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Jurisprudência

1.ª CÂMARA
ACÓRDÃO N.º 897/2024
PROCESSO N.º 1092-D/2023
Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Sessão da Primeira Câmara do Tribunal Constitucional:
I.  RELATÓRIO
Zahara Comércio, S.A., melhor identificada nos autos, veio interpor o presente recurso ordinário de inconstitucionalidade, com fundamento nos termos previstos no artigo 36.º da Lei n.º 03/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), contra o Acórdão de 25 de Maio de 2023, prolactado pela Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal Aduaneiro, Trabalho, Família, Sucessões e Menores do Tribunal da Relação de Benguela, no âmbito do Processo de Conflito de Trabalho n.º 22/2022, que correu trâmites na Sala do Trabalho do Tribunal da Comarca do Lobito.
Na decisão em referência, o Tribunal recorrido confirmou a Sentença prolactada pelo Tribunal da primeira instância, julgando nulo o despedimento disciplinar. Contudo, alterando aquele segmento decisório, agravou a condenação da entidade empregadora, ora Recorrente, para o efeito, suscitando ex officio, a inconstitucionalidade das normas plasmadas no n.º 3 do artigo 208.º e n.º 3 do artigo 209.º, ambos da Lei n.º 7/15, de 15 de Junho - Lei Geral do Trabalho (LGT), recusando a aplicação destas respectivas formulações legais.
Nas alegações submetidas a esta Corte, pela Recorrente, extrai-se, no essencial, o seguinte:
1. No presente Acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Benguela considerou inconstitucionais as normas consagradas no n.º 3 do artigo 208.º, e no n.º 3 do artigo 209.º, ambos da Lei n.º 7/15, de 15 de Junho - Lei Geral do Trabalho (LGT), que fixam limites máximos de indemnização em função da categoria de empresa, nos seguintes termos: de seis (6) meses para as grandes empresas, de quatro (4) meses para as médias empresas e de dois (2) meses para as pequenas e micro-empresas.
2. Por força do n.º 1 do artigo 177.º da CRA, aquele augusto Tribunal desaplicou as normas supra, considerando-as injustas e inconstitucionais por contrariarem o princípio da justa indemnização, consagrado no n.º 4 do artigo 76.º da Constituição da República de Angola (CRA) e por ferir o princípio da igualdade, consagrado no artigo 23.º da CRA. 
3. É incontestável que estes direitos, com assento no n.º 4 do artigo 76.º e 23.º da CRA, estão sujeitos aos limites impostos pela Lei Fundamental. Limites esses que obrigam à ponderação de outros direitos, interesses e valores constitucionalmente protegidos.
4. Não existe inconstitucionalidade no artigo 209.º pois as normas do n.º 1 e do n.º 2 devem ser interpretadas em conjunto, tendo em conta o preceito constitucional no nosso ordenamento jurídico, não existem valores indemnizatórios diferentes consoante a não reintegração seja pedida pelo trabalhador ou pelo empregador, não há lesão ao princípio da igualdade.
5. O princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade apresentam relações comuns, pelas funções que desempenham, são instrumentos de mediação de operações de ponderação e optimização. O princípio da igualdade está relacionado com a distribuição de direitos e deveres, de vantagens e encargos, de benefícios e de custos inerentes à pertença da comunidade ou vivência da mesma situação. O princípio da proporcionalidade é um dos critérios que lhe presidem ou uma das situações imprescindíveis, ou seja, uma medida de valor a partir do qual se procede a uma ponderação.
6. Vislumbra na actuação do legislador laboral, no processo legislativo de criação das referidas normas ora em crise, um certo cuidado e ponderação, ao ter presente sempre critérios subjacentes à aplicação e interpretação do princípio da igualdade e proporcionalidade, como sendo os princípios da necessidade, adequação e da racionalidade que, na sua modesta opinião, interpretadas deste modo (a norma do n.º 3 do artigo 209.º da LGT), não fere nem ofende o princípio da igualdade plasmado no artigo 23.º CRA.
7. A tutela meramente ressarcitória não conflitua com a proibição prevista, sendo apenas fruto da harmonização deste princípio com os restantes valores previstos na Constituição, desde logo, a liberdade da empresa e a sanção adequada para a infracção do empregador. 
Acrescentou, a este respeito, a afirmação do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 338/2010 “(…) a tutela reintegratória, apesar de ser um corolário normal da segurança no emprego, deverá ceder perante a tutela ressarcitória, que melhor assegura o justo equilíbrio entre os bens constitucionalmente protegidos.”
8. Entende ser justa a opção legislativa e que em nada interfere com o princípio da igualdade ou justa indemnização, consagrados nos artigos 23.º e 76.º da CRA. Muito pelo contrário, o legislador, ponderando os interesses em jogo, salvaguarda a continuidade das empresas e fomenta a criação e manutenção dos postos de trabalho que, de contrário, poderiam falir por cada acção. O empregador não pode ser prejudicado por um facto ao qual lhe é perfeitamente alheio - a excessiva duração do processo judicial.
A Recorrente termina pedindo ao Tribunal Constitucional para dar provimento ao presente recurso, desatendendo a inconstitucionalidade suscitada oficiosamente pelo Tribunal da Relação de Benguela, declarando as sobreditas normas em conformidade com a Constituição.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
II.  COMPETÊNCIA 
O presente recurso foi interposto com fundamento nas disposições conjugadas da alínea d) do n.º 2 do artigo 181.º da Constituição da República Angola (CRA), alínea d) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) e alínea a) do n.º 1 do artigo 36.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), que preveem a competência deste órgão jurisdicional, para apreciar, em sede de recurso, a constitucionalidade das Sentenças ou Acórdãos dos demais Tribunais, que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade.
III. LEGITIMIDADE
Têm legitimidade para interpor recurso ordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do artigo 37.º da LPC, “as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”. 
A Recorrente é parte no processo em que a decisão foi proferida, por isso, tem legitimidade para interpor o presente recurso ordinário de inconstitucionalidade.
  
IV. OBJECTO
Constitui objecto do presente recurso ordinário de inconstitucionalidade a apreciação da constitucionalidade das normas do n.º 3 do artigo 208.º e do n.º 3 do artigo 209.º, ambos da LGT que, no âmbito do Processo de Conflito de Trabalho n.º 22/2022, foram desaplicadas pela Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal Aduaneiro, Trabalho, Família, Sucessões e Menores do Tribunal da Relação de Benguela, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
 
V.  APRECIANDO 
 Questão prévia
Cabe referir, a título prévio, que o recurso ordinário de inconstitucionalidade é o meio de impugnação, perante o Tribunal Constitucional, de normas jurídicas aplicadas às decisões proferidas pelos demais tribunais. Este recurso inscreve-se no processo de fiscalização concreta, regulado no artigo 36.º da LPC, em conjugação com o n.º 2 do artigo 181.º da Constituição da República de Angola (CRA), que estabelece nas suas alíneas d) e e), a competência do Tribunal Constitucional para:
- “Apreciar em recurso a constitucionalidade das decisões dos demais tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade”, como no caso em análise.
- “Apreciar em recurso a constitucionalidade das decisões dos demais tribunais que apliquem normas cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
Efectivamente, consta dos autos que o Tribunal da Relação de Benguela deixou de aplicar as normas previstas no n.º 3 do artigo 208.º e no n.º 3 do artigo 209.º da LGT, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Contudo, diante do antedito, percebe-se de antemão a inexistência, na presente lide, de qualquer recurso interposto pelo Ministério Público, face à decisão de acolhimento prolactada pelo Tribunal da Relação de Benguela, sobre a questão de inconstitucionalidade invocada ex officio.
A decisão ora impugnada, neste segmento, carecia da interposição de recurso, por imperativo legal, a ser feita pelo Ministério Público, justificado pelo princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos actos normativos de valor equiparado, conforme o disposto no n.º 3 do artigo 21.º da LOTC. 
Dito de outro modo, “se o juiz recusou a aplicação de uma norma, que diz respeito aos diplomas que, à partida, são considerados mais importantes na ordem jurídica (convenções internacionais, leis, decretos-leis, decretos legislativos, decretos regulamentares) (…) o Ministério Publico é forçado a recorrer.” (Novais, J. R, 2023, Sistema Português da Fiscalização da Constitucionalidade, 3ª ed., AAFDL, p. 123). 
Ademais, “(…) uma decisão nesse sentido é sempre algo de anómalo no sistema e perturbador do equilíbrio institucional entre órgãos institucionais (daí a obrigatoriedade de recurso pelo Ministério Publico.” (Ribeiro, J.S, et al., 2020, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais – Os Sistemas Internacional e Angolano de Protecção, Petrony, p. 165). 
No caso dos autos em apreço, verifica-se que o Ministério Público nem foi notificado do aresto sob escrutínio.
Associado ao antedito, resvala do comando constitucional plasmado nos artigos 174.º n.º 2 e 186.º da CRA que a inexistência do aludido recurso inviabiliza a justificação devida no processo, relativa à decisão normativa adoptada por parte do poder legiferante, o autor da norma impugnada, afectando consequentemente a coerência decisória.  
Na verdade, se assaca das disposições constitucionais preditas que qualquer Tribunal, no exercício das suas funções jurisdicionais, deve observar o princípio do contraditório, competindo ao Ministério Público representar o Estado e defender a legalidade democrática.
O certo é que o Tribunal da Relação de Benguela não observou o disposto no n.º 2 do artigo 174.º da CRA, no sentido de o Ministério Público exercer o direito constitucionalmente consagrado ao contraditório. Avulta, sobretudo, do procedimento adoptado pelo tribunal ad quem, ao não ter notificado o Ministério Público, o desrespeito de normas legais, afectando de certo modo qualquer juízo de proporcionalidade e de necessidade, maculando, além do mais, o princípio da prossecução do interesse público.
No entanto, não obstante o acabado de referir, cabe a esta Corte Constitucional proceder à apreciação suscitada, por não se lhe impor qualquer impedimento.
1. Sobre o âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade
 
Nesta sede, porque com reflexos para a análise da questão de inconstitucionalidade apresentada, interessa tecer algumas considerações sobre os aspectos característicos da fiscalização concreta da constitucionalidade das normas, conforme resulta do regime jurídico que lhe subjaz e o informa para de seguida retirar ilações da interpretação que delas fez o julgador no Tribunal a quo.
Assim, para além da apelidada incidentalidade concernente à ideia de que o recurso ordinário de inconstitucionalidade não se pronuncia sobre o mérito da decisão final, porque circunscrito à matéria de inconstitucionalidade suscitada no processo principal, neste desiderato, interessa decidir apenas sobre a aplicação ou desaplicação incorrecta da norma.
Todavia, realça-se, como feição característica do recurso ordinário de inconstitucionalidade, a eficácia da decisão nele proferida, que nestes termos, produz unicamente efeito de caso julgado no processo onde a questão é invocada, pois, como se verá adiante, tem implicância no modo como os demais tribunais devem proceder à fiscalização difusa da constitucionalidade das normas. Cfr. o artigo 36.º, n.º 2 e artigo 47.º, ambos da LPC.
Neste segmento, Paulo Bona Vides propugna que, “a sentença que liquida a controvérsia constitucional, não conduz à anulação da lei, mas tão-somente à sua não aplicação ao caso particular objecto da demanda e designou tal procedimento, por controlo por via incidental” (Curso de Direito Constitucional, 2014, 29.ª ed., Malheiros Editores, p. 309).
Com efeito, o texto constitucional, no n.º 1 do seu artigo 177.º, consagra o dever de todos os tribunais garantirem e assegurarem a observância da Constituição, das leis e demais disposições normativas, bem como a de proteger os direitos fundamentais dos cidadãos. Tais deveres resultam dos princípios da supremacia da Constituição, da conformidade constitucional dos actos do Estado e demais entes públicos, ínsitos nos artigos 6.º e 226.º, ambos da CRA. 
Destes princípios, resulta que qualquer tribunal, no exercício da função jurisdicional, deve fiscalizar as normas que aplica aos casos submetidos à sua apreciação e, para todos efeitos, aferir a sua adequação ou não com a Constituição. A isso acresce o dever de a desaplicar, caso entenda haver uma presunção de inconstitucionalidade da norma, adoptando-se, pois, a expressão “presunção de inconstitucionalidade”, porque somente o Tribunal Constitucional pode declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de normas jurídicas.
Nos dizeres de Onofre dos Santos, tal implica que, (…) “a sindicância da norma é da competência não só do Tribunal Constitucional, mas de todos os demais Tribunais que, nessa medida, são todos Tribunais constitucionais” (Lei do Processo Constitucional Anotada, 2016, Textos Editores, p. 48).
Assim sendo, o modelo de fiscalização da constitucionalidade dos actos normativos, democraticamente adoptado pela CRA, é difuso na base, considerando que sobre todos os tribunais recaem os deveres acima referidos, sendo concentrado no topo, pelo Tribunal Constitucional a quem compete declarar, em definitivo, a constitucionalidade ou não da norma, em sede de um recurso ordinário, por via da fiscalização concreta, tal como postulado na alínea d) do n.º 2 do artigo 181.º da CRA.
Contudo, é preciso não perder de vista, o âmago jurídico-constitucional da fiscalização da constitucionalidade de normas jurídicas cometidas aos demais tribunais que, por se lhe opor traços característicos, se distingue do âmbito da fiscalização abstracta/concentrada da constitucionalidade das normas, cuja competência é exclusiva do Tribunal Constitucional.
Noutros termos, independentemente de ambas as formas de controlo da constitucionalidade reverterem para a fiscalização de normas jurídicas, necessário se torna não olvidar que, enquanto a fiscalização abstracta revela um pendor mais objectivista da defesa da Constituição em face de interesses públicos, a fiscalização concreta difusa, persegue maioritariamente interesses  subjectivos, colocando-se por isso ao julgador, em primeira mão, o juízo de determinar se face ao caso em concreto sob sua apreciação, com aqueles precisos contornos factuais, determinada norma a ser aplicada para resolução da contenda, afecta ou não preceitos constitucionais com relação exclusiva às partes no processo sob a sua análise (Correia, J. M., 2011, Introdução ao Direito Processual Constitucional, Universidade Lusíada Editora, pp. 139-140).  
Vejamos;
Refira-se, antes de mais, que a Constituição da República de Angola, considera, no artigo 76.º, o direito ao trabalho como um direito fundamental e um dever de todos. 
O legislador constitucional, consagrou uma variedade de mecanismos de protecção contra abusos de poder do empregador, que foram materializados pela Lei Geral do Trabalho, entre os quais o dever de observar o formalismo legal para que a extinção do vínculo laboral, de iniciativa do empregador, seja válida. 
Por força deste preceito constitucional, não se pode coarctar o direito ao trabalho e o dever de prestá-lo, e sempre que a extinção da relação jurídico-laboral não for nos precisos termos permitidos pela Constituição e pela lei ordinária, resulta na invalidade do acto e é sancionável com a nulidade. 
A invalidade da rescisão do contrato de trabalho, neste caso, assemelha-se à de um negócio jurídico, como previsto no artigo 289.º do Código Civil, isto é, tem efeitos ex tunc, repristina o status quo ante do trabalhador, porém sempre nos termos determinados por lei ordinária, nesta medida se conformando o direito do trabalhador à devida indemnização.
Na realidade, ressalta da norma do artigo 76.º da CRA, por força do cariz programático nela implícito, decorrente da natureza socioeconómica que lhe subjaz, que para sua concretização concorre a actuação do legislador ordinário, cuja liberdade de conformação legal do comando constitucional, está vinculada ao princípio da máxima efectividade dos direitos fundamentais. 
Por outro lado, cabe frisar que o direito à justa indemnização, previsto no n.º 4 do artigo 76.º da CRA, é um conceito abstracto, como são tantas outras normas constitucionais, mas não tem um conteúdo vazio, pois carrega consigo a ideia de reparação de danos causados na esfera jurídica do trabalhador injustamente despedido e, simultaneamente, de sanção jurídica decorrente da inobservância dos pressupostos constitucionais e legais pelo empregador. 
Portanto, a questão central que se coloca do ponto de vista constitucional, não é a de saber se  foi ou não a melhor opção legislativa, ou ainda a de determinar  se o legislador pode restringir direitos fundamentais previstos na Constituição, partindo do princípio plasmado no artigo 57.º da CRA, segundo o qual a lei só pode restringir direitos fundamentais nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo tais restrições  limitar-se ao necessário, proporcional e razoável, justamente para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
O que importa nesta sede é, especialmente, avaliar, na hipótese configurada nos autos, se a aplicação conjugada do preceituado nos n.º 3 do artigo 208.º e n.º 3 do artigo 209.º in fine, tal como positivado na LGT à data dos factos, constituía ou não insuportável injustiça decorrente de aludida ofensa ao princípio da igualdade e do direito à justa indemnização, por referência ao trabalhador da aqui Recorrente, tendo ciência do âmbito restrito da fiscalização de normas subjacente ao presente recurso, direccionada maioritariamente aos interesses das partes no processo, em detrimento de um interesse público, como acima suficientemente se clarificou.
Neste prisma, denota-se que o tribunal recorrido, ao proceder à condenação da aqui Recorrente e, nessa medida, recusando a aplicação do enunciado jurídico para solucionar a demanda, todavia, não cuidou de concretizar, em face da factualidade constante dos autos, de que modo ou em que medida a possibilidade de aplicação das sobreditas normas ao caso ofende a Constituição, por referência a direitos subjectivos públicos do trabalhador.
Noutros termos, dedicou-se mais a fundamentar a pretensa ofensa  ao princípio da igualdade e ao direito à justa indemnização num plano transcendental à contenda em juízo, sumariando elementos relacionados ao demérito intrínseco, à conveniência e à oportunidade da opção legislativa em referência, isto numa visão  mais abstracta do que concreta, degradando-se nesta perspectiva o controlo devido de normas, atendendo à interpretação constitucional manifestada num suposto prejuízo na esfera jurídico-patrimonial do trabalhador, todavia deixado em aberto. 
Por conseguinte, mais se redundando o controlo da constitucionalidade efectuado, em flagrante injustiça para com a entidade empregadora, ora Recorrente, que, contra todas as expectativas, viu a sua condenação agravada de modo desproporcionado e desnecessário, face ao montante ilimitado da indemnização arbitrada.
Na realidade, ao repristinar o espírito normativo dos artigos 228.º e 229.º da Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro, o empregador ficou excessivamente onerado, privado de um julgamento justo e previsível, postergando-se, nesta medida, a observância do princípio da certeza e segurança jurídica.
Aqui, secunda-se, pois, o entendimento mediante o qual “a segurança jurídica visa dar estabilidade nas relações humanas sociais, estabelecidas dentro de uma colectividade pois, se assim não fosse estaríamos numa sociedade instável (…).” (Magalhães, D.T., 2024, Direitos Fundamentais no Ordenamento Jurídico Angolano, Facul Editora, p. 62).
Destarte, este princípio rege todas as relações jurídicas, o que significa que o aplicador do direito/Estado, deve actuar como garante de direitos, por meio de leis e decisões judiciais previsíveis e estáveis.
2. Sobre a (in)constitucionalidade do n.º 3 do artigo 208.º e n.º 3 do artigo 209.º da LGT
Feitos os considerandos acima, impõe-se por ora indagar, se procede ou não a invocação do vício de inconstitucionalidade apontado às normas jurídicas in casu desaplicadas.
 
Na hipótese vertente, o critério erigido que norteou a acção legislativa foi o da dessemelhança existente entre escalões empresariais.
 
Atendendo à respectiva capacidade económica, a lei estabeleceu limites concernentes ao quantum indemnizatório, com vista ao cumprimento de encargos ressarcitórios resultantes de despedimentos ilícitos. Portanto, na óptica legislativa, tratando de modo igual as situações iguais e de modo diferente as situações diferentes. 
No mesmo diapasão, o legislador considerou diferente a situação do trabalhador consoante o vínculo laboral estivesse estabelecido no âmbito de uma micro, pequena, média, ou grande empresa, configurando-se neste parâmetro as situações de igualdade ou de desigualdade. 
Dito de modo diverso, por se configurar dicotomias no plano da sustentabilidade financeira e do próprio equilíbrio das instituições empresariais, consoante o correspondente escalão, discrepâncias igualmente soçobravam no plano material no que tocava à capacidade de ressarcir os danos decorrentes, pela inobservância das regras da manutenção da empregabilidade.  Implicando que, na hipótese dos autos, a aqui Recorrente (classificada como empresa de média dimensão, fls. 116) não se encontrasse, como é evidente, em situação idêntica a outra eventualmente enquadrada na categoria de “grande dimensão empresarial” por exemplo, assim como os respectivos trabalhadores também não beneficiavam de idênticas condições contratuais.  
Noutro quadrante, mas com particular interesse em termos comparativos, salienta-se que o regime da indemnização decorrente do despedimento ilegal não foi o único abrangido pelo critério da dimensão empresarial, previsto na LGT de 2015. Na realidade, este diploma tão somente estabeleceu em modo generalizado o aludido parâmetro referencial, por forma a regular diversas situações concernentes às relações jurídicas laborais.
Certamente, este critério gradativo, acolhido pela LGT em vigor à data dos factos (n.º 15 do artigo 3.º), tinha decorrência normativa em vários dispositivos daquele diploma, veja-se entre outros os seguintes: despedimento indirecto ou rescisão com justa causa respeitante ao empregador (n.º 5 do artigo 226.º); compensação por cessação de contrato por motivo relativo ao empregador (artigo 236.º), indemnização em caso de falência, insolvência ou extinção do empregador colectivo (artigo 238.º), sem que tal sucumbisse em dúvidas relativas à sua compatibilização constitucional.
Seguindo a mesma lógica, e valendo pela identidade  da sua fonte, pense-se, por exemplo, no regime vertido no Decreto Presidencial n.º 54/22, de 17 de Fevereiro, referente ao estabelecimento do salário mínimo nacional garantido único e o salário mínimo por agrupamentos económicos, que em termos equivalentes, prevê várias modalidades de salário mínimo nacional, aplicando semelhante critério diferenciador, sem contudo serem consideradas  restrições injustificadas ao direito fundamental à justa remuneração do trabalho. 
Nesta perspectiva, indo ao encontro das especificidades próprias do País, instituía-se no artigo 162.º n.º 1 da LGT, (Lei n.º 7/15, de 15 de Junho) várias modalidades de salário mínimo nacional, em concreto, um salário mínimo nacional único garantido, o salário mínimo nacional por grandes ramos económicos (como a indústria, comércio, transportes, serviços e agricultura) e, por fim, o salário mínimo nacional por áreas geográficas.
Com o sobredito, pretende-se unicamente demostrar que a adopção por via legislativa de critérios diferenciadores com vista a adequar soluções de políticas socioeconómicas não implica, de per si, a sua desconformidade com a Constituição, sob pena de se estabelecer uma (fatal) confusão entre o plano constitucional e o legal (ordinário).
Na verdade, o que interessa especialmente reter, para efeito da presente sindicância, fundada na alegada ofensa do principio da igualdade proporcional, é de sinalizar e concomitantemente  vedar  distinções arbitrárias, não assentes  em critério atendíveis, mormente critérios objectivos, ressalvando-se que, nesta medida, a antinomia sinalizada entre os trabalhadores dos diferente escalões empresariais, não é em si, geradora de diferenciação arbitrária na tutela ressarcitória  em virtude de despedimento ilícito.  
Portanto, indo ao encontro do que foi aventado quanto ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, preceituado no artigo 57.º da CRA, também apelidado como princípio da concordância prática, o mesmo fornece as pistas para  possibilitar detectar-se os chamados critérios suspeitos e, nessa medida, a proporcionalidade visa a proibição de leis excessivas, aquelas que, de um modo ou de outro, restringem de forma desmesurada os direitos fundamentais e que, em termos desproporcionais, se abstêm de os proteger, o que, de todo, não configura a hipótese dos autos.
Acresce-se que à luz deste segmento normativo, afigura-se patente que, no caso em apreciação, o que mais influenciou  a acção legiferante para aprovação das referidas normas ordinárias foi acautelar o interesse público numa perspectiva eminentemente prática, não agindo de modo indiferenciado face à desproporcionalidade entre as relações laborais, conforme se apresentava a capacidade económica do empregador,  visando amenizar a correspondente sustentabilidade financeira versus garantia de manutenção de postos de trabalho, mediante um quadro sancionatório equilibrado, adequado às exigências da época. 
Ademais, percebe-se que, para a elaboração das referidas normas, o legislador teve em consideração que uma justa indemnização se orienta pelo princípio da proporcionalidade, razoabilidade e necessidade, para que os demais preceitos sejam considerados na medida certa, salvaguardando assim ao máximo a continuidade das empresas e a manutenção dos postos de trabalho.
Neste sentido, os argumentos expendidos têm, pois, apoio no texto sufragado na fundamentação jurídica que sustentou a aprovação das normas em crise, extraindo-se da justificação contemplada na opção legislativa o “(…) sentido de torná-la num meio  mais eficaz que contribua, nas circunstâncias  actuais, para o aumento da geração de emprego e a sua estabilidade, para uma crescente dinamização da actividade económica, para uma maior responsabilização e dignificação dos sujeitos da relação laboral e para a consolidação da justiça social” (Lei n.º 7/15, de 15 de Junho – Lei Geral de Trabalho (Fundamentação Jurídica)). 
Retomando a tese da alegada ofensa do princípio da igualdade, não se descura que o preceituado no artigo 23.º da CRA perpassa todo texto constitucional, consubstanciando uma emanação da dignidade da pessoa humana, enquanto princípio estruturante do Estado democrático de direito, visando essencialmente permitir que todos os seres humanos, por serem iguais ontologicamente, sejam-no, igualmente, perante a lei e, nesse sentido,  deve ser analisado com base em elementos de comparação aceitáveis, como preconiza, aliás, Luís Cabral de Moncada, ao considerar que “ A dignidade da pessoa humana é um valor ético geral que sintetiza toda a qualidade axiológica dos princípios gerais de direito (…)”. Reforçando o autor que, “A dignidade da pessoa humana é assim a consequência natural da consideração dos princípios gerais de direito natural, bem como dos direitos fundamentais dos cidadãos constitucionalmente consagrados,” (Introdução aos Princípios Gerais do Direito Administrativo. Seu Conteúdo, Tipologia e Alcance, in Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, 2010, Almedina Editora, p. 689).
Nesta perspetiva valorativa, o aludido princípio da igualdade é descrito como uma das traves-mestras do ordenamento jurídico e garante da constitucionalidade, postulando tratamento igual para situações iguais e desigual para casos desiguais, inserindo-se entre os princípios que mais se faz sentir no âmbito dos direitos fundamentais.
Pelo que, deste modo, se concebe como manifestações de ofensa aos seus ditames, tanto o desprezo pelo comando de igualdade, como mais taxativamente    as actuações discriminatórias, proibindo-se o arbítrio, respaldado na imposição de igualdade de tratamento para situações iguais e na interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais.
A respeito, clarifica Jorge Reis Novais que “uma lei dotada da característica formal de generalidade pode ser tão profundamente inigualitária, desde que trate indiferenciadamente situações e pessoas cuja extrema desigualdade fáctica exigiria as correspondentes diferenciações de tratamento (Princípios Estruturantes de Estado de Direito, 2022, 2.ª ed., Almedina Editora, p. 75).
Acrescenta o autor, que “a igualdade (…) não é mais tratar tudo e todos da mesma forma, mas passa a ser entendida, num lema sempre repetido, como igualdade material traduzida na exigência de tratamento igual daquilo que é igual e tratamento desigual daquilo que é desigual”.
Defende, a este propósito, Luís Cabral Moncada, que “O princípio da igualdade tem um conteúdo que evoluiu ao longo da história. (…) a igualdade não se limita à tradicional isonomia, ou seja, à igualdade dos cidadãos perante a aplicação dessa norma geral e abstracta que é a lei.  A igualdade vai para além da legalidade. Tem um conteúdo positivo que requer um esforço legislativo no sentido da criação das condições económicas e sociais bastantes para o exercício concreto da autonomia individual” (Op. cit., pp. 690-691).
Ademais, como refere Jorge Reis Novais “A igualdade perante a lei continua a ser um mínimo que se impõe à observância de qualquer Estado de Direito enquanto exigência decorrente da igual dignidade de todos” (Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, 2014, 1.ª Ed. Coimbra Editora, p. 103)
Na perspectiva de J.J. Gomes Canotilho “(…) aos direitos fundamentais não poderá hoje assinalar-se uma única dimensão (subjetiva) e apenas uma função (protecção da esfera livre e individual do cidadão). Atribui-se aos direitos fundamentais uma multifuncionalidade, para acentuar todas e cada uma das funções que as teorias dos direitos fundamentais captavam unilateralmente” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2003 7.ª Ed., Almedina Editora, pp. 1402 e ss.).
Concretiza o mesmo autor, que “(…) a igualdade jurídica a partir da lei e na própria lei passa a ser lida num quadro de uma igualdade social de um Estado social do nosso tempo, que postula uma concreta e real igualdade de chances ou oportunidades” (Op. cit., p. 430).
Trazendo, uma vez mais, à colação o princípio da paridade retributiva, o sobredito reafirma, em termos equiparados, o que ocorre na jurisprudência constitucional portuguesa, quando se explicita “que a remuneração do trabalho obedece a princípios de justiça. Ora, a justiça exige que, quando o trabalho prestado for igual em quantidade, natureza e qualidade, seja igual a remuneração. E reclama (nalguns casos, apenas consentirá) que a remuneração seja diferente, pagando-se mais a quem tiver melhores habilitações ou mais tempo de serviço. (…) O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas. Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias. Tratar por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente diferente – eis o que exige o princípio da igualdade” (entre outros, o Acórdão n.º 584/98, de 20 de Outubro, disponível in www.tribunalconstitucional.pt.).
Neste segmento, pode-se concluir que a actuação legiferante, considerou uma justiça distributiva e uma igualdade material, introduzindo factores dinâmicos de equalização que, no imediato, impactavam no interesse geral prosseguido quanto à sustentabilidade empresarial e a preservação de postos de trabalho. Pelo que, face a esse desiderato não se pode considerar a intervenção legislativa desproporcional e intolerável, porque longe de atentar contra a essência do direito fundamental pontificado.
Como bastamente sublinhado, atendendo a natureza socioeconómica da indemnização/compensação por despedimento ilícito, a Constituição não veda que, na determinação do quanto indemnizatório, se atenda a outros factores não directamente relacionados com o gerador da ilicitude.
O valor ressarcitório a conceder ao trabalhador, vai ser exactamente o que resulta da aplicação da fórmula legal, rigidamente estabelecida, nada em princípio revelando, para esse efeito, designadamente os agravos exactos que o trabalhador pudesse ter sofrido.
Finalmente, reitera-se que a aplicação do comando normativo plasmado nos artigos 208.º, n.º 3 e 209.º, n.º 3, ambos da LGT, em vigor à data dos factos, não restringia o direito fundamental à justa indemnização emergente de despedimento ilícito, por não conferir nesta medida, tratamento ilegitimamente discriminatório, ipso factum, não postergando as referidas normas, qualquer ofensa ao disposto nos artigos 23.º e 76.º n.º 4, ambos da CRA. 
Pelas razões expostas, o Tribunal Constitucional declara, não serem materialmente inconstitucionais os preceitos normativos ora em sindicância, ordenando a baixa dos autos para o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 47.º da LPC.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Sessão, os Juízes Conselheiros da Primeira Câmara do Tribunal Constitucional, em: DAR PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 27 de Junho de 2024.
OS JUÍZES CONSELHEIROS DA 1.ª CÂMARA
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. João Carlos António Paulino 
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva (Relatora)