ACÓRDÃO N.º 1005/2025
PROCESSO N.º 1268-D/2025
Recurso para o Plenário
Em nome do povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
FAZENDA MANGAIS, SA e Francisco José de Sousa Faísca, Recorrentes, devidamente identificados nos autos, vieram, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 5.º e do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor recurso para o Plenário do Despacho que indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o Plenário com vista à uniformização de jurisprudência, proferido pela Juíza Conselheira Presidente deste Tribunal, no âmbito do Processo n.º 1247-C/2024, alegando, em síntese, o seguinte:
1. O Despacho reclamando não se limitou a verificar a legitimidade dos Recorrentes, a tempestividade do recurso, a recorribilidade da decisão e a espécie do processo. Julgou, por sua vez, o mérito e as razões do recurso, o que, num recurso de uniformização de jurisprudência, é da competência do Plenário do Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no artigo 8.º da LPC.
2. Com efeito, é entendimento dos Recorrentes que a norma do n.º 1 do ar-tigo 5.º da LPC confere competência ao Juiz Presidente desse Tribunal pa-ra (apenas) verificar se o requerimento obedece aos requisitos constantes do artigo 6.º do mesmo diploma ou se ocorrem os motivos de rejeição ti-pificados no artigo 8.º.
3. No presente caso, e a coberto da verificação dos pressupostos não referi-dos nos artigos 5.º, 6.º e 8.º da LPC, o Despacho julga o mérito e conclui que os Recorrentes não têm razão, o que, como já dito, cabe ao Plenário julgar.
4. Esse Despacho reúne todos os pressupostos para ser revogado e, em con-sequência, admitir-se o recurso interposto para esse Tribunal.
Terminam, assim, pedindo que seja revogado o Despacho da Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional e admitido o pretendido recurso.
O Processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º e do n.º 2 do artigo 8.º, ambos da LPC.
III. LEGITIMIDADE
Os Recorrentes têm legitimidade para interpor o presente recurso para o Plenário do Despacho de indeferimento do requerimento de interposição de recurso para o Plenário com vista à uniformização de jurisprudência, proferido pela Juíza Conselheira Presidente deste Tribunal, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 8.º da LPC.
IV. OBJECTO
O presente recurso incide sobre o Despacho de indeferimento do requerimento de interposição de recurso para o Plenário com vista à uniformização de jurisprudência, proferido pela Juíza Conselheira Presidente deste Tribunal, a fls. 5 e 6 dos autos do Processo n.º 1247-C/2024.
V. APRECIANDO
No presente caso, os Recorrentes, inconformados com o Acórdão n.º 902/2024, proferido pela 2.ª Câmara deste Tribunal em sede de recurso ordiná-rio de inconstitucionalidade, interpuseram recurso para o Plenário, com o ob-jectivo de uniformizar jurisprudência, alegando oposição entre o referido Acór-dão e o Acórdão n.º 626/2020, proferido por esta Corte.
Por Despacho de 8 de Janeiro de 2025, a Presidente do Tribunal Constitucional indeferiu liminarmente o requerimento, sob o fundamento de que não haveria contradição, na mesma questão fundamental de direito, entre os Acórdãos apresentados. Inconformados, os Recorrentes, uma vez mais, interpuseram o presente recurso, sustentando que o Despacho excede as competências limina-res atribuídas à Presidente, ao julgar o mérito e as razões do recurso, devendo o mesmo ser admitido.
Terão razão os Recorrentes?
Veja-se.
Nos termos do n.º 2 do artigo 46.º da LPC, o recurso para o Plenário, condu-cente à uniformização de jurisprudência, rege-se pelas disposições do Código de Processo Civil (CPC), nomeadamente os artigos 763.º e seguintes, que regu-lam o recurso para o Tribunal Pleno. Este mecanismo visa a emissão de um as-sento que ponha termo a um determinado conflito jurisprudencial.
No exame preliminar da admissibilidade deste expediente processual, o proces-so de admissão deve verificar, além dos requisitos formais estabelecidos no ar-tigo 8.º da LPC, o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 765.º do CPC, que determina a indicação de um acórdão anterior com o qual o acórdão recor-rido esteja supostamente em contradição.
Isto é, nesta fase, tal como se pode inferir do disposto no preceito suprarreferi-do, não se exige a comprovação da contradição, mas apenas a sua alegação, sendo que a fundamentação detalhada dos pontos de oposição deve ser apre-sentada posteriormente, nos termos do disposto no n.º 3 do mesmo artigo.
Conforme refere Alberto dos Reis, “o exame preliminar deve cingir-se à indica-ção do acórdão anterior, sem prejuízo de ulterior análise de mérito. (…) Basta, pois, que o recorrente alegue haver oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento; não precisa especificar em que consiste a oposição; não tem de indicar o ponto ou os pontos, a questão ou questões sobre que incide a oposição. (…) O objecto do recurso fica definido, desde que o Recorrente decla-ra: recorro com fundamento na oposição entre o acórdão agora proferido e o acórdão tal. Dito isto, o recorrente fica vinculado, porque já não pode, ulteri-ormente, invocar outro acórdão anterior, ainda que venha a descobrir acórdão cuja oposição com o recorrido seja mais flagrante” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, 3.ª ed., Reimpressão, 1953, pp. 291 a 294).
Assim, a análise liminar, nos termos do aludido preceito, limita-se à verificação dos pressupostos formais do recurso, nomeadamente: a) a alegação de contra-dição entre acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito, no âmbi-to da mesma legislação; b) o trânsito em julgado do acórdão invocado como fundamento (presumido, salvo prova em contrário, nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil); e c) a prolação dos acórdãos em processos ou incidentes distintos.
Com efeito, no acto inicial de admissão, não cabe sindicar ou censurar, in limi-ne, a existência efectiva da contradição, pois tal decisão é reservada à aprecia-ção do mérito do recurso.
Face ao exposto, julga-se procedente o presente recurso, devendo o recurso para o Plenário ser admitido, com vista à apreciação do pedido formulado.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes do Tribunal Constitucional em:
a) DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO;
b) ADMITIR O RECURSO PARA O PLENÁRIO.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 24 de Junho de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) (Declarou-se Impedida)
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Amélia Augusto Varela
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Rela-tor)
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo (Declarou-se Impedida)
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva