ACÓRDÃO N.º 819/2023
PROCESSO N.º 1053-C/2023
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Osvaldo da Silva Gonçalves, melhor identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido, no âmbito do Processo n.º 52/22, pela 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal da Relação de Luanda.
O Recorrente apresenta, em síntese, as seguintes alegações:
1. Os crimes de que foi condenado revestem o carácter culposo, e porque nunca sofreu pena de prisão e a seu favor militam as circunstâncias atenuantes 1.ª, 2.ª, 6.ª, 8.ª, 9ª, 10.ª e 14.ª, situação que levaria à ponderação do grau de culpabilidade criminal e moral, reúnem-se pressupostos para a aplicação da suspensão da execução da pena nos termos do artigo 88.º do Código Penal de 1886, aqui aplicável.
2. A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio pois, para além de ter carácter não institucional já que cumprida em liberdade, pressupõe ainda a prévia determinação da medida da pena de prisão, cujo fim político é o afastamento do delinquente da prática de novos crimes, ou seja, a prevenção da sua reincidência.
3. A decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Luanda contraria o princípio constitucional da proibição do excesso, também conhecido como princípio da proporcionalidade, previsto no 57.º, n.º 1 da Constituição.
4. Segundo este princípio, o meio deve ser o mais poupado possível quanto à limitação dos direitos fundamentais.
5. O princípio da proporcionalidade tem inscrito uma função de controle que emerge sempre que a protecção de interesses públicos possa entrar em conflito com os direitos fundamentais e liberdades públicas do cidadão, o que no âmbito penal ocorre com frequência.
6. Segundo Gomes Canotilho (Constituição e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, pág. 270), este princípio, também conhecido como o princípio da menor ingerência possível, coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
7. A decisão proferida pelo tribunal a quo, que visa a não suspensão da pena, quando substancialmente se encontravam reunidos todos os requisitos para a sua suspensão, é bastante onerosa para o Recorrente. A carga coactiva do tribunal foi excessiva e desproporcional.
8. Situação que a torna eivada de vícios de inconstitucionalidade por violar o princípio fundamental da proporcionalidade ou da proibição de excesso, consagrado no artigo 57.º, n.º 1 da Constituição da República de Angola.
9. O princípio da proporcionalidade limita a actuação do poder público, no sentido de evitar o excesso. Ou seja, o Tribunal, enquanto órgão de soberania do Estado, não pode por via das suas decisões restringir direitos e garantias fundamentais.
O Recorrente termina, apegando-se aos fundamentos já referenciados, pedindo que o Acórdão do Tribunal de Relação de Luanda seja declarado inconstitucional pelo Venerando Tribunal Constitucional.
Outrossim, alega o Recorrente que, por superveniência, os tipos pelos quais está condenado foram amnistiados à luz da Lei n.º 35/22, de 23 de Dezembro, Lei da Amnistia, esgotando, por isso, qualquer argumento.
O processo foi à vista do Ministério Público, que promoveu, em síntese, o seguinte:
Tendo em consideração a correlação dos princípios da proibição de excesso e da proporcionalidade, podem ser apreciados simultaneamente, o que desde já se procede:
O artigo 57.º da CRA consagrou o princípio da proporcionalidade, estabelecendo que "A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos".
Subentende-se deste artigo que a CRA, ao estabelecer limites à actuação dos Órgãos do Estado orientando-os a observar o princípio da proporcionalidade, está a proibir o excesso.
O princípio da proporcionalidade aplicado em direito penal, obriga o julgador a levar em consideração a relação existente entre o bem lesado ou posto em perigo e o bem de que alguém pode ser privado, devendo haver proporção entre o crime e a pena.
No caso sub judice, o Acórdão recorrido fundamenta com clareza e de modo convincente as razões que levaram a aplicar a pena de prisão efectiva. Algumas dessas razões apontam a intensidade da negligência, o grau de ilicitude elevado face aos prejuízos causados como a morte, as ofensas que determinaram a doença por 12 dias à menor Tírcia Mário Camongua Campos Nicolau, o abandono do local do acidente em vez de prestar socorro imediato às vítimas, a personalidade do arguido manifestada em audiência de julgamento e razões de prevenção geral que reclamam punição severa aos crimes de estrada dado o seu crescimento preocupante, entre outras.
Resulta desta argumentação a conclusão de que o Acórdão em crise não violou os princípios elencados pelo Recorrente.
Nestes termos, pugnamos pelo não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional - LPC, bem como da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho — Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).
Além disso, foi observado o prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns, conforme estatuído no § único do artigo 49. º da LPC.
III. LEGITIMIDADE
O Recorrente é réu no Processo n.º ¬¬¬52/22, que correu os seus termos na 2ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal da Relação de Luanda, pelo que, tem legitimidade para recorrer, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao abrigo do qual podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional (…) as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.
IV. OBJECTO
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem como objecto apreciar se o Acórdão prolactado pela 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal da Relação de Luanda, ofendeu ou não o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 57.º da Constituição da República de Angola (CRA), invocado pelo Recorrente.
V. APRECIANDO
a) Questão prévia
O Recorrente foi condenado no Tribunal a quo, pela prática de um crime de “Homicídio involuntário”, na pena de 1 (um) ano e dez meses de prisão e igual tempo de multa à razão de kz. 60,00 por dia; Por um crime de “Ofensas corporais involuntárias”, na pena de 4 (quatro) meses de prisão e; Por um crime de “Dano culposo” na pena de Kz. 34 000,00 (trinta e quatro mil kwanzas) de multa, correspondente ao salário mínimo nacional.
Feito o cúmulo jurídico, foi o ora Recorrente condenado na pena única de 2 (dois) anos de prisão, no cumulativo das penas de multa referidas supra e, ainda, em kz. 50 000,00 de taxa de justiça.
Foi ainda o réu condenado ao pagamento, a título de compensação à família enlutada, da quantia de kz. 1 500 000,00 (um milhão e quinhentos mil kwanzas), bem como a reparar os prejuízos materiais a que deu causa.
Quanto à contravenção foi o réu condenado no pagamento de 200 UCF, por conduzir sem habilitação para o efeito e de 300 UCF, pela condução em excesso de velocidade e, ainda, em seis meses de inibição de conduzir qualquer veículo automóvel.
Desta condenação o aqui Recorrente interpôs recurso, por não se conformar com a decisão (fls. 386), requerendo a suspensão da execução da pena, nos termos do artigo 88.º do Código Penal (CP) em vigor à data dos factos.
Apreciado o recurso, o Tribunal ad quem decidiu absolver o Recorrente do crime de dano culposo em que estava condenado e, no mais, decidiu confirmar a decisão recorrida.
Inconformado com a decisão, o Recorrente impetrou o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, em que alega, pág. 248 in fine, que (…) por superveniência, os tipos pelos quais se condenou o Recorrente foram amnistiados à luz da Lei n.º 35/22, de 23 de Dezembro, Lei da Amnistia, esgotando qualquer argumento.
Na verdade, este diploma legal amnistia todos os crimes comuns puníveis com a pena de prisão até oito anos, cometidos por cidadãos nacionais e estrangeiros, no período de 12 de Novembro de 2015 a 11 de Novembro de 2022, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 1.º da supra referida lei.
Em função do momento em que ocorre a causa de extinção do direito de punir e para caracterizar os efeitos que resultam do acto de clemência, o n.º 2 do artigo 139.º do Código Penal Angolano (CPA) estabelece que “A amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança”. Isto significa que, se ainda não houver condenação, a amnistia extingue o procedimento criminal; se já houver condenação, extingue as penas e medidas de segurança.
Nestes termos, impende sobre este Tribunal, com fundamento no n.º 3 do artigo 551.º do Código do Processo Penal Angolano (CPPA), o dever de apreciar se é de declarar amnistiados os crimes em que está condenado o Recorrente.
A amnistia é uma medida de clemência de carácter impessoal, pelo que pode e deve ser aplicada no início do processo, com abstração da pessoa do delinquente. Neste sentido, Manuel Lopes Maia Gonçalves diz que “O acto real de amnistia é aquele que, por determinação genérica, manda que fiquem em esquecimento os factos, que enuncia, antes de praticados; e acerca deles proíbe a aplicação das leis penais. Em virtude do carácter impessoal da amnistia, deve atender-se à pena abstractamente cominada na lei para o crime amnistiado, e não à pena concretamente aplicável ao delinquente”. In Código Penal, 2.ª Edição, Almedina Coimbra, 1972, pág. 227.
A amnistia actua sobre a própria infracção que determinou a aplicação da pena, fazendo-a como que desaparecer do mundo do direito ao apagar os factos incriminados, destruindo retroactivamente os seus efeitos e eliminando aqueles cuja acção persiste, a partir daí tudo se passa como se não tivessem existido.
Por outro lado, a amnistia tem carácter irreversível como estabelece o artigo 62.º da CRA, segundo o qual São considerados válidos e irreversíveis os efeitos jurídicos dos actos de amnistia praticados ao abrigo de lei competente.
Posto isto, cabe determinar se o Recorrente se encontra em situação que lhe permita beneficiar da amnistia ou se, pelo contrário, está incurso em alguma das excepções que afastam os benefícios concedidos pela Lei da Amnistia vigente.
Ora, desde logo se verifica que o crime de “Homicídio Involuntário” e o crime de “Ofensas Corporais Involuntárias”, p.p., respectivamente, pelos artigos 368.º e 369.º, ambos do Código Penal vigente à data dos factos, em que o Recorrente foi condenado, visto não serem crimes dolosos, não estão abrangidos em nenhuma das excepções à amnistia, plasmadas nas alíneas a) a q) do n.º 1, nem no n.º 3, ambos, do artigo 3.º da Lei n.º 35/22, de 21 de Dezembro, Lei da amnistia.
Porém, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 3.º da referida Lei da Amnistia, não sendo o Recorrente considerado reincidente, resta apenas aferir se o mesmo se encontra em situação de concurso efectivo de infracções, tendo em conta a pluralidade de infracções penais em que foi incriminado e condenado.
Senão vejamos:
O n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 35/22, de 23 de Dezembro, Lei da amnistia dispõe que “Não são amnistiados os reincidentes e os agentes de crimes que se encontrem em situação de concurso efectivo de infracções”. Sublinhado nosso.
No âmbito do concurso de crimes, estabelece o n.º 1 do artigo 28.º do Código Penal Angolano, que “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente preenchidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for realizado pela conduta do agente”.
O concurso efectivo de infracções ocorre quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções), ou, ainda, quando através de uma mesma acção se violam normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção).
Segundo Ana Prata, Catarina Veiga e José Manuel Vilalonga, concurso de crimes é a “Situação em que vários tipos incriminadores são aplicáveis ao caso e contribuem efectivamente para determinar a responsabilidade penal do agente”. In Dicionário Jurídico, Direito Penal e Direito Processual Penal, Volume II, 2.ª Edição, 2.ª Reimpressão, 2009, pág. 97.
De acordo com Orlando Rodrigues, “Há acumulação ou concurso de crimes, sempre que o agente, mediante condutas independentes, viola diversas normas penais incriminadoras ou a mesma norma incriminadora várias vezes. Quando a actividade do agente «se desdobra numa pluralidade de condutas» há concurso de crimes e, neste caso, concurso material ou real de infracções”. In Apontamentos de Direito Penal, Editora Escolar, 2016, pág. 298.
Referindo-se, ainda, às formas do concurso efectivo (ou verdadeiro) de infracções, afirma este mesmo Autor que “O concurso efectivo pode assumir a forma de concurso real ou a de concurso ideal. Há concurso real quando o agente, através de várias acções (condutas) independentes, comete mais do que um crime, quer porque com elas viola diversos preceitos penais incriminadores (…) quer porque viola um só preceito penal incriminador diversas vezes (…). Há concurso ideal quando o agente mediante uma só acção (conduta) viola mais do que uma vez o mesmo preceito penal (concurso ideal homogéneo) ou com uma só acção viola mais do que um preceito penal (concurso ideal heterogéneo)”. Ibidem, págs. 299-300.
Nestes termos, tendo sido condenado pela prática de um crime de “Homicídio Involuntário” e de um crime de “Ofensas corporais involuntárias”, previstos e puníveis, respectivamente, pelos artigos 368.º e 369.º, do Código Penal vigente à data dos factos, encontra-se o Recorrente em situação de concurso efectivo de infracções, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 35/22, de 23 de Dezembro, Lei da amnistia, não pode ser amnistiado, ou seja, não está em condições de beneficiar da amnistia resultante da lei acima referida.
Entretanto, nada obsta a que o Recorrente possa ter a sua pena perdoada em ¼ (um quarto), nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 35/22, de 23 de Dezembro, Lei da amnistia.
Deste modo, porque não há fundamento legal para declarar o crime amnistiado, urge, no âmbito das alegações do Recorrente, apreciar se o Acórdão recorrido ofende ou não princípios, direitos ou garantias, consagrados na CRA.
b) Sobre a ofensa do princípio da Proporcionalidade
O Recorrente alega que os crimes em que foi condenado revestem carácter culposo e que, porque o mesmo nunca sofreu pena de prisão e a seu favor militam circunstâncias atenuantes tendentes à ponderação do grau de culpabilidade criminal e moral, reúnem-se os pressupostos para a aplicação da suspensão da execução da pena nos termos do artigo 88.º do Código Penal de 1886, aplicável à data dos factos.
Entende, assim, o Recorrente, que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Luanda contraria o princípio constitucional da proibição do excesso, também conhecido como princípio da proporcionalidade, previsto no n.º 1 do artigo 57.º da CRA.
Em Direito Penal, no âmbito dos fins e fundamentos da pena, o princípio da proporcionalidade indica que a severidade da sanção deve corresponder à maior ou menor gravidade da infração penal, ou seja, quanto mais grave o ilícito, mais severa deve ser a pena. O princípio da proporcionalidade, em sentido estrito, obriga a ponderar a gravidade da conduta, o objecto de tutela e a consequência jurídica.
De acordo com Ana Prata, Catarina Veiga e José Manuel Vilalonga, o princípio da proporcionalidade é (…) “decorrente do princípio do Estado de Direito democrático, segundo o qual as restrições de direitos e liberdades fundamentais só podem legitimamente ter lugar desde que proporcionais à gravidade e aos efeitos dos factos cuja prática as fundamenta”. In Dicionário Jurídico – Direito Penal, Direito Processual Penal, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2016.
Como seu corolário, o princípio da proibição do excesso, segundo o qual, na consecução de um fim, deve-se utilizar o meio estritamente adequado, evitando-se todo excesso, proíbe a restrição excessiva de qualquer direito fundamental.
De acordo com Vitalino Canas “O princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade clássica é considerado por muitos o mais importante princípio do Direito Constitucional gerado pelas perspetivas pós-positivistas do direito e o centro da dogmática dos direitos fundamentais. A sua universalidade tem-se acentuado, sendo visto como um dos pilares do vocabulário comum de um constitucionalismo global”. In O princípio da proibição do excesso na conformação e no controlo de atos legislativos, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 9.
No caso vertente, o Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Luanda, pedindo a suspensão da execução da pena nos termos do artigo 88.º do Código Penal, tendo, contudo, este Tribunal confirmado a pena de dois anos de prisão aplicada, não obstante ter absolvido o Recorrente do crime de “Dano culposo”.
Assim, urge apreciar se o Acórdão recorrido violou o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 57.º da CRA, pelo facto de ter confirmado a pena aplicada pelo Tribunal a quo e não ter decidido suspender a execução da pena, uma vez que, segundo alegações do Recorrente, estavam preenchidos todos os pressupostos necessários para o efeito.
No âmbito da suspensão da execução da pena, o artigo 88.º do Código Penal vigente à data da ocorrência dos factos, estabelece que “Em caso de condenação, a pena de prisão, ou de multa, ou de prisão e multa, o juiz, tendo ponderado o grau de culpabilidade e comportamento moral do delinquente e as circunstâncias da infracção, poderá declarar suspensa a execução da pena, se o réu não tiver ainda sofrido condenação em pena de prisão. A sentença indicará os motivos da suspensão da pena”.
No mesmo sentido, o n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal Angolano (CPA) prescrevendo a suspensão da execução da prisão dispõe que “O Tribunal pode suspender a execução da prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a censura do facto e a ameaça da prisão realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
A suspensão da execução da pena de prisão consiste na interrupção da execução da pena privativa de liberdade aplicada pelo juiz na sentença condenatória, desde que presentes os requisitos legais, ficando o condenado sujeito ao cumprimento de certas condições durante o período de prova determinado também na sentença, de forma que, se após seu término, o sentenciado não tiver dado causa à revogação do benefício, será declarada extinta a pena.
Trata-se de uma medida de política criminal vigente no ordenamento jurídico angolano, que tem por fim estimular o condenado a viver de acordo com os imperativos sociais cristalizados na lei penal, sendo necessário, para ser concedida, haver convicção de que não haverá perigos para a sociedade.
Pelas disposições aplicáveis, evidencia-se que se trata de uma medida alternativa ao cumprimento efectivo da pena de prisão, que tem de ser declarada pelo Tribunal, apreciados os seus pressupostos e mediante fundamentação.
Neste mesmo sentido, Manuel Simas Santos sustenta que “(…) a apontada suspensão não é nem deve ser mera substituição automática da prisão. Com efeito, como reacção de conteúdo pedagógico e reeducativo que é, só deve ser decretada quando o tribunal o julgar conveniente e concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e de outras circunstâncias enunciadas no n.º 1 do artigo 50.º, que a censura do facto e a ameaça da prisão realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Compete ao tribunal essa indagação e a escolha responsável que sobre ela vier a fazer”. In Direito Penal de Angola, Escolar Editora, 2021, pág. 179.
Assim, tendo a suspensão da execução da pena sido pedida pelo Recorrente, o Acórdão recorrido, fls. 213 e 213 verso, cumprindo com o dever de fundamentação das decisões judiciais e das sentenças, penal em especial, como garantia constitucional imanente a um Estado Democrático de Direito, expresso no n.º 1 do artigo 158.º do Código do Processo Civil (CPC) e no artigo 17.º da Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum (LOFTJC) - Lei n.º 29/22, de 29 de Agosto, apreciou acentuadamente o pedido, destacando-se os seguintes termos:
No caso em apreço, resulta do aresto recorrido que sabendo o arguido que não estava habilitado a conduzir qualquer tipo de viatura, isto é, não possuía carta de condução, não se inibiu de lançar-se a estrada ao volante de uma viatura, conduzindo-a e em excesso de velocidade, desrespeitando, desta feita, todas as regras básicas do trânsito rodoviário, assumindo ele mesmo, as consequências do seu comportamento a todos os títulos reprováveis:
Resulta igualmente da factualidade dada como provada que o arguido após o encontrão decidiu parar a viatura distante do local do sucedido, tendo regressado minutos depois, como se nada tivesse acontecido. Ou seja, o arguido deixou de prestar, atempadamente o socorro devido às vítimas.
Assim, e dadas as circunstâncias em que os factos ocorreram de que resultou a morte da condutora do segundo veículo em consequência do encontrão, este Tribunal é de atribuir uma prognose social desfavorável ao arguido, com efeito, decide em manter a decisão recorrida, com excepção ao crime de dano, por ser particular.
Destarte, tendo apreciado as considerações de fundamentação do Tribunal da Relação de Luanda, no Acórdão recorrido, o Tribunal Constitucional entende que o mesmo não ofende o princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade, consagrado no artigo 57.º da CRA e alegado pelo Recorrente.
Nestes Termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO POR NÃO SE VERIFICAR QUALQUER OFENSA A PRINCÍPIOS, DIREITOS OU GARANTIAS, CONSAGRADOS NA CRA.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Julho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 23 de Maio de 2023.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva (Relator)
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Maria Fátima de Lima D' A. B. da Silva
Dr. Simão de Sousa Victor
Dr. Vitorino Domingos Hossi