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ACÓRDÃO N.º 1006/2025
Processo n.º 1218-B/2024
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I.  RELATÓRIO 
Rogério Paulo Colaço Flora, Recorrente, devidamente identificado nos autos, foi, no âmbito de uma acção de reivindicação de propriedade, que correu os seus trâmites na Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Benguela, onde figurava como réu, condenado à restituição imediata da posse do prédio rústico em litígio.
Inconformado com a Decisão, interpôs recurso de apelação para o Tribunal Supremo, o qual, tendo sido admitido, não obteve provimento, confirmando-se a Decisão recorrida.
Uma vez mais inconformado, veio, ao abrigo da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade da referida decisão, alegando, em síntese, o seguinte:
1. O Acórdão ora questionado manteve a decisão proferida em primeira instância, fundamentando-se na posse ilegítima por parte do Recorrente sobre o terreno objecto do litígio. A referida ilegitimidade baseou-se no facto de o Recorrente não ter cumprido as prestações devidas decorrentes do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes.
2. Tal Decisão violou o princípio do julgamento justo e conforme, ao presumir que a resolução constitui uma das formas de extinção da relação obrigacional existente entre as partes contratantes.
3. O Recorrente celebrou com o Autor um contrato-promessa de compra e venda da parcela de terreno reivindicada, com o respectivo sinal, pelo que a sua posse sobre o terreno está legitimada. Assim, a acção deveria ter sido considerada improcedente, com as devidas consequências legais, ordenando-se a remessa para uma acção adequada à rescisão do contrato entre as partes.
4. O Autor deveria ter intentado uma acção visando a resolução do contrato por incumprimento, uma vez que o contrato não contém uma cláusula de resolução convencional, sendo a resolução judicial, com processo próprio, a via prescrita pela lei, conforme a primeira parte do artigo 432.º, n.º 1, do Código Civil.
5. No caso concreto, não houve acordo entre as partes, nem foi observado o princípio do contraditório na rescisão do contrato, pelo que o Autor deveria ter recorrido a uma acção adequada para fazer cessar a relação contratual entre ambos.
6. A decisão ignorou completamente a alegação do Recorrente acerca da existência de uma hipoteca inscrita em 7 de Agosto de 1956, a favor de Jorge Marçal, facto que compromete o princípio da certeza e da segurança jurídica.
7. Após ser levantada a questão da hipoteca, foi apresentado nos autos um outro documento de registo, no qual consta, no seu verso, a certificação de que "sobre o referido prédio não pesam quaisquer ónus ou encargos". Este documento é datado de 18 de Dezembro de 2008.
8. Note-se que o contrato-promessa foi celebrado em 4 de Julho de 2008. Contudo, de 14 de Março de 2001 até 17 de Dezembro de 2008, vigorava ainda o registo que indicava a existência de uma hipoteca sobre o referido prédio.
9. Perante a existência de dois registos, um datado de 14 de Março de 2001 e outro de 18 de Dezembro de 2008, para a celebração do contrato-promessa em 4 de Julho de 2008, o Recorrente nada mais poderia fazer senão verificar a situação da hipoteca do imóvel, questão que, até à presente data, não foi esclarecida, nomeadamente quanto ao pagamento da hipoteca, de modo a garantir a certeza e a segurança jurídica nos negócios jurídicos. Acresce que o titular da hipoteca é um cidadão português já falecido.
10. Por este motivo, o Recorrente solicitou ao Tribunal a fixação de uma data para a conclusão do negócio, a qual deveria ser condicionada à comprovação da existência de certeza e segurança jurídica.
11. O Recorrente sempre manifestou disponibilidade para celebrar a escritura de compra e venda, mantendo essa disponibilidade até ao momento, especialmente se realizada sob a égide do Tribunal, o que lhe conferiria maior segurança.
12. A Decisão recorrida, revela a violação dos seguintes princípios: o princípio do acesso ao Direito, uma vez que as alegações apresentadas pelo Recorrente nunca foram consideradas; o princípio da segurança e certeza jurídica, dado que o bem em causa estava onerado com uma hipoteca e possuía dois registos, cabendo ao Recorrente apenas efectuar o pagamento das prestações junto do Tribunal; e o princípio da igualdade, pois o Autor enviou uma carta manifestando a intenção de rescindir o contrato, a qual não foi aceite pelo Recorrente, tendo o Tribunal, ainda assim, validado a pretensão sem observar o contraditório.
13. Adicionalmente, foi violado o princípio do direito a um julgamento justo e conforme a lei, dado que a lei consagra o princípio do dispositivo, nos termos do artigo 264.º do Código de Processo Civil, e o Tribunal reconheceu o direito de propriedade quando a lei estabelece requisitos específicos para as acções de reivindicação de propriedade. Verifica-se, ainda, uma errada aplicação da lei substantiva e processual, pois, nos termos do n.º 1 do artigo 1311.º do Código Civil, a procedência de uma acção de reivindicação exige a verificação de um duplo requisito subjectivo: que o então Autor seja proprietário da coisa reivindicada e que o Recorrente seja detentor ilegítimo.
14. Foram igualmente violados os direitos à propriedade privada, considerando que, em 2009, face à invasão do terreno por parte da população, o Recorrente construiu cinco naves para impedir tal ocupação. Contudo, em Novembro de 2024, o Tribunal de Comarca de Benguela ordenou a entrega do terreno, com auxílio da polícia, privando o Recorrente da posse, apesar de os autos ainda não terem transitado em julgado. 
Terminou, assim, requerendo que seja dado provimento ao presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, declarando-se nulos todos os pedidos acessórios e tudo quanto foi processado, bem como toda a ordem que, por via destes autos, retire a posse do referido terreno ao Recorrente, com fundamento em inconstitucionalidades materiais e formais.
O Processo foi à vista do Ministério Público que, a fls. 287 a 289 dos autos, pugnou pelo não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II.  COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da LPC, bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).
III.  LEGITIMIDADE
Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 50.º da LPC, conjugado com o n.º 1 do artigo 680.º do CPC, o Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por ter ficado vencido no âmbito do Processo n.º 2582/19, que correu os seus termos na Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo. 
IV.  OBJECTO
O presente recurso tem como objecto a Decisão da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, proferida no âmbito do Processo n.º 2582/19, por alegada violação de princípios e direitos constitucionalmente consagrados.
V.  APRECIANDO
Conforme decorre do relato precedente, o Recorrente foi condenado à restituição do prédio rústico em litígio e ao pagamento de indemnizações por posse ilegítima, no âmbito de uma acção de reivindicação intentada, em 2015, na Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Benguela (fls. 87 a 106).
Nos autos, ficou provado que o Autor é o legítimo proprietário do prédio em litígio, tendo-o adquirido por sucessão e cedido ao Recorrente em regime de arrendamento. Em 2008, as partes celebraram um contrato-promessa de compra e venda do referido prédio, pelo qual o Recorrente se comprometeu a pagar o montante acordado em 20 prestações, obrigação que não cumpriu. Em consequência, em 2009, o Autor desistiu do negócio e solicitou ao Recorrente que abandonasse o prédio. Este, porém, recusou-se, tendo construído vários edifícios no local e arrendado os mesmos a terceiros. Ficou igualmente demonstrado que o Autor não recebia rendas, nem do Recorrente, nem dos inquilinos instalados no prédio (fls. 88 a 89).
No entanto, inconformado com a Decisão, o Recorrente interpôs recurso de apelação para o Tribunal Supremo, que o julgou improcedente, considerando que o Tribunal de primeira instância actuou dentro dos limites do objecto do litígio definido pelas partes (fls. 221 a 236).
Em face dessa Decisão, o Recorrente interpôs o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por entender que a Decisão recorrida viola os princípios do acesso ao direito e da certeza e segurança jurídica, bem como os direitos a um julgamento justo e conforme, à igualdade e à propriedade privada.
Na perspectiva do Recorrente, tais violações decorreriam dos seguintes factos: (i) as suas alegações não terem sido devidamente consideradas; (ii) o bem em litígio estar onerado com duas hipotecas e possuir dois registos, o que o teria impedido de cumprir as prestações do contrato-promessa; (iii) o Tribunal não ter considerado que o Recorrente não consentiu na rescisão do contrato pretendida pelo Autor; (iv) o Tribunal ter reconhecido o direito de propriedade numa acção de reivindicação, sem observar os requisitos legais, nomeadamente o duplo requisito subjectivo previsto no n.º 1 do artigo 1311.º do Código Civil, que exige que o Autor seja proprietário da coisa reivindicada e que o Recorrente seja detentor ilegítimo; e, por último, (v) o Tribunal da Comarca de Benguela ter ordenado a restituição do imóvel, antes do trânsito em julgado da decisão.
Assistirá razão ao Recorrente?
Veja-se.
a) Sobre a violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva
O princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 29.º da Constituição, constitui um pilar fundamental dos ordenamentos jurídicos democráticos. Este preceito garante que todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, social ou cultural, possam recorrer aos tribunais ou a mecanismos alternativos de resolução de conflitos para defender os seus direitos e interesses legítimos. 
No presente caso, o Recorrente alega que o Tribunal recorrido violou o referido princípio, por não ter considerado as suas alegações de facto, ou seja, por não ter acolhido as suas razões para justificar a manutenção da posse do prédio em litígio.
Contudo, a circunstância de o Tribunal recorrido não ter dado como provadas as alegações do Recorrente não compromete, por si só, a efectivação deste princípio. O acesso ao direito visa assegurar a possibilidade de recorrer à justiça, garantindo o direito de defesa e o contraditório e não a garantia de êxito nas pretensões deduzidas em juízo.
Este entendimento infere-se também do Acórdão n.º 747/2022 desta Corte (disponível em www.tribunalconstitucional.ao) do qual se destaca o seguinte:
“O princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, disposto no artigo 29.º da CRA, obriga os Tribunais a conhecerem dos processos chegados até si, e as decisões devem atentar sobre a tempestividade e serem fundamentalmente alicerçadas na justiça. Não se quer com isso dizer, porém, que a decisão só é justa quando for decidida a favor do Recorrente. A justiça e legalidade da decisão, decorre da obediência à Constituição e à lei”.
 A questão suscitada pelo Recorrente refere-se à valoração judicial dos factos, cuja apreciação competia ao Tribunal a quo, no exercício da livre apreciação da prova. Dos autos não resulta qualquer indício de que o Recorrente tenha sido privado do direito de apresentar as suas razões, de exercer o contraditório ou de interpor os recursos legalmente previstos.
Assim, considerando o expendido, não procede a pretensão do Recorrente, por não se verificar, no caso vertente, qualquer violação do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva.
b) Sobre a violação do direito a julgamento justo e conforme
O direito a julgamento justo e conforme, também caracterizado como princípio do processo equitativo, previsto no artigo 72.º da CRA, tem um conceito dinâmico e constitui “um pressuposto do Estado democrático e de direito e uma garantia que supõe a existência de uma administração da justiça funcional, imparcial e independente, que deve assegurar um julgamento público e num prazo razoável, bem como as garantias de defesa material” (Raul Araújo e Elisa Rangel Nunes, Constituição da República de Angola, Anotada, Tomo I, FDUAN, 2014, p. 398).
O núcleo essencial deste princípio é determinado através de outros valores, direitos ou princípios, analisados casuisticamente à luz das ponderações impostas pelo caso concreto, nomeadamente os princípios do acesso ao direito, da igualdade, do direito à prova e contraditório. Isto é, na prática, o princípio do julgamento justo e conforme assegura a legitimidade e a fiabilidade do sistema judicial, reflectindo a ideia de que a justiça não se resume ao resultado (a decisão), mas abrange também o caminho percorrido para o alcançar (o processo).
Assim, o direito ao devido processo legal exige que os processos judiciais se pautem pela equidade, lealdade e rigorosa observância dos pressupostos substantivos e processuais necessários à validade de uma acção e à sua procedência.
No caso em apreço, o Recorrente contesta a decisão do Tribunal a quo, que considerou a sua posse ilegítima, alegando que os requisitos exigidos para a procedência da acção de reivindicação, ínsitos no artigo 1311.º do CC, não foram cumpridos. Sustenta que a sua posse seria, em princípio, legítima, uma vez que existe entre as partes um contrato-promessa de compra e venda com traditio da coisa prometida. Na sua perspectiva, o Tribunal reconheceu o direito de propriedade do Autor sem observar o duplo requisito subjectivo previsto no referido preceito, que exige a comprovação da titularidade da propriedade do Autor e da posse ilegítima do Réu.
Todavia, da análise dos autos, verifica-se que o Tribunal de primeira instância considerou provada a ilegitimidade da posse do Recorrente, com base em dois fundamentos: primeiramente, o contrato-promessa celebrado entre as partes  não ter a vocação de operar a transmissão definitiva da propriedade; em segundo lugar, por ter constatado a resolução unilateral do contrato-promessa pelo Autor, comunicada ao Recorrente em 23 de Janeiro de 2009, conforme documento constante a fls. 13 e nos termos dos artigos 436.º, 437.º e 1047.º, todos do Código Civil.
Os requisitos para a procedência da acção em primeira instância, confirmada pelo Tribunal Supremo, foram devidamente analisados, conforme se verifica de fls. 91 a 95, porquanto, resultou provado que o Autor é o titular do direito de propriedade, que o Recorrente exercia posse até à prolacção da Decisão e que essa posse era ilegítima, em virtude da resolução do contrato-promessa. 
Assim sendo, não se identifica qualquer erro na apreciação dos factos que possa inquinar a Decisão recorrida por violação do princípio do julgamento justo e conforme.
c) Sobre a violação do direito à igualdade de armas
O direito à igualdade de armas, corolário do princípio do julgamento justo e conforme, consagrado no artigo 72.º da Constituição, assegura a igualdade de tratamento processual, proibindo discriminações injustificadas e garantindo que as partes disponham de oportunidades equitativas para influir na decisão da causa, através do pleno exercício do contraditório e do direito de defesa.
Tal como se inflectiu no Acórdão n.º 1002/2025 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.ao), este direito “impõe ao julgador o respeito de um prius fundado numa tradição jurídica ancorada no equilíbrio, na paridade e na não discriminação, em que os direitos e as garantias processuais reconhecidas pela CRA e a lei aos sujeitos processuais se desenvolvam num parâmetro balizado pela ética-jurídica e uma participação igualitária que inspire confiança. Com efeito, a essentia legis do princípio em pauta é dominado pelos princípios da universalidade e da conformação constitucional e legislativa das distintas fases processuais, de modo a evitar decisões injustas, discriminatórias, parciais e arbitrárias, adversas ao Estado de Direito”.
O Recorrente alega que o seu direito à igualdade foi violado, porquanto o Tribunal reconheceu a resolução unilateral do contrato-promessa sem o seu consentimento. 
No entanto, o direito à igualdade de armas não garante a uniformidade de contentamento no desfecho da causa, mas sim a paridade de meios e oportunidades processuais, destinados a influir na decisão final. Num processo equitativo, a igualdade reside na garantia de que ambas as partes tenham a oportunidade de apresentar os seus argumentos, produzir provas e contestar as pretensões da contraparte, e não na equiparação dos resultados que, pela natureza litigiosa do processo, podem favorecer uma das partes.
No ordenamento jurídico angolano, a resolução unilateral de um contrato é admissível em casos de incumprimento grave, conforme previsto, por exemplo, no artigo 436.º do CC, ou quando expressamente estipulada no contrato.
Os presentes autos demonstram que o Recorrente não cumpriu as obrigações decorrentes do contrato-promessa, nomeadamente o pagamento das prestações acordadas, o que justificou a resolução do contrato pelo Autor e, consequentemente, a acção de reivindicação de propriedade.
A aceitação pelo Tribunal a quo da resolução do contrato como facto provado não configura uma desigualdade processual, na medida em que não resulta dos autos qualquer indício de que o Recorrente tenha sido privado do direito ao contraditório, à igualdade de armas ou ao exercício pleno dos seus direitos processuais. Pelo contrário, o Recorrente teve oportunidade de expor as suas razões, apresentar provas e contestar os argumentos da contraparte, em conformidade com as garantias de um processo equitativo.
Assim, a resolução unilateral de um contrato não configura uma violação do princípio da igualdade, reflectindo antes a alegação do Recorrente apenas um inconformismo com a decisão impugnada. Esta, ao acolher a pretensão do Autor, não comprometeu a paridade processual exigida pelo artigo 72.º da CRA.
d) Sobre a violação do direito de propriedade e do princípio da certeza e segurança jurídica
O Recorrente sustenta também que a Decisão recorrida, ao ordenar a restituição do prédio em litígio ao Autor, violou o seu direito de propriedade.
Contudo, não se afigura claro de que forma o seu direito de propriedade sobre o prédio teria sido afectado, uma vez que não detém título de propriedade válido. Nos autos, não ficou demonstrado que o Recorrente seja o legítimo proprietário do prédio em litígio, nem foi comprovado o cumprimento das prestações a que estava obrigado nos termos do contrato-promessa de compra e venda.
De igual modo, não se compreende em que medida o princípio da certeza e segurança jurídica, ínsito no artigo 2.º da CRA, teria sido violado pela alegada existência de hipotecas sobre o imóvel. Por um lado, a constituição de hipotecas não foi objecto de apreciação no Processo, tendo o Recorrente se limitado a alegar que  não procedeu ao pagamento das prestações acordadas por estar o imóvel onerado por duas hipotecas em favor de terceiros. Por sua vez, a possibilidade de constituir mais de uma hipoteca sobre o mesmo imóvel não compromete, por si só, o princípio da certeza e segurança jurídica.
No âmbito do direito civil, nos termos do artigo 686.º do CC, a hipoteca constitui um direito real de garantia que confere ao credor o direito de ser pago com preferência pelo valor do imóvel dado em garantia. O artigo mencionado, conjugado com o disposto no artigo 713.º do mesmo diploma, admite expressamente a possibilidade de constituição de mais do que uma hipoteca sobre o mesmo imóvel, desde que seja respeitada a prioridade de registo, a qual determina a ordem de preferência entre os credores hipotecários. 
Assim, a existência de hipotecas adicionais não compromete a validade do contrato-promessa, nem confere ao Recorrente o direito de se eximir da obrigação decorrente do referido contrato a que estava vinculado, pois, apenas assim, fazem sentido as regras contidas nos artigos 695.º e 721.º, ambos do CC.
Em suma, os argumentos do Recorrente traduzem apenas um inconformismo com o desfecho da causa, que acolheu a pretensão da contraparte. A Decisão recorrida, fundamentada em elementos factuais sólidos, em nada postergou os princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, do julgamento justo e conforme, da certeza e segurança jurídica, bem como os direitos de propriedade ou da igualdade. 
Face ao exposto, e por não se identificarem no Acórdão impugnado as inconstitucionalidades alegadas pelo Recorrente, é o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade julgado improcedente.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, POR NÃO SE TER VERIFICADO A VIOLAÇÃO DE QUAISQUER PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.
Custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 1 de Julho de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente) 
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira  (Relator)
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo 
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva