedido de exercer quaisquer direitos junto da Administração Pública, bem como de qualquer entidade pública ou privada de onde possa advir a obtenção de um benefício económico. 
2. Além disso, fica impedido de realizar as variadas operações, designadamente, emissão de facturas, abertura de conta bancária, levantamento, transferência e demais operações bancárias, emissão de valores mobiliários, intermediação financeira, importação e exportação, solicitação de alvarás e licenças, renovação de vistos, obtenção de passaportes e carta de condução, inscrição e actualização de dados em ordens profissionais. 
3. Facilmente, se percebe que o artigo 15.º cria severas restrições a variados direitos fundamentais consagrados na Constituição da República de Angola (CRA). Desde logo, aos direitos económicos fundamentais previstos nos artigos 37.º e 38.º da CRA (propriedade privada e liberdade de iniciativa económica), cujo exercício fica impedido nos termos do aludido artigo. Igualmente, afectados são os direitos de circulação e emigração (artigo 46.º da CRA), de associação (artigo 48.º da CRA), entre outros, não mencionados na presente enumeração exemplificativa que se vislumbra bastante. 
4. Todos os direitos fundamentais mencionados têm a natureza de direitos, liberdades e garantias, cuja disciplina está estabelecida no n.º 1 do artigo 28.º da CRA, onde se prevê que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias fundamentais são directamente aplicáveis e vinculam todas as entidades públicas e privadas, por um lado. Por outro, no artigo 57.º da CRA, que proíbe a restrição de direitos, liberdades e garantias, excepto nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Garantindo, igualmente, que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias tenham de revestir carácter geral e abstracto e não podendo ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão, tampouco o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. 
5. Consequentemente, não se vislumbra o fundamento legal do artigo 15.º, na medida em que, um Decreto Presidencial não dispõe de qualquer possibilidade de per si restringir por qualquer forma um direito fundamental. Refira-se, ademais, que a norma garantística de regulamentos independentes do artigo 57.º, ao limitar as possibilidades de restrições de direitos fundamentais, tem como efeito a vedação absoluta da existência de regulamentos independentes (como parece ser este Decreto Presidencial) restringindo direitos fundamentais;   
6. Adicionalmente, mesmo que se considerasse que alguma lei habilitadora terá existido, permitindo a restrição de direitos em relação aos não portadores de NIF, teremos que verificar se essa restrição concreta se limita ao necessário, proporcional e razoável, numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, bem como não diminui a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (n.ºs 1 e 2 do artigo 57.º);
7. As situações de suspensão do NIF que automaticamente retiram direitos fundamentais, não estão assentes em nenhuma lei, não resultam de qualquer decisão judicial, mas sim dum processo administrativo dentro da AGT;                
8. Na prática, permite-se que a AGT, passado um ano ou suspeitando da existência de um crime (nem sequer havendo alguma acusação criminal) suspenda os direitos económicos de um cidadão. Isso é manifestamente irrazoável e desproporcional. E obviamente, permite que a AGT por decisão unilateral esvazie o conteúdo essencial de um direito fundamental.      
9. Ora, é essa arbitrariedade desproporcional e irrazoável que é concedida a AGT, permitindo-lhe retirar direitos fundamentais a uma pessoa, sem qualquer processo judicial, meramente como resultado duma decisão administrativa, a que se adiciona o facto dessa decisão poder ser tomada com base num conteúdo indiscriminado como é a mera suspeita da prática de um crime, o que obviamente viola o artigo 57.º da CRA.            
Termina as suas alegações pedindo que este Tribunal declare a inconstitucionalidade do artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro (Regime Jurídico do Número de Identificação Fiscal). 
Notificado o Órgão Autor da norma para se pronunciar, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º e alínea c) do n.º 2 do artigo 29.º ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), veio o Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República em representação, deduzir oposição nos seguintes termos e fundamentos: 
1. Angola é um Estado de Direito com preocupações sociais, financiando-se essencialmente com receitas resultantes dos tributos, nos termos das disposições combinadas dos artigos 2.º, 90.º e 101.º, todos da Constituição da República de Angola (CRA).
2. Em face do caderno de encargos que o Estado angolano assume por força da CRA, é a todos imposto o dever fundamental de contribuir para as despesas públicas e da sociedade (vide artigo 88.º da CRA), de tal sorte que o Estado possa cumprir as suas principais tarefas constitucionais, de que se destacam a promoção da justiça social e a redistribuição de riqueza.
3. Apesar do entendimento do dever de pagar tributo como uma das bases da experiência democrática, a tributação ainda é rejeitada socialmente, sendo uma grande parcela da sociedade contrária à tributação.
4. Entre o Estado e os cidadãos (nacionais ou estrangeiros) estabelece-se uma relação especial, a relação jurídico-fiscal, que se concretiza sempre que os últimos manifestarem capacidade económica/ capacidade contributiva. 
5. Em sede infra-constitucional, é no Código Geral Tributário (CGT), aprovado pela Lei n.º 21/14, de 22 de Outubro, com a redação que conferida pela Lei n.º 21/20, de 9 de Julho, que se concretiza o modo de constituição da obrigação tributária dos particulares em relação ao Estado. 
6. Ao abrigo do artigo 24.º, a obrigação tributária é constituída com a verificação dos factos que definem a incidência do respectivo tributo.
7. Desde logo, o CGT consagra no artigo 61.º o princípio da indisponibilidade do crédito tributário, querendo significar que a Administração Geral Tributária (AGT), enquanto administração tributária nacional, não pode deixar de perseguir e cobrar, em nome do interesse público de arrecadação, todas as manifestações de capacidade contributiva conforme definidas constitucionalmente. 
8. Acresce que o direito do credor tributário (Estado) ao imposto devido, beneficia de um amplo conjunto de garantias especiais, de raiz constitucional, consagradas nos artigos 64.º e seguintes do CGT, concorrendo todas para o cumprimento da obrigação tributária que impende sobre os particulares/contribuintes. 
9. De facto, àquele conjunto de disposições normativas genéricas é ainda necessário acrescer normas jurídicas mais específicas, que confiram competências para que a Administração Tributária possa actuar em casos de violação, pelos particulares/contribuintes, das suas obrigações tributárias. 
10. O referido regime aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro, estabelece as regras de atribuição, composição e utilização do Número de Identificação Fiscal para as pessoas singulares e colectivas, bem como os seus mecanismos de controlo e de gestão, incluindo a suspensão e cessação, como corolário e em concretização de um conjunto de regras já existentes no sistema tributário. 
11. Este regime não estabelece em bom rigor quaisquer sanções de natureza tributária, na medida em que estas vêm previstas no Código Geral Tributário, mais concretamente nos artigos 144.º a 218.º e nos Códigos específicos dos impostos e não no RJNIF.
12. Por força dos artigos 13.º, 14.º e 15.º do RJNIF são fixadas as regras a observar em sede de cadastro de contribuintes, nos casos de impossibilidade de contacto pela Administração quer seja definitiva, como ocorre nos casos de extinção das pessoas colectivas em virtude de falência, insolvência, fusão e cisão e no caso de morte das pessoas singulares, quer seja a título temporário, como ocorre nos casos de inactividade prolongada ou de contribuintes incontactáveis, sendo que, nos casos de incumprimento, caso o contribuinte esteja contactável ou existam bens penhoráveis, o Código das Execuções Fiscais estabelece mecanismos de cobrança coerciva, não sendo, neste caso, aplicável o regime de suspensão do NIF.
13. É ponto assente que ao suspender o NIF do contribuinte, em consequência do incumprimento das suas obrigações tributárias, o objectivo é impelir o mesmo a ir ao encontro da administração tributária para a regularização da respectiva situação, podendo ainda, no caso de contribuinte singular, declarar o impedimento de exercício da sua actividade.
14. O contribuinte com o NIF suspenso, ao tomar conhecimento da suspensão, vai ao encontro da administração para ser notificado do incumprimento e requerer o imediato levantamento da suspensão mesmo antes da regularização da situação, nos casos em que haja reclamação administrativa ou recurso hierárquico. 
15. O que está em causa são apenas normas procedimentais que, de algum modo, visam também salvaguardar os interesses dos contribuintes, sendo que, os efeitos decorrentes, previstos no artigo 15.º do RJNIF, não representam restrições de direitos fundamentais.  
16. A disposição normativa em referência cuidou somente de transcrever e transformar os efeitos decorrentes de diversos diplomas legais vigentes no ordenamento jurídico nacional, com valor e força de lei, reguladores de operações elencadas no n.º 1, os quais impõem que todos os contribuintes tenham a situação tributária regularizada, designadamente, o Código Geral Tributário, aprovado pela Lei n.º 21/14, de 22 de Outubro, o Código das Execuções Fiscais, aprovado pela Lei n.º 20/14, de 22 de Outubro, o Código de Valores Mobiliários, aprovado pela Lei n.º 22/14, de 31 de Agosto, o Regulamento de licenciamento das importações, aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 126/20, de 5 de Maio, dentre outros.  
17. Importa ainda referir que não estão em causa a limitação de liberdades individuais, como tenta erradamente fazer crer a OAA. Todas as regras fixadas no artigo 15.º visam tão-somente afectar o exercício da actividade económica por parte de quem, manifestando capacidade contributiva, não seja cumpridor das obrigações tributárias. 
18. Assim, resulta de todo o exposto que a definição dos critérios para a atribuição, composição, utilização, bem como os mecanismos de controlo e de gestão do Número de Identificação Fiscal, por via do Regime Jurídico do Número de Identificação Fiscal, aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro, decorre de uma pluralidade de normas do sistema jurídico-tributário, cujo sentido se extrai por força de interpretação sistemática, facto que impossibilita a sua indicação minuciosa no regulamento. 
19. Da interpretação do sistema jurídico-tributário resulta, clara e inequívoca, a validade do Regime Jurídico do Número de Identificação Fiscal, aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro, enquanto regulamento de execução de várias normas pré-existentes. 
20. Tais competências, atribuídas à Administração Geral Tributária, por via dos diplomas retro mencionados, ao contrário do que entende a OAA, resultam da necessidade de implementação de um sistema de cobrança dos tributos célere, justo e eficiente, tendo em conta a necessidade de arrecadação de receitas do Estado para a satisfação das necessidades da colectividade, em harmonia com o disposto nos artigos 88.º e 102.º da Constituição da República de Angola. 
Termina requerendo que o Tribunal Constitucional julgue improcedente a pretensão da requerente e, em consequência, declare a constitucionalidade do artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro, por estar em conformidade com a Constituição.  
II.  COMPETÊNCIA 
O Tribunal Constitucional é competente para apreciar e decidir com força obrigatória geral a presente acção de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade do artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 245/21 de 4 de Outubro, Regime Jurídico do Número de Identificação Fiscal, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 181.º e do artigo 230.º da CRA, da alínea a) do artigo 16.º e do artigo 18.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), bem como da alínea b) do artigo 3.º e do n.º 1 do artigo 26.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC). 
III.  LEGITIMIDADE
Nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 230.º da CRA e da alínea f) do artigo 27.º da LPC, a Ordem dos Advogados de Angola dispõe de legitimidade para, a todo o tempo, requerer a apreciação abstracta sucessiva da constitucionalidade de qualquer norma em vigor no regime jurídico interno. 
IV.  OBJECTO
A presente acção de fiscalização abstracta sucessiva tem como objecto a sindicância da conformidade constitucional do artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro, Regime Jurídico do Número de Identificação Fiscal. 
V.  APRECIANDO
A Ordem dos Avogados de Angola, Requerente, intentou a presente acção de fiscalização abstrata  sucessiva da constitucionalidade do artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro (Regime Jurídico do Número de Identificação Fiscal) por entender, como alega, que a consagração do artigo em causa conflitua com direitos fundamentais, maxime o da propriedade privada, da liberdade de iniciativa económica, de circulação e de emigração, com previsão nos artigos 37.º, 38.º, 46.º e 48.º, todos da Constituição da República de Angola (em diante designada apenas por CRA). 
Concluiu que a norma em crise não atende aos pressupostos exigíveis para a restrição de direitos fundamentais contidos no artigo 57.º da CRA, designadamente os critérios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade com vista a salvaguarda de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. E, por consequência, o caminho a percorrer só pode ser o da declaração da inconstitucionalidade da norma conflituante por restringir direitos fundamentais, com as consequências previstas no artigo 231.º da CRA.
Notificado o Presidente da República, órgão autor da norma, doravante designado por Requerido, representado nestes autos pelo Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil, em sede da sua oposição, sustenta que o Regime Jurídico do NIF, fixa apenas os procedimentos a serem observados em sede da composição, atribuição, suspensão e cessação do NIF.
Entende o Requerido que, a suspensão do NIF não constitui medida sancionatória, mas um meio para impelir o contribuinte a ir ao encontro da Administração Tributária para regularizar a sua situação tributária e constitui um meio garantístico do contribuinte, na medida em que impede que, durante o período de inactividade, continuem a ser vencidas as obrigações tributárias, colocando o contribuinte em situação de incumprimento reiterado. O RJNIF, não estabelece quaisquer restrições de direitos fundamentais, conquanto entende que, o mesmo, se limita a descrever os efeitos já previstos em leis formais anteriores e vigentes no ordenamento jurídico angolano. 
A fiscalização abstracta sucessiva consagrada nos artigos 230.º e 231.º da CRA é regulada pelos artigos 26.º a 30.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC). O seu objecto é sempre a apreciação da constitucionalidade de qualquer norma que se encontre desarticulada com a Constituição. Como sustenta Onofre dos Santos, “a fiscalização abstracta sucessiva tem por fim erradicar uma norma do ordenamento jurídico. Se há uma lei ilegítima, porque não cumpre os critérios do artigo 6.º da CRA, deve ser eliminada” (Lei do Processo Constitucional Anotada, Texto Editores, 2016, p. 31).
Contudo e tendo ocorrido, na pendência da presente acção, a alteração legislativa do Decreto posto em crise pela OAA, por força da alteração parcial dos artigos 13.º e 15.º do referido diploma legal, por força do Decreto Presidencial n.º 87/25, de 22 de Abril; e em face do que o impetrante requer importa verificar se sobre a procedência ou não da acção. 
Dispõe o artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro, que aqui se transcreve:
ARTIGO 15.º
(Efeitos da suspensão e cessação do NIF)
1. O titular do NIF suspenso ou cessado fica impedido de exercer quaisquer direitos junto da Administração Geral Tributária ou de qualquer entidade pública ou privada, de que lhe possa resultar na obtenção de uma vantagem económica, bem como de mencionar o NIF nos actos descritos no artigo 16.º do presente Diploma Legal, ficando impossibilitado de realizar, nomeadamente, as seguintes operações:
a) Emissão de Facturas e Documentos Equivalentes;
b) Abertura de Conta Bancária;
c) Levantamento, Transferência e demais Operações Bancárias;
d) Emissão de Valores Mobiliários;
e) Investimento em Valores Mobiliários;
f) Intermediação Financeira;
g) Importação e Exportação:
h) Solicitação de Alvarás e Licenças;
i) Renovação de Vistos;
j) Obtenção de Passaporte; 
k) Obtenção de Carta de Condução;
l) Inscrição e Atualização de Dados em Ordens.
2. A informação sobre o estado do NIF deve ser compartilhada com as entidades que emitem os documentos referidos no número anterior, para efeitos de materialização dos impedimentos nele previstos e demais legislação aplicável.
3. Para efeitos do número anterior, é concedido às entidades aí mencionadas o acesso à base de dados eletrônicos da Administração Geral Tributária, para a verificação do estado do NIF.
4. A decisão de suspensão do NIF cabe reclamação e recurso hierárquico, nos termos do Código Geral Tributário.
Dispõe agora o artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 87/25, de 22 de Abril, que;
ARTIGO 15º
(Efeitos da suspensão e cessação do NIF)
1. O titular do NIF suspenso de inactividade prolongada, incontactabilidade ou indício da prática do crime, bem como o titular do NIF cassado ficam impedidos de exercer direitos ou praticar actos junto de entidade pública ou privada, que lhes confira vantagem económica, bem como de mencionar ou o utilizar o NIF, ficando impossibilitados de realizar as seguintes operações:
a) Emissão de Facturas e Documentos Equivalentes;
b) Abertura de Conta Bancária;
c) Levantamento, Transferência e demais Operações Bancárias;
d) Emissão de Valores Mobiliários;
e) Investimento em Valores Mobiliários;
f) Intermediação Financeira;
g) Importação e Exportação:
h) Solicitação de Alvarás e Licenças;
i) Revogado;
j) Revogado; 
k) Revogado;
l) Revogado.
2. (…).
Ora a fiscalização requerida pela OAA, nos termos do n.º 1 e da alínea f) do n.º 2 do artigo 230.º da CRA, tinha por finalidade, expurgar do ordenamento jurídico angolano o artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro.
Considerando, pois, que no essencial a alteração legislativa operada pelo actual Decreto Presidencial n.º 87/25, de 2 de Abril, manteve no essencial o que vinha previsto no artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro, o que mantém em tese o pedido da Requerente é mister saber se, ainda assim, subsistem, na redacção artigo posto do novo diploma, dada a similitude da disposição legal, a excepção das alíneas i), J), k) e l), matérias susceptíveis de conflituar com direitos, liberdades e garantias fundamentais previstas na Constituição da República.
Para o efeito, importa proceder ao exame da eventual desconformidade da norma invocada com as alterações ora introduzidas, com as disposições dos artigos 37.º, 38.º, 46.º e 48.º, todos da CRA. Outrossim, vale referir que a interpretação do artigo em crise, não pode ser escrutinada de forma isolada, mas de modo contextualizado e intra-sistémico, com a leitura do artigo 13.º, com a nova redacção que conferida pelo Decreto Presidencial n.º 87/25, de 22 de Abril e do artigo 14.º do Decreto Presidencial em crise. 
Veja-se;
O n.º 1 do artigo 13.º do Decreto Presidencial n.º 245/21, de 4 de Outubro, estatui que, “À Administração Geral Tributária compete exclusivamente no exercício da sua actividade, suspender o NIF dos contribuintes em incumprimento das suas obrigações tributárias, em inactividade prolongada ou incontactáveis nos termos do Código Geral Tributário e demais legislação aplicável”. 
Nos termos do diploma em exame, o número de identificação fiscal é criado e atribuído aos contribuintes pela Administração Geral Tributária, gerando desta forma o cadastro fiscal do contribuinte (pessoa colectiva ou singular), cabendo, desde logo, a este serviço da Administração Pública, a verificação da conformidade da respectiva utilização, suspensão e cessação, alterações e actualização do registo. 
O regime jurídico do NIF estabelece que a Administração Tributária pode o suspender quando o contribuinte estiver em incumprimento, inactividade prolongada ou incontactável. 
O que significa cada uma das circunstâncias descritas.
A situação de incumprimento ou em inactividade prolongada ocorre sempre ou quando o contribuinte deixar de apresentar as declarações a que está obrigado e no período de um exercício fiscal. Isto é, sempre que o contribuinte deixe de apresentar alguma declaração tributária legalmente exigível, nomeadamente o DM1 do II, DM1 e 2 do IRT, Declaração do IVA, IAC e outras (sublinhado nosso), no período de um ano, estará em incumprimento. Ao contrário, quando o contribuinte proceder a apresentação de uma ou ter pago algum tributo, o incumprimento deixa de existir como circunstância justificativa para a suspensão do NIF. 
Já em relação a incontactabilidade, esta tem lugar sempre e quando esgotados os prazos para o cumprimento da obrigação - um ano - não for possível perquirir o contribuinte. A objectivação desta circunstância, impõe, entretanto, a necessidade da observação dos pressupostos do incumprimento, da inactividade prolongada e exige como nas anteriores o cumprimento por parte da administração tributária do preceituado no n.º 6 do artigo 13.º, conjugado com o artigo 93.º da Lei n.º 21/20, de 9 de Julho (Lei que Altera o Código Geral Tributário Angolano) - observância do pressuposto da notificação prévia. De recordar, que nos termos que dispõem as normas tributárias, o contribuinte só pode ser declarado incontactável depois de esgotados todos os mecanismos de notificação, pessoal, eletrónica e por edital. 
Aliás, e como defende Carlos Feijó “as notificações são a forma prevista no código para levar ao conhecimento dos particulares os actos administrativos que lhes digam respeito, a fim de sobre eles emitirem os seus juízos de discordância e assim participarem no procedimento e formação da vontade final da Administração”. E mais diz o autor que “o direito dos particulares à notificação é de tal ordem que deve ser considerado um direito fundamental de natureza análoga que a Constituição garante no artigo 200.º, n.º 3” (…) “a notificação é uma comunicação de natureza declarativa que corporiza um direito fundamental dos interessados com assento constitucional” (A Reforma do Direito Administrativo - I Procedimento Administrativo, Almedina - CFA Advogados, p. 147, 2024).
Na mesma esteira de pensamento, Cláudio dos Santos assevera que “o direito de audição prévia é a par do pedido de informação, a mais conhecida e executada garantia do contribuinte do actual sistema tributário. O seu acolhimento, expresso no artigo 85.º do CGT (com a alteração introduzida pela Lei n.º 21/20, de 9 de Julho) representou uma mudança real no paradigma relacional e procedimental entre a Administração e o Contribuinte”. (Garantia dos Contribuintes no Procedimento Tributário, REVISTA, ACTUALIZADA E AMPLIADA, Almedina, 2021, p. 83). 
Ora;
Do acima exposto se extrai a conclusão simples, clara e inequívoca de que sempre que se verificar uma situação de incumprimento de obrigações tributárias ou inactividade prolongada, deve a Administração notificar o contribuinte em situação de incumprimento e instaurar os competentes processos de execução ou transgressão conforme o caso e prosseguir com o processo de cobrança coerciva do imposto, em sede do que vem estabelecido nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 35.º, 52.º e 65.º, todos da Lei n.º 20/14, de 22 de Outubro, ( Código das Execuções Fiscais - CEF) ou ,ainda, nos casos menos gravosos (incumprimentos das obrigações secundárias) abrir o competente processo de transgressão tributária nos termos dos artigos 158.º, 206.º e ss do CGT.
Por outro lado, e no que as pessoas singulares (físicas) respeita, o procedimento de suspensão e as consequências que se extraem do artigo 15.º exala outras particularidades, desde logo, porque a norma nada diz em relação à distinção de pessoas com actividades económicas e àquelas sem esse desiderato, que estão desobrigadas da apresentação de declarações de impostos.  
De facto, a simples omissão deste pressuposto, pode levar a considerar que o quadro dos efeitos estabelecidos no artigo 15.º para as pessoas singulares abeirar-se da violação orla dos direitos, liberdades e garantias fundamentais previstos na Constituição da República, o que impõe a necessidade de um critério de verificação pontual do alcance e do conteúdo constante das alíneas da norma craseada e saber se adequadas ou proporcionais à realização da actividade fiscal e ou tributária. 
A Constituição da República de Angola contém uma parte especificamente dedicada aos direitos fundamentais, enunciados no Título II, do Capítulo II, Secção I, “Direitos e Liberdades Individuais e Colectivas” (do artigo 30.º a 55.º) e Secção II “Garantia dos Direitos e Liberdades Fundamentais” (do artigo 56.º a 75.º). Com efeito, a Constituição contém regras e princípios, que na sua globalidade, consagram um regime jurídico-constitucional específico para esta categoria de direitos fundamentais no que a aplicação, vinculação, restrição e suspensão dizem respeito.
Gomes Canotilho, por referência à Constituição portuguesa, explica-nos que há um regime geral dos direitos fundamentais e um regime específico dos direitos, liberdades e garantias. Na esteira deste autor, o regime geral dos direitos fundamentais será “um regime aplicável a todos os direitos fundamentais, quer sejam consagrados como direitos, liberdades e garantias ou como direitos económicos, sociais e culturais e quer se encontrem no catálogo dos direitos fundamentais ou fora desse catálogo, dispersos pela Constituição”. Já o regime específico dos direitos, liberdades e garantias será “uma disciplina jurídica da natureza particular, consagrada das normas constitucionais, e aplicável, em via de princípio, aos direitos, liberdades e garantias e aos direitos de natureza análoga”. 
Contudo, e ainda na esteira do pensamento do autor, “seria incorrecto dizer que existem dois regimes distintos para os dois grupos diversos de direitos fundamentais. O que existe é um regime geral (a todos aplicável) e um regime especial (próprio dos direitos, liberdades e garantias e dos direitos de natureza análoga) que se acrescenta àquele” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, p. 415).
Examinemos; 
O n.º 1 do artigo 57.º da CRA estabelece que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para a salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, já o n.º 2, preceitua que “as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.
Destarte, estas disposições constitucionais que consagram o princípio da inviolabilidade dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, como elucidam Raul Carlos Vasques Araújo/Elisa Rangel Nunes, têm como consequências essenciais: “a) as matérias relativas a direitos, liberdades e garantias apenas podem ser objecto de restrição ou limitação nos casos expressamente previstos na Constituição (princípio da reserva da Constituição); b) as restrições ou limitações aos direitos, liberdades e garantias são matérias de reserva absoluta legislativa da Assembleia Nacional; c) o acto legislativo restritivo dos direitos fundamentais deve ser precedido de uma ponderação dos bens envolvidos de forma a que haja o sacrifício mínimo dos direitos fundamentais em jogo” (Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I, Luanda, 2014, pp. 358-359).
O artigo 57.º da CRA estabelece que as restrições a direitos, liberdades e garantias fundamentais só podem ocorrer se: “a) estiverem previstas em lei formal; b) respeitarem o princípio da proporcionalidade; c) se forem necessárias para proteger outros direitos fundamentais ou interesses públicos relevantes e não comprometerem o núcleo essencial dos direitos fundamentais restringidos”.
A Constituição angolana, inspirada em ideais assentes na justiça, na igualdade, na dignidade da pessoa humana e na garantia de direitos fundamentais, exteriorizados na sua mediatização, positivação e plena efectivação, proclama este princípio como uma trave-mestra de critérios lógicos que ditam parâmetros de necessidade, razoabilidade, adequação e ponderação na tomada de decisões judiciais, de modo a ajustar equilíbrios sopesando os direitos e os interesses em contenda.
Com efeito, o princípio da proporcionalidade estabelece freios e «contra-freios» na ponderação dos direitos fundamentais aplicáveis, de modo que não sejam excessivos nem insuficientes para os fins persecutórios da justiça material e efectiva na tomada de decisões. Cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1988, pp. 296 e ss.
Atentos ao artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 245/21, com a nova redacção dada pelo Decreto Presidencial n.º 87/25, de 22 de Abril, não se verificam quaisquer imposições ou restrições que afectam direitos fundamentais.
Aliás, dissecadas as alíneas em vigor, não subsistem razões para considerar o artigo em causa inconstitucional, nem ofensivo a orla dos direitos fundamentais porquanto às alíneas a), b), c), d), e), f), g), e h), todas do artigo 15.º, com a nova redacção dada pelo Decreto n.º 87/25, de 22 de Abril, em vigor, que devem ser consideradas proporcionais para os fins que regulam, na medida em que é manifesta a relação directa que mantêm  com a finalidade tributária/fiscal. São, neste sentido, necessárias para atingir legítimos objectivos fiscais e tributários e respeitam o núcleo essencial dos direitos que seriam afectados.
Assim,
Não se vislumbram dúvidas de que em consonância com o artigo 57.º da CRA, que estabelece as restrições de direitos, liberdades e garantias fundamentais, não se verifica qualquer inconstitucionalidade, que possa postergar a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia nacional, prevista na alínea c) do artigo 164.º da Constituição. 
Por tudo exposto, o Tribunal Constitucional conclui que o artigo 15.º do Decreto Presidencial n.º 245/21, com as alterações introduzidas pelo Decreto Presidencial n.º 87/25, de 22 de Abril, não viola direitos, liberdades e garantias constitucionais previstos na CRA. E neste sentido fica dispensado o conhecimento das outras questões porque prejudicadas por força do n.º 2 do artigo 660.º do CPC, aplicável subsidiariamente por força do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional.
Nestes termos,
DECIDINDO,
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NÃO DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA DO ARTIGO 15.º DO DECRETO PRESIDENCIAL N.º 245/21 DE 4 DE OUTUBRO, REGIME JURÍDICO DO NÚMERO DE IDENTIFICAÇÃO FISCAL, POR FORÇA DA NOVA REDACÇÃO QUE LHE É DADA PELO ARTIGO 15.º DO DECRETO PRESIDENCIAL N.º 87/25, DE 22 DE ABRIL. 
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 3 de Junho de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente) 
Amélia Augusto Varela 
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo (Declarou-se Impedida)
Gilberto de Faria Magalhães (Relator) 
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Vitorino Domingos Hossi