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ACÓRDÃO N.º 1017/2025

 

 

PROCESSO N.º 1277-A/2025

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

 

I.  RELATÓRIO
Baltazar Cassoma Carlos, devidamente identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, proferido no âmbito do Processo n.º 2000/13, que confirmou a Decisão do Tribunal de 1.ª Instância, que recaiu sobre uma Acção Declarativa de Reivindicação de Propriedade.
Na referida acção, impetrada pela firma M&F Lda., junto da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal da Comarca do Huambo, o aqui Recorrente foi condenado a reconhecer o direito de propriedade da impetrante sobre uma loja, um anexo e um WC, instalados num quintal comum, e a pagar-lhe uma indemnização no valor equivalente a USD 27 500,00 (vinte e sete mil e quinhentos dólares norte-americanos), conforme fls. 125 a 134.
Nesta Corte Constitucional, o Recorrente, inconformado com a Decisão do Tribunal Supremo, alega, em síntese e no âmbito do presente recurso, o seguinte:
1. A questão em litígio tem origem numa açcão de embargo de obra, a que se seguiu uma outra de restituição provisória de posse, vindo posteriormente a tornar-se numa acção de reivindicação de propriedade.
2. O litígio decorre de disputa da propriedade do quintal e anexos de um imóvel, cuja propriedade é do aqui Recorrente, sendo que a contraparte - M&F Lda -, alega ter sido destruído o seu quarto de banho de serviço, no anexo, pelo aqui Recorrente, pois refere ser comproprietário, pelo facto de titular uma loja geminada ao imóvel em questão.
3. Juntou aos autos a Escritura Pública de compra e venda do imóvel realizada pelo Primeiro Cartório Notarial do Huambo; a Matriz Predial do imóvel n.º 337, emitida pela Repartição Provincial das Finanças do Huambo e a Certidão de Registo Predial, emitida pela Conservatória dos Registos da Comarca do Huambo, onde se lê que o Recorrente é proprietário de um imóvel localizado na Rua n.º 52 do Bairro de Fátima.
4. Na certidão, o imóvel, em seu nome, é descrito como sendo um prédio urbano de construção definitiva, coberto de chapas de fibrocimento, com dois pisos, sendo o primeiro piso loja, pavimentado a marmorite e forrado a estuque, tendo: loja, armazém e dependência com dois quartos e WC, no segundo piso, dois quartos de dormir, sala comum, 3 quartos de costura, casa de banho, cozinha e retrete, perfazendo 8 divisões, nomeadamente, uma sala, três quartos, uma cozinha, um wc, um anexo e quintal.  Sendo confrontado a norte, com o talhão número duzentos e setenta e dois; a sul, com a rua número cinquenta e dois; a Este, com José Benevides e a Oeste, com Virgílio de Fonseca Abrantes.
5. O Autor - M&F Lda. - apresentou documentos que nada têm que ver com o imóvel do Recorrente, alegando, a partir destes documentos, que é titular da loja e de um quarto de banho de serviço (no anexo/quintal) do prédio do Recorrente;
6. Tanto a Matriz Predial Urbana, bem como a Escritura Pública de Compra e Venda que a M&F Lda. apresentou, dizem respeito a um imóvel no largo Wassanjuca, Bairro de Fátima, inscrito na Matriz Predial Urbana da Repartição de Finanças do Huambo sob o n.º 3927, descrito como prédio urbano de construção definitiva, a base de pedra, tijolo, areia e cal pavimentado a cimento e tacos de madeira e coberto a chapas de luzalite, destinado a comércio e habitação multifamiliar, estando no rés-do-chão com três áreas para comércio, tendo cada uma três divisões e um WC de serviço. No primeiro andar, três moradias, tendo a moradia A dois quartos de cama, wc, sala comum, dispensa, cozinha, corredor e três varandas. A moradia B com três quartos de cama, dois wc, sala comum, dispensa, cozinha, corredor e três varandas. A moradia C tem as mesmas divisões da moradia B, e o rés- do-chão três escadas de acesso ao primeiro andar (…).
7. Não obstante esta distinção, o Tribunal de primeira instância emitiu um Despacho Saneador - Sentença com base numa Inspeçcão Judicial, realizada ao prédio do Recorrente, que nada tem que ver com o referenciado nos documentos titulados pelo Autor (…), pois o Tribunal nunca escrutinou ou se pronunciou fundadamente sobre os referidos documentos que titulam a sua alegada propriedade. (…) A Inspecção Judicial foi inconcludente quanto ao esclarecimento das discrepâncias dos documentos relativos à identificação dos imóveis em causa.
8.Tendo, por isso, o Acórdão do Tribunal Supremo deixado passar a questão de que se trata de documentos de imóveis diferentes, uma vez que não tendo havido desanexação, não pode o imóvel com as divisões em litígio estar registado sob duas matrizes diferentes;
9. Houve preterição da prova legal, fundada nos documentos, pois que o Tribunal de primeira instância ignorou a consistente prova documental, constituída por documentos autênticos com força probatória plena, ilidida apenas com base na falsidade dos mesmos – n.º 1 do artigo 371.º e n.º 1 do artigo 372.º do CC.
10. Em consequência foi condenado a pagar ao Autor uma indemnização no valor de USD 27 500,00, pelo facto de ter destruído o WC que se encontra no seu quintal. Valor que considera desproporcional, por desconhecimento da base de cálculo, por um lado e, por outro, pelo facto de tal valor ser superior ao do imóvel em que se encontra instalado o referido WC.
Conclui pedindo que este Tribunal dê provimento ao presente recurso, com a consequente declaração de inconstitucionalidade do Acórdão e do Despacho Saneador Sentença da Comarca do Huambo, determinando a revogação de ambos, por violação dos princípios da legalidade, artigo 6.º, da proporcionalidade, artigo 57.º e do direito fundamental à protecção da propriedade privada, previstos nos artigos 14.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, 38.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º, todos da CRA.
O Processo foi à vista do Ministério Público que, a fls. 273 e 274 dos autos, se pronunciou pelo provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II.  COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).
III.  LEGITIMIDADE
Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 50.º da LPC, o Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por ter ficado vencido no âmbito do Processo n.º 2000/2013, que tramitou na Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo. 
IV.  OBJECTO
O presente recurso tem como objecto o Acórdão da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, por alegada violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e do direito à propriedade privada. 
V.  APRECIANDO
A justiça é um valor transcendental e pré-constitucional. No caso sub judice é, igualmente, suscitada a questão sobre a realização ou não da justiça, enquanto princípio constitucional que obriga a que os operadores jurisdicionais realizem o julgamento de forma justa e conforme às regras do direito – como tão bem consagra o artigo 72.º da CRA. 
Incidindo a questão trazida à sindicância deste Tribunal sobre matéria probatória, para salvaguardar o direito de propriedade reivindicado pelo Recorrente, cabe, por esta razão, observar e analisar como a prova, que é aqui refutada, foi considerada nos ditames não apenas da legalidade, mas também noutras qualidades da justiça como a igualdade, a proporcionalidade, a necessidade e a adequação.
A propriedade privada pode existir em diferentes modalidades, nomeadamente em regime de exclusividade – singular; de compropriedade – plural; colectiva ou horizontal. No caso, trata-se de um imóvel geminado, composto por duas fracções, em regime de propriedade exclusiva para cada uma das partes, mas que estando anexadas uma a outra, as partes residencial e comercial, há relação de proximidade e vizinhança, tendo sido levada a juízo a dependência funcional entre ambas.
A Constituição respeita e promove a propriedade privada, no seu artigo 37.º. Enquanto direito civil, a propriedade privada atribui ao seu titular as faculdades de usar, fruir e dispor, cabendo nesta última os poderes de onerar, renunciar ou até abandonar o bem, em que recai o seu direito. Como se pode observar, a propriedade privada está intimamente atrelada à liberdade individual, resultando daí a importância constitucional da sua protecção, pois possibilita ao titular maximizar o exercício da sua liberdade, incluindo as possibilidades de expansão para oportunidades económicas, privacidade e intimidade da vida pessoal. É, por conseguinte, um direito intimamente conectado à personalidade do seu titular e um instrumento jurídico para a realização dos seus interesses. Assim, a protecção do Estado tem por fim preservar o desenvolvimento subjectivo e social do seu titular, instituindo limites claros para evitar a intromissão não autorizada na esfera do proprietário e instrumentos para a devida defesa em situação de violação da propriedade.
No caso, a discussão das partes centrou-se em provar a propriedade singular de dois cómodos – WC, anexo e do quintal - que é considerado parte comum, sendo que, para o efeito, juntaram aos autos documentos para sustentarem as suas alegações, designadamente, escritura pública de compra e venda, certidão matricial e certidão de registo predial, documentos passados por instituições do Estado, dotados por isso de fé pública, redundando na sua autenticidade.
Com efeito, os actos notariais e de registo conferem veracidade aos factos jurídicos que descrevem, bem como aos sujeitos que figuram como seus titulares. Em sede de julgamento, tais documentos têm um valor probatório relevante, restando, por conseguinte, apreciar, se diante do princípio da livre apreciação da prova, há algum tipo de exclusão ou graduação em face de outras provas e/ ou se há a obrigação legal de o julgador os assumir como verdade absoluta. 
Como se observa nos autos, o Recorrente juntou Certidão de Registo Predial, Certidão Matricial e Escritura Pública (fls. 51 – 61). Estes documentos descrevem um prédio urbano com dois pisos, incluindo no primeiro piso: uma loja, armazém e dependências com dois quartos e WC, e no segundo piso: dois quartos de dormir, sala comum, quarto de costura, casa de banho, cozinha e retrete, certificando, a Certidão Matricial, que o Recorrente apenas se habilitou à fracção que ocupa. No aspecto descritivo do imóvel, os referidos documentos não são consistentes, uma vez que na Escritura de Compra e Venda inclui-se um anexo e quintal (fls. 54), ao contrário da Certidão Matricial (fls. 56) e da Certidão de Registo (fls. 61) que incluem a loja e suas partes dependentes. No entanto, a parte Autora na acção de reivindicação de propriedade, ao invocar os seus direitos sobre anexos, um WC e parte do quintal, na parte traseira do imóvel, juntou igualmente Certidão Matricial (fls. 5) e Escritura Pública de Compra e Venda (fls. 6), cujas descrições e confrontações em nada coincidem com as do imóvel do aqui Recorrente. 
No Acórdão recorrido pode ler-se que “o Tribunal a quo formou a sua convicção mediante recurso à prova por inspecção judicial e documental (...). Por conseguinte, deve constar que a prova por inspecção judicial possui como escopo conceder uma percepção directa dos factos submetidos ao Tribunal, onde a convicção do juiz se forma pela observância que o próprio faz (...) (fls. 207)”.
Ora bem,
A instrução da prova é uma fase crucial do processo judicial, pois permite ao juiz indagar os factos para descobrir a verdade. Em qualquer processo, a produção de prova está sujeita a regras – vejam-se os artigos 513.º do CPC - cujo objectivo é possibilitar um exercício transparente e equitativo, auxiliando as partes, o tribunal e quaisquer outros interpelados que intervenham de modo informado, orientado e justificado. 
Ao longo da produção da prova, a interacção dos sujeitos processuais deve basear-se nos princípios estruturantes da cooperação, da oficiosidade e do contraditório, tendo por fim um julgamento justo e conforme da causa. Por ser uma questão de suma importância, a prova é regulada tanto por lei substantiva – Código Civil, artigos 341.º e ss, como por lei adjectiva – Código de Processo Civil, artigos 513.º e ss. Nestes, é indicada a finalidade das provas, os tipos de provas e o valor probatório das mesmas. No caso sub judice, indaga-se o valor probatório dos documentos submetidos à apreciação, bem como afirma-se uma espécie de superioridade probatória destes em detrimento da inspeção judicial. 
A prova documental pode ser extensa e diversa. A que carreia os autos é, maioritariamente, composta por documentos autênticos, conforme n.º 2 do artigo 363.º do CC, e possuem força probatória plena, só podendo ser afastada por via de um incidente de falsidade, artigos 371.º e 372.º do CC. 
A plenitude explica-se na afirmação da veracidade dos factos ou sujeitos representados nos documentos autênticos, ou seja, tem-se por verídicos os factos descritos e ou certificados por tais documentos e a favor de quem estão descritos, gerando uma presunção legal a favor do Recorrente, que faz nascer na sua esfera jurídica o direito de escusar provar os factos que os documentos declaram – n.º 1 do artigo 350.º do CC. Por força do princípio do contraditório, tanto o valor probatório quanto a presunção legal que os documentos autênticos detêm, podem ser contrariados por prova em contrário – n.º 2 do artigo 350.º e artigo 372.º, ambos do CC, o que não se verifica nos autos.
Ao invés, procedeu o Tribunal a quo a inspecção judicial (fls. 105 e 108), resultando em um auto de inspecção que atesta a realização das obras de ampliação do imóvel e destruição das partes em litígio, não incidindo, porque não podia, na titularidade das mesmas. Esse meio de prova destina-se a examinar coisas ou pessoas na presença do juiz da causa, com o objectivo de reforçar a sua apreciação directa de factos complementares, instrumentais ou essenciais para a ponderação e decisão da causa. É qualificado como uma prova directa, gerando a imediação necessária para a adequada valoração dos factos, incluindo-se no exercício da livre apreciação da prova. 
Aliás, o princípio da livre apreciação da prova, que implica liberdade do juiz no exame e valoração dos factos provados, é muito evidente nas provas pericial e testemunhal, pois auxiliam que a “(...) apreciação baseia-se na prudente convicção do tribunal sobre a prova produzida ou seja, em regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiências. Estas podem conduzir à prova directa do facto controvertido ou à ilação desse facto através da prova de um facto indiciário: neste último caso, a prova fundamenta-se numa presunção natural ou judicial (...)”, como teoriza Miguel de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lisboa, 1997, p. 347).
No caso, este procedimento judicial era dispensável diante da prova documental submetida, pois que, por força da lei, ela não apenas possui valor probatório exacto, como também não está sujeita à livre apreciação pelo juiz. Como refere o autor acima, “sempre que a lei conceda um valor legal a um determinado meio de prova, assim como quando a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial” (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lisboa, 1997, p. 347), esta prova está excluída da livre apreciação do juiz, ou seja, possui plenitude probatória, não cabendo qualquer juízo de discricionariedade.
Neste sentido, vale afirmar que há uma hierarquia legal, em que, por força da lei, os meios de prova estabelecidos ou formalizados por lei, prevalecem sobre os demais e comportam um valor probatório reforçado, embora não possuam carácter absoluto, uma vez que podem ser contrariados, pelos meios e de forma adequada. Neste sentido, apenas um incidente de falsidade ou outro meio de prova idóneo sobre as partes do imóvel em contenda a favor de outro sujeito permitiriam refutar ou afastar a referida prova e com isto possibilitar os juízes a quo e ad quem formar de maneira legal, prudente e segura a sua convicção.
O princípio da legalidade, em matéria probatória, para processos de natureza cível, tem a finalidade de sujeitar o processo de formação da convicção jurisdicional a um controlo da sua racionalidade, ou seja, nestes casos, é a lei quem determina o que deve ser valorado e como, não cabendo a discricionariedade do juiz substituir ou fixar outros meios de prova ou o valor probatório, por exclusão daqueles. 
Assim considerando, é uma consequência do princípio da legalidade, tão bem, estabelecido no n.º 1 do artigo 6.º da CRA, cujo conteúdo introduz a racionalidade de exercício do poder de forma controlada e limitada, impondo à autoridade estatal, neste caso a judicial, respeito e obediência à lei, com a finalidade de evitar o arbítrio e preservar os efeitos que ela mesma declara com a autenticidade.
O princípio da legalidade está ao serviço do Estado de Direito, que de acordo com Raúl Araújo, “organiza-se e funciona com base no respeito da lei, sendo este princípio aplicável ao poder político, tribunais, Estado e seus agentes, à sociedade, em suma, à todas entidades públicas e privadas. O Estado de Direito é um Estado de justiça, onde se devem respeitar direitos e liberdades de todos, prevalecendo a equidade, a justiça, a igualdade e o respeito pelas minorias” (Introdução ao Direito Constitucional Angolano, 2.ª Ed., CEDP-UAN, 2018, p. 110). 
Neste sentido, a legalidade na instrução da prova e a formação da decisão judicial com base nela sujeitam-se aos ditames da lei, com a finalidade de providenciar segurança jurídica aos detentores de títulos legais ou públicos, gerando a confiança necessária, no âmbito dos negócios privados, de que os efeitos que pretendem se produzirão nos exactos termos em que são declarados ou autorizados. Aqui reside também uma das principais aspirações normativas do espírito da Constituição que é a de contribuir para “a construção de uma sociedade (..) justa e de paz (...), conforme o artigo 1.º da CRA. Daqui resulta que a qualidade da justiça afere-se na conformidade dos seus processos e procedimentos às regras e aos valores do Direito, pois não basta que ela se realize como acto, se o seu resultado não se conformar aos valores superiores que constroem a sociedade a que ela se destina, sendo nisto que reside a confiança nas instituições e na Justiça que se desenvolve.  
Como lembra António Bengui, “é um empenho quotidiano (...) a aplicação e observância de normas, princípios e valores expressos na Constituição, em todos os momentos de manifestação de convivência entre os cidadãos” (Experiência Constitucional Angolana e a justificação dos Direitos Fundamentais, Mayamba, Luanda, 2012, p. 59), implicando que para o nosso contexto este empenho deve ser constante e permanente, pois apenas assim se estaria a viver a Constituição e aplicar os valores que a todos inspira. 
Ademais, como escreve Jorge Miranda, embora a segurança jurídica não seja específica do Estado de Direito, “só em Estado de Direito alcança a máxima realização até hoje conhecida, em conjugação com a justiça; só o Estado de Direito oferece um quadro institucional rigoroso, no qual se manifestam, em simultâneo, certeza, compreensibilidade, razoabilidade, determinabilidade, estabilidade e previsibilidade. Certeza  como o conhecimento exacto das normas aplicáveis, sua vigência e suas condições de aplicação; compreensibilidade, como clareza das expressões verbais das normas (...); razoabilidade como não arbitrariedade, adequação às necessidades colectivas e coerência interna das normas; determinabilidade como precisão, suficiente fixação dos comportamentos dos destinatários, densificação de conteúdo normativo; estabilidade como mínimo de permanência das normas, por uma parte, e  garantia de actos e de efeitos jurídicos produzidos, por outra parte; previsibilidade, como susceptibilidade de se anteverem situações futuras e susceptibilidade de os destinatários, assim, organizarem as suas vidas” (Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 4.ª Ed., Coimbra, 2008, p. 272 – 273). Por isso, a justiça deve ser aquela que mais e melhor investe no fortalecimento destes valores e desta consciência social.
Em consequência, se a medida da justiça não se conformou à lei, como pode ela ter sido proporcional? A proporcionalidade é outra qualidade para um julgamento justo, pois implica a determinação de uma justa medida, na simples consideração de que determinada reação não deve ultrapassar os limites determinados pela acção. Tem, pois, de ser percebida e reconhecida uma justa reciprocidade entre a medida e o eventual dano provocado pela acção invocada, tanto para evitar o arbítrio, como os excessos. 
Em face do acima exposto, porque não ilidida a presunção legal sobre os factos descritos a favor do Recorrente, não é concebível a admissão de qualquer medida consequente de reparação a favor de outrem, tornando qualquer medida, em si mesma, desproporcional, afectando em substância a justeza e conformidade do julgamento, em contramão ao estabelecido no artigo 72.º da CRA.
Portanto, a prova documental aqui carreada nos autos, afirmando a existência dos factos jurídicos alegados, embora com alguma inconsistência entre os documentos, possui a força que a lei lhe confere e, por conseguinte, não está sujeita à livre apreciação. 
Considerando que da observação dos autos não resulta nenhum outro meio de prova que afecte o valor probatório dos mesmos, considera este Tribunal que foi ofendido o princípio da legalidade na instrução da prova documental em fase judicial e, em consequência, o direito a julgamento justo e conforme e o direito fundamental à propriedade privada, tendo ficado limitada a liberdade individual do Recorrente relativamente ao exercício deste último direito.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: 
1. DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E CONSEQUENTE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AO JULGAMENTO JUSTO E CONFORME E À PROPRIEDADE PRIVADA, CONSAGRADOS, RESPECTIVAMENTE, NOS ARTIGOS 6.º, 72.º E 37 DA CRA.
2. BAIXEM OS AUTOS PARA QUE O TRIBUNAL RECORRIDO APRECIE A MATÉRIA PROBATÓRIA EM CONFORMIDADE COM O ESTABELECIDO NA LEI.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 25 de Agosto de 2025.
--OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Amelia Augusto Varela
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo (Relatora) 
Gilberto de Faria Magalhães
Lucas Manuel João Quilundo
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Vitorino Domingos Hossi