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ACÓRDÃO 930-A/2025


PROCESSO N.º 1156-D/2024

Aclaração do Acórdão n.º 930/2024

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Florinda Rodrigues Faria e Edson Faria do Amaral Gourgel, melhor identificados nos autos, vieram requerer a reforma ou, em alternativa, a aclaração do Acórdão n.º 930/2024 proferido pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do Processo n.º 1156-D/2024, alegando, em síntese, o seguinte:

1. Notificados do Acórdão em pauta, os Requerentes verificaram em documentos do Processo, que a Veneranda Presidente do Tribunal Constitucional estava impedida, porquanto, à data da propositura da acção foi Advogada sócia da FBL-Advogados, mandatários judiciais da Autora conforme fls. 114 e anexos dos autos.

2. A Lei de Processo Civil garante a imparcialidade dos Juízes por via dos institutos do Impedimentos e Suspeições, constantes nos artigos 122.º a 126.º do Código de Processo Civil (CPC).

3. As alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 122.º do mencionado Código impedem a juíza de apreciar, em recurso, decisões em que tenha intervindo como mandatária.

4. Do exposto, segue a conclusão de que a Veneranda Juíza Conselheira Presidente estava impedida de praticar qualquer acto, salvo a declaração de impedimento.

5. Assim, por força do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 122.º e dos números 1 e 2 do artigo 700.º, ambos do CPC, conjugados com o artigo 37.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) a Veneranda Presidente estava impedida de proferir a decisão em causa, pelo que, ao fazê-lo, se está em presença de um acto proibido por lei e, portanto, nulo nos termos do artigo 201.º do CPC.

6. Contudo, a consequência deste acto é a anulação do douto Acórdão n.º 930/2024 do Tribunal Constitucional, nos termos do n.º 2 do artigo 201.º do CPC.
7. Em alternativa, os Requerentes defendem que vivem na Residência e têm a posse do mesmo apartamento, objecto do presente litígio, desde 1979 mediante contrato de arrendamento e pagam as rendas ao Estado angolano, documentos já nos autos.

8. A alínea a) do artigo 4.º da Lei n.º 3/76, de 3 de Março, determinou o confisco e a nacionalização dos bens dos cidadãos nacionais ou estrangeiros que se ausentaram injustificadamente do território nacional por período superior a quarenta e cinco dias, o que ocorreu por parte da Autora

9. A Lei n.º 7/95, de 1 de Setembro, adoptou no todo a Lei n.º 3/76, de 3 de Março, e para evitar equívocos na interpretação do artigo 13.º da Lei Constitucional de 1975 foi introduzida a redação na Lei Constitucional n.º 23/92, de 16 de Setembro, que consagra a irreversibilidade das nacionalizações e confiscos.

10. Resulta da Lei que os direitos relativos aos bens nacionalizados consideram-se transferidos para esfera do Estado angolano, para todos os efeitos legais e independentemente de quaisquer formalidades, livres de ónus que sobre eles incidam (…).

11. Qualquer decisão tomada ao arrepio destas disposições legais viola a Constituição e a Lei.

12. O que está em causa não é quem registou primeiro, mas a litigância de má-fé contra a Constituição e a Lei expressa (o conjunto de todo pacote legislativo atinente aos confiscos e nacionalizações).

Os Requerentes concluem solicitando a anulação do Acórdão 930/2024, de 15 de Dezembro, ou, em alternativa, o seu esclarecimento.
Pela simplicidade da questão em apreciação, foi dispensado o procedimento da vista e dos vistos simultâneos, ao abrigo do n.º 3 do artigo 707.º do CPC, ex vi do artigo 2.º da LPC.


II. OBJECTO

O objecto do presente expediente é a reforma ou aclaração do Acórdão n.º 930/2024, prolactado pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do Processo n.º 1156-D/2024, que negou provimento ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade interposto pelos Requerentes.

III. APRECIANDO

Os Requerentes argumentaram que o Acórdão está fulminado de nulidade ao abrigo do disposto no artigo 201.º do CPC, pois entendem que a Juíza Conselheira Presidente deste Tribunal estava impedida de intervir no processo, nos termos do artigo 122.º do CPC.
Vale reiterar que a Lei do Processo Constitucional reconhece e acolhe o instituto do impedimento e suspeição pela conjugação dos artigos 122.º à 126.º e 700.º do CPC, com os artigos 37.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional e do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional.

Na esteira do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional, os processos constitucionais, em tudo quanto não esteja expressamente previsto na legislação reguladora do Tribunal Constitucional, aplicam-se com as necessárias adaptações, as normas do CPC.

a) Da Pretensa Nulidade do Acórdão
Importa precisar se a pretensa omissão de declaração oficiosa de impedimento na instância em que ocorreu, pressupõe a alegada nulidade do Acórdão.

Veja-se!
Os fundamentos da nulidade das sentenças ou Acórdãos são típicos e seu rol encontra-se tabulado no artigo 668.º, conjugado com o artigo 716.º do CPC, aqui aplicáveis ex vi dos artigos 39.º e 52.º da LPC, as referidas disposições não figuram as situações de omissão do dever de declaração de impedimento do Julgador, como causa de nulidade do Acórdão.

Os Requerentes escudaram-se, contudo, no artigo 201.º do CPC para arregimentar a tese da nulidade do Acórdão.
Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 201.º (sob a epigrafe regras gerais sobre nulidade) decorre o seguinte “(…) a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Do exposto acima, defluem duas hipóteses de nulidade processual de um acto ou da sua omissão, a primeira é a lei que determina, expressamente, o acto ou a sua omissão como nulo; a segunda hipótese de nulidade sucede quando a irregularidade tenha a virtualidade de influenciar o exame ou a decisão da causa, isto é, quando possa contender com a garantia do direito à tutela jurisdicional efectiva nas suas nuances de julgamento justo e conforme, do direito à ampla defesa e ao contraditório, do direito a juiz natural, nos termos do disposto no artigo 29.º da CRA.

Da interpretação dos artigos 122.º, 123.º e 124.º do CPC, infere-se o dever de o juiz declarar-se impedido nos autos quando ocorram as situações vertidas no artigo 122.º do CPC, porém, a omissão da referida formalidade não é sancionada com nulidade nas disposições aplicáveis.

Nesta conformidade, fica infirmada a primeira hipótese de nulidade, porquanto a lei não imputa qualquer nulidade ao acto praticado sob omissão do dever de declaração oficiosa de impedimento.

Vejamos, se se confirma a segunda hipótese de nulidade, isto é, se a omissão do dever de declarar-se impedida influiu no exame ou decisão do Acórdão em causa.

O impedimento a que se reporta a alínea c) do n.º 1 do artigo 122.º do CPC reporta-se ao Juiz que tendo intervindo na causa como advogado e terá, em recurso, o poder de regular a marcha do processo e sobretudo poder de decidir o recurso.

É de frisar, contudo, que apesar de o instituto ser igualmente aplicável ao Tribunal Constitucional há que ter em conta que o poder jurisdicional é exercido pelo órgão colegial e não pelo Juiz relator ou pelo Juiz que admite o recurso.
Acresce que, o n.º 1 do artigo 123.º do CPC dispõe que caso o juiz não declare oficiosamente o seu impedimento, as partes têm até à decisão para suscitar o impedimento.

A fls. 279 dos autos consta que os Requerentes foram notificados do Despacho de admissão do recurso, proferido pela Juíza Conselheira Presidente, a quem imputam impedimento, e também do Despacho da Relatora a solicitar as alegações, facto é que os Requerentes juntaram as competentes alegações sem, contudo, suscitar qualquer impedimento, como podiam e deviam fazê-lo tempestivamente.

Decidiram fazê-lo, apenas, após serem notificados da decisão final que lhes é desfavorável. Ora, é processualmente extemporâneo o impedimento arguido pelos Requerentes, nos termos do disposto no artigo 153.º do CPC e esta Corte entende a actuação como uma estratégia dilatória.

Assim, pelas razões coligidas acima, este Tribunal improcede a nulidade suscitada ao Acórdão, quer por os fundamentos invocados não conduzirem à nulidade, quer por o impedimento ter sido suscitado extemporaneamente.

b) Sobre o pedido de Aclaração do Acórdão
Para solicitação da aclaração do Acórdão, sustentam os Requerentes que vivem na residência e têm a posse do mesmo apartamento, objecto do presente litígio, desde 1979, mediante contrato de arrendamento e pagarem as rendas ao Estado angolano; e que a alínea a) do artigo 4.º da Lei n.º 3/76, de 3 de Março, determinou o confisco e a nacionalização dos bens dos cidadãos nacionais ou estrangeiros que se ausentaram injustificadamente do território nacional por período superior a quarenta e cinco dias, o que ocorreu por parte da Autora.

Atentos às alegações para o pedido de aclaração é possível depreender que os Requerentes não fazem alusão a qualquer imprecisão, obscuridade, ininteligibilidade ou ambiguidade ao Acórdão n.º 930/2024.

Constata-se que os Requerentes perceberam claramente a decisão em pauta e vieram, através do expediente de aclaração, manifestar discordância dele e reproduzir parte das alegações carreadas no recurso extraordinário de inconstitucionalidade, o que suscita a pretensão de uma decisão diferente da vertida no Acórdão n.º 930/2024.

Ora, nos termos do artigo 669.º do CPC, as partes podem fazer uso da aclaração quando, eventualmente, não entendam o sentido da decisão por esta ser obscura, imperceptível ou ambígua.

O pressuposto substantivo da aclaração é que o Acórdão cause ruído na interpretação do seu conteúdo, de tal sorte que deixe as partes sem perceber o conteúdo da decisão.

É jurisprudência desta Corte que a aclaração funciona como um remédio, cujo escopo único é a elucidação e esclarecimento de dúvidas, ambiguidades, imprecisões ou obscuridades que objectivamente enfermam a decisão.

Desde modo, o expediente em causa deve ser usado para cumprir os fins previstos na lei, no entanto, não pode ser usado de forma torpe, inapropriada ou distorcida, com o fito de os recorrentes verem a decisão reapreciada, como se verifica no caso sub judice (vide Acórdão 863/2023, disponível em www.tribunalconstitucional.ao).

Tal pretensão não encontra guarida na lei, conquanto, o poder jurisdicional do juiz se esgota quando este profere a decisão, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 666.º do CPC.

Sendo que o Plenário do Tribunal Constitucional julgou o recurso, tendo-se debruçado sobre a constitucionalidade da decisão posta em crise, este está impedido, nos termos da norma supra referida de voltar a pronunciar-se sobre questões que já foram abordadas no Acórdão aclarando, uma vez que o seu poder jurisdicional ficou exaurido naquele.

Portanto, esgotado o poder jurisdicional, este Tribunal está limitado, podendo somente dissipar eventuais imprecisões, obscuridades ou ambiguidades que a decisão contenha, ou suprir equívocos materiais ou nulidades supríveis.

Na esteira da jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional “o pedido de aclaração deve expor, à luz da norma (…), as alegadas ambiguidades ou obscuridades que dificultam a compreensão (…). Pede-se aclaração, para desmistificar os pontos imprecisos do Acórdão. O pedido de aclaração, não pode resultar de um mero exercício para ter uma reapreciação do pedido. (…) a decisão padece de obscuridade quando contenha um trecho de sentido ininteligível e enferma de ambiguidade (…) (vide Acórdão n.º 738-A/2023, disponível em www.tribunalconstitucional.ao).

Destarte, não tendo os Requerentes apontado qualquer ambiguidade ou imprecisão ao Acórdão aclarando e verificando este Tribunal que o mesmo lançou mão da aclaração para ver reapreciada a sua causa, intento que não é atendível, nos termos do n.º 1 do artigo 666.º CPC, e por violar aquilo que é o desígnio da norma estabelecida no artigo 669.º do CPC.

Assim, este Tribunal entende que o presente pedido de aclaração é infundado, pelo que deve ser indeferido pelo facto de o Acórdão não padecer de qualquer obscuridade, ambiguidade ou imprecisão na sua compreensão.
Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

a) NÃO CONHECER DA NULIDADE REQUERIDA, POR FALTA DE PRESSUPOSTOS LEGAIS.

b) NÃO REFORMAR, NEM ACLARAR O ACÓRDÃO N.º 930/2024 E MANTÊ-LO NOS SEUS PRECISOS TERMOS, POR NÃO HAVER OBSCURIDADE OU AMBIGUIDADE PASSÍVEIS DE ESCLARECIMENTO.

Custas pelos Requerentes, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 11 de Fevereiro de 2025.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) (Declarou-se Impedida)

Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)

Carlos Alberto B. Burity da Silva

Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Gilberto de Faria Magalhães

João Carlos António Paulino

Josefa Antónia dos Santos Neto

Lucas Manuel João Quilundo

Maria da Conceição de Almeida Sango (Relatora)

Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva

Vitorino Domingos Hossi