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ACÓRDÃO N.º 813/2023

 

PROCESSO N.º 1001-C/2022
Processo Relativo a Partidos Políticos

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO
Américo de Jesus Valentim Vaz, melhor identificado nos autos, vem intentar a presente acção relativa a partidos políticos, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), contra o partido político Bloco Democrático, adiante designado BD.
O Requerente apresenta alegações, transcrevendo-se, em síntese, o seguinte:
1. O Requerente é membro dirigente do partido, membro do Conselho Nacional, CN e da Comissão Política, CP, do BD, candidato derrotado na última Convenção do BD, realizada nos dias 2 e 3 de Julho de 2021.
2. O Requerente requereu a intervenção da Comissão Nacional de Jurisdição e Fiscalização (CNJF) para em sede de inquérito averiguar o destino incerto dado a Kz. 600.000,00 (Seiscentos mil kwanzas) pelo Secretário Provincial do Huambo do BD, Arão Abel Gaspar, bem como solicitou a fiscalização concreta do processo de indicação dos Comissários Eleitorais, requerendo a impugnação do modo de designação dos mesmos (Docs. 1 e 2).
3. Os requerimentos apresentados à CNJF do Requerido, BD foram protocolados pelo Secretariado Nacional do BD, posteriormente partilhados na página do WhatsApp do Conselho Nacional, CN, pelo Reclamante, sem que alguém tivesse reclamado de tal facto.
4. O Requerente e o membro Simão Afonso, membros do CN, foram indiciados como sendo autores do vazamento dos referidos documentos, em consequência disso, foi aberto um inquérito a ambos, em Dezembro de 2021.
5. O Requerente foi convocado para ser ouvido no dia 03 de Janeiro de 2022, pelo membro Mendonça Francisco, vogal da CNJF, a quem foi perguntado sobre os factos que o imputavam, tendo respondido que não sabia do autor do vazamento dos documentos na imprensa e que já não responderia a mais questões sobre o assunto que não fosse em processo próprio, pois dos membros do CN 55 têm acesso à página do WhatsApp.
6. No dia 10 de Janeiro de 2022, foi novamente convocado, via WhatsApp para comparecer no dia 12 de Janeiro de 2022, a fim de ser interrogado em processo de inquérito, ao que o Reclamante respondera, pela mesma via, que não estava disponível para brincadeiras.
7. No dia 21 de Janeiro de 2022, o CNJF, alegadamente reunido em plenário, decidiu suspender preventivamente o Reclamante, coincidindo com a apresentação do relatório sobre as queixas apresentadas pelo Requerente à CNJF (Doc. 3 e 4).
8. O Reclamante foi novamente convocado para uma audição a ter lugar no dia 21 de Janeiro de 2022, pela mesma via, sendo que lhe foi dito que encontraria a convocatória em físico na sede do BD, pelo que reiterou a resposta anterior (Doc. 5).
9. A CNJF considerou o inquérito encerrado, concluindo que havia indícios de culpabilidade dolosa ou negligente do Reclamante na prática dos factos a ele imputados, pelo que foi acusado no dia 21 de Janeiro de 2022, para, querendo, provar a sua inocência num prazo de 48 horas, sem que tenha havido qualquer formalização dos factos que lhe eram imputados (Doc. 6).
10. No dia 06 de Abril de 2022, o Requerente foi notificado pela CNJF para aperfeiçoar o seu requerimento de 10 de Março de 2022, por alegadamente verificar ininteligência na acção, entre o pedido e causa de pedir, dando o prazo de 3 dias para o suprimento das deficiências, sob pena de o requerimento ser rejeitado (Doc.9)
11. Em resposta o Requerente, no dia 08 de Abril de 2022, solicitou que a CNJF indicasse com precisão as deficiências constatadas, ou em alternativa, tomar a decisão sobre o assunto, em função dos fundamentos apresentados pelo então Reclamante (Doc. 10)
12. No dia 24 de Maio de 2022, o Requerente tomou conhecimento via WhatsApp da alegada deliberação tomada pela CNJF, no dia 16 de Maio de 2022, por via de uma informação dirigida a todos os membros, publicada na página do grupo do CN, que dava conta que tinha sido destituído dos cargos de responsabilidade e a suspensão do direito de eleger e ser eleito por um período de dois anos, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea c) e d) dos Estatutos do BD.
13. O CN do BD, reunido no dia 04 de Junho de 2022 na sua 3ª Reunião (Extraordinária), deliberou sobre as decisões da CNJF, tendo decidido em aplicar a sanção de destituição dos cargos de responsabilidade ao requerente por 2 (dois) anos, com a possibilidade de a mesma ser reavaliada depois de decorrido 1 (um) ano, conforme proposto pelo Presidente do BD, seguindo a linha da CNJF, sem discutir as questões de fundo.
14. A CNJF, para fundamentar a sua decisão, alegou que o Requerente terá violado os deveres do militante, previsto no artigo 10.º, alíneas i) e J) dos Estatutos do BD.
15. Do documento em que consta a decisão final da CNJF, a confirmar a medida de destituição do Requerente dos cargos de responsabilidade por dois anos e a suspensão do direito de eleger e de ser eleito, contendo a assinatura de três membros do órgão, não é autêntico, na medida em que apenas rubricaram a primeira página dois membros, o que levanta a questão da existência do quórum para deliberar, tendo-se arranjado um expediente de sobreposição de uma folha para constar a assinatura dos 3 (três) membros, designadamente, França Bila, Mendonça Francisco e Miguel J. Brânquima Quiluma, sendo que o último não rubrica as folhas, sinal de que realizaram as tarefas em dias e locais diferentes, pelo que se levanta aqui e agora o incidente de falsidade, nos termos do artigo 360.º do C. Proc. Civil, ex vi do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.
16. O CN não podia, por isso, deliberar sobre uma decisão que não foi tomada com as formalidades que os Estatutos postulam (artigos 41.º e 42.º n.º 1 dos Estatutos) e artigo 8.º, alínea b) da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos.
17. As duas deliberações só podem reputar-se como inválidas, ou seja, anuláveis, pois não obedeceram as exigências prescritas na lei.
18. Os actos deliberativos praticados pelos órgãos referidos do Requerido estão eivados de vícios de tamanhas ilegalidades, pois não seguiram o ritual prescrito na lei nem nos estatutos, em desobediência ao princípio da legalidade e da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 6.º, n.º 1 e 2 e CRA.
19. As deliberações tomadas pelos órgãos do Requerido contra o Requerente violam de forma flagrante o princípio da igualdade entre os membros dos partidos, nos termos dos artigos 24.º, n.º 2 e 29.º da Lei n.º 22/10, de 23 de Dezembro.

O Requerente conclui, pedindo que a deliberação tomada pela CNJF seja anulada por ser manifesta a sua inconstitucionalidade e ilegalidade, ou, em alternativa; Ser considerado sem efeito, por não conforme, a deliberação da CNJF de 16 de Maio de 2022, por falsidade do mesmo e falta de quórum.
O partido político Bloco Democrático (BD), Requerido nos autos, notificado para contra-alegar, apresentou contestação, constitutiva de fls. 63 a 75, da qual se transcreve, no essencial, o seguinte:
1. O Requerente é militante do partido há mais de 5 anos, nunca antes de perder à favor do actual Presidente do Partido, a corrida ao cadeirão máximo levantou as questões que busca abordar, fazendo perceber que começou a militar em 2021.
2. No âmbito da insatisfação do Requerente que a todo custo, mesmo não sendo o responsável do partido, foi buscando manifestamente agir fora das estruturas próprias do partido, julgando-se no direito de dirigir os outros membros, tais são os casos dos Kz 600 000,00, processo que estava a ser tratado pelo secretariado geral, tendo-se deslocado a cidade do Huambo na busca da solução exigida; a oposição à indicação dos membros à Comissão Nacional Eleitoral, os comissários não foram indicados em 2021 e o critério foi a militância.
3. O Requerente não se dignou em responder às convocatórias, embora elas visassem o respeito do princípio do contraditório e ampla defesa do Requerente.
4. No dia 3 de Janeiro de 2022, como que na tentativa de responder à convocatória, o Requerente se deslocou junto da CNJF, longe de ir exercer o direito ao contraditório, em 5 minutos ameaçou o seu correligionário Mendoça Francisco a quem disse que só iria responder em sede de pessoas idóneas, bateu sobre a mesa e retirou-se.
5. Não é verdade que o Requerente tivesse sido convocado no dia 10 de Janeiro de 2022, por via WhatsApp, a afirmação “não estou disponível para brincadeiras”, foi dita no mesmo dia que bateu sobre a mesa e não numa outra ocasião.
6. O Requerente foi convocado no dia 10 de Janeiro de 2022, para que pudesse comparecer junto da CNJF, para ajudar a clarificar sobre os factos que pendiam sobre ele, mas não compareceu. Na ocasião, respondeu por via do WhatsApp dizendo “não estou para brincadeiras”, acrescentou que por não ter disponibilidade, que lhe fosse remetido o documento por via do WhatsApp e mesmo assim, não compareceu; perante a negação da convocatória, foi suspenso preventivamente.
7. Só o Requerente é responsável pela atitude tomada pela CNJF, pois que não havendo interesse para apresentar a sua defesa, a CNJF foi levado a concluir que não estava disposto a apresentar a sua defesa, pelo que não pode ser verdade que não tivesse havido qualquer formalização, aliás, está aqui uma nítida contradição na petição inicial (P.I.), afinal foi ou não convocado? A convocatória é ou não uma formalização?
8. Não é verdade que o Requerente tivesse sido notificado da decisão, apenas no dia 22 de Janeiro de 2022, foi neste dia em que em plena reunião do CN, a CNJF, no âmbito das suas atribuições e competências, informou àquele órgão sobre vários assuntos, entre eles, a decisão que havia recaído no processo que pendia sobre o Requerente. O CN tomou conhecimento sobre a suspensão do Requerente dos órgãos de direcção, não se lhe foi retirada a sua condição de militante.
9. Só o Requerente é culpado, se na verdade não soube das razões da sua suspensão, deu-se-lhe toda possibilidade de tomar conhecimento sobre os factos e sobre eles reagir; porém, apenas respondeu com maior desprezo ao órgão que o devia ouvir, com competência em razão da matéria.
10. Os factos aludidos para sustentar a reclamação, no mesmo órgão ora desprezado, traz uma série de contradições, manifesta que o Requerente tinha consciência sobre as razões do processo que pendia sobre si, agiu como se tivesse problemas pessoais com os membros do partido presentes na CNJF. Por isso, pediu-se ao Requerente para aperfeiçoar a sua reclamação.
11. Ao ser convocado no CN onde o Requerente era membro, para a busca de entre outros ouvir a informação da CNJF, era também uma oportunidade para o Requerente se defender, porém, abandonou o CN e o considerou ilegal, esquecendo-se que estava aí uma soberana oportunidade para apresentar aos membros do CN a sua versão sobre os factos.
12. O Requerente alega não se ter atendido as questões de fundo, não clarificou a que questões se estava a referir, mais ainda, como ele iria saber sobre as questões que seriam abordadas pelo CN, se o mesmo abandonou aquela reunião e nada disse e nem se quer se dignou em responder a convocatória.
13. Sobre o que o Requerente considera “incidente de falsidade”, não passa de manobras na materialização das intrigas, afinal, as pessoas indicadas como tendo assinado os documentos existem, mais ainda, o rubricar as primeiras páginas ou não, nunca invalida o documento.
14. A deliberação foi a mais justa, acertada, adequada e muito necessária, pois foram cumpridas todas as formalidades, a convocatória e a remessa à apreciação ao CN foi o seguimento do formalismo.

Termina pedindo que a P.I. seja julgada improcedente, pelo facto de que o Requerente quer buscar no Tribunal a forma de caucionar o seu agir, no tudo serve, não deve o Tribunal apadrinhar este comportamento.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
A norma da alínea c) do n.º 2 do artigo 181.º da CRA estabelece que compete a esta Corte constitucional exercer jurisdição sobre questões de natureza jurídico-constitucional e político-partidária, nos termos da Constituição e da lei.
O Tribunal Constitucional tem competência para, através do seu Plenário, conhecer o processo de impugnação de deliberações de órgãos de partidos políticos ou de resolução de quaisquer conflitos internos que resultem da aplicação de estatutos e convenções partidárias, tal como dispõe, de forma combinada, o n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP), na alínea j) do artigo 16.º e no artigo 30.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), bem como na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º e no artigo 66.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).
III. LEGITIMIDADE

O Requerente é militante e dirigente do partido Bloco Democrático (BD), membro do Conselho Nacional (CN) e da Comissão Política (CP) do BD, candidato derrotado na última Convenção, pelo que, pela Constituição e a lei, lhe assiste legitimidade para intentar a presente acção de impugnação da deliberação da Comissão Nacional de Jurisdição e Fiscalização (CNJF) e confirmada pelo CN do partido BD.
IV. OBJECTO

A presente acção tem como objecto, apreciar a impugnação da deliberação tomada pela CNJF do Partido BD, do dia 16 de Maio de 2022, nos termos da Constituição, da Lei e dos Estatutos da referida agremiação partidária.
V. APRECIANDO

Atendendo às alegações aduzidas pelo Requerente e às contra-alegações apresentadas pelo Requerido partido político, sobressai do conflito que os opõe, a alegada ilegalidade do inquérito da CNJF que culminou com a deliberação de destituição dos cargos de responsabilidade do Requerente e a suspensão do seu direito de eleger e ser eleito por um período de dois anos, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 11.º dos Estatutos do BD, assim como a suposta inconstitucionalidade e ilegalidade da deliberação da CNJF, de 16 de Maio de 2022, por falsidade da mesma e falta de quórum.
O Requerente alega que foi convocado para ser ouvido no dia 03 de Janeiro de 2022, pelo membro Mendonça Francisco, vogal da CNJF, no sentido de se pronunciar sobre o vazamento dos documentos na imprensa, tendo respondido que “desconhecia o autor de tal vazamento e que já não responderia a mais questões sobre o assunto que não fosse em processo próprio, pois dos membros do CN, 55 têm acesso à página do WhatsApp”.
No dia 10 de Janeiro de 2022, foi novamente convocado, via WhatsApp para comparecer no dia 12 de Janeiro de 2022, a fim de ser interrogado em processo de inquérito, ao que o Requerente respondera, pela mesma via, “que não estava disponível para brincadeiras”.
Por sua vez, o Requerido sustenta que a convocatória do dia 3 de Janeiro de 2022, era no sentido de o Requerente exercer o seu direito do contraditório, porém ameaçou o seu correligionário, a quem disse que só iria responder em sede de pessoas idóneas, bateu sobre a mesa e retirou-se.
Acrescentou igualmente o Requerido, que o aqui Requerente afirmou que não tinha disponibilidade de comparecer à audição e que lhe fosse remetido o documento via WhatsApp. Mesmo assim não compareceu, pelo que, perante a negação da convocatória, foi suspenso preventivamente.
Ora, diante dos factos narrados e consultados os autos, vislumbra-se que houve queixas dos militantes João Bento Mussulo e Muata Sebastião (fls. 76-78 dos autos), solicitando a responsabilização do autor moral (Requerente), por verem os seus nomes estampados no Jornal “O País”, supostamente por causa dos requerimentos referentes à fiscalização endereçada à CNJF pelo Requerente, cfr. a fls. 15-16 dos autos, e pelo mesmo ter publicado os aludidos requerimentos no grupo do WhatsApp do CN.
O Requerido afirma que tal informação era de consumo interno do partido BD, pelo que não devia ser disseminada sem o pronunciamento do órgão competente da formação política, no caso a CNJF, nos termos do artigo 35.º e alínea b) do n.º 1, do artigo 36.º, ambos dos estatutos do BD, revistos e actualizados em 2021, aprovados pela IV Convenção Ordinária.
Na sequência das queixas supra referidas, a CNJF elaborou uma convocatória, em que foi comunicada ao Requerente por via WhatsApp, com vista à sua audição, reiterando-se, porém, que encontraria o referido documento em formato físico na sede nacional do BD. (Cfr. ponto oitavo das alegações).
No entanto, argumenta o Requerente, que não tinha sido formalmente convocado, quando os autos demonstram a fls. 46 e 47 que foram produzidas duas convocatórias (solicitação de audiência) por escrito. O Requerente respondeu à primeira convocatória, negando os factos que lhe foram imputados e afirmou que só responderia a mais questões em processo próprio. Na segunda convocatória não compareceu e, em resposta pelo WhatsApp, disse que “não estava disponível para brincadeiras” (vide a fls. 3 dos autos).
Fruto do aludido acima, a CNJF deliberou suspender preventivamente o ora Requerente (fls. 19-20), enquanto tramitava o processo de inquérito instaurado, decorrente das referidas queixas, nos termos da alínea b), conjugado com a alínea g), do n.º 1, do artigo 36.º dos Estatutos do BD.
No dia 21 de Janeiro de 2022, o Requerente foi convocado pela última vez para uma audição, no âmbito de um processo disciplinar, conforme resulta dos autos a fls. 28 e seguintes. Porém, reiterou a resposta que “não estava disponível para brincadeiras, pois entendia que tratava-se de um processo de inquérito caricato”. A CNJF encerrou o processo disciplinar, tendo deliberado, de entre outras medidas, a suspensão do ora Requerente até 3 anos, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 11.º do Estatutos (vide a fls. 22 a 27).
O Requerente exerceu o seu direito ao contraditório, apresentando a sua defesa através de uma reclamação, vertida no documento constitutivo de fls. 28, 29 e verso), impugnando a deliberação da CNJF. Após reapreciação da decisão, a medida disciplinar foi alterada para destituição dos cargos de responsabilidade e a suspensão do direito de eleger e ser eleito por um período de dois anos, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 11.º dos Estatutos do BD, com a possibilidade de a mesma ser reavaliada depois de 1 (um) ano, mediante relatório fundamentado.
Não tendo logrado o efeito desejado, inconformado, o Requerente veio a este egrégio Tribunal sindicar aquela decisão, por, supostamente, a deliberação não ter obedecido às formalidades estatutárias (artigos 41.º e 42.º n.º 1 dos Estatutos) e legais (artigo 8.º, alínea b) da LPP); também, por ter, na sua óptica, ofendido o princípio da legalidade (n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º da CRA) e o princípio da igualdade entre os membros (artigos 24.º, n.º 2 e 29.º da LPP).
Veja-se:
Importa, antes de mais, referir que, é fundamental ter-se em linha de conta para a presente análise, o princípio da autonomia relativamente a actuação dos partidos, enquanto associações privadas, que se concretiza, sobretudo, na auto-regulação da sua organização e funcionamento, a qual pressupõe a fixação de mecanismos internos próprios através de regras plasmadas em regulamentos e nos estatutos do partido, sendo certo que devem ter como limite de aplicação a Constituição e a lei.
Pelo facto dos partidos políticos serem associações privadas, porém com funções constitucionais, pois existe um reconhecimento constitucional dos partidos políticos e da sua influência para formação da “vontade política”, neste sentido J.J Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, pág. 315, é curial que haja bastante ponderação da intervenção jurisdicional nas questões internas das formações políticas, o que se traduz no princípio da intervenção mínima de “órgãos estranhos” na vida dos Partidos.
Como aludido acima, os partidos políticos, auto regulam-se, possuem órgãos próprios, in casu a CNJF do partido BD, competentes para aferir e decidir sobre a disciplina a que ficam vinculados os seus filiados, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 29.º da LPP, bem como decidir sobre as queixas, litígios ou interpretação e aplicação dos estatutos. Neste prisma, apesar da impugnação dos actos deliberativos dos órgãos partidários poderem ser atacados judicialmente, todavia, este Tribunal pronunciar-se-ia no sentido favorável à impugnação, se tais decisões deliberativas colocarem em causa normas estatutárias, legais ou outras com relevância constitucional.
Compete, por isso, a esta jurisdição constitucional, apreciar as matérias relativas à inconstitucionalidade das deliberações dos órgãos das formações políticas (alínea d), do n.º 1 do artigo 63.º da LPC, conjugado com o n.º 2, do artigo 29.º da LPP), logo, atendendo ao substrato do objecto do presente recurso, analisaremos adiante os vícios no tocante as formalidades do inquérito instaurado pelo Requerido e, na sequência, a conformidade estatutária, legal e constitucional da sanção disciplinar aplicada ao Requerente.
No caso em apreço, o Requerente arguiu a anulação da deliberação da CNJF, mormente, por não ter sido observado o ritual de formalidades estabelecidos quer pelos estatutos da agremiação política quer pela lei aplicável; de igual modo alega a ofensa dos princípios da igualdade entre os membros e da legalidade.
Os autos reportam que o Requerente foi convocado para junto da CNJF prestar esclarecimentos referentes a denúncias encaminhadas por si àquele órgão jurisdicional do partido, pelo facto das mesmas terem resvalado para hasta pública. Todavia, apesar de ter anuído à convocatória, o Requerente negou-se a colaborar. Foi convocado por mais duas vezes com o mesmo propósito, porém, foram inglórias as tentativas de o ouvir em sede do processo instaurado pelo citado órgão competente.
O Requerente alega ter sido convocado via WhatsApp, que o documento em que consta a decisão final da CNJF foi rubricado por dois membros, apesar de ter sido assinado por três membros e que, por isso, não é autêntico, questiona o quórum deliberativo, levantando, em consequência, a existência de um possível incidente de falsidade. Portanto, segundo ele, a deliberação está eivada de vícios de forma.
Quanto à convocatória, o estatuto do BD não dispõe sobre o modo ou a forma como devem ser convocados os seus membros. Nos autos não se regista qualquer outro instrumento que regula o formalismo a observar no concernente à convocatória para procedimento disciplinar. O aqui Requerente alude, várias vezes, que foi convocado por WhatsApp. Entretanto, em face da aludida convocatória compareceu na primeira audição e prometeu, pela mesma via, que compareceria na segunda, porém não se fez presente. Assim, é de considerar que o Requerente tenha sido convocado, atendendo os meios usados pelo Requerido para o efeito. No mesmo sentido, vide Acórdão n.º 140/2011, de 25 de Agosto, deste augusto Tribunal.
Diante do exposto, não é de acolher o argumento do Requerente de que não foi formalmente convocado, uma vez que não demonstra até que ponto a convocatória pelo WhatsApp feriu algum formalismo estatutário, regulamentar e legal, ou tenha prejudicado o seu direito ao contraditório e à ampla defesa, de tal sorte que este procedimento se tenha tornado um vício para anulação da deliberação da CNJF. Aliás, é notório, nas peças e elementos probatórios carreados no processo, que os membros e os órgãos do partido em apreço tinham, como veículo privilegiado para difusão célere da informação, a já referida ferramenta das tecnologias de informação e comunicação (TIC), tanto assim é que, à data havia. um grupo do WhatsApp do CN.
Quanto ao facto de terem rubricado o documento (decisão final) objecto da deliberação, somente dois membros da CNJF e terem assinado três, cfr. a fls. 33 a 39, dando azo, no entender do Requerente, de ter havido falta de quórum para a referida Comissão deliberar, levantando, paralelamente, um suposto incidente de falsidade, não é de acolher.
Na realidade, o facto mencionado não desencadeia, à priori, a invalidade do documento, muito menos serve de argumento, com base nos estatutos ou na lei, para anulação da deliberação daquele órgão jurisdicional partidário, porquanto, estabelece o artigo 77.º dos Estatutos do BD, à data dos factos, que “Os órgãos do BD só podem deliberar estando presentes mais de metade dos seus membros”.
Na decisão final da CNJF verificou-se uma composição de quatro membros, com a aposição de três (3) assinaturas, representando a maioria dos membros do órgão, pelo que a alegada inexistência de quórum deliberativo é infundada.
Da análise feita aos autos, nos termos dos artigos 360.º e seguintes do CPC, apurou-se que existem elementos probatórios que abalam o alegado incidente de falsidade, não sendo, por isso, de acolher os argumentos aduzidos pelo Requerente.
Reporta-se, na verdade, o referido incidente à impugnação da autenticidade da letra e assinatura aposta num determinado documento constitutivo de um direito invocado judicialmente, o que não se confunde com a situação descrita nos presentes autos.
No caso em juízo, o documento posto em causa pelo aqui Requerente consubstancia uma decisão deliberativa sancionatória, em que o órgão partidário com competência para aplicar a sanção disciplinar contra o militante partidário, ratificou-a, confirmando o sentido decisório tomado pelo órgão que conduziu o processo (CNJF) do partido político Requerido. Logo, não se levanta qualquer questão de inveracidade do documento, nos termos da norma invocada.
No seguimento, o Requerente chama à colação o disposto no artigo 41.º e n.º 1 do artigo 42.º dos Estatutos e a alínea b) do artigo 8.º da LPP, a fim de fundamentar os vícios formais. Todavia, os preceitos estatutários aludidos versam sobre matérias relacionadas com as competências e composição de um outro órgão do partido, nomeadamente o Conselho Nacional de Estudos e Reflexões e, quanto à disposição da LPP, esta prescreve que “A organização dos partidos políticos obedece às seguintes condições: b) aprovação dos estatutos e programas por todos os membros ou por assembleia deles representativa”.
Sucede que os argumentos ora apresentados pelo Requerente estão em contramão com as evidências do processo. Os pressupostos que relevam para a validade das deliberações dos órgãos colegiais, como é o caso, é que se verifique o quórum exigido estatutariamente e que os respectivos membros assinem a deliberação. O que se verificou no processo em pauta.
Do expendido, não se vislumbra, pois, que o processo disciplinar instaurado pela CNJF tenha ferido o formalismo estatutário ou legal.
O Requerente advoga que, pelo facto de serem preteridos os procedimentos, tais como a não obediência do quórum e, por conseguinte, se ter verificado um presumível incidente de falsidade e demais formalismos já escalpelizados retro, a deliberação da CNJF, confirmada pelo CN, ofendeu os princípios constitucionais da legalidade e da igualdade.
Verificados os autos, constata-se que o Requerente não desenvolve substancialmente em que medida foi ofendido o princípio da legalidade, plasmado nos n.ºs 1 e 2, do artigo 6.º da CRA, pois limita-se a revelar, em considerações bastante genéricas, que as deliberações estão eivadas de vícios e de tamanhas ilegalidades, por não terem seguido o ritual prescrito na lei e nem nos estatutos. No entanto, como já foi dito supra, os vícios referidos não são suficientemente demonstrados, de tal sorte que não se compaginam com ilegalidades estatutárias ou da legislação aplicável e muito menos com a ofensa do princípio constitucional invocado pelo Requerente.
Quanto à suposta ofensa do princípio da igualdade, o Requerente ancora-se na violação do artigo 24.º e no n.º 2 do artigo 29.º da LPP, para alegar que foi ofendido o referido princípio.
Terá razão?
O artigo 24.º tem como epígrafe direitos dos membros, tendo como referência crucial para no caso in concretum o n.º 2, o qual dispõe que “Os membros do partido são iguais em direitos e deveres”. Quanto ao n.º 2 do artigo 29.º da LPP refere-se à competência do Tribunal Constitucional para apreciar os conflitos internos resultantes da aplicação dos estatutos.
Como já foi aflorado acima, os partidos políticos possuem mecanismos internos para fiscalizar a conduta dos seus militantes e aplicar sanções através de procedimentos regidos pelos estatutos e regulamentos.
No caso vertente, o Requerente e um outro membro do partido BD foram indiciados por terem tido uma postura inapropriada à luz dos estatutos. Em face disso, o órgão competente da formação política instaurou um processo disciplinar, cujo desfecho foi a aplicação da sanção já aludida supra.
Em bom rigor, não se descortina o alcance da ofensa do princípio da igualdade, tendo como fundamento os preceitos legais evocados, visto que dos autos não são perceptíveis quaisquer privilégios ou tratamento desigual em sede do processo, de um outro correligionário, em detrimento do ora Requerente, ou ainda, que tenha havido discrepâncias na medida disciplinar aplicada relativamente a um caso análogo.
Destarte, não é de acolher o pedido do Requerente de anulação da deliberação tomada pela CNJF por manifesta inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO A IMPUGNAÇÃO DA DELIBERAÇÃO DE 16 DE MAIO DE 2021, DA COMISSÃO NACIONAL DE JURISDIÇÃO E FISCALIZAÇÃO DO PARTIDO POLÍTICO BLOCO DEMOCRATICO.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho — Lei do Processo Constitucional.

Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 29 de Março de 2023.
OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente) 

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva 

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dr. Gilberto de Faria Magalhães  

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto 

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dra. Maria de Fátima de Lima D´A. B. da Silva (Relatora)

Dr. Simão de Sousa Victor  

Dr. Vitorino Domingos Hossi