ACÓRDÃO N.º 814/2023
PROCESSO N.º 943-A/2021
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Ordem dos Advogados de Angola (OAA) melhor identificada nos autos, veio nos termos do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC) interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão do Plenário do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 82/19, que negou provimento ao pedido da Recorrente e, em consequência, manteve a decisão proferida pela 3.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, que no Processo n.º 377/14, julgou procedente o recurso Contencioso de Impugnação de Acto Administrativo, interposto pela Empresa Nacional de Diamantes de Angola – EP, e em consequência, declarou inválida a Deliberação do Conselho Nacional da OAA datada de 31.03.2014.
A Recorrente fundamenta o seu recurso, alegando, no essencial, o seguinte:
1. O Tribunal recorrido declarou a invalidade da Deliberação do Conselho Nacional da OAA, datada de 31 de Março de 2014, por ter considerado que, nas arbitragens internas e internacionais com sede em Angola, os advogados constituídos pelas partes devem ser necessariamente advogados.
2. Da mera leitura do douto Acórdão recorrido, conclui-se que, o Tribunal recorrido, não logrou responder e apontar a solução jurídica para a questão que constitui o cerne da presente acção, designadamente: Nos termos do ordenamento jurídico angolano, os actos praticados ou a praticar em Angola pelos mandatários de nacionalidade brasileira constituídos pela ENDIAMA no âmbito de um processo arbitral constituem ou não actos próprios do exercício da advocacia e enquadrados na definição de mandato forense?
3. É óbvio que, - salvo melhor e fundamentada opinião - para apreciação e decisão da questão acima apontada, o Tribunal a quo deveria - e não o fez - apreciar e decidir obrigatoriamente se, ao abrigo da legislação em vigor no país escolhido pelas partes para se desenrolar a arbitragem, no caso Angola, os actos de representação, a assistência jurídica e a defesa perante um Tribunal arbitral, constituem ou não actos próprios do exercício da Advocacia?
4. No douto Acórdão ora recorrido, o Tribunal a quo, ao decidir como fez, violou manifestamente o disposto nos artigos 193.º, n.º 3 e 195.º da Constituição da República de Angola (CRA), e o artigo 2.º da Lei da Advocacia, aprovada pela Lei n.º 1/95, de 6 de Janeiro - Lei da Advocacia em vigor a data da propositura da presente acção, no entanto revogada pela Lei n.º 8/17, de 13 de Março - e ainda o artigo 42.º, n.º 1 do Decreto n.º 28/96, de 13 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto n.º 56/05, de 13 de Maio, que aprovou os Estatutos da OAA.
5. Se alguma dúvida existiu anteriormente, a mesma está presentemente resolvida e sanada de forma clara e inabalável pela solução legislativa adoptada pela Lei da Advocacia actualmente em vigor, a Lei n.º 8/17, de 13 Março, que dispõe no seu artigo 20.º n.º 1, alínea a) que, “são actos próprios dos Advogados o exercício do mandato forense em qualquer Tribunal, incluindo os Tribunais arbitrais”.
6. Acresce-se que o artigo 4.º, alínea c) da citada lei estabelece que “a actividade profissional da Advocacia compreende a representação e a defesa perante qualquer entidade, pública ou privada, dos interesses dos constituintes”.
7. No entanto, as disposições acima referidas da actual Lei da Advocacia está em total alinhamento com a solução legislativa adoptada pela lei anterior, pelo que a OAA considera que a actuação dos advogados brasileiros mandatados pela ENDIAMA para a representar nos actos do processo arbitral que a opõe a SPE, configura e sempre configurou exercício ilegal de profissão e, como tal, punível nos termos da Lei.
8. Ora, na configuração do poder judicial, a CRA abre a porta à composição extrajudicial de conflitos, dando a entender que pode haver instâncias não jurisdicionais com essa função: os Tribunais arbitrais. Portanto, a arbitragem é uma actividade judicativa de índole privatística.
9. Como refere Jorge Bacelar Gouveia “os Tribunais Arbitrais caracterizam-se por serem estruturas de composição de litígio que, não integrando o poder jurisdicional formal, exercem um poder delegado por este e assentam numa escolha voluntária quer quanto aos respectivos juízes- árbitros-, quer quanto a submissão das causas ao seu julgamento”. In Direito Constitucional de Angola, 2014, IDILP, pág. 436.
10 Contrariamente à tese sustentada no Acórdão recorrido, decorre claramente da Constituição da República de Angola que, os tribunais arbitrais, apesar de não integrarem o poder jurisdicional formal, integram o sistema da administração da justiça, ou, no mínimo, constituem um meio de administração da justiça.
11. Ainda, e contrariamente ao sustentado no Acórdão recorrido, segundo o qual a deliberação da OAA vem coarctar o direito fundamental das partes definirem os termos do processo arbitral, com a Deliberação de 31 de Março de 2014, a OAA visou somente garantir e efectivar aquilo que são as prorrogativas constitucionais e legais que lhe são atribuídas, designadamente de regulação do acesso e exercício da advocacia em Angola, em conformidade com a Constituição e a Lei.
12. Resulta do quadro constitucional que alicerça o exercício da advocacia em Angola, que compete à Ordem dos Advogados, a regulação do acesso à Advocacia, bem como a disciplina do seu exercício e do patrocínio forense nos termos da lei e do seu estatuto (cfr. artigo 193.º nº 3, da CRA).
A Recorrente termina as suas alegações, pedindo que este Tribunal dê provimento ao presente recurso e, por via do mesmo, revogue o Acórdão recorrido por considerá-lo inconstitucional e ilegal, pois, o Tribunal a quo, ao decidir como fez, violou manifestamente o disposto nos artigos 193.º, n.º 3, e 195.º da Constituição da República de Angola (CRA), bem como, ainda, o artigo 2.º da Lei da Advocacia, aprovado pela Lei n.º 1/95, de 6 de Janeiro – Lei da Advocacia em vigor à data da propositura da presente acção, no entanto, revogada pela Lei n.º 8/17, de 13 Março, e ainda, o artigo 42.º, n.º 1, do Decreto nº 28/96, de 13 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto n.º 56/05, de 13 de Maio, que aprovou os Estatutos da OAA.
O processo foi a vista do Ministério Público, que promoveu o seguinte:
“A arbitragem é um mecanismo de composição extrajudicial de conflitos, em que as partes, lançando mão ao princípio da autonomia da vontade e da liberdade contratual, outorgam a uma ou mais pessoas a competência de dirimir o conflito.
… Todavia, o Juiz arbitral, além de ser da confiança das partes que lhe escolheram para a solução do litígio que lhes opõe, não é um juiz de carreira, nem tem que ser necessariamente jurista. O importante é o seu conhecimento técnico-científico, e a sua relação de proximidade com a natureza do litígio, que lhe habilita a decidir judiciosamente tal como decidiria um juiz formal.
Aliás, quanto aos requisitos do árbitro, a lei apenas exige que o árbitro esteja no pleno gozo e exercício da sua capacidade civil, não exigindo a lei requisito específico para se ser juiz arbitral, excepto o pleno gozo e o exercício da capacidade civil, também não se pode exigir do advogado do tribunal arbitral requisitos próprios do advogado forense.
Importa sublinhar que, no processo arbitral não há norma que obriga as partes a fazerem-se representar ou assistir por advogado, como a norma do artigo 32.º do CPC, que, obriga a constituição de advogado para determinadas causas. A representação ou assistência é tão só uma faculdade das partes.
Outrossim, apesar do Tribunal Arbitral ter sede em Luanda Angola, as partes escolheram as regras da UNCITRAL para regular o processo arbitral, pelo que, só subsidiariamente a Lei nº 16/03, de 25 de Julho seria aplicável.
Deste modo, parece-nos não ter havido as alegadas violações às normas constitucionais.
Termos em que, pugnamos pelo não provimento ao recurso”.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso foi interposto da decisão final do Tribunal Supremo, tem, pois, este Tribunal competência para apreciar o aresto posto em causa, nos termos da alínea e) do artigo 3.º, da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º, ambos da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).
III. LEGITIMIDADE
Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei do Processo Constitucional (LPC), dispõem de legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade “…as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
A Recorrente é a parte sobre a qual recaiu a decisão proferida pelo Plenário do Tribunal Supremo, que anulou a deliberação tomada por esta no dia 31 de Março de 2014, tem pois interesse directo em que a causa seja apreciada pelo Tribunal Constitucional, decorrendo disto a legitimidade para a interposição do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC e do n.º 1 do artigo 26.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC.
IV. OBJECTO
O presente recurso tem por objecto verificar se o Acórdão proferido pelo Plenário do Tribunal Supremo, violou ou não, o disposto no n.º 3 do artigo 193.º e no artigo 195.º, ambos da Constituição da República de Angola (CRA) e o artigo 2.º da Lei nº 1/95, de 6 de Janeiro, Lei da Advocacia à data dos factos.
V. APRECIANDO
O presente recurso resulta da decisão proferida no Acórdão do Plenário do Tribunal Supremo que, no âmbito do Processo n.º 82/19, negou provimento ao recurso interposto pela Recorrente e, em consequência, manteve a decisão proferida pela 3.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, Processo n.º 377/14, que julgou procedente o recurso contencioso de impugnação de acto administrativo, interposto pela Empresa Nacional de Diamantes de Angola – EP e, em consequência, declarou inválida a Deliberação do Conselho Nacional da OAA datada de 31.03.2014.
É, pois, desta decisão que a Recorrente requer a sindicância junto do Tribunal Constitucional para aferir da conformidade do aresto com o previsto no n.º 3 do artigo 193.º e o artigo 195.º, ambos da CRA, bem como da norma constante do artigo 2.º da Lei da Advocacia à data dos factos, aprovada pela Lei n.º 1/95, de 6 de Janeiro.
Consta dos autos, que a ENDIAMA E.P. no processo de arbitragem internacional em que se opunha à SOCIEDADE PORTUGUESA DE EMPREENDIMENTOS, S.A., (S.P.E.) constituiu como mandatários para representá-la, uma sociedade de advogados brasileira, composta por advogados daquela nacionalidade.
A 31 de Março de 2014, depois de comunicada pela representante da SPE, sobre a presença de Advogados estrangeiros a representar a ENDIAMA, o Conselho Nacional da Ordem dos Advogados de Angola deliberou que, nas arbitragens internas e internacionais com sede em Angola, os advogados constituídos pelas partes deverão ser necessariamente advogados inscritos na OAA e ter concluído que os actos praticados em sede da arbitragem pelos representantes, advogados escolhidos pela ENDIAMA E.P., configurarem um crime de exercício ilegal de profissão e, como tal, punidos nos termos do artigo 236.º, § 2.º, do Código Penal, vigente à data dos factos, ex vi do n.º 3 do artigo 1.º, da Lei n.º 1/95, de 6 de Janeiro - fls. 13-17.
Por não se conformar com a Deliberação da OAA, a ENDIAMA E.P., interpôs junto da 3.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, recurso de impugnação de acto administrativo, fls. 3-10, tendo aquela Câmara julgado procedente e, em consequência, declarado inválida a Deliberação do Conselho Nacional da OAA fls. 143-161.
A Ordem dos Advogados de Angola, por sua vez, não conformada com a decisão vertida no douto Acórdão interpôs recurso para o Plenário do Tribunal Supremo, nos termos e em harmonia com o disposto nos artigos 80.º, n.º 1, alínea b), 85.º, 86.º n.º 1, 91.º n.º 1, alínea a) e 93.º n.º 1 todos do Decreto – Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril, (Regulamento do Contencioso Administrativo) - fls. 167.
Aquele Tribunal negou provimento e, em consequência, manteve a decisão proferida pela Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, Cf. fls. 205-212.
Vejamos, pois, se assiste razão à Recorrente.
A Constituição da República de Angola, prevê no n.º 4 do artigo 174.º que “A lei consagra e regula os meios e as formas de composição extrajudicial de conflitos, bem como a sua constituição, organização, competência e funcionamento”.
Da leitura do texto constitucional, facilmente se compreenderá a aquiescência do legislador em abrir caminhos à composição extrajudicial de conflitos e promover, no âmbito das soluções técnico-jurídicas, um espaço para a resolução dos mesmos, através da arbitragem voluntária, realizada por meio de uma convenção ou através dos centros especializados criados para o efeito.
Na arbitragem, as partes, por força de um acordo de vontade, denominado por convenção, submetem a decisão do litígio que as opõe a árbitros que, sendo pessoas independentes, imparciais e especialmente qualificadas, estejam no pleno gozo e exercício da sua capacidade civil, para o dirimir. Cfr. artigo 8.º da Lei n.º 16/03, de 25 de Junho, Lei sobre a Arbitragem Voluntária (LAV).
Segundo, Lino Diamvutu, a convenção de arbitragem “é aquela em que as partes com capacidade contratual submetem à arbitragem a resolução de litígios entre elas, relativos a direitos disponíveis ou sujeitam à competência dos árbitros as questões interpretativas, integrativas, de actualização ou modificação dos contratos relacionados com tais litígios”. In A Convenção de Arbitragem no Direito Angolano, Almedina S.A., 2016, pg. 26.
O juiz arbitral, além de ser da confiança da parte que o constitui para a resolução do litígio, não é, em regra, um juiz de carreira, nem tem de necessariamente ser jurista o que mais importa, para todos os efeitos, é o seu conhecimento técnico – científico, o domínio da matéria objecto da relação controvertida e a relação de proximidade com a natureza do litígio, sendo que as decisões por estes proferidas, revestem-se de conteúdo e força de sentenças judiciais.
Doutrinalmente, tem sido apontado como um dos maiores benefícios da arbitragem, a celeridade na resolução do conflito, a informalidade que este procedimento representa e a sua confidencialidade. Estes elementos são, para a generalidade da doutrina, determinantes para a resolução célere dos conflitos.
O regime jurídico aplicável à arbitragem encontra-se regulado pela LAV e bem assim pelo Decreto n.º 04/06, de 27 de Fevereiro (que autoriza a criação de Centros de Arbitragem).
Por força da interpretação e aplicação destas, entende a Recorrente que, no quadro da legislação interna aplicável, às arbitragens internas, e internacionais, que tenham por sede o território nacional - Angola-, as partes, querendo fazer-se representar, só poderão fazê-lo necessariamente por meio de advogados, conforme o comando normativo do artigo 19.º da Lei n.º 16/03, de 25 de Julho, que estabelece que “as partes só podem fazer-se representar por advogados” e aqui entenda-se por advogado, o profissional do foro inscrito na OAA, pois, quando assim não ocorrer, configura o exercício ilegal de profissão”.
O entendimento da obrigatoriedade ou não de representação por advogados em sede da arbitragem não é unânime na doutrina.
Dário Moura Vicente, diz que no processo arbitral, “as partes podem representar-se a si próprias ou fazer-se representar por advogado, não podendo fazer-se representar por terceiro que não seja profissional do foro”. In L'evolution récent de l'arbitrage au Portugal, Revue d’Arbitrage, 1991, pág. 419 ss.
A doutrina feita intramuros, expressa por Manuel Gonçalves, Sofia Vale e Lino Diamvutu, na obra intitulada, Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, entende numa análise comparada entre a lei angolana e a portuguesa que “(…) a redacção do art.º 17.º da Lei da Arbitragem Voluntária Portuguesa estabelece que as “as partes podem designar quem as represente ou assista em tribunal”, o que parece conferir uma maior abertura para que as partes possam escolher profissionais ou não. Não nos parece que a intenção do legislador angolano tenha sido a de conferir tamanha amplitude ao art.19° da L.A.V., pelo que somos de opinião que as partes só poderão representar-se a si próprias ou fazer-se representar por advogado”, Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, FDUAN, 2014, pág. 111.
Posição diferenciada tem Manuel Pereira Barrocas, que afirma relativamente às arbitragens “Não existe disposição legal semelhante à do artigo 40.º do CPC que regula o patrocínio judiciário em processo civil, obrigando à intervenção de advogado em certos processos. Assim, é livre, em Portugal, a constituição ou não de advogado num processo arbitral, salvo convenção em contrário das partes (…)”. In Manual de Arbitragem, 2.ª Edição, Almedina, 2013, pág. 394.
Ainda na mesma esteira, João Reis afirma que, “a natureza contratual da arbitragem justifica que não lhe sejam aplicáveis as regras relativas ao patrocínio judiciário, em processo judicial, podendo as partes em processo arbitral fazer-se representar por qualquer pessoa, seja ou não profissional do foro”. In Representação Forense e Arbitragem, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág. 118.
A Lei da Arbitragem Voluntária angolana estabelece o critério da faculdade da constituição de advogado nos processos arbitrais, quando as partes entendam fazer-se representar nos processos de arbitragem, conforme o comando normativo do artigo 19.º da LAV.
No entanto, no caso em apreciação as partes convencionaram que os conflitos resultantes da execução do contrato de concessão Mineira, seriam resolvidos por um tribunal arbitral e elegeram as normas da UNCITRAL como lei reguladora, aplicando-se subsidiariamente a Lei Sobre a Arbitragem Voluntária.
Dispõe o n.º 1 do artigo 32.º do contrato de Concessão Mineira estabelecido entre as partes, que constituem nos autos a fls. 27 a 48, que em matéria relativa a resolução de conflitos “(…) que venham a surgir entre as autoridades angolanas e a SML (…) serão resolvidas por um Tribunal arbitral” e mais, o n.º 8 do artigo supra determina que “No omisso quanto às regras de processo, a arbitragem será feita segundo as regras da UNCITRAL (…)”.
O artigo 4.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Comércio Internacional (UNCITRAL), estabelece que “as partes podem fazer-se representar ou assistir por pessoas da sua escolha (…)”.
O Acórdão revidendo, entendeu, por essa razão, negar provimento ao recurso interposto e decidiu que a Deliberação do Conselho Nacional da OAA cerceou a liberdade contratual das partes, ao determinar a imposição de uma Lei que não é aplicável ao processo arbitral internacional.
As normas da UNCITRAL, maxime o seu artigo 4.º determinam que as partes no processo arbitral internacional podem fazer-se representar por qualquer pessoa. É um critério, faculdade que se atribui às partes de escolha dos seus representantes.
De facto, o que preside a liberdade na representação em sede do artigo 4.º das regras da UNCITRAL é a confiança que as partes têm nos seus representantes, sem mais referências. Entende-se, por isso, que o critério da ampla escolha seja o critério da confiança pessoal e técnica, capaz de oferecer ao representado a segurança na melhor resolução do litígio que as opõe.
Nas arbitragens internacionais, o critério dessa liberdade é ainda mais amplo e acentuado, pois podem as partes acometer a resolução dos seus litígios de acordo com a equidade, a decisores que não sejam sequer juristas.
Neste sentido pode arguir-se que a ideia ou possibilidade de imposição de representação das partes por advogados nas arbitragens internacionais é dificilmente susceptível de patrocínio judiciário e é, ademais, geradora do risco, para o qual autores como Lopes dos Reis alertam, de “levar os litigantes a preferir outro país para a sede da sua arbitragem” ou, no limite, levar a situações de “mera aparência de constituição de advogado, que não seriam dignas nem dignificantes”(entenda-se para o profissional). In Representação Forense e Arbitragem, Coimbra Editora, 2001, nota de rodapé 127.
Entende este Tribunal que, para efeitos da aplicação das normas da UNCITRAL, a escolha da sede da arbitragem, não é critério determinante para aplicação da lei do lugar da realização da arbitragem. Aliás, a escolha da sede da arbitragem, é feita pelo Tribunal Arbitral conforme estabelecido nos n.ºs 2 e 3 do artigo 16.º da UNCITRAL.
Destarte, uma vez que a arbitragem se apresenta como um regime excepcional, com uma natureza essencialmente privatística, e encontrando-se a sua razão de ser na autonomia da vontade das partes, conclui o Tribunal Constitucional que o Acórdão do Tribunal ad quem não pode ser considerado inconstitucional, por não se ter verificado a violação das normas estatuídas nos artigos 193.º e 195.º, ambos da CRA, bem como o regime previsto na Lei da Advocacia e no Estatuto da Ordem dos Advogados.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, POR ENTENDER QUE O ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO VIOLA NENHUM PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL.
Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 10 de Abril de 2023.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães (Relator)
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria de Fátima de Lima D’ A. B. da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor
Dr. Vitorino Domingos Hossi