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ACÓRDÃO N.º 1002/2025
PROCESSO N.º 1245-A/2024
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I.  RELATÓRIO
SOLMACRY EMPREENDIMENTOS, Lda., melhor identificada nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido, a 20 de Junho de 2024, pela Câmara do Cível, Contencioso Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, Trabalho, Família e Justiça Juvenil do Tribunal da Relação de Benguela, que, no âmbito do Processo n.º 51/2023, negou provimento ao recurso ordinário, confirmando a Decisão do Tribunal a quo, de rejeição e improcedência dos embargos. 
A Recorrente inconformada com o Acórdão sindicado, regularmente notificada, deduziu as suas alegações invocando, essencialmente, que:
1. Foi notificada do Acórdão recorrido que negou provimento ao recurso de agravo com fundamento de que os factos alegados não se enquadram nos conceitos de ilegalidade e de falsidade do título executivo.
  
2. Como é de conhecimento, a oposição à execução por embargo tem natureza incidental e, por finalidade, a anulação total ou parcial do processo de execução fiscal pelo tribunal, podendo ter como base fundamentos supervenientes, cuja prova pode ser documental ou testemunhal (vide artigos 74.º e 83.º do Código das Execuções Fiscais (CEF).
3. Resulta dos artigos 74.º e 83.º do CEF, de que a admissão de fundamentos supervenientes e apresentação de prova documental e testemunhal tornam admissíveis a apreciação da legalidade em concreto da dívida exequenda, sendo claro que a oposição é um meio processual de defesa contra o acto de liquidação de que derivou o suposto crédito.
4. Dito de outro modo, a oposição é como uma acção executiva enxertada no processo executivo, porquanto a legalidade pode ser aferida quer em concreto quer em abstracto.
5. Mais ainda, pode entender-se a oposição como meio processual através do qual o executado pode colocar em crise a execução. Esta oposição, quanto a sua forma externa, é uma petição e internamente configura-se como uma contestação.
6. Por outro lado, é um acto jurídico de oposição, caracterizando-se enquanto meio processual como um direito de resistência que se concretiza na autodefesa dos particulares, no controlo dos actos públicos e faculta aos mesmos a possibilidade de não cederem a quaisquer ordens que lesam as suas garantias estruturantes.
7. As facturas que foram anexas ao processo de oposição à execução por embargos, revelam que o título executivo foi emitido em consequência de um acto ilegal.
8. Os fundamentos invocados não podem ser tidos como mera manifestação de insatisfação a respeito da liquidação do imposto sucessório, porquanto, visam colocar em crise o processo de execução despoletado em violação à lei.
9. A Decisão recorrida violou os princípios da igualdade tributária, enquanto princípio estruturante do Estado Democrático de Direito. 
10. A violação de tal princípio consistiu-se no facto do Tribunal recorrido não ter analisado as provas (facturas) apresentadas cujo objectivo era o de comprovar o rendimento real e a ilegalidade do título executivo.
11. Sublinha-se, o que originou a emissão da certidão da dívida tributária e, por conseguinte, a instauração do processo executivo, é a rejeição das facturas. 
12. Tendo em conta de que a tributação deve estribar-se em critérios de justiça e outros, a rejeição das facturas por supostamente não estarem em conformidade com à lei quando, efectivamente, foram emitidas de acordo com o regime jurídico das facturas e documentos equivalentes, é uma tremenda injustiça que não pode ser admissível num Estado Democrático de Direito.
13. Verifica-se também que a Decisão recorrida violou o princípio da tutela jurisdicional efectiva, “segundo o qual, os contribuintes têm acesso à justiça tributária para obter a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos, pressupondo a impugnabilidade de todos os actos em matéria tributária que lesem direitos”.
14. O princípio da justiça distributiva que se concretiza nas exigências de igualdade e da proporcionalidade foram igualmente violados. A tributação deve ser justa e razoável, não podendo ser discriminatória, arbitrária e excessiva. 
15. Por isso, impõe-se a reapreciação da Decisão proferida pelo Tribunal recorrido, por ser o título executivo ilegal e, concomitantemente, falso com fundamento previstos nas alíneas c) e d) do artigo 76.º do CEF.
16. O facto de não ter interposto recurso contencioso após ter sido notificada da decisão do recurso hierárquico, não a impede de invocar, in casu, os fundamentos que atestam a ilegalidade e falsidade do título executivo, cujo acolhimento é incontornável, a fim de que seja afastada a injustiça fiscal de que enferma o presente processo de execução.
17. Em aditamento, julga que existe uma relação umbilical entre a ilegalidade em que incorreu a recorrida (rejeição das facturas) e o título executivo (certidão de dívida tributária) pelo facto de este ter advindo daquele, isto é, estamos perante uma relação de causa e efeito.
18. Assim, havendo nexo de causa-efeito entre as duas realidades indissociáveis é mister dizer que o título executivo é ilegal e falso (…). 
Conclui as suas alegações, nos seguintes termos: 
“Dos arrazoados resulta a alteração do Despacho Saneador-Sentença para o fim concreto de extinguir o processo de execução fiscal despoletado com estribo em inconstitucionalidade e ilegalidade gritantes, ordenando-se o levantamento da penhora que incide sobre as contas bancárias constantes dos autos, concretizando-se o fim último do direito, a justiça tributária”. 
O processo foi à vista do Ministério Público que, no essencial, pronunciou-se nos seguintes termos:
 “Tendo em atenção os elementos carreados para apreciação desta Corte Constitucional, não nos parece que, no Acórdão recorrido tenha havido violação dos princípios constitucionais nos moldes descritos pela Recorrente e sim inconformação com o mérito da decisão, ou seja, com a forma como a Câmara do Cível, Contencioso Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, Trabalho, Família e Justiça Juvenil do Tribunal da Relação de Benguela aplicou a Lei e o Direito.
Nestes termos, pugnamos pela improcedência do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por não se comprovar a violação de princípios constitucionais ou de direitos, liberdades e garantias fundamentais”.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II.  COMPETÊNCIA 
O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos previstos na alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, como sendo “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola (CRA)”.
Além disso, foi observado o princípio do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns e demais tribunais, conforme o estatuído no parágrafo único do artigo 49.º da LPC, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para decidir este recurso.
III.  LEGITIMIDADE
A Recorrente foi agravante no Processo n.º 51/2023, que correu termos na Câmara do Cível, Contencioso Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, Trabalho, Família e Justiça Juvenil do Tribunal da Relação de Benguela e não viu o seu pedido atendido. Por essa razão, tem legitimidade para interpor o presente recurso, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC.
IV.  OBJECTO
O presente recurso tem por objecto verificar se o Acórdão prolactado pela Câmara do Cível, Contencioso Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, Trabalho, Família e Justiça Juvenil do Tribunal da Relação de Benguela, no âmbito do Processo n.º 51/2023, ofendeu princípios e direitos consagrados na Constituição da República de Angola e invocados pela Recorrente nomeadamente, os princípios da igualdade tributária, enquanto princípio estruturante do Estado Democrático de Direito, da tutela jurisdicional efectiva e o da justiça distributiva que se concretiza nas exigências de igualdade e proporcionalidade.
V. Questão prévia
A Recorrente, nas suas alegações suscita a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 97.º do CEF, porquanto, entende que a atribuição de competência ao Chefe de Repartição Fiscal do Waku Kungo, para proceder à penhora das suas contas bancárias atenta contra os princípios e direitos com dignidade constitucional, nomeadamente os princípios da reserva da função jurisdicional, da igualdade e do direito de propriedade, no âmbito do processo tributário.
Ora, é importante assinalar que a pretensão da Recorrente encontraria amparo no âmbito do Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade, cujo objecto incide, não sobre uma Decisão judicial, mas antes, sobre a aplicação ou desaplicação de uma norma considerada inconstitucional no decurso do processo, tal como estabelece o artigo 36.º da LPC.
Neste sentido, atentos a natureza do Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade e sendo que o presente processo incide sobre um Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, este Tribunal não se vai pronunciar sobre a alegada inconstitucionalidade do dispositivo legal supra-referido.
VI.  APRECIANDO
As alegações deduzidas pela Recorrente, juntas aos autos do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, repousam na mesma matéria de facto e de direito expendidas e discutidas em sede dos Tribunais recorridos, questões atinentes ao mérito da causa na jurisdição comum, isto é, a legalidade do título executivo que serviu de base à execução.
Torna-se evidente essa conclusão, por um lado, a partir do momento em que, à partida, nas suas alegações (fls. 196), assevera que “a Recorrente tem por inteiramente reproduzidos os fundamentos de rejeição do recurso de agravo impetrado pela Recorrente, no entanto julga não ser despiciendo, em síntese, aludir aos seguintes:”.
Mais ainda, ao terminar as alegações (fls. 201), conclui que: “dos arrazoados resulta a alteração do Despacho Saneador-Sentença para o fim concreto de extinguir o processo de execução fiscal despoletado com estribo em inconstitucionalidade e ilegalidade gritantes, ordenando-se o levantamento da penhora que incide sobre as contas bancárias constantes dos autos, concretizando-se o fim último do direito, a justiça tributária”. 
Dos argumentos supratranscritos, mostra-se evidente que as alegações são dirigidas à Decisão do Tribunal de primeira instância, por um lado e, por outro, a falta de motivação jurídico-constitucional. 
Impõe-se sublinhar, a propósito da referida falta de motivação jurídico-constitucional constatada, que o Tribunal Constitucional não pode constituir-se em mais uma instância de recurso de apelação da jurisdição comum, interpretativa e aplicativa do direito infraconstitucional. Pois, como resulta da CRA e da lei, a sindicância desta Corte Constitucional está reservada a fiscalização e controlo difuso das normas constitucionais, supostamente afrontadas na decisão em crise. Tal resulta das suas competências que estão acolhidas nas disposições conjugadas dos artigos 181.º, 226.º e 227.º, todos da CRA e 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), com a redacção dada pela Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro e são, no geral, de administração da justiça em matéria de natureza jurídico-constitucional.
Ora, constitui objecto do recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto na alínea a) do supra citado artigo 49.º da LPC, “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”. 
Na verdade, a Recorrente não aduz fundamentos jurídico-constitucionais bastantes para sustentar as alegadas violações de princípios e direitos constitucionais em sede de mérito constitucional. Limita-se, tão-somente, a indicar os princípios, que na sua óptica foram ofendidos pela Decisão recorrida com os mesmos fundamentos anteriormente aduzidos na jurisdição comum, tampouco indica as normas da Constituição visadas.
Convém, a este propósito, realçar que a jurisprudência do Tribunal Constitucional, assente no Acórdão n.º 621/2020, de 26 de Maio, sedimentou o entendimento de que: (…) não basta, para assegurar um problema de inconstitucionalidade judicial, fazer referência a um ou vários preceitos normativos, e remeter genericamente para uma sua interpretação. Na verdade, há que atender à distinção, formal e funcional, no âmbito do sistema de fiscalização da constitucionalidade, entre a (s) norma (s), princípios ou interpretação normativa que constitui objecto de julgamento cometido ao Tribunal Constitucional, e a fundamentação, de facto ou de direito, onde se aloja o critério ou padrão de decisão efectivamente aplicado como determinante do julgado.
No entanto, pese as considerações supra assinaladas, fazendo recurso aos autos e atendendo ao princípio da adequação funcional e da autonomia do processo constitucional, delimita-se como objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Benguela, prolactado a 20 de Junho de 2024, no âmbito do Processo n.º 51/2023.
Neste interim, ao Tribunal Constitucional, cabe somente apreciar e decidir se o Aresto recorrido ofendeu os princípios da igualdade tributária, da tutela jurisdicional efectiva e da justiça contributiva.
A Constituição da República de Angola (CRA) consagra no seu Título III, o regime jurídico da organização económica, financeira e fiscal do Estado, consubstanciando os princípios estruturantes que devem nortear a actuação dos poderes públicos, nesta matéria.
Num contexto económico e social marcado por desafios estruturais na mobilização de receitas internas, pelo crescimento da actividade empresarial e pela necessidade de reforço da confiança dos cidadãos e operadores económicos nas instituições do Estado, a observância rigorosa dos princípios constitucionais da tributação adquire particular relevância. A actuação da Administração Geral Tributária (AGT), como expressão do poder de império do Estado na arrecadação de receitas públicas, deve, assim, conformar-se estritamente ao princípio da legalidade, à tutela jurisdicional efectiva e às garantias fundamentais dos contribuintes, especialmente no âmbito do processo de execução fiscal.
Com efeito, num Estado Democrático de Direito, como aquele em que Angola se constitui (artigo 2.º da CRA), o exercício da autoridade tributária não pode ser arbitrário, mas deve ser exercido com respeito pelos direitos fundamentais, pelos princípios da justiça fiscal e pelo equilíbrio entre os interesses públicos e os direitos individuais. A actividade tributária não se esgota na arrecadação de receitas, mas integra-se na realização do bem comum, exigindo sempre a observância dos valores constitucionais da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica e da boa administração.
Compulsados os autos, percebe-se que, desde a primeira instância, a Recorrente questiona a legalidade do acto que apurou a liquidação do imposto de que resultou a dívida fiscal, por entender que a Repartição Fiscal do Waku Kungo actuou arbitrariamente, violando o artigo 11.º (Requisitos das Facturas e Documentos Equivalentes), do Decreto Presidencial n.º 292/18, de 3 de Dezembro – Sobre o Regime Jurídico das Facturas e Documentos Equivalentes. 
A legalidade ou ilegalidade da certidão de dívida tributária n.º 43/CDT/2022 (fl. 48), que constitui o título executivo para o processo de execução fiscal, foi exaustivamente apreciada pelos Tribunais competentes, com base nas leis infraconstitucionais, designadamente da Lei n.º 20/14, de 22 de Outubro – Lei que aprova o Código das Execuções Fiscais e do Decreto Presidencial n.º 292/18, de 3 de Dezembro, que aprova o Regime Jurídico das Facturas e dos Documentos Equivalentes.
Consequentemente, no Acórdão recorrido o Tribunal recorrido considerou que os fundamentos invocados pela Recorrente não se enquadram no conceito de ilegalidade nem de falsidade do título executivo, confirmando, todavia, a decisão do Tribunal de 1ª Instância, de rejeição e improcedência dos embargos. 
No entanto, a Recorrente, não conformada com o Aresto recorrido, socorre-se desta Corte Constitucional com fundamento na violação de princípios constitucionais.
Assim, cumpre apreciar se o Acórdão recorrido violou os princípios constitucionais alegados pela Recorrente, concretamente da igualdade tributária, da tutela jurisdicional efectiva e da justiça distributiva, no contexto da rejeição de embargo à execução fiscal com base numa certidão alegadamente ilegal e falsa.
O Aresto recorrido adentrou na apreciação de uma única questão, isto é, saber se o título executivo que serviu de base à execução é ilegal e falso, como defende o Recorrente.
Do Acórdão recorrido resulta provado e cristalino o seguinte:
“Os títulos executivos que servem de base à execução fiscal instaurada pela Embargada, obedecem os requisitos legalmente estabelecidos no n.º 2, do artigo 35.º do CEF, designadamente a assinatura e menção da entidade emissora, à data da emissão, o nome e domicílio ou residência do devedor, a natureza e proveniência da dívida, bem como a indicação por extenso do seu montante e a data a partir da qual são devidos juros de mora e da importância sobre que incidem, assim como o que acresce, o n.º 3 do artigo 36.º do CEF.
Nos termos do n.º 2 do artigo 37.º do CEF, a falta daqueles elementos determina a ilegalidade do título executivo, na medida em que se trata de insuficiências insupríveis. E tais insuficiências não se verificam nas certidões que servem de base à presente execução, ou seja, os títulos executivos, que serviram de base à execução, não estão eivados de vício algum, encontrando-se em perfeita conformidade com o disposto nos artigos 35.º e 36.º do CEF, não sendo, ilegal nos termos da alínea d) do artigo 76.º do CEF, com efeito, não há qualquer nulidade do título executivo que sirva de fundamento para sustentar a oposição.
A Embargante, apesar de ter invocado a ilegalidade do título como fundamento da oposição à execução, não logrou demonstrar em que medida o título é ilegal, pelo contrário, baseou a sua alegação em aspectos ligados à legalidade da liquidação da dívida em cobrança, demonstrando que não está esclarecida em relação aos aspectos que podem ou não ser discutidos em sede de uma acção de execução fiscal”.
Destes extractos do Aresto recorrido, afigura-se esclarecedor que o Tribunal da Relação de Benguela fez uma apreciação condizente com a legislação sobre esta matéria, na medida em que, a apreciação da legalidade da certidão de dívida tributária é feita com base na legislação infraconstitucional sobre a matéria, mormente o Código das Execuções Fiscais aprovado pela Lei n.º 20/14, de 22 de Outubro e atendeu as provas carreadas aos autos. Ademais, a Recorrente dispunha de mais um mecanismo legal para discutir sobre a ilegalidade ou falsidade do título executivo, isto é, após a notificação da decisão do recurso hierárquico que atendeu parcialmente ao seu pedido, podia ainda interpor recurso contencioso, o que não fez.
Por isso, não compete a esta Corte de Justiça Constitucional apreciar se o título executivo que serviu de base à execução da penhora é ou não legal e concomitantemente falso. 
a) Sobre o princípio da igualdade Tributária
O titulado princípio da igualdade de armas ou da igualdade das partes, de concretização constitucional, é um princípio geral dos direitos fundamentais e corolário do direito a julgamento justo e conforme (artigo 72.º da CRA). Este normativo simboliza o positivismo jurídico, a justeza e a equidade do processo permitindo às partes litigantes pleitearem em condições isonómicas, ou seja, radica no primado de que se deve tratar de forma igual o que é igual, e de forma diferente o que é diferente, na medida da própria diferença.  
Neste âmbito, a sua potencialidade jurídica impõe ao julgador o respeito de um prius fundado numa tradição jurídica ancorada no equilíbrio, na paridade e na não discriminação, em que os direitos e as garantias processuais reconhecidas pela CRA e a lei aos sujeitos processuais se desenvolvam num parâmetro balizado pela ética-jurídica e uma participação igualitária que inspire confiança. Com efeito, a essentia legis do princípio em pauta é dominado pelos princípios da universalidade e da conformação constitucional e legislativa das distintas fases processuais, de modo a evitar decisões injustas, discriminatórias, parciais e arbitrárias, adversas ao Estado de Direito.
Subsumindo à questão tributária, este princípio exige que os contribuintes em situação equivalente sejam tratados de forma uniforme pela Administração Geral Tributária e pelos tribunais. Porém, não há elementos probatórios concretos que demonstrem ter havido tratamento desigual face a outros contribuintes. Este é o procedimento seguido nos demais processos, tendo a decisão sido ancorada nas particularidades dos factos carreados aos autos.
b) Sobre o princípio da tutela jurisdicional efectiva
O princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva está consagrado no artigo 29.º da CRA, visa garantir a plena harmonia da decisão com o princípio da legalidade. Todas as pessoas que intervenham junto das distintas jurisdições no Estado de Direito angolano devem usar todos os meios de defesa, participando em todas as fases processuais permitidas por lei, até à prolacção da decisão. Ou seja, a tutela jurisdicional efectiva garante não apenas o acesso à justiça, mas também o direito a um processo equitativo, célere e com decisão fundamentada.
Nos presentes autos, verifica-se que a Recorrente teve acesso ao Tribunal de 1ª instância onde apresentou embargos de executados e da decisão destes recorreu ao Tribunal da Relação. Nas duas instâncias, os tribunais apreciaram objectivamente e fundamentaram de modo bastante as suas decisões com recurso ao artigo 76.º do CEF e com a livre convicção dos seus julgadores, tendo em conta que se tratava de uma questão da apreciação da legalidade ou não da certidão de dívida fiscal.
O princípio da tutela jurisdicional efectiva não significa o acolhimento dos argumentos da Recorrente, mas sim o direito ao acesso aos tribunais e apresentar as suas pretensões que deverão ser assegurados por uma decisão fundamentada e legalmente proferida. 
Este entendimento infere-se também do Acórdão n.º 747/2022, de 8 de Junho, desta Corte (disponível em www.tribunalconstitucional.ao) do qual, in verbis, se extrai o seguinte:
“O princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, disposto no artigo 29.º da CRA, obriga os Tribunais a conhecerem dos processos chegados até si, e as decisões devem atentar sobre a tempestividade e serem fundamentalmente alicerçadas na justiça. Não se quer com isso dizer, porém, que a decisão só é justa quando for decidida a favor do Recorrente. A justiça e legalidade da decisão, decorre da obediência à Constituição e à lei”.
O Acórdão recorrido fundamenta claramente a rejeição dos embargos com base na ausência de qualquer vício intrínseco no título executivo. A suposta ilegalidade decorre de uma divergência na interpretação do alcance das facturas apresentadas, questão de legalidade ordinária e não de natureza constitucional. 
Na mesma senda, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), no caso Garcia Ruiz v. Spain (1999), “Sentencia 30544/96”, estabeleceu que o direito à tutela efectiva não obriga os tribunais a responder a todos os argumentos das partes desde que a decisão seja suficientemente fundamentada e não arbitrária (vide www.echr.coe.int).
Assim, resulta evidente que o Acórdão recorrido não violou o princípio da tutela jurisdicional efectiva, porquanto apreciou os elementos apresentados, foi devidamente fundamentado e respeitou o contraditório e o acesso à justiça.
c) Princípio da capacidade contributiva
Da leitura dos autos, infere-se que a Recorrente sustenta que, ao ser-lhe exigido o pagamento da dívida fiscal fundada em título alegadamente inválido, está a suportar uma carga tributária indevida, em violação ao princípio da justiça contributiva.
O princípio da capacidade contributiva, embora não expressamente consagrado na Constituição da República de Angola, decorre inequivocamente do artigo 101.º e do n.º 1 do artigo 102.º, que consagra os princípios da legalidade, da igualdade fiscal, da justiça e da proporcionalidade no domínio tributário. Trata-se de um princípio implícito, porém essencial, que constitui o critério material da igualdade tributária, assegurando que a carga fiscal seja distribuída conforme a aptidão económica dos contribuintes. Como assevera Humberto Ávila, “o critério de justiça, no Direito Tributário, deve ser a capacidade contributiva. Qualquer afastamento desse direito preliminar (…) deve ser fundamentado, caso contrário, o próprio significado fundamental do princípio da capacidade contributiva seria afastado (…)” (Sistema Constitucional Tributário, 5.ª ed., Editora Saraiva, 2012, p. 420).
Com base nesse princípio, a obrigação de pagar imposto deve estar fundada na existência de uma capacidade económica concreta, que justifique, em termos de justiça, a execução. Impor tributos ou executar coercivamente dívidas fiscais sem essa correspondência viola o postulado da proporcionalidade e pode configurar tratamento desigual e arbitrário.
Assim, qualquer actuação da Administração Fiscal que, por erro ou arbitrariedade, imponha tributos desprovidos de base legal, ou que ignore elementos legítimos da contabilidade do contribuinte poderá ferir não só o princípio da legalidade tributária, mas também o princípio da capacidade contributiva, colocando em causa a justiça do sistema fiscal.
Neste quadro, a actuação judicial na execução fiscal deve ser vinculada à apreciação dos elementos que fundamentam o título executivo, nomeadamente, quanto à sua legalidade e conformidade com a situação económico-financeira do executado. O desrespeito a este princípio compromete igualmente o direito à tutela jurisdicional efectiva (artigo 29.º da CRA) e o princípio da justiça contributiva, ambos invocados pela Recorrente.
Contudo, importa salientar que o Acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Benguela, não ignorou tais princípios. Limitou-se, antes, a concluir que, com base no regime legal aplicável, nomeadamente os artigos 76.º e 97.º do Código das Execuções Fiscais, que os embargos apresentados careciam de fundamento legal adequado, não logrando a parte Recorrente demonstrar, nos autos, de forma clara e documental, que o título executivo padecia de vícios de falsidade ou ilegalidade substancial, o que poderia ter sido feito em sede de um recurso contencioso. Ou seja, a Decisão recorrida apreciou os elementos disponíveis com base nos critérios de legalidade e regularidade formais exigidos pela lei, sem afastar, de forma arbitrária ou injustificada, os direitos fundamentais da agravante, Recorrente nos presentes autos.
Outrossim, o título executivo é o documento idóneo para comprovar a existência de uma dívida tributária. Por isso, a simples discordância com o seu conteúdo não permite extrair, automaticamente, a conclusão de existir injustiça tributária, sem a demonstração de erro manifesto ou abuso. 
Assim, não se vislumbra, no Acórdão recorrido, violação directa ou manifesta ao princípio da capacidade contributiva, porquanto a decisão baseou-se na inexistência de prova bastante sobre a alegada inexistência ou ilegitimidade da dívida exequenda, sem afastar o direito da contribuinte à eventual tutela em outras vias adequadas, como a impugnação judicial da liquidação tributária, nos termos do Código Geral Tributário.
Não obstante o exposto acima, constata-se que o recurso extraordinário de inconstitucionalidade interposto pela Recorrente está destituído de fundamento legal e constitucional.
Por todo o expendido, conclui o Tribunal Constitucional que inexiste a violação dos princípios da igualdade tributária, da tutela jurisdicional efectiva e da justiça contributiva, invocados pela Recorrente.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO.
Custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 5 de Junho de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente) 
Amélia Augusto Varela 
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo 
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo (Relator) 
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Vitorino Domingos Hossi