ACÓRDÃO N.º 812/2023
PROCESSO N.º 1032-B/2022
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Carlos Raimundo Alberto, e Portal A DENÚNCIA, melhor identificados nos autos, vieram interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão prolactado pela 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 6040/21, que negou provimento ao recurso interposto por ambos e, consequentemente, alterou a decisão recorrida, condenando-os pelos crimes de difamação, calúnia e abuso de liberdade de imprensa, conforme fls. 456 a 471 verso dos autos.
Os Recorrentes fundamentam o recurso interposto, alegando, em síntese, o seguinte:
1. O princípio da legalidade foi violado quer pelo Tribunal de primeira instância, quer pelo Tribunal de recurso, porquanto, os crimes em que os Co-arguidos foram condenados, não colhe porque a referida informação não foi divulgada com o objectivo de difamar, caluniar nem muito menos injuriar os participantes, mas tão somente o de informar no âmbito da sua profissão. Sendo certo que a informação é uma ferramenta de trabalho conforme previsto no artigo 5.º da Lei n-º 1/17 de 23 de Janeiro, Lei de imprensa.
2. De referir que o participante Luís Assunção da Mouta Liz não foi a primeira Entidade a qual o portal reportou.
3. Conforme as disposições acima referidas, os Co-arguidos agiram de acordo com os meios de prova que tinham obtido no âmbito do jornalismo investigativo porque se viram no dever de informar.
4. A conduta dos aqui Co-arguidos foi para realizar interesses legítimos e, concomitantemente, público. E no caso em concreto, os Co-arguidos não agiram de má-fé, nem muito menos com o intuito de manchar a imagem dos lesados, muito pelo contrário, o fizeram com o objecto de difundir e fazer difundir a verdade e nada mais do que a verdade.
5. Assim, punir alguém por ter praticado um acto com consagração constitucional e infraconstitucional, é agir à margem do ordenamento jurídico angolano, cuja consequência jurídica é a inconstitucionalidade do acto praticado, por ser contrário à Constituição.
6. O Acórdão recorrido viola o direito da liberdade de imprensa e de expressão, na medida em que limita a actividade dos jornalistas, configurando uma inconstitucionalidade, porque não observa o disposto no artigo 44.º da CRA e no artigo 6.º da Lei de Impresa que garantem que, o exercício da liberdade de imprensa deve assegurar uma informação ampla e isenta, o pluralismo democrático, a não discriminação e respeitar o interesse público.
7. Segundo um jurisconsulto brasileiro num dos seus artigos muito publicado sobre esta matéria: “A liberdade de imprensa está intimamente ligada com a liberdade de expressão, pois é através desse direito que várias opiniões e ideologias podem ser manifestadas e discutidas para formação do pensamento”.
8. Outrossim, é contraditório o facto de o Meritíssimo Juiz da causa afirmar com categoria que o Portal a Denúncia não preenche os requisitos necessários para ser considerado um órgão de comunicação e, ainda assim, ser condenado pelo crime de abuso à liberdade e imprensa.
9. Não menos importante vale acrescer que o Co-arguido difundiu uma informação, cujo conteúdo é de interesse público, tal como a Lei de Imprensa o classifica nos termos da alínea b) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2, ambos do artigo 11,º. Ademais, em momento algum o Co-arguido divulgou as informações com escopo de atingir a honra e o bom nome dos supostos ofendidos, tudo fez, com um único fim, levar a verdade aos angolanos dentro dos limites que a lei o confere no âmbito do exercício da actividade jornalística, vide n.º 1 do artigo 9.º e alínea a) do artigo 7.º da Lei n.º 5/17, de 23 de Janeiro, em paralelo com alínea a) do artigo 17.º e da alínea a) e c) do 18.º, todos da Lei n.º 1/17, de 23 de Janeiro.
10. Acresce a Constituição que ninguém tem a faculdade de limitar o exercício do direito de expressão, divulgação e informação de outrem, sendo proibido qualquer tipo ou forma de censura com vista a limitar aquele direito, vide n.º 2 do artigo 40.º da CRA. Destarte, dúvidas não subsistem que o Co-arguido apenas praticou os actos que a constituição lhe confere enquanto cidadão e profissional de jornalismo.
11. O Acórdão ofende ainda o princípio do in dubio pro reo, na medida em que condena os Co-arguidos nos crimes de que foram indiciados, quando estes se limitaram a informar com verdade e objectividade, não tendo reunido provas suficientes para o efeito.
12. De todo o exposto não restam quaisquer dúvidas de que o Acórdão recorrido viola a lei e princípios, direitos, liberdades e garantias constitucionais, dentre outros, ampla e abundantemente, dissecados supra, os seguintes: (i) O disposto no n.º 1 e 2 do artigo 6.º da CRA, Princípio da Supremacia da Constituição e Legalidade; (ii) O Direito à Liberdade de Imprensa, artigo 5.º da Lei n.º 1/17 de 23 de Janeiro, conjugado com o artigo 44.º da CRA; (iii) O Direito da Liberdade de Expressão e de Informação, nos termos do artigo 40.º da CRA; (iv) Princípio In dubio pro reo, respaldado no artigo 67.º n.º 2 da CRA;
Os Recorrentes terminam pedindo ao Tribunal Constitucional que seja declarado inconstitucional o Acórdão recorrido e, como efeito, sejam os Co-arguidos absolvidos dos crimes em que foram condenados.
O processo foi à vista do Ministério Público, que, promoveu, em síntese, o seguinte:
Os Recorrentes alegam que o Acórdão recorrido violou o princípio da legalidade, previsto nos artigos 2.º n.º 1 e 6.º n.º 2 da CRA, uma vez que o seu comportamento não configura prática de crimes.
Ora, a questão suscitada enquadra-se na matéria de prova, na medida em que, entende o Recorrente, o Tribunal qualificou como crimes comportamentos que não constituem infracção criminal à luz da lei penal, isto é, o Tribunal ad quem laborou em erro na qualificação jurídica do seu comportamento.
No caso sub judice, parece de afastar a possibilidade do julgador ter chegado a uma conclusão contrária ao juízo racional e lógico extraído do processo de valoração da prova.
Compulsados os autos, constata-se que o Tribunal ad quem carreou elementos probatórios robustos e suficientes e subsumiu-os correctamente nas normas incriminadoras correspondentes aos crimes de que o Recorrente foi acusado e julgado.
O Tribunal ad quem sustentou os factos provados com base no acervo probatório cimentado nos autos, suficientemente desenvolvidos na fase de instrução preparatória e na fase do julgamento, cujos elementos constitutivos foram reiterados pelo Recorrente mesmo depois de instaurado o procedimento criminal.
Em homenagem ao princípio do contraditório, os Recorrentes podem intervir em todas as fases processuais para fazer prova dos factos que imputou ao ofendido. Porém, em nenhum momento convenceu o Tribunal, aliás, em sede do julgamento confessou os factos a si imputados pela acusação pública.
Portanto, não colhe o argumento de que o Acórdão em crise ofendeu o princípio da legalidade.
Violação do direito de liberdade de imprensa.
Os Recorrentes alegam a violação do direito de liberdade de imprensa e apontam o artigo 44.º da CRA. Este artigo estabelece no seu n.º 1 o princípio da liberdade de imprensa, assegurando que esta não pode ser sujeita a qualquer censura prévia, nomeadamente de natureza política, ideológica ou artística.
Parece que os Recorrentes não fizeram a leitura correcta desta norma, porquanto, não houve no caso, qualquer censura prévia de qualquer natureza nela referida.
Os Recorrentes exerceram o direito à liberdade de imprensa sem sujeição anterior ou posterior de qualquer natureza, aliás, só assim se justifica que os Recorrentes tenham abusivamente continuado a publicar conteúdos e imagens ofensivas à honra, à reputação social e ao bom nome dos ofendidos.
Nesse sentido, o artigo 32.º da CRA reconhece a todos os cidadãos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à nacionalidade, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva de intimidade da vida privada e familiar.
Essas qualidades ou valores consagrados na Lei Fundamental, constituem o limite da liberdade de imprensa, sendo censurável o comportamento que transponha o seu limite.
Deste modo, não se vislumbram do Acórdão recorrido, as alegadas violações do princípio da legalidade e do direito de liberdade de imprensa.
Nestes termos, pugnamos pelo não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional — LPC, bem como da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho — Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).
Além disso, foi observado o prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns, conforme estatuído no § único do artigo 49.º da Lei do Processo Constitucional (LPC).
III. LEGITIMIDADE
Os Recorrentes são réus no Processo n.º 6040/21, que correu os seus trâmites na 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, pelo que têm legitimidade para recorrer, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao abrigo do qual podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional (…) as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.
IV. OBJECTO
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem como objecto apreciar se o Acórdão prolactado pela 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 6040/21, que negou provimento ao recurso, ofendeu ou não princípios, direitos e garantias, consagrados na Constituição da República de Angola (CRA), invocados pelo aqui Recorrente.
V. APRECIANDO
Os Recorrentes foram condenados no Tribunal a quo, pela prática dos crimes de difamação, p. p. pelo artigo 214.º, n.º 1; Calúnia p. e p. pelo artigo 215.º e Abuso de liberdade de imprensa, p. e p. na alínea c) do artigo 224.º, todos do Código Penal Angolano, tendo sido, operado o cúmulo jurídico: o recorrente Carlos Raimundo Alberto condenado na pena única de dois anos de prisão, declarada suspensa, e 160 dias de multa à razão de 100 unidades de referência processual por dia, e o Recorrente Portal A DENÚNCIA condenado na pena única de 310 dias de multa à razão de 250 unidades de referência processual por dia.
Os arguidos, aqui Recorrentes, foram ainda condenados no pagamento da quantia de Kz 88 000 00 (oitenta e oito mil Kwanzas) de taxa de justiça e solidariamente no pagamento de uma indemnização no valor de Kz. 100 000 000 00 (cem milhões de Kwanzas) ao ofendido Luis de Assunção Pedro Mouta Liz e na quantia de Kz 5 000 000 00 (cinco milhões de Kwanzas) aos ofendidos Esperança Ganga e João Domingos Quipaca. Vide fls. 382 a 384 dos autos.
Desta condenação, enquanto os aqui Recorrentes interpuseram recurso por não conformação com a decisão (fls. 386), pedindo que a Decisão recorrida fosse reapreciada e, consequentemente fossem os mesmos absolvidos dos crimes e indemnizações em que foram condenados, o Ministério Público junto do Tribunal a quo interpôs, igualmente, recurso, por não conformação com a decisão (fls. 408), pedindo a reapreciação do Acórdão recorrido, face à prova produzida durante a instrução do processo e a audiência de discussão e julgamento.
Apreciado o recurso, o Tribunal ad quem condenou os aqui Recorrentes pelos crimes de difamação, calúnia e abuso de liberdade de imprensa, previstos e puníveis, respectivamente, nos artigos 214.º, n.º 1, 215.º e 224.º, todos do Código Penal Angolano, nos seguintes termos: (i) O Recorrente Carlos Raimundo Alberto em pena única global, nos termos do artigo 78.º do CPA, condenado na pena de 3 anos de prisão, declarada suspensa a execução por um período de 3 anos, sob condição de no prazo de 20 dias a contar da data da notificação da decisão, manifestar o pedido de desculpa aos ofendidos, pelas informações difundidas, devendo para o efeito utilizar o Portal A DENÚNCIA e a sua página no Facebook, durante um período de sessenta dias, de forma consecutiva, de 10 (dez) em 10 (dez) dias. (ii) O Co-recorrente, o Portal A DENÚNCIA, foi condenado na pena única de 310 dias de multa a razão de 250 unidades de referência processual.
Foram condenados solidariamente os Co-arguidos Carlos Raimundo Alberto e o Portal A DENÚNCIA na indemnização de Kz 1 500 000 00 (um milhão e quinhentos mil kwanzas) ao ofendido Luís de Assunção Pedro Mouta Liz, e kz 1 000 000 00 (um milhão de kwanzas), a cada um dos ofendidos, nomeadamente João Domingos Quipaca e Esperança Ganga.
Deste modo, interposto o presente recurso extraordinário de inconstituciona- lidade, urge apreciar se o Acórdão recorrido ofende ou não os princípios e direitos constitucionais alegados pelos Recorrentes, nomeadamente o princípio da legalidade (n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º da CRA), o direito à liberdade de expressão e de informação e o direito à liberdade de imprensa (artigos 40.º e 44.º da CRA, e artigo 5.º da Lei n.º 1/17, de 23 Janeiro, Lei de imprensa) e o princípio in dubio pro reo (artigo 67.º n.º 2 da CRA).
A) Sobre a ofensa do princípio da legalidade
Os Recorrentes Carlos Raimundo e o Portal A DENÚNCIA alegam que o Acórdão recorrido ofendeu o princípio da legalidade, porquanto, a conduta porque foram condenados não se enquadra na disposição legal aplicada, não é crime, porque a informação não foi divulgada com o objectivo de difamar, caluniar, nem, muito menos, injuriar os participantes, mas tão somente com o propósito de informar, no âmbito da sua profissão. A informação é uma ferramenta de trabalho, conforme previsto no artigo 5.º da Lei n.º 1/17, de 23 de Janeiro, Lei de Imprensa.
Ademais, alegam os Recorrentes que agiram de acordo com os meios de prova obtidos no âmbito do jornalismo investigativo e porque se viram no dever de informar, para realizar interesses legítimos e públicos.
Será assim?
O princípio da legalidade tem consagração constitucional. É com base neste princípio que nenhum acto deve ser contrário a lei, ex vi dos artigos 2.º e 6.º, ambos da CRA.
Este princípio tem, também, respaldo em instrumentos jurídicos internacionais, como, por exemplo, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) que, no seu artigo 4.º, dispõe o seguinte: A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites só podem ser determinados pela lei.
O princípio da legalidade, devido à sua transcendente importância, está, também, previsto no âmbito do Direito Penal. A própria Constituição contém dispositivos que tratam de matéria penal, merecendo destaque o seu artigo 65.º que, ao estabelecer regras e limitações impostas ao Estado no âmbito da aplicação da lei criminal, prescreve que não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas por lei anterior à prática do acto.
O Código Penal Angolano também consagra, no artigo 1.º, o princípio da legalidade, nos seguintes termos: 1. Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática. 2. Só pode ser aplicada medida de segurança a estados de perigosidade cujos pressupostos estejam fixados em lei anterior à sua verificação.
É jurisprudência desta Corte Constitucional que O princípio da legalidade é a maior garantia de observância dos direitos do cidadão, é essencial para a segurança jurídica e demais valores consagrados na lei e na Constituição. Vide Acórdão n.º 698/2021, pág. 16.
As informações divulgadas pelos Recorrentes contra os ofendidos, não se enquadram no tipo penal incriminador dos crimes em que foram condenados por falta de provas e porque os Recorrentes agiram de acordo com os meios de prova obtidos no âmbito do jornalismo investigativo?
Ora vejamos:
No âmbito da sua fundamentação, o Acórdão recorrido, considerou terem sido relevantes para a sua decisão os factos provados pelo tribunal a quo, decorrentes das declarações prestadas e evidenciadas, de forma precisa, clara, sustentada e coerente, pelo então réu Carlos Raimundo Alberto, pelos ofendidos Mouta Liz, Esperança Ganga e João Quipaca, bem como pelos declarantes Pedro Lucau, Amândio Cândido, Mateus António da Costa, Júnior Zacarias, Davi Augusto Mutendele e Sílvia A. F. J. Cristóvão. O teor destas declarações está textualmente transcrito a fls. 458 verso a 464 verso.
Nesta perspectiva, considerando que as provas têm por função a demostração da realidade dos factos (artigo 341.º do Código Civil) e que “in claris non fit interpretatio, o Acórdão recorrido concluiu (…) não assistir razão aos recorrentes, pois constam dos autos os elementos probatórios que fundamentam a decisão do Tribunal recorrido (designadamente as constantes a fls. 9, 10, 57 e 163 que constituem provas contundentes dos factos que os recorrentes imputaram, por exemplo ao ofendido Mouta Liz), não resultando do texto da decisão recorrida qualquer arbitrariedade do julgador quanto aos factos dados como provados.
Aqui chegados e considerando toda a prova carreada nos autos e a feita em audiência, bem como, do Texto da decisão recorrida não resulta qualquer incorrecta valoração, percebendo-se pela motivação que o julgador sustentou os factos provados no acervo probatório existente e de acordo com o seu livre processo de convicção e nem as regras de experiência comum permitem que se possa concluir pela existência de qualquer erro na valoração da prova. Assim e sem necessidade de outros considerandos, porque suficientemente clara a decisão, no que se prende com a certeza absoluta que deve presidir a qualquer condenação, concluímos pela falta de razão dos recorrentes”. (Fls. 464 e 465 verso).
Assim, as condutas dos Recorrentes foram consideradas legalmente como crime, nomeadamente os crimes de difamação, injúria e abuso de liberdade de imprensa, previstos e puníveis, respectivamente, nos artigos 214.º n.º 1, 215.º e 224.º, n.º 1, todos do Código Penal Angolano.
Estes preceitos legais aplicados pelo Acórdão recorrido integram a ordem jurídica angolana e decorrem de lei emanada pelo órgão com competência para o efeito, em respeito aos princípios da prevalência da lei e da reserva da lei.
A propósito da alegação de falta de provas, esta Corte Constitucional referiu no Acórdão n.º 795/2023, que Com efeito, o que o Recorrente pretende é impugnar o princípio da livre convicção do julgador que, como se sabe, está balizado pelas regras de experiência comum e olhar de um homem médio, mas que não pode ser posto em causa desta forma simplista, sem se alegar um erro de julgamento ou de valoração da prova. Estes erros devem resultar do texto da decisão, sem recurso a prova documentada, dos factos dados como provados ou não provados em que se consubstancia tal erro.
Ademais, os Recorrentes apresentam, in casu, questões de mérito da causa que não são da competência desta Corte Constitucional, uma vez que a determinação de uma correcta apreciação ou não das provas, a sua qualidade ou razões que conduziram à decisão, é da competência dos Tribunais de Jurisdição Comum, pois são estes que têm por função apreciar livremente as provas presentes nos autos e responder de acordo com a convicção que tenham formado acerca de cada facto quesitado.
A este Tribunal compete administrar a justiça em matéria de natureza jurídico-constitucional, conforme os artigos 181.º da CRA, 49.º da LPC e 16.º da LOTC, não cabendo, aqui, apreciar o mérito do Acórdão recorrido.
Diante do exposto, este Tribunal considera que o Acórdão recorrido não ofende o princípio da legalidade.
B) Sobre a violação dos direitos à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão e de informação
Alegam os Recorrentes que a decisão prolactada pelo Tribunal ad quem viola o direito à liberdade de imprensa, na medida em que a condenação dos mesmos limita a actividade dos jornalistas, configurando uma inconstitucionalidade, tendo em atenção o que vem estabelecido na Constituição e na lei.
Ademais, alegam os Recorrentes que em momento algum divulgaram as informações com escopo de atingir a honra e o bom nome dos supostos ofendidos. Tudo fizeram com o único fim de levar a verdade aos angolanos, dentro dos limites que a lei confere, no âmbito do exercício da actividade jornalística.
Como acentuam Raul Araújo e Elisa Rangel A Constituição consagra a liberdade de expressão e de informação (artigo 40.º) e o direito de expressão quando exercido através da imprensa e demais meios de comunicação (artigo 44.º). O direito de expressão é, desde logo, a liberdade de expressão, ou seja, o direito de não ser impedido de exprimir-se. In Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I, 2014, págs. 327-328.
A liberdade de expressão não é, pois, um direito com propósito unificado, mas abrange uma ramificação de direitos que se exteriorizam, como a liberdade de imprensa, de informação, de acesso à informação, de pensamento, entre outros.
Por esta razão, a liberdade de expressão é exercida de forma ampla através de vários outros direitos e meios, sendo, actualmente, a disseminação de informações, a um considerável número de pessoas, bastante facilitada pela internet, que possibilita ao usuário a sua difusão rápida, através das redes sociais e tecnologias da informação e comunicação.
Sendo uma forma de manifestação da liberdade de expressão e de informação, consagrada no artigo 40.º da CRA, a liberdade de imprensa, enquanto direito de expressão exercido através da imprensa e demais meios de comunicação, encontra-se consagrada no artigo 44.º da CRA e demais legislação em vigor sobre a matéria.
Nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 1/17, de 23 de Janeiro, Lei de imprensa, constitui direito subsidi¬ário, à esta mesma lei, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e os demais instrumentos internacionais de que Angola é parte.
De acordo com o artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias, por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
A liberdade de imprensa traduz-se no direito de informar, de se informar e ser informado através do livre exercício da actividade de imprensa, sem impedimentos, nem discriminações, e, neste contexto, não deve estar sujeita a qualquer censura prévia, nomeadamente, de natureza política, ideológica ou artística (artigo 5.º da Lei de Imprensa).
Porém, em todo este cenário, é necessário o respeito às limitações previamente estabelecidas, em especial o respeito aos direitos de igual hierarquia normativa. Ou seja, embora a liberdade de imprensa seja essencial à natureza de um Estado livre, deve haver limitações, uma vez que, se alguém publicar ou veicular algo que é impróprio, malicioso ou ilegal, deve assumir as consequências da sua própria temeridade.
No âmbito da liberdade de expressão e de informação, os n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 40.º da CRA estabelecem limites, nos seguintes termos: 3. A liberdade de expressão e a liberdade de informação têm como limites os direitos de todos ao bom nome, à honra e à reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, a protecção da infância e da juventude, o segredo de Estado, o segredo de justiça, o segredo profissional e demais garantias daqueles direitos, nos termos regulados pela lei. 4. As infracções cometidas no exercício da liberdade de expressão e de informação fazem incorrer o seu autor em responsabilidade disciplinar, civil e criminal, nos termos da lei. 5. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, nos termos da lei e em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito à indemnização pelos danos sofridos.
De acordo com Raul Araújo e Elisa Rangel, a liberdade de imprensa sendo um direito fundamental dentro do princípio da unidade do sistema dos direitos fundamentais, não pode pôr em causa outros direitos constitucional ou legalmente consagrados, como sejam, entre outros, os direitos de personalidade, o direito à honra, o direito à imagem ou o direito à intimidade da vida privada. A violação destes direitos leva o jornalista a responder pelo crime de abuso de imprensa e a responder por crimes de difamação e injúria. In Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I, 2014, pág. 329.
Aliás, a isto se circunscrevem, também, os limites ao exercício da liberdade de imprensa previstos no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1/17, de 23 de Janeiro, Lei de imprensa, ao estabelecer que O exercício da liberdade de imprensa tem como limites os princípios, valores e normas da Constituição e da lei que visam: a) Salvaguardar a objectividade, rigor e isenção da informação; b) Proteger o direito ao bom nome, à honra e à reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, à protecção da infância e da juventude, o Segredo de Estado, o Segredo de Justiça, o Segredo Profissional e demais garantias daqueles direitos, nos termos regulados por lei.
A nível do Direito Penal está consagrada, no Código Penal Angolano uma rubrica (Capítulo VII) que sanciona os “Crimes cometidos através da imprensa e crimes contra liberdade de imprensa” e estabelece, entre outros, o crime de abuso de liberdade de imprensa (artigo 224.º). No Capítulo antecedente (Capítulo VI), este mesmo diploma legal contém uma outra rubrica dedicada aos “Crimes contra a dignidade das pessoas” e prescreve os “crimes contra a honra”, com destaque para os crimes de injúria (artigo 213.º), difamação (artigo 214.º) e calúnia (artigo 215.º).
Em termos de fundamentação, o Acórdão recorrido considerou ter sido relevante para a decisão, a matéria de facto provada pelo Tribunal a quo que evidencia bem as ofensas perpetradas, sobretudo em relação ao ofendido Mouta Liz, de que se destaca, a fls. 458 verso a 460 verso, o seguinte:
“(…) Que o portal A DENÚNCIA pertence ao grupo Kusima - Comunicações Lda que tem como sócio único o arguido Carlos Alberto.
Que o arguido sabia que o ofendido Luís de Assunção Pedro Mouta Liz é Vice-Procurador-Geral da República e membro do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, ainda assim, por razões desconhecidas engendrou o plano de prejudicar o ofendido social e profissionalmente.
Que o arguido Carlos Raimundo Alberto, numa das suas edições, no dia 5 de Maio de 2021 publicou o artigo "Vice Procurador-Geral de Angola Mouta Liz envolvido em usurpação de imóvel, Abuso de poder, Tráfico de influência e Associação de malfeitores”.
Que todo o artigo foi construído no intuito de fazer crer aos leitores que a posse do terreno em causa, detido pelo ofendido Mouta Liz por cedência da ofendida Esperança Ganga, foi obtido através de prática de crimes por parte dos ofendidos Mouta Liz, João Quipaca e Esperança Ganga, tendo ainda o arguido escrito que "o nosso compromisso é com a verdade e com Angola”.
Que o arguido publicou uma foto do ofendido Mouta Liz e junto a ele vários maços de dinheiro em moeda nacional.
Que para a execução do plano acima mencionado, o arguido escreveu e fez publicar os seguintes artigos:
No dia 15 de Maio de 2021, "vice-procurador-geral da República de Angola, Mouta Liz, abre processo-crime contra Carlos Alberto antes da publicação da matéria”;
Vice-procurador-geral da República de Angola, Luiz de Assunção Pedro Mouta Liz, natural de Sanza Pombo, província do Uíge, filho de José Luís Martinho da Mouta Liz e de Isabel Pedro Avelino, abriu ontem, quarta-feira 12, uma queixa-crime contra Carlos Alberto (confirme na imagem) Director-Geral do portal A Denúncia, por crime de calúnia e difamação antes mesmo da nossa reportagem ser exibida ... “VICE-PGR MOUTA LIZ ENVOLVIDO EM USURPAÇÃO DE IMÓVEL, ABUSO DE PODER, TRÁFICO DE INFLUÊNCIA e Denúncia” não saiu e ele (VICE-PGR Mouta Liz) já preparou tudo para ganhar a causa, da mesma forma que o fez com os cidadãos angolanos que entram na nossa peça que vai ser lançada amanhã, sexta-feira, 14 de Maio de 2021”;
“VICE-PGR Mouta Liz não conhece Carlos Alberto!... O NOSSO COMPROMISSO É COM A VERDADE E COM ANGOLA”;
“O Vice-Procurador Mouta Liz não quer só uma parcela de terreno, agora quer ter a posse de todo o terreno de Pedro Lucau e conta com ajuda de Magistrados”;
“Já temos quatro nomes do esquema de falsificação de documentos (...) vamos recuar a história para mostrar que Mouta Liz se viu obrigado a falsificar, falsear, forjar documentos e subornar da Administração de Belas e não só”;
“Esperança Ganga, João Domingos e Mouta Liz conseguem começar a usurpar o imóvel do Sr. Pedro Lucau Matias (...) A nossa investigação percebeu que o procurador-geral adjunto Mouta usou de tráfico de influência para conseguir aqui uma declaração de posse em seu nome”;
“Luís de Assunção Pedro Mouta Liz, faz tráfico de influência na 1. ª Secção da Sala do Cível Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda”.
No dia 6 de Junho de 2021, o arguido publicou: “(...) E Mouta Liz continua no cargo? O Vice-Procurador-Geral da República de Angola Mouta Liz, envolvido em Usurpação de imóvel, Abuso de poder, Tráfico de influência e Associação de malfeitores”;
“Se nós fossemos um país normal, Mouta Liz estaria no mínimo suspenso das actividades até se esclarecer até que ponto está envolvido nos crimes que o portal A DENÚNCIA apresentou publicamente”;
"O portal A DENÚNCIA apresentou provas das acusações que fez, Mouta Liz faz uma fuga para frente (vai abrir queixa-crime contra o jornalista Carlos Alberto para dar a entender que é inocentezinho, alegadamente por difamação e má-fé de Carlos Alberto) e tudo fica assim? Continua nas suas funções normalmente como se nada tivesse acontecido? É esse o país que queremos construir?”;
"Mota Liz se tivesse alguma honra e dignidade a preservar, devia mesmo pôr o cargo à disposição, por não ter condições morais para ser defensor da legalidade. Assim caso Lussaty passa mesmo pelo Vice-procurador-geral da República de Angola Luís de Assunção Pedro Mouta Liz, para ser investigado a favor da pátria, quando ele (Mouta Liz) usurpa terreno do pacato cidadão, porque se sente acima de Deus?";
"Não faz sentido termos uma PGR a ser dirigida por pessoas que não são um exemplo no que a defesa do cumprimento da lei respeita";
Que tais artigos são de autoria do arguido, sendo objectivamente ofensivos para a PGR (Procuradoria-Geral da República), enquanto órgão e igualmente para os ofendidos Luís de Assunção Pedro Mouta Liz (Vice PGR), Esperança Ganga e João Domingos.
Que grande número de pessoas leram os escritos em questão ou puderam lê-los e deste modo beneficiou-se e beneficiou o portal A DENÚNCIA que tinha acabado de ser aberto.
Que o arguido Carlos Alberto tinha consciência de que tais factos não correspondem à verdade e sabia não serem permitidas tais condutas.
“Que teve o propósito de criar aos ofendidos problemas com a justiça e atingi-los na honra e consideração que lhes são devidas, livre e conscientemente”.
Os factos provados, os artigos e conteúdos publicados, em diversas ocasiões, contêm imputações ofensivas ao bom nome, à honra, à reputação e à imagem dos ofendidos. Com tais condutas, os Recorrentes extrapolaram os limites consagrados pela Constituição e pela lei, tendo por esta razão sido condenados.
Assim, esta Corte Constitucional considera que o Acórdão recorrido não violou o direito à liberdade de imprensa nem o direito à liberdade de expressão e de informação, dos aqui Recorrentes.
C) Sobre a ofensa do princípio do in dubio pro reo
Alegam os Recorrentes que o Acórdão recorrido ofende o princípio do in dubio pro reo, uma vez que condena os Co-arguidos nos crimes em que foram indiciados, sem, contudo, reunir provas suficientes para o efeito, quando estes se limitaram a informar com verdade e objectividade.
O in dubio pro reo é corolário do princípio da presunção da inocência, consistindo este último no direito do acusado não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal, em que lhe tenha sido garantido o uso de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório).
No âmbito do princípio do in dubio pro reo, ensinam Ana Prata, Catarina Veiga e José Manuel Vilalonga, que “Este princípio, que deve enformar todo o processo penal, decorre, desde logo, do princípio constitucional da presunção da inocência que impera até ao trânsito em julgado da decisão, significando, assim, que se deve dar predominância ao valor da liberdade e da inocência sobre o valor da culpabilidade. Quer isto dizer que, depois de esgotados todos os meios e possibilidades de investigação da verdade material - que ao tribunal e ao juiz são dados através do princípio da investigação -, se o tribunal ou o juiz permanecer em dúvida sobre a veracidade de certos factos ou sobre a realidade de certa prova ou, no limite, sobre a acusação que impende sobre o arguido, deve proferir uma decisão que lhe seja favorável. Na dúvida, o juiz deve decidir a favor do arguido, no sentido da sua inocência e não da sua culpa”. In Dicionário Jurídico, Direito Penal e Direito Processual Penal, 2.ª edição, Volume II, Almedina, pág. 395.
Segundo Vasco Grandão Ramos sempre que a prova produzida seja insuficiente e não conduza à formação de um juízo de certeza sobre a existência da infracção ou de que foi o arguido que o cometeu, deve ser absolvido. Na dúvida decide-se a favor do réu. In Direito Processual Penal, Noções Fundamentais, Colecção Faculdade de Direito - UAN, 2015, pág. 98.
No mesmo sentido, ensina Jorge de Figueiredo Dias que a não comprovação de qualquer facto relevante para o efeito de aplicação de sanção ou a sua demonstração incompleta deve impreterivelmente resolver-se a favor do arguido. In Direito Processual Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1974, pág. 122.
O princípio da presunção de inocência vem consagrado no n.º 2 do artigo 67.º da CRA, ao estabelecer que Presume-se inocente todo o cidadão até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.
De acordo com o Acórdão n.º 488/2018, pág. 10, desta Corte Constitucional vislumbra-se que a nossa Constituição trouxe uma garantia ainda maior ao direito da não culpabilidade, pois garante esse direito até o trânsito em julgado da sentença penal, não se referindo apenas à condenação. Tal direito garante ao acusado todos os meios cabíveis para a sua defesa (ampla defesa), garantindo ao acusado que não será declarado culpado enquanto o processo penal não resultar em sentença que declare a sua culpabilidade e até que essa sentença transite em julgado, o que assegura ao acusado o direito de recorrer (…).
Este princípio vem, igualmente, consagrado no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), que no n.º 2 do artigo 14.º estabelece que Toda pessoa acusada de um delito terá o direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada a culpa, e, no mesmo sentido, na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) que no n.º 1 do artigo 7.º prescreve que Toda pessoa tem o direito a que sua causa seja apreciada. Esse direito compreende: (…) b) o direito de presunção de inocência até que a sua culpabilidade seja reconhecida por um tribunal competente. Não pode haver dúvida razoável da culpa do acusado, caso contrário, verifica-se a presunção da inocência.
Já ficou dito supra e é entendimento jurisprudencial que tem feito carreira nesta Corte Constitucional, que a determinação de uma correcta apreciação ou não das provas, a sua qualidade e valoração, é da competência dos Tribunais de Jurisdição Comum, que têm a faculdade de apreciar livremente as provas produzidas nos autos e, a partir daí, formar livremente o seu convencimento. Vide, entre outros, Acórdãos n.ºs 800/2023, 787/2022 e 764/2022.
Não cabe, portanto, ao Tribunal Constitucional, decidir sobre o mérito de questões da competência dos tribunais de jurisdição comum e que não ofendam princípios, nem violem direitos fundamentais, uma vez que a este Tribunal compete, em geral, administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, conforme os artigos 181.º da CRA e 16.º da LOTC.
No entanto, compulsados os autos, este Tribunal constata que o Acórdão recorrido, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova, para a formação objectiva da sua convicção baseou-se nas provas produzidas durante a fase de investigação processual (fls. 239 a 245) e durante a audiência de discussão e julgamento (conforme os quesitos constantes e respondidos a fls. 352 a 360 e a sentença a fls. 365 a 384 dos autos).
Por outro lado, os Recorrentes não lograram fazer prova da veracidade do teor das suas publicações consideradas como difamatórias e ofensivas ao direito à honra dos ofendidos, tendo em conta que o n.º 3 do artigo 214.º do Código Penal Angolano, vigente estabelece que a pessoa que difama outrem é admitida a fazer prova da verdade dos factos imputados e, portanto, só em caso de não o conseguir fazer incorrerá, então, no crime de difamação ou no de calúnia. A nível do Direito Penal, a exceptio veritatis torna a conduta não punível.
Este foi o entendimento do Tribunal Supremo quando, em resposta à solicitação dos ora Recorrentes para a absolvição na pena e na indemnização, esclarece no seu Apreciando, a fls. 463 a 465, o seguinte:
No caso concreto os Recorrentes tinham o ónus da prova, de acordo com o artigo 342.º do Código Civil. Portanto, caberia aos mesmos fazer prova de tais factos de Usurpação de Imóvel, Tráfico de Influência, Abuso de Poder e Associação de Malfeitores, imputados aos arguidos, para que não houvesse crime.
A leitura das actas de audiência, bem como a prova documental, permite concluir que não fazem prova plena dos factos imputados aos ofendidos, neste aspecto e, por isso, somos a comungar da posição do Ministério Público junto do Tribunal "a quo", que afirma a fls. 418 no 3.º parágrafo das suas alegações o seguinte: "(...) o arguido não conseguiu provar as suas afirmações, tendo em atenção os vários intervenientes arrolados e ouvidos neste augusto Tribunal, quer pelas partes, quer pelo próprio Tribunal, durante aquilo que foi a fase de produção de provas, nas várias sessões de audiência de discussão e julgamento, no que diz respeito à imputação que fez contra os ofendidos, pois o ónus da prova, nada trouxeram que provasse tais imputações, uma vez que em função dos tipos legais de que vem imputados na acusação pública, este encargo recaia e recai sobre o arguido, Sr. Carlos Raimundo Alberto, ter que provar os factos que afirmou e que ainda afirma com intensidade e incansavelmente nos órgãos de comunicação social e nas redes sociais”.
Assim sendo, uma vez que dos autos resulta a clara e evidente existência de provas para a condenação dos Recorrentes, o Acórdão recorrido não evidencia quaisquer dúvidas e, consequentemente, não se verifica a ofensa do princípio do in dubio pro reo, previsto nos termos do n.º 2 do artigo 67.º da CRA.
Nesta conformidade, este Tribunal considera que não assiste razão aos Recorrentes, pois o Acórdão recorrido não ofendeu princípios, direitos ou garantias constitucionais, nomeadamente o princípio da legalidade, o direito à liberdade de imprensa, o direito à liberdade de expressão e de informação, e o princípio do in dubio pro reo, todos consagrados na CRA, alegados pelos Recorrentes.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, POR NÃO SE TER VERIFICADO QUALQUER VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS, DIREITOS OU GARANTIAS, CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE ANGOLA.
Custas pelos Recorrentes, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho — Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 28 de Março de 2023.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva (Relator)
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Maria de Fátima de Lima D´A. B. da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor
Dr. Vitorino Domingos Hossi