ACÓRDÃO N.º 1011/2025
PROCESSO N.º 1261-A/2025
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade (Habeas Corpus)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Martins Francisco Sebastião, melhor identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por não se conformar com o Despacho proferido a 12 de Dezembro de 2024, pelo Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 25/2024, que julgou improcedente a providência de habeas corpus, por si interposta.
O Recorrente juntou as suas alegações, conforme consta de fls. 79-82, resumindo-se, com interesse para decisão, o seguinte:
1. Encontra-se em prisão preventiva há mais de quatro anos, sem sentença transitada em julgado, o que excede o limite legal previsto no artigo 290.º, n.º 4 do Código do Processo Penal (CPP). Por essa razão, foi requerida providência de habeas corpus ao Tribunal Supremo.
2. Apesar de reconhecer que o prazo legal da prisão preventiva foi ultrapassado, o Tribunal Supremo julgou improcedente o pedido, justificando que, em função da gravidade do crime e da perturbação da ordem pública, a liberdade do arguido não deveria ser restituída.
3. Tal Decisão é inconstitucional, por violar o direito à liberdade física (n.º 2 do artigo 36.º da CRA) e contrariar o disposto no n.º 4 do artigo 290.º do CPP, que considera ilegal a prisão que exceda os prazos legalmente fixados.
4. A manutenção da prisão do arguido, para além do prazo legal, sem sentença condenatória definitiva, fere os princípios constitucionais, nomeadamente, da liberdade individual, proibição de medidas privativas de liberdade de caráter perpétuo ou indefinido, presunção de inocência, previstos respectivamente nos artigos 36.º, 46.º, 66.º, n.º 1 e 67.º, n.º 2, todos da CRA.
5. A Decisão recorrida contraria também a jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional (Acórdãos n.ºs 623/2020, 612/2020 e 790/2020), que determina a cessação da prisão preventiva quando ultrapassados os prazos legais.
6. O Recorrente não pode ser penalizado pela morosidade processual do Estado, sobretudo estando protegido pela presunção de inocência até trânsito em julgado da sentença.
Termina pedindo que este Tribunal declare inconstitucional o Despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo, por violar as normas e princípios constitucionais acima referidos e em, consequência, que seja determinada a imediata restituição do Recorrente à liberdade.
O Processo foi à vista do Ministério Público que, a fls. 85 - 89 dos autos, pugnou pelo não provimento do recurso “por ausência de objecto útil a ser apreciado”.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC). Esta competência está igualmente prevista na alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho - Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).
III. LEGITIMIDADE
Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC e do n.º 1 do artigo 26.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC, têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, “as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
O Recorrente é autor da providência de habeas corpus, cujo pedido foi indeferido pelo Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo, dispondo, por essa razão, de legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
IV. OBJECTO
O presente recurso tem como objecto o Despacho do Juiz Presidente do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 25/2024, pelo que emerge verificar se este ofendeu ou não, princípios, direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição da República de Angola (CRA).
V. APRECIANDO
O instituto de habeas corpus consubstancia uma garantia constitucional fundamental, destinada a salvaguardar o direito à liberdade individual, sempre que esta se encontre ameaçada ou restringida por ilegalidade ou abuso de poder, e quando os meios processuais ordinários se revelem ineficazes para assegurar a cessação da lesão. Trata-se, pois, de um instrumento jurídico de natureza excepcional e célere, iminentemente vinculado ao valor da dignidade da pessoa humana.
Atento ao disposto no n.º 4 do artigo 290.º do Código do Processo Penal Angolano (CPPA) o habeas corpus pode ser intentado com o escopo de fazer cessar situações de prisão ou detenção ilegal, incluindo aquelas motivadas por excesso de prazo de prisão preventiva, sendo este o fundamento mais recorrente da sua propositura.
A jurisprudência reiterada desta Corte de Justiça Constitucional – conforme se depreende, entre outros, dos Acórdãos n.ºs 623/20, 790/2020 e 922/2024, (disponíveis em www.tribunalconstitucional.ao) – tem sustentado que a providência extraordinária de habeas corpus, prevista no artigo 68.º da CRA, constitui instrumento jurídico de aplicação imediata e com eficácia garantística para a protecção do direito à liberdade (direito de “ir e vir”), assumindo particular relevo axiológico no seio do Estado Democrático de Direito.
Nesta linha interpretativa, tem-se igualmente afirmado que qualquer restrição ao direito à liberdade deve obedecer estritamente os ditames constitucionais e legais, sendo admissível apenas nos termos da Constituição e da Lei, desde que se mostre necessária, adequada e proporcional, conforme reza o disposto no n.º 1 do artigo 57.º e n.º 1 do artigo 64.º, ambos da CRA.
No caso sub judice, a controvérsia prende-se com a fiscalização da constitucionalidade do Despacho exarado pelo Juiz Presidente do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 25/2024, que indeferiu a Providência de habeas corpus, impetrada pelo Recorrente, que alegava estar sujeito à prisão preventiva além do prazo legalmente admissível.
Com efeito, o Recorrente encontrava-se privado de liberdade desde 28 de Novembro de 2022, em virtude da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, tendo sido posteriormente condenado, na primeira instância, à pena de sete anos de prisão maior. Inconformado, interpôs recurso ordinário da Sentença, o qual tramitou junto da Câmara Criminal do Tribunal Supremo.
Conforme consta dos autos, o julgamento do recurso teve lugar no dia 30 de Janeiro de 2025, tendo sido o Recorrente definitivamente condenado à pena de 8 anos de prisão maior, sem que da referida Decisão tenha interposto qualquer outro recurso com efeito suspensivo, fls. 87-90, dos autos.
Diante do trânsito em julgado da decisão condenatória, esgota-se a finalidade da providência de habeas corpus - que visava exclusivamente a cessação de uma prisão preventiva supostamente ilegal, torna-se evidente a perda superveniente de interesse processual na lide constitucional, porquanto a situação carcerária do Recorrente deixou de ter natureza cautelar, passando a revestir-se de natureza executória, derivada de Sentença penal definitiva.
Nestes termos, e considerando a inutilidade superveniente da apreciação do objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, impõe-se o seu não conhecimento, por força do disposto na alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente ao processo constitucional nos termos do artigo 2.º da LPC.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DECLARAR A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 6 de Agosto de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Amélia Augusto Varela
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva (Relatora)