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Jurisprudência

ACÓRDÃO N.º 850/2023

 

PROCESSO N.º 946-D/2022
Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

 

I. RELATÓRIO

Carlos Muzembe Deque e outros, com os demais sinais de identificação nos autos, vieram ao Tribunal Constitucional requerer a realização das reuniões do Comité Nacional e do Conselho Político do IV Congresso Ordinário e a nulidade dos seis anos de mandato dos órgãos de Direcção do Partido de Renovação Social – PRS, alegando, em síntese, o seguinte:

1. É do conhecimento público de que, o PRS realizou o seu IV Congresso Ordinário no período de 29 a 31 de Maio de 2017, tendo dentre outras deliberações eleito o senhor Benedito Daniel ao cargo de Presidente do Partido.

2. Desde aquela altura, realizou-se apenas uma reunião do Comité Nacional (2018) e outra do Conselho Político (2019), sendo que até a data não foi convocada a reunião destes órgãos.

3. Outra preocupação prende-se com o facto de que, os Estatutos e a Acta do IV Congresso Ordinário enviados ao Tribunal Constitucional para efeito de anotação estavam alterados no que a periodicidade diz respeito, de quatro para seis anos, quando, na verdade, o congresso não discutiu esta questão.

4. O IV Congresso havia deliberado mediante votação, na base da proposta da Comissão para Emendas aos Estatutos, criada para o efeito pelo próprio congresso, pela redução de cinco anos para quatro anos de mandato, nos termos do artigo 34.º dos Estatutos do partido devido aos transtornos decorrentes da coincidência no mesmo ano da realização dos congressos anteriores com as eleições gerais no país, isto é, os congressos se realizariam de quatro em quatro anos.

5. Pelo que, o mandato dos órgãos directivos terminou em Maio de 2021, sendo que os órgãos de Direcção do PRS estão a funcionar ilegalmente.

6. Efectivamente, o Presidente intencionalmente não convoca as reuniões do Comité Nacional e do Conselho Político, nos termos estabelecidos nos Estatutos. Todavia, no início do ano de 2022, veio dizer na comunicação social (Rádio Eclésia e Novo Jornal) que não convocava aqueles dois órgãos por causa da pandemia da Covid-19.

7. Não colhe a justificação, uma vez que outros partidos políticos realizaram regularmente as suas actividades e reuniões dos seus órgãos de Direcção a todos os níveis.
Os Requerentes, nas suas alegações, concluíram, deduzindo os seguintes pedidos:
a) Instar o Presidente do PRS para o cumprimento incondicional do estipulado nos artigos 40.º e 47.º dos Estatutos (convocação das reuniões do Conselho Político e do Comité Nacional com urgência);

b) Declarar nulos os seis anos de mandato dos órgãos directivos do PRS por resultarem de uma falsificação e consequente reposição da legalidade (verdade); isto é, os quatro anos de mandato para os órgãos de Direcção realmente aprovados pelo IV Congresso;

c) Instar o PRS a realizar o V Congresso do Partido antes das eleições gerais de 2022.

O Requerido foi regularmente notificado, tendo contra-alegado, por excepção e por impugnação escorrendo, essencialmente, o seguinte:
1. O Tribunal Constitucional, no Processo n.º 584-D/2017 onde se pretendia impedir a anotação do IV Congresso Ordinário do PRS prolactou o Acórdão n.º 478/2018, de 28 de Março, cuja decisão deu provimento à Providência Cautelar que suspendeu a anotação das deliberações do mencionado congresso por trinta dias e ordenou a conformação da alínea f) do artigo 42.º dos Estatutos à Constituição e à lei.

2. O PRS cumpriu com a Decisão e, em virtude disso, o Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional proferiu o competente Despacho de Anotação aos 11 de Maio de 2018, nos termos da lei.

3. Pelo decurso do tempo, considera-se extemporânea a reapreciação da mesma matéria, uma vez que o aludido Acórdão há muito transitou em julgado, precludindo os prazos legais para o efeito.

4. Num novo Processo, os Requerentes vêm reiterar o pedido já feito por outros requerentes, e noutros processos em que se requereu a declaração de nulidade do artigo dos Estatutos que prevê a periodicidade da realização do Congresso do PRS de seis anos.

5. Neste contexto, constata-se a identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob ponto de vista da sua qualidade jurídica, ou seja, quando os sujeitos dos processos mencionados são todos membros do Requerido, PRS, que requerem a declaração de nulidade do artigo 32.º n.º 1 dos Estatutos relativo a periodicidade da realização do Congresso do PRS de seis em seis anos.

6. Por outro lado, constata-se, igualmente, que o pedido e a causa de pedir são os mesmos, o que levanta a forte convicção de que se está perante uma excepção de caso julgado material, nos termos da alínea a) do artigo 496.º do Código de Processo Civil (CPC).

7. Ora, como estabelece o artigo 671.º do CPC, transitado em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelo artigo 497.º e seguintes.

8. A excepção peremptória de caso julgado importa a absolvição total ou parcial do pedido para deste modo, evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, questão expressa pelo legislador no n.º 2 do artigo 497.º do CPC.

9. Com efeito, e em obediência ao princípio non bis in idem, previsto no n.º 5 do artigo 65.º da CRA, como garantia do princípio da segurança jurídica, ipso facto, este processo não pode ser objecto de outra decisão judicial que não seja a da excepção peremptória de caso julgado e, consequentemente, a absolvição do pedido nos termos do n.º 3 do artigo 493.º do CPC.
O Requerido conclui pedindo que a presente acção seja declarada improcedente por se verificar a excepção peremptória de caso julgado.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional tem competência para conhecer processos de impugnação de deliberações de órgãos de partidos políticos ou de resolução de quaisquer conflitos internos que resultem da aplicação de Estatutos e convenções partidárias, conforme as disposições combinadas da alínea c) do n.º 2 do artigo 181.º da Constituição da República de Angola (CRA), do artigo 30.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho - Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC) e do n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro - Lei dos Partidos Políticos (LPP).

III. LEGITIMIDADE
Nos termos do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – LPC, os Requerentes, na qualidade de militantes do PRS têm interesse directo em demandar e, o Requerido, PRS, em contradizer, pelo que lhes assiste legitimidade no presente processo.

IV. OBJECTO
O objecto do presente processo é verificar a conformidade constitucional, jurídico-legal e estatutária das deliberações saídas do IV Congresso Ordinário realizado nos dias 29, 30 e 31 de Maio de 2017, mormente o artigo que fixa a periodicidade de seis anos para a realização do congresso ordinário, e das reuniões de outros órgãos do partido.

V. APRECIANDO
Da análise feita aos pedidos deduzidos pelos Requerentes, no âmbito do presente processo, constata-se que algumas destas matérias já foram objecto de decisão desta Corte Constitucional.
Todavia, não obstante, já se ter apreciado e decidido processos (4), em que militantes do PRS demandaram o seu partido, vêm, mais uma vez, os Requerentes, nos presentes autos, formular ao Tribunal Constitucional pedidos cujas matérias já foram objecto de decisão, em conformidade com as deliberações saídas do IV Congresso Ordinário do PRS, realizado nos dias 29, 30 e 31 de Maio de 2017.
Atendendo à cronologia dos processos que foram admitidos pelo Tribunal Constitucional, em que militantes do PRS pleitearam a legalidade dos congressos do partido, constata-se que existem cinco processos dos quais, dois são relativos à impugnação do II Congresso Extraordinário realizado na Província do Huambo de 25 a 27 de Junho (vide Processos n.ºs 653-A/2018 e 650-B/2018) e três de impugnação do IV Congresso Ordinário realizado entre os dias 29 e 31 de Maio de 2017 (vide Processos n.ºs 584-D/2017, 607-C/2017 e 910-D/2021).

De notar que, quanto aos processos relativos ao II Congresso Extraordinário, o Tribunal Constitucional, no âmbito do Processo n.º 653-A/2018, prolactou no Acórdão n.º 543/2019, de 16 de Abril, a invalidade do referido congresso. No entanto, depois do Tribunal Constitucional se ter debruçado sobre esta matéria, volvidos dois meses foi intentado outro Processo (650-B/2018) impugnando o aludido congresso, cuja decisão prolactada pelo Acórdão n.º 556/19, de 19 de Junho, julgou improcedente o pedido, por existência de caso julgado material.

Entretanto, relativamente ao IV Congresso, de igual modo impugnado, verifica-se que os fundamentos e razões invocados no processo sub judice se assiste o mesmo comportamento “repetitivo” dos requerentes militantes do PRS.

Assiste-lhes razão? Vejamos,


No Processo n.º 584-D/2017 foi proposta uma providência cautelar não especificada com a finalidade de impedir a anotação do aludido congresso. O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 478/18, de 28 de Março, deferiu a referida providência e suspendeu a anotação das deliberações do IV Congresso do PRS, por 30 dias, ordenando que no mesmo prazo este partido fizesse prova da conformação da norma da alínea f) do artigo 42.º dos referidos estatutos com a CRA e a lei. Após o cumprimento dessa decisão prolactada pelo Tribunal Constitucional, o Venerando Juiz Conselheiro Presidente aquiesceu proferindo o Despacho de Anotação, de 11 de Maio de 2018.

No mesmo ano, foi admitido no Tribunal Constitucional o Processo n.º 607-C/2017, em que alguns militantes requereram a nulidade do IV Congresso do PRS, com fundamento na existência de várias irregularidades. Da sua apreciação, o Tribunal Constitucional entendeu que os Requerentes se limitaram a invocar algumas irregularidades, sem apresentarem prova bastante de sustentação das suas alegações. Em virtude disso, decidiu no Acórdão n.º 479/2018, de 28 de Março, negar provimento ao pedido.

Inconformados, mais uma vez, requereram no Processo n.º 910-D/ 2021, a nulidade do artigo dos Estatutos saído do IV Congresso Ordinário, que alterou a periodicidade do congresso de quatro para seis anos.

Em face de todo o expendido, importa, a este propósito, aludir a jurisprudência fixada por este Tribunal no Acórdão n.º 739/2022, de 03 de Maio:
(…) Entretanto, passados três anos entendeu procurar novamente o Tribunal Constitucional para requerer a nulidade de uma das deliberações saídas do congresso que este mesmo tribunal considerou válida. Pelo decurso do tempo considera-se extemporâneo, uma vez que o aludido acórdão há muito que transitou em julgado, precludindo os prazos legais para a reapreciação da mesma matéria.
Não obstante a isso, vem agora o Requerente em novo processo reiterar o mesmo pedido, requerendo a declaração de nulidade do artigo dos Estatutos que reflecte a periodicidade da realização do congresso do PRS de 6 em 6 anos (…).

Da enunciação jurisprudencial retro formulada evidencia-se, notoriamente, uma reiteração de matérias já tratadas e decididas por esta Corte Constitucional. Com efeito, exceptuando o último pedido esgrimido nas alegações, do presente processo designadamente, instar o PRS a realizar o V Congresso do Partido antes das eleições gerais de 2022, todas as outras questões mereceram respaldo nos Acórdãos n.ºs 478/2018, 479/2018 e 739/2022. Pelo que, quanto a estes pedidos não pode o Tribunal Constitucional reapreciar as matérias arguidas, em respeito aos princípios fundamentais da certeza jurídica da segurança do direito, da protecção da confiança e da paz jurídica.

Assim, atento à sequência processual acima mencionada, constata-se, in casu, que os sujeitos, o pedido e a causa de pedir são os mesmos, o que levanta forte convicção de que se está perante uma excepção peremptória de caso julgado material, nos termos da alínea a) do artigo 496.º do CPC.
Por seu turno, no tocante à identidade da causa de pedir, nota-se claramente que a pretensão deduzida procede dos mesmos factos principais, no caso a realização do conclave e, finalmente, existe também identidade do pedido, pois, quer nesta, quer nas acções anteriormente intentadas, os Requerentes formularam a mesma pretensão, ou seja, solicitaram a nulidade de deliberações resultantes do IV Congresso do Partido PRS.

Ademais, é de convir que a eternização de processos judiciais em que se visualizam reiteradamente minudências e repetições de processos com o mesmo objecto, promove flagrantes violações aos princípios constitucionais, e mitiga os princípios da paz social, dando lugar à excepção peremptória de caso julgado material, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 496.º do Código de Processo Civil (CPC), sendo certo que a aludida excepção tem força obrigatória, não só dentro do processo em que a decisão foi prolactada, mas, também, fora dele, como preceitua o artigo 671.º do mesmo diploma legal.

Com efeito, a excepção peremptória de caso julgado importa a absolvição total ou parcial do pedido para, deste modo, evitar-se que o Tribunal seja colocado na condição de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, questão expressa pelo legislador no n.º 2 do artigo 497.º do CPC.
Sobre esta matéria, vale assinalar Jorge Augusto Pais de Amaral que refere: A força obrigatória atribuída à decisão transitada em julgado tem por fim acautelar a certeza jurídica e a segurança do direito e ainda o de proteger o prestígio da administração da justiça, evitando que viesse a ser proferida nova decisão porventura não coincidente com a anterior. In Direito Processual Civil, 9.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 216.

Ora, seguindo a coerência lógica de raciocínio dogmático elencado, o Tribunal Constitucional tem reconhecido e assegurado a efectiva protecção constitucional do caso julgado, com base nos princípios da confiança, da segurança jurídica e da economia processual que decorrem da consagração do Estado Democrático de Direito, previsto no artigo 2.º da Constituição da República de Angola.
Pelo exposto, e em obediência ao princípio non bis in idem, previsto no n.º 5 do artigo 65.º da CRA, como garantia do princípio da segurança jurídica, ipso facto, o caso sub judice não pode ser objecto de uma outra decisão judicial deste mesmo Tribunal.


Nestes termos,

DECIDINDO,

Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DECLARAR EXTINTA A INSTÂNCIA, POR PROCEDÊNCIA DA EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DE CASO JULGADO E, CONSEQUENTEMENTE, ABSOLVER A REQUERIDA DO PEDIDO, EM CONFORMIDADE COM O N.º 3 DO ARTIGO 493.º DO CPC.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 04 de Outubro de 2023.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira (Relatora)
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva