ACÓRDÃO N.º 981-A/2025
Processo n.º 1210-B/2024
Aclaração do Acórdão n.º 981/2025
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
CABINDA GULF OIL COMPANY, LIMITED – SUCURSAL EM ANGOLA, Recorrente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada, em 14 de Abril de 2025, do teor do Acórdão n.º 981/2025, proferido a 1 de Abril de 2025, nos autos de Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade à margem identificados, vem, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 666.º, do n.º 1 do artigo 667.º e da alínea a) do artigo 669.º, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por remissão do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), requerer o esclarecimento ou aclaração do referido Acórdão, o que faz, em síntese, nos seguintes termos:
1. O Acórdão em referência rejeitou o recurso extraordinário de inconstitucionalidade interposto contra o Despacho proferido pelo Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Luanda que, no âmbito do Processo n.º 274/2024, julgou improcedente a reclamação apresentada pela Recorrente contra o Despacho do Tribunal da Comarca de Cabinda, que não admitiu o recurso interposto da sentença que apreciou e decidiu sobre o incidente de falsidade que correu termos naquela instância sob o n.º 476-B1/2020.
2. Pelo que a Requerente alcança da fundamentação do Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, a sua decisão parte, essencialmente, das seguintes premissas:
i. O recurso interposto contra a sentença que apreciou e decidiu o incidente de falsidade não foi validamente interposto, na medida em que foi apresentado por mandatário com poderes conferidos por procuração considerada falsa e que, em consequência;
ii. Atenta a manifesta falta de poderes de representação, não cabia, por "inutilidade superveniente da lide", apreciação da decisão do Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Luanda, que julgou improcedente a reclamação apresentada da decisão de rejeição do recurso proferida pela 1.ª instância.
3. Ou seja, o Tribunal Constitucional assume como assente a falta de um pressuposto processual obrigatório (patrocínio forense) susceptível de justificar a rejeição do recurso contra a decisão proferida no âmbito do incidente de falsidade, e considera que, atenta a manifesta falta do pressuposto em questão, por inutilidade superveniente da lide, não cabia ao Presidente do Tribunal da Relação de Luanda o dever de apreciação da reclamação apresentada.
4. Para substanciar essa linha de fundamentação e, em concreto, afirmar a efectiva falta do pressuposto processual de patrocínio judiciário (e subsequente inutilidade superveniente da lide), o Tribunal Constitucional tece considerações prévias e elenca circunstâncias que reputa relevantes para a aferição da validade da representação processual no momento: (i) da interposição do recurso contra a sentença que apreciou e decidiu o incidente de falsidade; (ii) da subsequente reclamação.
5. Em concreto, a pág. 6 do Acórdão em referência, é referido o seguinte:
"Outrossim, em sede da Reclamação — Aclaração n.º 274/2024, fls. 568, o Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Luanda assevera, no Despacho anterior do qual se requer aclaração, ter chamado a atenção da parte requerente, para que devesse abster-se de praticar actos no âmbito da «procuração que lhe confere mandato para intervir no processo em causa e que fez despoletar questionamentos que deram origem à instrução de processo crime de falsificação de documentos (…), para salvaguardar a ética deontológica profissional que vem expressamente estabelecida no artigo 35.º do Regulamento Disciplinar da 0.A.A”.
Neste sentido, consta dos autos, a fls. 568, que o Tribunal a quo, para garantir a lisura do processo, notificou oficiosamente a Recorrente e seus mandatários, ex vi do n.º 2 do artigo 40.º do CPC, facultando-lhes a possibilidade de agirem com alguma cautela nos termos subsequentes, de modo a não perder de vista a oportunidade de a Recorrente agir no processo por intermédio de outro mandatário judicial, com base noutra procuração forense."
6. Das passagens citadas, parece resultar que o Tribunal Constitucional conclui que o Tribunal da Comarca de Cabinda teria notificado a ora Requerente e os seus mandatários para juntarem nova procuração nos autos, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 40.º do CPC, apenas com base num simples excerto do despacho de aclaração proferido pelo Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Luanda, onde se refere que o mandatário da Requerente foi “chamado à atenção" para se abster de praticar actos com base numa determinada procuração.
7. Caso esse seja, de facto, o entendimento do Tribunal Constitucional, importa sublinhar que tal conclusão não tem apoio na realidade processual ocorrida nos autos, resultando apenas, e tão-somente, de uma interpretação ambígua e incorrecta de um excerto do despacho de aclaração proferido pelo Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Luanda.
8. Salvo melhor opinião, é evidente que uma "chamada à atenção" para a abstenção de prática de actos com base numa determinada procuração forense não se traduz, nem juridicamente pode equivaler, a uma notificação formal, clara e expressa para que a parte junte nova procuração — nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 40.º do CPC ou de qualquer outro dispositivo legal que impusesse o suprimento de uma irregularidade do mandato.
9. Muito menos corresponde a uma notificação dirigida à própria Requerente (isto é, a CABINDA GULF OIL COMPANY LTD.), a qual nunca foi directamente notificada desse despacho.
10. Acresce que o despacho em questão foi dirigido ao mandatário precisamente num contexto em que os seus poderes de representação estavam a ser postos em causa.
11. Naturalmente, se o Tribunal da Relação de Luanda entendia que o advogado carecia de legitimidade para intervir nos autos, não bastaria notificar o próprio mandatário: seria indispensável notificar a própria parte, única entidade com poderes para suprir o suposto vício de representação.
12. A propósito, elencam-se as disposições legais que regulam os termos a seguir relativamente à notificação para regularização de mandato:
a) A alínea a) do n.º 1 do artigo 32.º do CPC impõe a obrigatoriedade da constituição de advogado nas acções da competência dos tribunais de alçada, quando admissível recurso ordinário. No caso sub judice, considerando o valor da causa, a constituição de mandatário era, inequivocamente, obrigatória.
b) De acordo com o artigo 33.º do CPC, "se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o fazer dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa".
c) Por sua vez, o artigo 40.º do CPC estabelece que:
"1 - A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.
2 - O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado, findo o qual, sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respectivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.”
13. Deste quadro normativo resulta que se a parte intervier no processo sem estar validamente representada - situação que pode ocorrer, por exemplo, perante uma decisão de falsidade de procuração forense proferida na sequência de um incidente de falsidade - deve ser directamente notificada para suprir tal vício.
14. No caso concreto, ao longo da acção executiva, à qual o incidente de falsidade correu por apenso, nenhuma notificação foi dirigida à ora Requerente — nem, tão-pouco, ao seu mandatário - para juntar procuração ou, sendo caso disso, ratificar o processado, nem antes, nem durante o decurso do incidente de falsidade.
15. Assim: se o Acórdão deste Tribunal Constitucional conclui, como parece indicar, que a Requerente foi notificada para suprir a irregularidade e, mesmo assim, nada fez, tal entendimento estará necessariamente viciado, pois assenta numa leitura ambígua de um despacho judicial e não tem suporte nos actos praticados nos autos.
16. Embora o segmento do Acórdão em que tais considerações são tecidas pelo Tribunal Constitucional possa parecer acessório, a verdade é que tem impacto directo na estrutura lógica do Acórdão, na medida em que a conclusão pela falta de patrocínio judiciário imputável à parte (enquanto pressuposto processual) parece servir de premissa essencial para justificar a validade e legalidade das decisões do Tribunal da Relação de Luanda e do seu Exmo. Presidente, bem como para, por consequência, afastar a existência de violação dos direitos constitucionais de defesa, de acesso à justiça e ao recurso.
17. E, como é evidente, não se pondo em causa a inegável relevância e o estatuto de "pressuposto processual obrigatório" do patrocínio judiciário, jamais poderiam ser aplicadas as consequências legalmente previstas para a sua ausência sem que à parte fosse previamente concedida a oportunidade de suprir tal omissão.
18. Ou seja, não há, na realidade que os autos demonstram, falta de um pressuposto processual, na medida em que, na ausência da notificação exigida pelo artigo 40.º do CPC, a falta de patrocínio judiciário é "inoperante".
19. Circunstância que, salvo melhor e fundamentada opinião, inevitavelmente afecta a validade constitucional da rejeição do recurso interposto contra a sentença proferida no incidente de falsidade e da subsequente decisão proferida pelo Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Luanda, bem como a linha de fundamentação adoptada pelo Tribunal Constitucional para decidir como decidiu.
20. Atenta a esta evidente realidade, e pela influência que a aferição levada a cabo no segmento constante da página 6 do Acórdão proferido reflecte para a decisão tomada, urge que o Tribunal Constitucional esclareça (i) o que pretendeu transmitir quando refere "que o Tribunal a quo, para garantir a lisura do processo, notificou oficiosamente a Recorrente e seus mandatários, ex vi do n.º 2 do artigo 40.º do CPC", bem como (ii) em que medida é que retira tal inferência do excerto do despacho de aclaração proferido pelo Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Luanda, a fls. 568, onde se refere que o mandatário da Recorrente foi "chamado à atenção" para se abster de praticar actos com base na procuração cuja autenticidade foi impugnada.
21. E, naturalmente, concluindo o Tribunal Constitucional pela existência de uma confusão ou lapso conducente a uma aferição/exposição incorrecta, caber-lhe-á o dever de rectificar o Acórdão em conformidade.
22. Nos termos do artigo 666.º, n.º 2, do CPC, é admissível o esclarecimento de dúvidas ou ambiguidades constantes da decisão. Por sua vez, a alínea a) do artigo 669.º do mesmo diploma consagra o direito da parte ao esclarecimento de obscuridades e à consequente rectificação do julgado.
Termina a Requerente solicitando a aclaração do Acórdão proferido e a sua consequente rectificação, ao abrigo das disposições constantes do n.º 2 do artigo 666.º, do n.º 1 do artigo 667.º e da alínea a) do artigo 669.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional.
Prescindiu-se da vista do Ministério Público e dos vistos legais dos Juízes Conselheiros, nos termos do n.º 3 do artigo 707.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional.
II. OBJECTO
O objecto da presente aclaração é saber se o Acórdão n.º 981/2025, proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional, no âmbito do Processo n.º 1210-B/2024, que negou provimento ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade interposto pela Requerente, padece de imperceptibilidade, acerca de algum aspecto relativo à questão controvertida exposta nas alegações, que importe esclarecer, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 669.º do CPC, aplicável por força dos artigos 39.º e 52.º da LPC.
V. APRECIANDO
A Requerente invoca, como fundamento do seu requerimento de aclaração do Acórdão n.º 981/2025, prolactado pelo Plenário do Tribunal Constitucional, a existência de obscuridades na referida decisão, nomeadamente na parte em que se refere que “consta dos autos, a fls. 568, que o Tribunal a quo, para garantir a lisura do processo, notificou oficiosamente a Recorrente e seus mandatários, ex vi do n.º 2 do artigo 40.º do CPC (…)", bem como no que concerne a saber em que medida é que, no aresto, se retira tal inferência do excerto daquele Despacho no qual se refere que o mandatário da Recorrente foi "chamado à atenção" para se abster de praticar actos com base na procuração cuja autenticidade foi impugnada.
Outrossim, alega que esta Corte Constitucional alicerça a sua decisão na asserção de que a ora Requerente carecia do necessário patrocínio judiciário, assente em procuração forense regular, aquando da interposição do recurso da decisão proferida no incidente de falsidade e, bem assim, aquando da reclamação apresentada contra a respectiva retenção, laborando em erro acerca do facto de que a Requerente havia sido notificada para juntar nova procuração forense.
Com tal motivação, pede a aclaração do Acórdão prolactado, com vista à respectiva rectificação.
É consabido que, relativamente às decisões jurisdicionais, vigora o princípio da sua estabilidade, ínsito no artigo 666.º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 39.º e 52.º da LPC, que estabelece que, uma vez proferida decisão final, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa, estando o tribunal impedido de modificar a sua decisão e/ou a motivação que a fundamenta, sendo-lhe lícito, apenas, rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la quanto a custas e à multa eventualmente aplicada. Asseveram Lebre de Freitas e Raquel Alexandre que o juiz da causa não pode, em regra, rever a decisão proferida, exceptuando-se os casos previstos no n.º 2 do artigo 666.º do CPC (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 697).
Apreciadas as razões aduzidas pela Requerente, percebe-se que a mesma está equivocada relativamente às competências atribuídas ao Tribunal Constitucional pelo artigo 181.º da Constituição da República de Angola (CRA) e pelo artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho - Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), com a redacção dada pela Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro, que se cingem, no geral, à administração da justiça em matéria de natureza jurídico-constitucional.
Outrossim, o Tribunal Constitucional não pode constituir-se em mais uma instância de recurso da jurisdição comum, interpretativa e aplicativa do direito infraconstitucional. Vide, sobre esta questão, a vasta jurisprudência fixada, entre outros, nos Acórdãos n.os 886/2024, 777/2022, 791/2022 e 613/2020 (disponíveis em: www.tribunalconstitucional.ao) no sentido de que, por não ser mais uma instância da jurisdição comum, a esta Corte é vedado, por lei, proceder à reapreciação e julgamento da matéria de facto ou mesmo proceder ao reexame da respectiva prova.
A este propósito, defende Carlos Blanco de Morais que: “o Tribunal Constitucional deve abster-se de julgar, ou mesmo de se pronunciar, sobre o mérito da questão de fundo que está a ser julgada no processo […], já que lhe cumpre, apenas, administrar a justiça em matéria de natureza jurídico-constitucional. Não opera, deste modo, como uma instância suprema de mérito, ou tribunal de super-revisão” (Justiça Constitucional, Tomo II, O Direito do Contencioso Constitucional, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2002, pág. 619).
Não obstante, a existência de alguma ambiguidade ou obscuridade na decisão que a torne ininteligível pode fundamentar, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 669.º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 2.º e 39.º da LPC, um pedido de aclaração dessa decisão.
Lebre de Freitas e Raquel Alexandre, em comentário ao artigo 669.º do CPC, referem que: “a alínea a) do n.º 1 faculta a qualquer das partes requerer o esclarecimento da sentença quando esta contenha obscuridades ou ambiguidades. No primeiro caso, a sentença, ou parte dela, é ininteligível; no segundo caso, apresenta-se, também, total ou parcialmente, com um sentido duplo” (Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2008, pág. 707).
Ambiguidade significa ambivalência ou pluralidade de sentidos. Ambíguo é, então, o acórdão confuso, de sentido dúbio, que contém alguma passagem equívoca, que se presta, numa abordagem hermenêutica razoável, a interpretações diferentes ou apresenta duas afirmações antitéticas, como se fossem convergentes. Por seu turno, a obscuridade é a falta de clareza ou ininteligibilidade. Obscura é a decisão de difícil compreensão, que contenha alguma asserção ininteligível, cujo sentido exacto não possa alcançar-se, num esforço hermenêutico-jurídico, a partir do elemento literal da decisão (cfr. Abílio Neto, Breves Notas ao Código de Processo Civil, Ediforum, 2005, pág. 196).
Tem sido compreensão deste Tribunal, espelhada na sua jurisprudência, que o acórdão ambíguo é aquele que conduz a uma interpretação de sentido ambivalente, dúbio e confuso, estando, deste modo, a obscuridade relacionada com a ininteligibilidade da decisão, com a sua difícil compreensão, ou seja, com a impossibilidade de ser alcançado o seu exacto sentido, uma vez que a aclaração não pode consistir num mero exercício tendente a uma reapreciação do pedido (vide, a título de exemplo, Acórdão n.º 738-A/2023, disponível em
www.tribunalconstitucional.ao).
No que concerne ao Acórdão em crise, em trecho algum se afirma que o Advogado constituído no processo está impedido de praticar actos próprios da profissão de Advogado, nomeadamente, o patrocínio judiciário.
O que se afirma é, simplesmente, que, tendo sido declarada falsa a procuração outorgada aos mandatários da Requerente e tendo em conta que o patrocínio judiciário se realiza através do mandato forense, conferido por Procuração, a representação da ora Requerente no processo ficou afectada, independentemente de a Ordem dos Advogados de Angola ter suspendido, ou não, o Advogado constituído.
Isto mesmo se infere, de forma cristalina, do Acórdão aclarando, onde se explicita que “(…) o Advogado (…) não está impedido, de praticar actos próprios da profissão advocatícia, ou seja, o patrocínio judiciário, para quem o constitui nos termos da lei, porque consta dos autos o Despacho do Bastonário da OAA, de fls. 610 e 614, que manda arquivar o Processo de Inquérito Preliminar n.º 051/2023, nos termos da alínea b) do artigo 75.º do Estatuto da OAA.”
Por outro lado, deflui, patentemente, do Acórdão em pauta que esta Corte Constitucional considera que, independentemente de qualquer notificação, a procuração forense colocada em crise no incidente de falsidade tornou-se imprópria para sustentar devidamente o patrocínio da ora Requerente em actos processuais ulteriores. Tal é o sentido e alcance da asserção: “(…) in casu, tendo sido considerada falsa a procuração forense pelo Tribunal da Comarca de Cabinda, porque provada no âmbito do incidente de falsidade, fica a mesma irregular, impedindo, assim, o mandatário de patrocinar a aqui Requerente (CABINDA GULF OIL COMPANY, LIMITED – SUCURSAL EM ANGOLA) com o mesmo instrumento.”
Atente-se que é no âmbito da interposição de recurso da decisão proferida no incidente de falsidade que é posto em causa e se rejeita o instrumento que confere poderes ao mandatário judicial, o que significa dizer que a rejeição do recurso foi feita por razões processuais relativas, exclusivamente, à regularidade do patrocínio judiciário, não afectando o núcleo essencial do direito fundamental ao recurso.
Relativamente ao excerto do Acórdão aclarando, a pág. 6, no qual se refere “consta dos autos, a fls. 568, que o Tribunal a quo, para garantir a lisura do processo, notificou oficiosamente a Recorrente e seus mandatários, ex vi do n.º 2 do artigo 40.º do CPC", trata-se de uma transcrição, ipsis litteris, do Despacho de aclaração proferido pelo Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Luanda, no sentido de, justamente, retratar os factos relatados em tal Despacho e explanar os fundamentos do mesmo.
Esta Corte não retirou a afirmação anterior como inferência a partir do excerto do Despacho do Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Luanda que reza: “no Despacho anterior do qual se requer aclaração, julgamos que fizemo-lo no sentido de chamar a atenção à parte requerente, que devesse se abster de praticar actos cuja «procuração» que lhe confere mandato para intervir no processo em causa que fez despoletar questionamentos que deram origem à instrução do processo crime de falsificação de documentos (...) para salvaguardar a ética deontológica profissional que vem expressamente estabelecida no artigo 35.º do Regulamento Disciplinar da O.A.A.”.
Não existe qualquer relação lógico-dedutiva ou indutiva entre as referidas afirmações, resultante de raciocínio deste Tribunal, sendo citações literais do texto do Despacho proferido pelo Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Luanda, de resto perfeitamente inteligíveis para o intérprete mediano, usadas com intuito ilustrativo do sentido da decisão nele contida.
No entender de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “o pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)” (Manual de Processo Civil, 2.ª ed. (reimp.), Coimbra Editora, 2004, pág. 693).
Igualmente, diz Ana Prata que “o pedido de aclaração tem, pois, cabimento quando algum passo importante do texto da sentença não permite compreender o pensamento do julgador ou, por comportar dois ou mais sentidos diversos, suscite dúvidas sobre aquele em que foi utilizado” (Dicionário Jurídico, Direito Civil, Direito Processual Civil e Organização Judiciária, 5.ª Edição — Actualizada e Aumentada, Almedina, 2006, pág. 36).
No caso decidendo, não se vislumbra qualquer ambiguidade ou obscuridade no Acórdão colocado em crise que mereça um esforço hermenêutico adicional do Tribunal Constitucional no sentido da sua aclaração. O Acórdão é suficientemente esclarecedor acerca dos fundamentos pelos quais conclui pela inexistência das inconstitucionalidades alegadas pela Requerente e só por argumentação retórica se pode dizer que se encontram obscuridades na decisão aclaranda.
A forma como a Requerente articula os seus questionamentos demonstra uma compreensão do essencial da decisão tomada por esta Corte Constitucional, sendo manifesto que está, unicamente, em causa a expressão do seu desacordo com o decidido por esta Instância.
Aferidos, de forma global, os aspectos que a Requerente identifica para arguir ofensa a princípios constitucionais e lesão de direitos fundamentais, afigura-se patente que a Requerente peticionou a aclaração apenas e só como expediente dilatório.
Não restam, pois, dúvidas ao Tribunal Constitucional que o pedido de aclaração do Acórdão sindicado se configura inatendível, em face do princípio do esgotamento da decisão jurisdicional, do princípio da segurança jurídica e demais princípios constitucionais que impedem esta Corte de se pronunciar sobre as mesmas questões já consignadas na Acórdão sub examine.
Face ao defluído, considera esta Corte que deve ser desatendido o presente pedido de aclaração, porquanto não existem, no Acórdão em crise, erros materiais a rectificar, dúvidas ou ambiguidades a aclarar ou quaisquer nulidades passíveis de sanação.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: MANTER, NOS SEUS PRECISOS TERMOS, O ACÓRDÃO N.º 981/2025, DE 1 DE ABRIL, POR NÃO HAVER ERROS MATERIAIS POR RECTIFICAR, NULIDADES POR SANAR OU DÚVIDAS E AMBIGUIDADES QUE IMPORTE ESCLARECER.
Custas pela Requerente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 6 de Agosto de 2025.
Notifique.
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Amélia Augusto Varela
Carlos Alberto B. Burity da Silva (Relator)
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva