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ACÓRDÃO N.º 1010/2025

 

 

PROCESSO N.º 1264-D/2025

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade 

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

 

I.  RELATÓRIO
COOPERATIVA DE EXPLORAÇÃO DE DIAMANTE CHITEMBO TCHALAZA DIAMOND, S.C.R.L., com melhores sinais de identificação nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), do Acórdão da 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, prolactado no Processo n.º 2524/18, que negou provimento ao recurso por si interposto e confirmou a Decisão recorrida.
Admitido o recurso, a Recorrente apresentou as suas alegações, arrimando para o efeito, em síntese, os fundamentos que se seguem:
1. O contrato de «parceria para a exploração de diamantes», celebrado entre a Recorrente e Elias José Miguel, o foi, na verdade, com a Sociedade Miguel Baba, Lda., pois que é a esta que corresponde o número de contribuinte mencionado por Elias.
2. Elias José Miguel agiu, pois, imbuído de má-fé, tanto aquando das negociações, como na conclusão e execução do contrato, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 277.º do Código Civil.
3. Para além disso, o segundo contraente, Elias José Miguel, beneficiou-se dos lucros a que tinha direito nos termos do contrato celebrado, sendo certo que não cumpriu a respectivas obrigações fiscais.
4. A Decisão recorrida viola o princípio da legalidade, previsto no n.º 2 do artigo 6.º da CRA, ao interpretar os artigos 280.º e 282.º do Código de Processo Civil (CPC) de modo a afastar a sua aplicabilidade, porquanto o espírito de tais normas é, justamente, assegurar o cumprimento das obrigações fiscais.
5. Do mesmo passo, e pelo mesmo motivo, a Decisão recorrida viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consignado no n.º 4 do artigo 29.º e no artigo 72.º, ambos da Constituição da República de Angola (CRA).
6. O Tribunal Supremo, ao confirmar a Decisão recorrida e ao desatender os pedidos formulados pela, ora, Recorrente, manteve uma flagrante violação da legalidade, já que as normas referidas são injuntivas, o que instala a dúvida e a desconfiança acerca do sistema judicial.
7. Os Tribunais, no exercício do poder de julgar, devem, em prol do princípio da certeza e segurança jurídica, plasmado no artigo 177.º da CRA, cumprir a estrita legalidade constitucional.  
8. O princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no n.º 4 do artigo 29.º da CRA, assegura um processo justo e equitativo, devendo as partes ser tratadas em posição de igualdade.
9. Atender a pretensão de quem não faz prova da respectiva regularidade fiscal é contra legem.
10. Por outro lado, o Tribunal a quo confirmou a decisão recorrida, apesar da existência nos autos de prova robusta, incorrendo em erro notório na apreciação da prova. 
Conclui a Recorrente, peticionando a declaração de inconstitucionalidade do Acórdão recorrido por violação do princípio constitucional da legalidade e do direito a julgamento justo e conforme, consignados no n.º 2 do artigo 6.º e no artigo 72.º, ambos da CRA.
Peticiona, ainda, a suspensão do processo, nos termos do disposto nos artigos 280.º e 281.º do CPC.
O processo foi à vista do Ministério Público, que promoveu nos seguintes termos: “Do acima exposto, somos de parecer que o Acórdão em crise não violou princípios e direitos previstos na Constituição, conforme alegado pela Recorrente (…).”
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II.  COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC), tendo sido observado o prévio esgotamento dos recursos ordinários para os tribunais comuns legalmente previstos, conforme estatuído no § único do artigo 49.º da LPC.
III.  LEGITIMIDADE
A Recorrente é parte no Processo n.º 2524/18¬, autos de recurso ordinário de apelação que correu os seus termos na 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, pelo que tem legitimidade para recorrer, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao abrigo da qual, “podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional (…) as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.”
IV. OBJECTO 
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem como objecto apreciar e decidir se o Acórdão proferido pela 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, que julgou improcedente o recurso interposto pelo aqui Recorrente e confirmou a decisão proferida em primeira instância, ofendeu, ou não, os princípios e direitos consagrados na Constituição da República de Angola e invocados pela Recorrente.
V.  APRECIANDO
A. Questão prévia
A Recorrente peticiona, preliminarmente, a esta Corte Constitucional a suspensão imediata dos autos, nos termos conjugados do disposto nos artigos 280.º e 282.º do CPC, porquanto o demandante, ao propor a acção na 1.ª instância, não fez prova da sua situação fiscal, como, na sua óptica, impõem, sob cominação de suspensão da instância, os normativos mencionados. 
Segundo a Recorrente, a falta de cumprimento deste requisito legal é, de acordo com o consignado no artigo 282.º do CPC, de conhecimento oficioso do Tribunal, não necessitando, pois, de ser alegada pelas partes para que o Juiz suspenda a instância, podendo fazê-lo logo que dela tome conhecimento.
Deverá esta Corte atender ao peticionado? 
De acordo com o disposto na alínea a) do artigo 49.º da LPC, o objecto do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, no que às Decisões dos demais Tribunais concerne, compreende os fundamentos de direito e as decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades ou garantias previstos na Constituição.
Ora, a suspensão da instância, tal como peticionada pela Recorrente, não apresenta conexão com qualquer questão de inconstitucionalidade, sendo requerida a pretexto de obter a que lhe foi negada pelo Tribunal Supremo, como se esta Corte Constitucional fosse mais uma instância de recurso de apelação da jurisdição comum. 
Trata-se, pois, de matéria sobre a qual não caberia ao Tribunal Constitucional decidir.
Não obstante, sempre se diga que, tal como previsto no artigo 201.º do CPC, a omissão da suspensão da instância, pelo motivo apontado, não constitui nulidade, nem sequer, in casu, uma irregularidade susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, pelo que deveria a omissão da suspensão ter sido invocada durante a instância da acção declarativa, o que a Recorrente não fez, razão pela qual o direito de invocar a irregularidade se encontra, presentemente, precludido, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 205.º do CPC.
Outrossim, admitir-se a suspensão do processo por razões atinentes à mera demonstração do cumprimento de obrigações fiscais, sem que esse cumprimento constitua questão prejudicial para a matéria de facto controvertida, impediria o credor de obter a tutela do seu crédito, o que sempre constituiria violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, ínsito no n.º 1 do artigo 29.º da CRA, segundo o qual “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”
B. Do mérito
A Cooperativa Chitembo Tchalaza Diamond, ora Recorrente, celebrou com Elias José Miguel, a 30 de Setembro de 2015, um “contrato de parceria” para a exploração de diamantes. Por efeito da celebração desse negócio, a Cooperativa comprometeu-se a ceder uma parcela de terreno a si concessionada pelo Estado para a prospecção e exploração diamantífera, bem como a proceder à venda dos diamantes obtidos no âmbito da parceria firmada. Por seu lado, Elias José Miguel comprometeu-se a proceder às actividades de prospecção e exploração, usando os seus meios, trabalhadores e conhecimento técnico. Os outorgantes acordaram que os lucros da comercialização dos diamantes obtidos seriam divididos entre si, na proporção de 40% para a Cooperativa e 60% para o outorgante Elias José Miguel. 
Aquando da primeira e da segunda vendas efectuadas, nos anos de 2016 e 2017, respectivamente, a Recorrente apenas entregou a Elias José Miguel quantia correspondente a 50% do valor obtido, invocando acordo verbal entre as partes no sentido de redução da percentagem do contraente Elias. 
Não satisfeito, depois de interpelar extrajudicialmente a ora Recorrente para o pagamento do remanescente em dívida, correspondente a 10% de cada venda, Elias José Miguel demandou-a junto da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal da Comarca do Bié, tendo obtido ganho de causa. 
Dessa Decisão, interpôs, a ora Recorrente, recurso para o Tribunal Supremo, que correu os seus termos na 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, tendo aquela instância confirmado o Aresto recorrido. 
Insatisfeita, a Recorrente interpôs recurso extraordinário de inconstitucionalidade junto desta Corte Constitucional, considerando que o Acórdão recorrido violou o princípio da legalidade e o direito a julgamento justo e conforme, consagrados no n.º 2 do artigo 6.º e no artigo 72.º, ambos da CRA.
Vejamos:
1. Sobre a violação do princípio da legalidade
A Recorrente argui que a decisão recorrida viola o princípio da legalidade, tal como consignado no n.º 2 do artigo 6.º da CRA, porquanto nela se faz uma interpretação dos artigos 280.º e 282.º do CPC que não tem qualquer respaldo na letra da lei, nem no espírito do legislador. 
O princípio da legalidade, ínsito no n.º 2 do artigo 6.º da CRA, preconiza, quando conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 174.º da CRA, que o Estado, no exercício da função jurisdicional, deve respeitar e fazer respeitar a lei, sendo obrigação dos Tribunais defender a legalidade democrática contra violações de que possa ser alvo. 
Deve, assim, o Estado, no exercício de todos os seus poderes, basear-se na Constituição e na Lei, respeitar escrupulosamente os limites constitucionais e legais e defender a legalidade democrática, nomeadamente pelo exercício constitucionalmente conforme da função jurisdicional (Cfr. Raúl Araújo/Elisa Rangel Nunes, Constituição da República Anotada, Tomo I, Luanda, 2014, págs. 196 e ss.; Idem, ibidem, Tomo II, Luanda, 2018, págs. 520 e ss.; Jorge MIRANDA/Rui MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, UCE, 2017, pág. 91). 
A interpretação de normas legais é o processo hermenêutico pelo qual o Tribunal, enquanto intérprete e aplicador da lei, busca o sentido e o alcance do preceito legal, isto é, procura o seu sentido normativo através, primordialmente, do seu elemento literal, mas, também, apoiando-se no elemento lógico (histórico e sistemático) e no elemento teleológico (mens legislatoris). Cfr. Karl LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª ed., Calouste Gulbenkian, 2009, págs. 439 e ss.
Como preconiza José de Oliveira Ascensão, o que não pode, todavia, suceder, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, é que o Tribunal, por se tratar de uma interpretação doutrinal, oblitere completamente o elemento literal e extraia do preceito legal um sentido que não tenha qualquer correspondência na letra da lei (O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª ed., Almedina, 2001, pág. 392).
Assim, haverá que atender ao enunciado linguístico da norma, por representar o ponto de partida da actividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir, a partir dele, o pensamento do legislador, tendo, sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, sendo que o texto da norma exerce também a função de um limite, porquanto não pode ser considerado entre os seus possíveis sentidos aquele pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Como afirma João Baptista Machado, para a correcta fixação do sentido e alcance da norma, há-de, outrossim, presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e consagrou a solução mais acertada, o que significa que o texto da norma exerce uma outra função: a de dar um mais forte apoio àquela, de entre as interpretações possíveis, que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimp., Coimbra, 2000, págs. 175 e ss.). Vide, tb. Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 3.ª edição, Arménio Amado, Coimbra, 1978, págs. 138 e ss.
Ora, os artigos 280.º e 282.º do CPC dizem respeito à obrigação de demonstração, por parte do proponente de uma acção judicial, do cumprimento de obrigações que sobre si recaiam em virtude do exercício da actividade económica que motiva a causa de pedir do pleito judicial que se quer iniciar. Nas palavras de Alberto dos Reis: “para evitar que a Fazenda Nacional seja defraudada, isto é,  que a pessoa sujeita a (…) imposto profissional (…) se subtraia à colecta, a lei prescreve o seguinte: quando essa pessoa se apresentar em juízo para fazer valer um direito emergente do facto sujeito a imposto, terá de provar que se acha devidamente colectada por esse facto; se não fizer essa prova, é dever do juiz suspender a instância, logo que se aperceba da falta” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed. Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pág. 385). 
A Decisão da 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, ao afirmar que o demandante não está sujeito ao ónus processual previsto nos artigos 280.º e 281.º do CPC poderia dizer-se, efectivamente, equivocada, porquanto, apesar de se qualificar o contrato celebrado entre a Recorrente e Elias José Miguel como um contrato de prestação de serviços, nem por isso este último se exime do pagamento de contribuições e impostos em função da contrapartida pelos serviços prestados no âmbito desse contrato.
No entanto, tal não significa uma violação do princípio da legalidade, pois em momento algum o Tribunal a quo fez uma interpretação errónea dos preceitos legais em causa, por desconformidade com a sua letra ou com o seu espírito, nomeadamente fixando-lhe sentido ou alcance diversos do pretendido pelo legislador.
Não obstante, tendo em conta a esfera de interesses protegidos pelas normas em causa (artigos 280.º e 281.º do CPC), a natureza do princípio cuja violação é arguida pela Recorrente – princípio da legalidade – e a razão de tal violação, cabe perguntar se a Recorrente se afigura como parte legítima, para efeitos desta lide constitucional, no que concerne à questão da violação do princípio da legalidade por via da factualidade arguida nas alegações, atinente à interpretação das normas do Código do Processo Civil.
Nos termos do disposto no artigo 26.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC, só é parte legítima, como autor, aquele que tem interesse directo em demandar, devendo reconhecer-se esse interesse naquele autor ou demandante que obtenha utilidade com a procedência do pedido. Para Alberto dos Reis: “o interesse consiste em as partes serem sujeitos da relação jurídica controvertida”, ou seja, “em relação à posição das partes na relação jurídica em litígio” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, cit., págs. 73 e 75).
Sobre o que deva entender-se por interesse directo em demandar, para além da aludida utilidade com a procedência do pedido, esclarece Alberto dos REIS que “o artigo [26.º] exige, que o interesse seja directo. Não basta, pois, um interesse indirecto ou reflexo. Não é suficiente que a decisão da causa seja susceptível de afectar, por via de repercussão ou por via reflexa, uma relação jurídica de que a pessoa seja titular” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, cit., pág. 84). Vide, no mesmo sentido, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 70.  
Nos termos do consignado no n.º 1 do artigo 49.º da LPC, o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, destina-se a apreciar a constitucionalidade de uma decisão dos demais tribunais, esgotada que esteja a cadeia recursória dessas jurisdições, sempre que se considere que a decisão em causa viola princípios, direitos, liberdades ou garantias constitucionais em prejuízo do recorrente.
Assevera Carlos Blanco de Morais que “o conteúdo da legitimidade activa de uma parte para interpor recurso [de constitucionalidade] afere-se pelo interesse processual e este liga-se à utilidade que a decisão relativa à questão da constitucionalidade poderá ter para a mesma parte no julgamento da questão principal (…).” (Justiça Constitucional, Tomo II – O Direito do Contencioso Constitucional, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 696).
Não se coloca em causa, com esta asserção, a legitimidade, aferida nos termos do n.º 1 do artigo 50.º da LPC, para recorrer da decisão em crise, afirmada ut supra. Todavia, como esclarece Carlos Blanco de Morais, “(…) mesmo que uma parte legítima tenha interesse subjectivo em impugnar uma decisão desfavorável, ela poderá não ter qualquer interesse objectivo em recorrer, no caso de não extrair qualquer vantagem ou utilidade do provimento do recurso. Existe, deste modo, uma disfunção entre legitimidade e interesse no recurso (…) (Justiça Constitucional, Tomo II, cit., 2.ª ed. Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 697. 
No mesmo sentido, sustenta Miguel Teixeira de Sousa que o recurso de constitucionalidade tem um carácter instrumental em relação à decisão recorrida, pelo que a sua admissibilidade depende da existência do interesse processual em ver revogada a decisão proferida, ou seja, “é ainda indispensável que a eventual procedência do recurso seja útil” («Legitimidade e Interesse no Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade», in: AA.VV., Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Marques Guedes, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, págs. 958-959).
O recurso de inconstitucionalidade apresenta-se, pois, como instrumental em relação à decisão da causa, pelo que o seu conhecimento e apreciação só se reveste de interesse quando a respetiva apreciação se possa repercutir no julgamento daquela decisão.
Assim, se a parte vencida na decisão em crise, na qualidade de sujeito com legitimidade formal para recorrer (n.º 1 do artigo 50.º da LPC e n.º 1 do artigo 680.º do CPC), não obtiver, com o provimento do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, qualquer utilidade para a sua posição jurídica na questão controvertida, constata-se que a mesma não tem interesse em recorrer, não devendo o Tribunal tomar conhecimento do recurso, na parte que a essa falta de interesse se verificar.
Ora, in casu, as normas cuja interpretação operada pela Decisão recorrida é tida, na tese da Recorrente, como ilegal e, por isso, susceptível de fazer incorrer o Aresto da 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, em inconstitucionalidade, não tem qualquer ligação à situação material controvertida que foi objecto de decisão pelo Tribunal Supremo. A respectiva inobservância não constitui, pelas regras do Processo Civil, quaisquer nulidades ou excepções (peremptórias ou dilatórias) nem delas emerge a solução material substantiva para o diferendo, o qual consiste, recorde-se, numa questão de inadimplência, do âmbito obrigacional, portanto. 
Outrossim, a omissão do disposto nos artigos 280.º e 281.º do CPC não conflituou com os direitos e faculdades processuais que à Recorrente assistem, enquanto demandada no pleito em causa.
Deste modo, uma eventual violação do princípio da legalidade, ínsito no n.º 2 do artigo 6.º da CRA, em que o Tribunal a quo tivesse incorrido, não se projectaria sobre direitos, liberdades ou garantias fundamentais da Recorrente, não havendo, da sua parte, um legítimo interesse em recorrer, no que à matéria da eventual violação do princípio da legalidade diz respeito.
2. Sobre a violação do direito a um processo justo e equitativo e a julgamento justo e conforme
Entende a Recorrente que o Acórdão recorrido, ao não atender ao seu pedido por ter feito uma interpretação inadequada dos artigos 280.º e 281.º do CPC, viola o seu direito constitucionalmente consagrado a que lhe seja feita justiça mediante um processo justo e equitativo e ao benefício de um julgamento justo e conforme, tal como estatuído no n.º 4 do artigo 29.º, no artigo 72.º, e no n.º 2 do artigo 174.º, todos da CRA.
Assistir-lhe-á razão?
O direito a um processo equitativo, corolário do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, consignado no n.º 4 do artigo 29.º da CRA, exige que, no decurso do due process of law, in casu, de âmbito cível, com a natureza de processo de partes, sejam conferidas as mesmas oportunidades aos litigantes, sendo estes tratados em estrita observância do princípio da igualdade, tal como previsto no artigo 23.º da CRA, no que concerne à sua defesa, exercício do contraditório e igualdade de armas.
Um processo equitativo e leal deve assegurar a cada uma das partes a faculdade de expor as suas razões de facto e de direito perante o tribunal, antes que este tome a sua decisão, em condições que não a desfavoreçam em confronto com a parte contrária. Assim, em todos os processos de natureza declarativa, como é o caso, deve existir um contraditório efectivo entre as partes contrapostas, de modo que possa dizer-se que estas puderam influir no processo de tomada de decisão (vide Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 2.ª ed., UCE, Lisboa, 2017, págs. 322-324).
O direito a julgamento justo e conforme, verdadeira garantia processual com incidência constitucional, tal como prevista no artigo 72.º e no n.º 2 do artigo 174.º, ambos da CRA, preconiza que, às partes do litígio, devem ser conferidas as mesmas oportunidades de alegar e contradizer, sem atribuir a nenhuma delas posição privilegiada, devendo o Tribunal respeitar a isonomia em todas as fases processuais. 
Compulsados os autos, verifica-se que a Recorrente constituiu mandatário legal, praticou, através deste, actos processuais que materializaram a sua defesa e contraditório, teve oportunidade de pleitear em igualdade de armas com a contraparte, bem como de carrear os elementos de prova que julgou necessários para efectivar a sua contradita e a ampla defesa na lide, tanto em 1.ª instância como em sede de recurso.
A Recorrente teve, em cada momento e ao longo de todo o processo, oportunidade de intervir na causa e participar de modo activo, procurando influenciar a decisão e convencer o Julgador da bondade da sua posição, o que demonstra o exercício de ampla defesa e do contraditório, em igualdade de circunstâncias e de justas oportunidades.
O facto de o Acórdão recorrido desaplicar os artigos 280.º e 281.º do CPC, seja porque deles fez certa interpretação, seja, porque, de todo, não os considera relevantes para a resolução material do diferendo, o que, de facto não são, não constitui qualquer impedimento do amplo acesso ao direito e tutela judicial efectiva. 
A Recorrente pôde, com efeito, beneficiar de uma decisão judicial para o seu diferendo, tomada no âmbito de um processo justo e conforme à lei, no decurso do qual foram cumpridos todos os imperativos de contraditório e ampla defesa, tendo sido aplicado o Direito nos estritos limites constitucionais.
Fica, pois, claro que a Recorrente, ao interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade com a fundamentação expendida, nada mais pretendeu do que utilizar este meio de justiça constitucional para tentar, in extremis, obter uma decisão que não logrou no recurso ordinário interposto, bem sabendo, ab initio, que o único efeito útil que poderia atingir seria a suspensão da instância até comprovação da sua situação fiscal por parte do demandante, sem qualquer afectação da relação material controvertida. 
Não se verifica, assim, no Acórdão recorrido, qualquer violação, quer do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, quer do direito a julgamento justo e conforme, consignados no n.º 4 do artigo 29.º, no artigo 72.º e no n.º 2 do artigo 174.º, todos da CRA. 
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE, POR NÃO SE VERIFICAR QUALQUER VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS E DIREITOS INVOCADOS PELA RECORRENTE.
Custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 1 de Julho de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente) 
Carlos Alberto B. Burity da Silva (Relator)
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo 
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva