Loading…
TC > Jurisprudência > Acórdãos > Acórdão N.º 1013-A/2025

 

 

ACÓRDÃO N.º 1013/2025

 

PROCESSO N.º 1325-A/2025

Providência Cautelar não Especificada

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional

 

I.  RELATÓRIO 
Ivo Miguel Gonçalves Ginguma, Nsimba João Luwawa, Víctor Leandro Passos Lopes, Albertina Coimbra Agostinho e Argentino da Silveira Adão,  com os demais sinais de identificação nos autos, vieram interpor neste Tribunal Constitucional providência cautelar não especificada contra a Assembleia Nacional e o Partido Humanista Angolano (PHA), ao abrigo do disposto nas alíneas i) e j) do artigo 3.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), conjugado com o artigo 399.º do Código de Processo Civil (CPC), de aplicação subsidiária ao processo constitucional.  
Para tanto, os Requerentes, todos membros do PHA, fundamentam a presente acção, à luz dos argumentos de facto e de direito que, em síntese, se enunciam:
1. A 1.ª Comissão (Assuntos Constitucionais) e a 4.ª Comissão (Administração do Estado e Poder Local) da Assembleia Nacional elaboraram, para aprovação em Plenário, um parecer conjunto relativo à indicação nominal dos membros para integrarem a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), feita pelos Partidos Políticos.  
2. A designação do representante do PHA foi feita de forma unilateral pela Presidente do Partido, em clara violação aos Estatutos, que atribuem, exclusivamente, tal competência à Comissão Política Nacional, enquanto órgão deliberativo e colegial.
3. Este acto unilateral viola os princípios da colegialidade, legalidade e democracia interna das formações políticas, princípios que decorrem da Constituição, da Lei dos Partidos Políticos e dos Estatutos do PHA e compromete o regular funcionamento e legitimidade interna do Partido.
4. Apesar de a votação do parecer ter sido adiada sine die e de estar a correr uma acção proposta pelo Grupo Parlamentar da UNITA para suspender a votação dos membros que integrarão a CNE, justifica-se o recurso a esta providência, pois existe o perigo de, em face do tempo que o Tribunal levaria a decidir, tornar inútil a decisão e de serem de difícil reparação os prejuízos causados.
5. O periculum in mora é grave e real, pois a consumação do acto de designação do representante do PHA pode tornar irreversível a lesão dos direitos dos Requerentes, afectando a credibilidade institucional do Partido e a confiança dos cidadãos na legalidade dos processos de nomeação à CNE.
Os Requerentes terminam pedindo que a Assembleia Nacional seja intimada a abster-se de aprovar o parecer conjunto e a indicação nominal do membro para integrar a CNE feita pelo Partido Humanista Angolano.
A interposição e consequente admissão desta providência foi dada a conhecer à Presidente da Assembleia Nacional pelo ofício n.º 211/GAB.JCP.TC/2025, de 7/07/2025, exarado pela Juíza Conselheira Vice-Presidente desta Corte Constitucional, nas vestes de Juíza Conselheira Presidente em exercício.  De igual modo foi o Partido Humanista Angolano notificado da admissão da presente providência cautelar não especificada, conforme fls. 16. O processo foi à vista do Ministério Público, cuja promoção foi no sentido do não conhecimento da presente providência por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código do Processo Civil.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir sobre esta providência cautelar não especificada, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 181.º da CRA, das alíneas i) e j) do artigo 3.º e dos artigos 60.º e 63.º, todos da LPC.
III. LEGITIMIDADE
Os Requerentes são militantes do PHA e, como tal, parte interessada em demandar, de harmonia com o disposto no artigo 26.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC.
A sua qualidade de militantes do Partido Humanista Angolano foi, por outro lado, aferida no âmbito do Acórdão n.º 1001/2025, deste Tribunal (disponível em www.tribunalconstitucional.ao).
IV. OBJECTO
Constitui objecto desta acção o pedido de suspensão da sessão de aprovação do parecer conjunto e de indicação nominal do membro do Partido Humanista Angolano para integrar a CNE.
V. APRECIANDO
Conforme decorre do artigo 399.º do CPC e vertido na jurisprudência deste Tribunal, o escopo da providência cautelar é o de assegurar, com celeridade e efeito antecipatório ou conservatório, a tutela provisória de um direito, em face de um dano potencialmente irreparável ou de difícil reparação, decorrente da demora na obtenção de uma decisão judicial em sede da acção principal.
Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa assinala que o recurso a este mecanismo processual “pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela pretendida ou requerida”,  sendo que “no primeiro caso tomam-se providências que garantam a composição definitiva, no segundo, as providências definem uma situação provisória ou transitória, no terceiro, por fim, atribuem o mesmo que se pode obter na composição definitiva” (Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex-Edições Jurídicas, 2.ª ed., 1997, p. 227).
Também Hermenegildo Cachimbombo refere, a respeito, que “para regular provisoriamente a situação, a actividade a desenvolver no contexto da jurisdição cautelar poderá consistir na antecipação de efeitos das decisões a proferir em sede da acção principal, falando-se nestes casos, de providências antecipatórias, ou na preservação do statu quo ante, ou seja, na situação tal qual existia antes da prolacção da decisão final em sede da acção principal (…)” (Manual de Processo Civil I & Perspectivas da Reforma, Casa das Ideias, 2017, p. 67).
Importa, por outro lado, na perspectiva de conferir provimento à providência cautelar, atender a dois requisitos fundamentais que se traduzem na necessidade de verificação da existência do direito invocado e a consequente probabilidade de procedência da lide principal (fumus bonus iuris) e no perigo da demora (periculum in mora). Aqui está em causa verificar se da demora da tutela requerida no âmbito da acção principal ocorrerá ou não dano de difícil reparação, situação que, por conseguinte, deva ser provisoriamente acautelada.
Na acção sub judice, a pretensão dos Requerentes era a de suster a aprovação do relatório parecer sobre a indicação dos membros da CNE feita pelos partidos políticos, no qual constava o membro designado pelo Partido Humanista Angolano. Acontece, entretanto, que este parecer foi não só aprovado como foram igualmente adoptadas pelo Parlamento as medidas subsequentes para a investidura dos membros da CNE, cuja cerimónia, para o efeito, teve lugar a 17/07/2025, sem que, porém, a cidadã indicada pelo PHA, no caso, Onilda Patrícia Camoço Quingongo, tivesse tomado posse.
Com efeito, é de conhecimento público que, com excepção da designação do PHA e também dos cidadãos a indicar pelo partido UNITA, 11 (onze) dos 16 (dezasseis) integrantes da CNE, nomeadamente os indicados pelos partidos MPLA, PRS e FNLA, foram empossados durante a 7.ª Reunião Plenária Ordinária da 3.ª Sessão Legislativa da V Legislatura da Assembleia Nacional (vide, a exemplo, site da Assembleia Nacional, em www.parlamento.ao).
Aliás, este facto determinou também que os Requeridos, a Assembleia Nacional e o Partido Humanista Angolano, não tivessem sido notificados para o exercício do contraditório, apesar de, em face da sumariedade e celeridade que devem ser conferidas a este tipo de processo, poder ser considerada a possibilidade de dispensar a dedução de oposição (ver n.º 2 do artigo 400.º do CPC).
Assim, não tendo ocorrido a tomada de posse, resulta salvaguardada a pretensão dos Requerentes, cujo fim último era o de impedir que se consolidasse, com os efeitos a ele inerentes, o acto de indicação de membro do PHA na Comissão Nacional Eleitoral. Deixa, por isso, de existir necessidade de garantir a composição provisória da presente lide, posto não subsistir o efeito útil que com a sua propositura se pretendia alcançar, até mesmo em face dos requisitos de instrumentalidade e provisoriedade que estão subjacentes às providências cautelares.
Na verdade, a providência cautelar é sempre instrumental na perspectiva de depender de um processo principal e, provisória, pois que não visa a solução definitiva de uma dada situação controvertida, que deve, antes, ser também decidida no âmbito da acção principal.
Por outra parte, retira-se da jurisprudência deste Tribunal, suportada pela doutrina, que há lugar à inutilidade superveniente da lide “quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.” (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3.ª ed., p. 546). 
Deste modo, afigurando-se supervenientemente inútil o efeito jurídico pretendido pelos Requerentes e, por virtude disso, a impossibilidade de prosseguir com esta lide, a solução legal que, em consequência, se verifica é a de extinguir a instância, conforme decorre da alínea e) do artigo 287.º do Código do Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 2.º da LPC. 
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DECLARAR A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 7 de Agosto de 2025
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente) 
Amélia Augusto Varela 
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo (Relatora) 
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva