ACÓRDÃO N.º 823/2023
PROCESSO N.º 1010-D/2022
Processo de Fiscalização Abstracta Sucessiva
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
O Grupo Parlamentar da UNITA, com os demais sinais de identificação especificados nos autos, intentou, com fundamento no n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), a presente Acção de Fiscalização Abstracta Sucessiva, impugnando o artigo 7.º do Regulamento n.º 4/22, de 6 de Junho, sobre o Reconhecimento e a Acreditação dos Observadores Eleitorais, aprovado pelo Plenário da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), nos termos do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 11/12, de 22 de Março – Lei de Observação Eleitoral (LOE), tendo, para o efeito, apresentado as seguintes alegações:
1. A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e o Tribunal Constitucional (TC), enquanto órgãos da administração eleitoral independente, nos termos do artigo 107.º da CRA, constituem órgãos de produção e defesa da lisura do processo eleitoral e da prevenção de actos que possam configurar fraude eleitoral.
2. Nos termos da lei, entende-se por observação eleitoral nacional a verificação da regularidade dos processos eleitorais desenvolvida por entidades ou organizações angolanas, com personalidade jurídica e entende-se por observação eleitoral internacional a verificação da regularidade dos processos eleitorais desenvolvidas por organizações regionais e internacionais, organizações não estatais, governos estrangeiros ou por personalidades de reconhecida experiência e prestígio internacionais.
3. A observação incide na verificação da imparcialidade dos actos da Comissão Nacional Eleitoral e na verificação da implantação e funcionalidade da CNE e seus órgãos em todo o território nacional, de acordo com o que estabelece a Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais.
4. As eleições e a restrição aos direitos fundamentais constituem duas matérias de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia Nacional, nos termos das alíneas c) e d) do artigo 164.º da CRA.
5. A observação eleitoral cabe no âmbito de protecção do direito de participação política.
6. A restrição ou limitação do direito de observação eleitoral só é admissível para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
7. Qual é o direito ou interesse constitucionalmente protegido que justifica a redução do número de observadores a 2 000 para todo o território nacional?
8. Não se vislumbra justificação e por ausência de justificação essa redução é inconstitucional, nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da CRA.
9. Mesmo que se admitisse a existência de uma justificação para a redução do número de observadores a 2 000, para salvaguardar um direito ou interesse constitucionalmente protegido, a restrição ou limitação teria de respeitar os princípios da necessidade, proporcionalidade e razoabilidade.
10. A distribuição de 2 000 observadores por várias organizações para observar 13 212 assembleias de voto para assegurarem pelo menos o acesso às actas síntese das assembleias de voto violaria os princípios da razoabilidade, necessidade e proporcionalidade de acordo com o n.º 1 do artigo 57.º da CRA.
11. Em bom rigor, a redução da observação a 2 000 observadores torna inefectiva a observação eleitoral, diminuindo a extensão e o alcance do conteúdo essencial do direito de participação política no âmbito do qual cabe a observação, n.º 2 do artigo 57.º da CRA.
O Requerente termina solicitando a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade da norma do artigo 7.º do Regulamento n.º 42/22, de 6 de Junho, aprovado pela Comissão Nacional Eleitoral e, em consequência, que seja declarada a sua inconstitucionalidade e nulidade, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 226.º, ambos da CRA, por restringir direitos de participação dos cidadãos no âmbito da observação eleitoral.
Em obediência ao disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 29.º da LPC e, por Despacho de 25 de Agosto de 2022 (fls. 13), a Veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional notificou a CNE para, querendo, no prazo de 15 dias, se pronunciar sobre a presente acção e oferecer as correspondentes contra alegações.
Consequentemente, a CNE veio, no dia 28 de Outubro de 2022, apresentar as suas contra alegações (fls. 17 a 21), invocando, no essencial, que:
1. A legislação angolana sobre a matéria define a observação eleitoral como sendo a verificação da regularidade dos processos eleitorais, realizados por entidades ou organizações nacionais ou estrangeiras com personalidade jurídica, nos termos dos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 11/12, de 22 de Março, Lei de Observação Eleitoral (LOE).
2. A observação eleitoral é um processo sistemático de recolha, tratamento, análise e informações independentes sobre os processos eleitorais, com base em modelos de referências plasmados nas leis dos países e nos compromissos regionais do país em que as eleições são observadas.
3. A observação eleitoral tem em vista a realização de constatações e a emissão de recomendações, em relação aos processos eleitorais, para abordar as conformidades com às normas aplicáveis, bem como as inconsistências ou lacunas no âmbito dos processos eleitorais e na legislação, por forma a melhorar a realização dos processos eleitorais futuros.
4. Por isso, não se pretende absolutista, ao ponto de abranger a totalidade das mesas e assembleias de voto do país, dado que se pretende apenas colher amostras significativas sobre os actos inerentes ao processo eleitoral e, com isto, emitir uma opinião sobre o processo e as recomendações devidas para a melhoria dos processos eleitorais futuros.
5. Nos termos da lei, a base para a observação eleitoral são os círculos provinciais, como dispõe o n.º 1 do artigo 28.º da LOE.
6. A perspectiva da observação eleitoral não se pode confundir com a fiscalização dos processos eleitorais. Esta função é, efectivamente, dos partidos políticos por via dos seus delegados de lista (fiscais de listas), que tomam parte dos actos de votação, subscrevem as actas produzidas nas mesas e assembleias de voto, tal como estabelecem os artigos 93.º e 95.º da Lei n.º 36/11, de 21 de Dezembro, Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 30/21, de 30 de Novembro.
7. A aprovação de normas relativas às matérias sobre a observação eleitoral, constitui reserva legislativa absoluta de competência da Assembleia Nacional que, no caso, aprovou a Lei n.º 11/12, de 22 de Março, Lei de Observação Eleitoral.
8. No entanto, a competência para a determinação do número de observadores no âmbito dos processos eleitorais é deferida, exclusivamente, à CNE, por emanação expressa do legislador conforme dispõe o n.º 1 do artigo 11.º da LOE e do artigo 13.º da Lei n.º 12/12; de 13 de Abril, Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral.
9. Trata-se de uma competência discricionária, ou seja, uma concessão legislativa que confere à CNE um espaço decisório para a concretização das normas vigentes.
10. Na legislação existente, não há fixação de um número máximo nem mínimo, deixando ao critério do órgão encarregue de organizar e realizar eleições, em atenção à experiência e à prática internacional.
11. A finalidade da observação eleitoral não é a distribuição dos observadores em todas as assembleias de voto e mesas de votos, mas sim, a observação por círculos provinciais eleitorais.
12. O Requerente, como integra um Partido Político com assento na Assembleia Nacional, pode, se entender que a lei não está conforme, desencadear os procedimentos internos necessários para alteração da lei.
13. A deliberação do Plenário da CNE que aprovou o Regulamento sobre a Observação Eleitoral foi adoptada por unanimidade, sendo que, a LOE não impõe e nem determina que a CNE ao elaborar ou aprovar o Regulamento deve consultar algum órgão ou os partidos políticos concorrentes.
A Requerida, CNE, termina pedindo ao Tribunal Constitucional que julgue improcedente o pedido formulado pelo Requerente, uma vez que o referido Regulamento está em conformidade com a CRA e os imperativos legais, não enfermando de vícios que importariam a sua declaração de inconstitucionalidade.
O processo foi ao Ministério Público que, no essencial, promoveu a seguinte vista:
(…) compete à CNE operacionalizar os princípios e normas sobre o processo eleitoral conforme vontade do legislador expressa nas alíneas g) e n) do artigo 13.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º, todos da Lei n.º 12/12, de 13 de Abril.
O legislador não previu, propositadamente, o número de observadores nacionais, deixando essa tarefa para a CNE regulamentar pontualmente. Pelo que a CNE fê-lo no uso da sua competência.
Outrossim, não havendo na Lei um número definido de observadores, não se compreende o sentido de redução utilizado pelo Requerente, pois, reduzir implica diminuir algo já existente.
Deste modo, e salvo melhor entendimento, o artigo 7.º do Regulamento n.º 4/22, de 6 de Junho, aprovado pela Comissão Nacional Eleitoral, está conforme a CRA, devendo, por esta razão, ser confirmado e mantido.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral a inconstitucionalidade de qualquer norma, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 181.º e do n.º 1 do artigo 230.º, ambos da Constituição da República de Angola (CRA).
A Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) estatui na alínea a) do artigo 16.º (com a redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro), que compete ao Tribunal Constitucional apreciar a constitucionalidade das leis, dos decretos presidenciais, das resoluções, dos tratados, das convenções e dos acordos internacionais ratificados e de quaisquer normas, nos termos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 181.º da CRA.
Refere a Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC), no seu artigo 26.º (com a redacção dada pelo artigo 7.º da Lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro) que, nos termos previstos pelo artigo 230.º da Constituição, pode ser requerida a apreciação sucessiva da constitucionalidade de qualquer norma contida em diploma publicado em Diário da República, nomeadamente de lei, decreto-lei, decreto, resolução e tratado internacional.
Considerando que o artigo 7.º do Regulamento n.º 4/22, de 6 de Junho, cuja constitucionalidade se requerer, foi publicado no Diário da República, I Série n.º 102, de 6 de Junho, o Tribunal Constitucional tem competência para apreciar a sua conformidade com a Constituição.
III. LEGITIMIDADE
Estatui o n.º 2 do artigo 230.º da CRA que podem requerer a declaração de inconstitucionalidade abstracta sucessiva as seguintes entidades: a) o Presidente da República; b) 1/10 dos Deputados à Assembleia Nacional em efectividade de funções; c) os Grupos Parlamentares; d) o Procurador-Geral da República; e) Provedor de Justiça; e f) a Ordem dos Advogados de Angola.
Por sua vez, o artigo 27.º da LPC dispõe que, nos termos do n.º 2 do artigo 230.º da Constituição, têm legitimidade para solicitar ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade de quaisquer normas (…) as entidades acima enumeradas, onde se inclui os Grupos Parlamentares.
Assim sendo, o Requerente, Grupo Parlamentar de UNITA, tem legitimidade para requerer o processo de fiscalização sucessiva que ora submete à apreciação do Tribunal Constitucional.
IV. OBJECTO
O objecto do presente Processo de fiscalização sucessiva é apreciar se a norma estabelecida no artigo 7.º do Regulamento n.º 4/22, de 6 de Junho, aprovado pela CNE viola o direito de participação política e o princípio da proporcionalidade previstos, respectivamente, nos artigos 52.º, n.º 1 e 57.º, ambos da Constituição da República de Angola.
V. APRECIANDO
Questão Prévia
O Requerente aduz nas suas alegações que: “A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e o Tribunal Constitucional (TC), enquanto órgãos da Administração Eleitoral Independente, nos termos do artigo 107.º da CRA, constituem órgãos de produção e defesa da lisura do processo eleitoral e da prevenção de actos que possam configurar fraude eleitoral”.
Importa, no entanto, esclarecer que, o Tribunal Constitucional é, nos termos da alínea c) do artigo 181.º da CRA, um órgão jurisdicional com competência de administrar a justiça sob questões de natureza jurídico-constitucional, eleitoral e político-partidária, não integrando, por conseguinte, a administração eleitoral independente, como erroneamente alega o Requerente.
Feita a apreciação da questão prévia, passa-se, agora, a análise do pedido do Requerente:
A Constituição da República de Angola erige o princípio democrático como um pilar edificador do Estado de direito, assente no pluralismo, na transparência, na participação pública e no respeito dos elementares e sacrossantos direitos fundamentais. O desenho constitucional do sistema eleitoral angolano, tem o seu traço fundante assente num manancial de princípios pluralistas cujo núcleo essencial reside na democracia participativa, na democracia representativa e no exercício da ampla cidadania eleitoral, sem desprimor de outros princípios, não menos importantes, incorporados no Direito eleitoral.
Sob esse prisma, o ordenamento jurídico-eleitoral estrutura-se como um eixo axial, sistémico, integrado e harmonizado, constituído por um conjunto de normas jurídicas disciplinadoras, reguladoras e concretizadoras susceptíveis de propiciar o necessário fortalecimento, transparência, democraticidade e incolumidade ao processo eleitoral, de modo a que cada cidadão se sinta parte inclusiva de um processo que permita a participação equânime dos governados na escolha livre e justa dos seus governantes.
No caso vertente, o Requerente, Grupo Parlamentar da UNITA, focaliza nas suas alegações que, no seu entendimento, o artigo 7.º do Regulamento n.º 4/22 de 6 de Junho, sobre o Reconhecimento e a Acreditação dos Observadores Eleitorais, restringe o direito de participação política dos cidadãos e o princípio da proporcionalidade, por isso, requer que seja declarado inconstitucional.
Na análise desta questão, é primacial referir-se que no âmbito do direito pátrio, as normas positivas instituem no n.º 1 do artigo 107.º da CRA (administração eleitoral) que os processos eleitorais são organizados por órgãos de administração eleitoral independentes, cuja estrutura, funcionamento, composição e competências são definidos por lei. Daqui decorre, que os esteios da legitimidade eleitoral da CNE resultam do primado da Constituição que clama pela normatização ordinária para a efectivação da sua positivação.
Tal como se extrai do Acórdão n.º 412/2016, de 6 de Dezembro, que firmou jurisprudência do Tribunal Constitucional, “As normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 107.º são normas programáticas, isto é, são normas de orientação constitucional superior, cuja materialização é imputada ao legislador ordinário, competindo a este fazê-lo nos termos e efeitos determinados pela Constituição”.
Por conseguinte, à luz do quadro jurídico-constitucional vigente cabe à CNE, enquanto órgão de administração eleitoral, a coordenação e organização do processo eleitoral lato sensu, primando pela isenção, imparcialidade e objectividade, bem como pela preservação dos princípios, direitos e garantias jus fundamentais respaldados na CRA.
Por sua vez, adicionalmente, a Lei n.º 12/12, de 13 de Abril – Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral (LOOFCNE) e demais diplomas legais aplicáveis, vieram densificar a concretização da aludida norma programática. Com efeito, a Lei n.º 36/ 11, de 21 de Dezembro -Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais (LOEG), alterada e republicada pela Lei n.º 30/21, de 30 de Novembro , a LOOFCNE, a LOE e o Regulamento n.º 4/22, de 6 de Junho, sobre o Reconhecimento e a Acreditação dos Observadores Eleitorais atrelados à CRA, propiciam uma harmonização de coerência lógica de regras e tarefas, inspiradas na Carta Republicana e nos instrumentos jurídicos internacionais acolhidos no ordenamento jurídico angolano, respeitantes a matéria eleitoral.
Neste conspecto, vale apontar que, seguindo essa filosofia de pensamento, configuram-se compatíveis com a lei as atribuições conferidas à CNE, no domínio da acreditação, credenciamento e reconhecimento dos observadores eleitorais.
A função reservada ao órgão de administração eleitoral na CRA e na lei, no âmbito da realização do processo eleitoral, é tão ampla e abrangente que assenta numa pluridimensão cuja actuação lhe confere o exercício de competências administrativas, normativas e de contencioso eleitoral gracioso. No essencial, denota-se que a CRA instituiu, também, a este órgão a incumbência da defesa dos bens e valores jurídicos tutelados e protegidos pelo processo eleitoral.
Posto isto, fazendo apologia à perspectiva jurídico-constitucional, afigura-se que a CNE tem legitimação própria para, de forma abrangente e ampla, cuidar dos aspectos inerentes à organização de todas as fases essenciais do processo eleitoral. Para tanto, aprova regulamentos, directivas, resoluções, instrutivos e deliberações que produzem efeitos erga omnes com eficácia geral e abstracta.
Hoje, é unânime o reconhecimento, pugnado por correntes dogmáticas e de jurisprudência firmada, donde se sobreleva a importância, a aceitação, a pertinência e a utilidade dos actos praticados pelos órgãos de administração eleitoral, configurados como autênticas fontes do Direito, no contexto da ciência eleitoral.
A este propósito, enuncia-se o seguinte pensamento: “Na arena da organização do processo eleitoral, os actos praticados pela CNE constituem instrumentos reitores orientadores, de grande valia, conducentes à concretização do direito de sufrágio pelos cidadãos, sedimentado no cultivo e aperfeiçoamento do exercício da cidadania e da democracia participativa (…).
O carácter normativo e vinculativo dessas regras eleitorais, oriundas de uma «deliberação-regra» e o seu traço abstracto e generalizado ocupam um lugar privilegiado no plano das fontes do Direito angolano, com valor paramétrico específico (normas que são pressupostos normativos de outras normas)”. Cfr. FERREIRA, Júlia, Estudos Sobre a Emergência do Direito Eleitoral Angolano, In JURIS Estudos em Homenagem ao Professor Adérito Correia, Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola, 2016, págs. 174 e 175.
Importa acrescer que a necessidade permanente de se assegurar a celeridade, a eficácia, o cumprimento dos prazos legais e a viabilização do procedimento do processo eleitoral não pode ser confrontada com posições inertes, sem respostas, face à omissão da lei de detalhes de regulação sobre matérias delegadas ou confiadas à decisão do órgão de administração eleitoral.
A contrario sensu, uma atitude de indiferença deste órgão seria adoptar um caminho indesejável e ofensivo aos princípios republicanos e aos anseios constitucionais, em face da relevância dos bens jurídicos eleitorais tutelados pela CRA, cuja justiciabilidade clama pela prossecução do interesse público e do interesse da colectividade na promoção da democracia eleitoral.
Como tal, a dimensão, alcance e teleologia positivados no artigo 107.º da CRA assentam em princípios estruturantes do Estado de direito, designadamente os princípios da supremacia da Constituição, da legalidade e o da autonomia funcional do órgão de administração eleitoral. Por isso, a actuação da CNE não deve ser considerada aleatória, nem tampouco desprovida de arrimo legal.
A Constituição angolana flui no n.º 1 do artigo 2.º que “A República de Angola é um Estado democrático de direito que tem como fundamento a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa”.
Corporizando esse primado constitucional, na sua essência, a observação eleitoral assume-se como a expressão da inclusão, da representatividade política e da democracia participativa de agentes eleitorais que voluntariamente se predispõem a exercer o direito fundamental de participação política, com vista a contribuir para o fortalecimento da consolidação da democracia e do desenvolvimento das Instituições democráticas, enquanto agentes promotores do aprofundamento da lisura eleitoral.
No que se reporta à questão central em pauta, a LOE cataloga várias categorias de observadores eleitorais, designadamente a nacional (entidades ou organizações angolanas com personalidade jurídica) e internacional (organizações regionais e internacionais, organizações não estatais, governos estrangeiros ou por personalidades de reconhecida experiência e prestígio internacionais) desde que preencham os requisitos estabelecidos por Lei para o seu reconhecimento, acreditação e credenciamento.
Neste sentido, a LOOFCNE (alínea y) do artigo 6.º e alíneas n) e o) do artigo 13.º) e a LOE (artigos 27.º e 29.º, n.º 1) estabelecem que é competência da CNE deliberar sobre a acreditação dos observadores eleitorais nacionais e internacionais e estabelecer as suas áreas de acção.
Ademais, o Regulamento n.º 4/22, de 6 de Junho, corporiza no seu artigo 7.º que “Para efeito de reconhecimento e acreditação de observadores Eleitorais Nacionais, a Comissão Nacional Eleitoral fixa a quota de até 2 000 (dois mil) observadores”.
No seguimento do acervo de legislação eleitoral disciplinador das regras e procedimentos eleitorais, parece incontestável que o legislador constituinte remeteu, in totum, para as normas infraconstitucionais a regulação da matéria atinente a observação eleitoral, com a prevalência da definição de critérios materiais e formais concretizadores deste instituto.
A chave para a interpretação do artigo 7.º do Regulamento perpassa por uma visão cósmica integrativa pautada por uma interpretação coligada e conjunta dos demais diplomas reguladores da observação eleitoral, cujo patamar tem como norma residual os artigos 29.º e 7.º, respectivamente, da Lei n.º 11/12, de 22 de Março e da Lei n.º 36/11, de 21 de Dezembro.
Como tal, o normativo do artigo 7.º do Regulamento da Lei de Observação Eleitoral não pode ser interpretado numa perspectiva isolada ou individualizada à margem da holística dos princípios hermenêuticos positivados pela CRA que atribuem discricionariedade ao órgão de administração eleitoral competências organizativas eleitorais, desde que compaginadas à Lei.
Dito isto, afere-se que a optimização dos direitos e valores fundamentais da seara jurídico eleitoral consolidam-se, além do mais, nos princípios da concordância prática, da supremacia da Constituição, da máxima efectividade e da legalidade. Partindo desse prisma, a interpretação do artigo 7.º do Regulamento n.º 4/22, de 6 de Junho, não deve ser analisado de forma redutora, mitigada, ou seja, descontextualizada da objectividade, sistémica e harmónica do sistema eleitoral lato sensu.
Vale, por isso, citar José Augusto Delgado que reconhece a “característica de cunho supletivo e criador das instruções necessárias ao direito eleitoral, mas desde que não resulte, a sua aplicação em se tornar incompatível com a norma positivada”. Segundo o autor, “a base jurídica do regulamento eleitoral está relacionada à actividade inerente à justiça eleitoral, de carácter administrativo e judiciário”. In A Contribuição da justiça Eleitoral para o aperfeiçoamento da democracia. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n.º 127, 1995, págs. 109-118.
Na mesma linha, parafraseando o que assevera Norberto Bobbio: “O sistema jurídico vem definido, antes de tudo o mais, pela unidade, coerência, completude e inerente complexidade”. QUEIROZ, Cristina, Justiça Constitucional, Editora Petrony, 2017, pág. 84.
Com este alcance, pressupõe-se que, no modelo eleitoral angolano, o legislador constituinte remeteu para as normas infraconstitucionais a definição dos procedimentos, das regras e das tarefas atinentes à condução e organização do processo eleitoral. Por isso, a inexistência previsional de normas que definam, in concretum, um numerus clausus típico acolhido literalmente na lei que preconize, ipsis verbis, a fixação do número de observadores eleitores decorre de premissas legais alijadas na confiabilidade institucional compromissória da CRA ao legislador ordinário para tratar dessas matérias.
Constitui o cerne fulcral do presente processo, impetrado pelo Grupo Parlamentar da UNITA, a alegada inconstitucionalidade do artigo 7.º do supra citado regulamento.
Colhe o pedido do Requerente? Vejamos:
Prima facie, a estruturação do processo de observação eleitoral stricto sensu, consiste fundamentalmente na acreditação, no reconhecimento e na legitimação dos observadores eleitorais, enquanto agentes eleitorais e partícipes do processo eleitoral. Consequentemente, sob a égide dos princípios da supremacia da Constituição, da legalidade administrativa e da sedimentação do procedimento eleitoral, cabe ao órgão de administração eleitoral (CNE) aprovar a admissibilidade e o reconhecimento dos observadores eleitorais mediante prévio cumprimento dos requisitos legais exigíveis.
Deste modo, o questionamento reflexivo que se suscita, é saber se a inexistência normativa de limites mínimos ou máximos na lei, sobre a indicação numérica de observadores eleitorais, não deve ser considerado um prenúncio da permissibilidade legal conferida à CNE, para efeitos da sua concretização, no âmbito da sua liberdade de conformação (artigos 27.º, alínea c) e 29.º da Lei de Observação Eleitoral). Afigura-se que sim, mormente, porque a lei elege como critério fundamental, imperante, que seja este órgão a proceder a distribuição dos observadores por todos os círculos políticos eleitorais, de modo a propiciar a sua ampla operabilidade em todo o território nacional.
Em razão dessa regra, denota-se que na sua função clássica a observação eleitoral enquanto faceta representativa da democracia participativa obedece a um formalismo próprio para a sua efectivação. Posto isto, há que considerar os pressupostos que apontam para critérios básicos (de forma e de conteúdo) para o seu credenciamento (artigo 27.º da LOE), cuja inobservância pode determinar a desaprovação do pedido de credenciamento do observador eleitoral.
Com efeito, os requisitos para a acreditação dos observadores eleitorais estão elencados na Lei de Observação Eleitoral. Outra solução legal acolhida no artigo 28.º da referida lei, é a que elege o princípio da territorialidade como critério definidor do âmbito de actuação dos observadores eleitorais.
Face a esse postulado, colhe a ideia de que o legislador pretendeu definir neste contexto, um ritualismo procedimental de critérios para a habilitação de todos agentes eleitorais (jornalistas, delegados de lista, observadores, candidatos, mesários) sem que tal facto seja caracterizado como limitações aos direitos fundamentais. Em boa tese, tais critérios não vigoram só para os observadores eleitorais como, também, se impõem aos demais partícipes do processo, ex vi, de um tratamento isonómico que permita salvaguardar a igualdade na diferença, e cuidar da adequada planificação, preparação e organização do pleito eleitoral.
Na mesma senda, ocorre com o princípio do sufrágio universal, alicerce da democracia, conforme prefigura Darcy Azambuja: “o princípio do sufrágio universal admite a exigência de certas condições, mas essas condições não representam privilégios de riqueza ou de classe social. Assim são excluídos os menores, os loucos, os condenados por certos crimes”. In Teoria Geral do Estado, 4 Edição, São Paulo, Globo, 2002, pág. 339.
Nestes termos, é importante ressaltar que, partindo de premissas diferenciadas, o observador eleitoral no exercício da sua função assume uma posição dinâmica no pleito eleitoral o que lhe permite ter acesso e observar todas as assembleias de voto do círculo eleitoral, onde tiver sido credenciado, a contrario sensu, por exemplo, os representantes dos partidos políticos exercem a fiscalização, exclusivamente, nas mesas das assembleias de voto onde tiverem sido credenciados. É preciso explicitar que a ratio das condições de participação política de cada um dos agentes eleitorais, supra, claramente, não se funda nos mesmos pressupostos, todavia mantém-se a garantia da sua inclusão e representatividade participativa no pleito democrático.
Acresce-se que a lei ao eleger os círculos eleitorais como critério fulcral do credenciamento dos observadores eleitorais, afastou ou declinou a obrigatoriedade de haver observadores em todas as assembleias ou mesas de voto porque a sua tarefa é considerada ambulatória, diferente de outros agentes eleitorais vinculados à permanência de forma fixa junto das mesas de voto.
Sendo assim, o que transparece é que o exercício dessa faculdade pela CNE, de indicação dessa quotização, não significa propriamente uma restrição do direito de participação política dos agentes eleitorais, porquanto, não lhes é arredado esse direito. Esta perspectiva, também, informa à fiscalização do processo eleitoral cujo rito procedimental, do ponto de vista do seu credenciamento, é conferido à CNE, definido por dois delegados em cada mesa de voto, o efectivo e o suplente, do mesmo modo em relação à imprensa.
Alega o Requerente que “a distribuição de 2 000 observadores por várias organizações para observar 13 212 assembleias de voto para assegurarem pelo menos o acesso às actas-síntese das assembleias de voto violaria os princípios da razoabilidade, necessidade e proporcionalidade de acordo com o n.º 1 do artigo 57.º da CRA”.
Desde logo, a arguição do Requerente sobre a ofensa dos princípios invocados não parece tão lapidar como refere nas suas alegações, na medida em que não se podem conferir poderes legais que a lei não contempla aos observadores. Na verdade, vislumbra-se alguma incompreensão no que respeita à função do observador no âmbito do processo eleitoral.
O primeiro pressuposto a ter em conta alicerça-se no princípio da não ingerência nas operações materiais, cuja essência não atribui competência aos observadores eleitorais de assegurar o envio das actas-síntese das assembleias de voto.
O segundo pressuposto, já referido, assenta no princípio da não usurpação de competências próprias dos delegados de lista, enquanto representantes dos partidos políticos.
No caso em apreço, a legislação eleitoral atribui a liberdade de conformação pragmática à CNE em matéria eleitoral, para a efectivação da tutela da democracia, da lisura eleitoral e da garantia da participação política, o que equivale dizer que, no domínio da observação eleitoral, não existindo outros dispositivos legais disciplinadores do quantum numérico de observadores eleitorais (limites mínimos e máximos), cabe à CNE a assumpção desta tarefa, que vem realizando desde as eleições de 2008.
Nessa medida, a participação dos agentes eleitorais (observadores) decorre de valorações diferenciadas que preenchem o princípio da liberdade de conformação da CNE para a sua parametrização numérica.
Diante disto, a interpretação teleológica permite cogitar que o legislador incumbiu esta atribuição ao órgão de administração eleitoral, enquanto instituição encarregue da preparação, organização e materialização do processo eleitoral, tendo como prevalência a cobertura territorial dos círculos eleitorais.
De outro modo, e tal e como aludem os relatórios de observação eleitoral, um dos principais entraves obstaculizadores à observação eleitoral decorre propriamente de dificuldades financeiras com as quais se confrontam neste exercício. Como sublinha Matilde Pedro: “Desde a sua intervenção em Angola a partir de 2008 pode-se notar, apesar de certas falhas, que a ação da SADC no âmbito da observação eleitoral evoluiu positivamente e contribuiu para o fortalecimento da democracia em Angola e na África Austral. Todavia, deve reforçar a sua capacidade financeira e em recursos humanos para enviar atempadamente para os países organizadores de eleições”. In O Papel da SADC na Observação Eleitoral em Angola. As Eleições de 2012 e 2017, págs. 126 e 127.
Ora, como decorre desse excurso dogmático, a indisponibilidade da presença participativa alargada de observadores nas disputas eleitorais decorre, também, da exiguidade de recursos próprios disponíveis para o efeito. Ou seja, não se trata propriamente de uma restrição, mas de uma incapacidade que, por vezes, é evidenciada pelos próprios observadores para preencherem todos os círculos eleitorais nacional, como preconiza a lei.
Apesar da plenitude em que assenta esse elementar direito fundamental, a sua pragmaticidade e a possibilidade efectiva, enfermam de avanços e recuos hoje notoriamente constatáveis, por exemplo, com as elevadas taxas de abstenção quando se realizam eleições democráticas, em vários países.
No mesmo contexto, seguindo o lastro da teleologia normativa subjacente ao artigo 7.º do Regulamento , ora impugnado, dos pontos 14 (1) (f) e 14 (2) (d) dos Princípios e Directivas da SADC para Eleições Democráticas (Revisão de 2015) se resume, o seguinte: Após a apresentação das listas de Observadores pelos Estados Membros, o Secretariado da SADC determinará o número de Observadores a serem destacados para cada Estado Membro que realiza eleições, tendo em conta, inter alia, o contexto político, dimensão geográfica e capacidade financeira. (Cfr. SADC Principle and Guidelines Governing Democratic Elections {Revised, 2015}).
Por isso, deve-se ter em atenção que o direito de participação política constante no n.º 1 do artigo 52.º (embora, de forma equivocada, o Requerente faça referência ao artigo 57.º, ambos da CRA, porque confunde o conteúdo de um direito fundamental com as restrições do referido direito), resulta de um normativo genérico, programático agregador de diferentes direitos políticos e distintas formas de representação plasmados nos preceitos constitucionais e nas normas infraconstitucionais cuja efectivação é concretizada pela legislação ordinária.
No mesmo sentido, João Sérgio Ribeiro apregoa que: “Na verdade, os preceitos constitucionais que consagram os deveres fundamentais ou os disciplinam «são preceitos dirigidos primordialmente ao legislador ordinário a fim de este lhes dar conteúdo»”. In A Debilidade do Direito de Participação Política, Universidade do Minho, Tomo I, RIDB, Ano 2 (2013) n.º 6, pág. 5622.
Sobre essas debilidades na concretização do direito a participação política alude, ainda, João Sérgio Ribeiro que: “No plano nacional já foram avançadas algumas razões para a debilidade da participação, designadamente o facto de os novos direitos que têm surgido nesse âmbito estarem demasiado ligadas ao direito de voto (…) Desde logo os vários direitos de participação estão imbuídos de um grande formalismo e tecnicidade o que dificulta (…) implicando muitas vezes o afastamento”. Obra acima citada, pág. 5621.
Como se pode depurar do exposto, é na essência, abrangência e natureza do direito de participação política no âmbito da observação eleitoral que a CNE, em face da envolvência social e política, a experiência no domínio da organização eleitoral e na prossecução do asseguramento da finalidade democrática, prescreve in concretum o numerus atribuído aos observadores eleitorais em cada pleito eleitoral. A este propósito, vale sublinhar que a Requerida esclarece que a quota numérica por si fixada não foi atingida na sua totalidade, conforme fls. 40 e 41 dos autos.
O Requerente alega que “Em bom rigor, a redução da observação a 2000 observadores torna inefectiva a observação eleitoral, diminuindo a extensão e o alcance do conteúdo essencial do direito de participação política no âmbito do qual cabe a observação, n.º 2 do artigo 57.º da CRA”.
Porém, considerando que a quota fixada pela CNE não foi preenchida na sua plenitude, como elucida a Requerida, por razões alheias a este órgão da administração eleitoral, é forçoso como tal admitir a violação do direito de participação política dos observadores eleitorais nacionais no pleito realizado em 2022, como pretensamente defende o Requerente.
Quanto à invocação da ofensa ao princípio da proporcionalidade, esgrimido pelo Requerente, é salutar e de incontestável relevância o que apregoam os autores, Joaquim de Sousa Ribeiro, Maria João Antunes e Onofre dos Santos, quando referem: “Mas, a nosso ver, justifica-se que o legislador constituinte angolano tenha aludido expressamente à razoabilidade, como critério adicionável à proporcionalidade, para aferir da constitucionalidade das leis restritivas (…). A proporcionalidade tem uma estrutura argumentativa relacional põe em confronto o peso relativo de sacrifícios e vantagens, como consequências do acto legislativo. Mas, essa ponderação deve ser posta de lado quando o desvalor intrínseco da medida restritiva é de tal ordem que afasta à partida a possibilidade de se atender aos benefícios causados noutra esfera de interesses”. In Direitos Humanos/Direitos Fundamentais, Os Sistemas Internacional e Angolano de Proteção, Editora Petrony, págs. 187 e 188.
No domínio eleitoral angolano, o acervo legislativo ilustra cautelas impostas ao legislador quanto à conformação constitucional da aplicabilidade das leis eleitorais. Porém, tal não significa que a CNE deve ser relegada como um adorno meramente figurativo sem vocação para o exercício de competências próprias.
O arcabouço jurídico da seara eleitoral angolana impõe ao órgão de administração eleitoral uma actuação que respeita a sacralidade dos direitos e princípios fundamentais embasados pelo Estado democrático de direito, bem como os critérios holísticos, globais, do ponto de vista da legalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade, da adequação e da ponderação ante as finalidades e competências legais inerentes a prossecução do interesse público.
Ora, na sua acepção dogmática, o princípio da proporcionalidade visa, essencialmente, proibir excessos e evitar abusos dos órgãos do Estado. É um princípio de positivação constitucional e flui na ordem jurídica angolana como um pressuposto da razoabilidade e da adequação. No caso sub judice, o excurso expendido aqui elencado, em torno da norma sindicada retira sustentação quanto às razões invocadas pelo Requerente para a procedência do seu pedido, porquanto este princípio só se assume como irrazoável quando constitui um manifesto desvalor dos interesses, em função da lesividade dos bens protegidos, o que não se verifica nos presentes autos.
Parafraseando Jorge Reis Novais: “Quando se aprecia a restrição a um direito fundamental, avalia-se a relação entre o bem que se pretende proteger ou prosseguir com a restrição e o bem protegido de direito fundamental que resulta, em consequência, desvantajosamente afectado. Por sua vez, a observância ou a violação do princípio da proporcionalidade dependerão da verificação da medida em que essa relação é avaliada como sendo justa, adequada, razoável (….)”. In As Restrições aos Direitos Fundamentais, Editora AAFDL, 3ª edição, págs. 752 e753.
Ainda sobre a suposta violação do artigo 57º. da CRA, mormente dos princípios da proporcionalidade, da necessidade e da razoabilidade vale enfatizar Jorge Miranda que defende: “a proibição do excesso não é apenas um instrumento de ponderação e de harmonização, pois serve também como parâmetro nas delimitações das competências dos órgãos do Estado”. In Harmonização e Ponderação - Uma Perspectiva Comparada Sobre Portugal e Brasil (Coord. Vitalino Canas), Editora AAFDL - 2020, Lisboa, pág. 168.
Seguindo a ratio dos ensinamentos doutrinários, ora enxertados, extrai-se que a norma em sindicância visou tão somente concretizar os referidos princípios porque era necessário determinar o quantum de observadores, de tal sorte que o Requerente não ofereceu provas materiais demonstrativas da existência de qualquer reclamação de um sujeito ou entidade, em concreto, que reunisse os requisitos legais e não tivesse sido credenciado, por efeito da determinação do quantum fixado na norma sub judice.
Entretanto, à margem do presente processo, o Tribunal Constitucional não pode deixar de enfatizar que o Requerente, nas vestes de Recorrente do Processo n.º 997/2022, interpôs um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, no âmbito da fiscalização concreta, requerendo que se declarasse a nulidade da decisão da CNE quanto à precisão do número de observadores fixados no mencionado regulamento, a participarem nas eleições de 2022. Porém, verifica-se nos dois processos em que a mesma foi Requerente que houve redundância da matéria fáctica e das alegações deduzidas no seu pedido, isto é, identificam-se os mesmos argumentos e razões suscitados de violação de direitos fundamentais. Apesar do esgotamento jurisdicional da decisão, veio novamente o Requerente, ao abrigo do presente processo impugnar a matéria em causa.
O propósito de trazer à liça este reparo é, fundamentalmente, para elucidar que o Tribunal Constitucional já havia decidido, no Acórdão n.º 761/2022, julgar improcedente o pedido, negando provimento ao recurso interposto, observando de forma assinalável o seguinte: Refere, ainda, o Requerente que, pelo número de observadores definidos pela CNE, as eleições seriam inobserváveis e não credíveis, mas sem sustentar as razões.
Em suma, considerar a impugnação do normativo do artigo 7.º à margem das demais normas que regulam o modelo eleitoral acolhido no ordenamento jurídico-constitucional angolano revela-se desapropriado e inócuo. Como tal, conclui-se que a norma revidada na sua acepção formal e material não é inconstitucional, desrazoável ou desproporcional, ou seja, não está afastada dos parâmetros do Estado Democrático de Direito.
Pelo exposto, não se vislumbra qualquer violação do direito de participação política dos cidadãos nem dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da necessidade consagrados na Constituição angolana.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA DO ARTIGO 7.º DO REGULAMENTO N.º 4/22, DE 6 DE JUNHO, APROVADO PELA COMISSÃO NACIONAL ELEITORAL.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 07 de Junho de 2023.
Notifique-se.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (voto vencido sem declaração)
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira (Relatora)
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Simão de Sousa Victor