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ACÓRDÃO N.º 948/2024

 

 

PROCESSO N.º 1027-A/2022
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

João Ricardo Pereira Batalha dos Santos, melhor identificado nos autos do processo supra cotado, por manifesta dissensão, veio ao Tribunal Constitucional, interpor o presente Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade (REI) em virtude da prolacção do Acórdão da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, em sede do Processo n.º 741/16, que declarou nula a Sentença prolactada pelo Tribunal a quo.

Para tanto, tomou por escoro os fundamentos constantes nos artigos 181.º da Constituição da República de Angola (CRA), e 49.º, alínea a) da Lei n. º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).

Tendo, por fim, alegado o que infra se sumaria:

1. O Aresto está ferido de inconstitucionalidades por se verificar, de forma clara e patente, a contradição entre os fundamentos e a decisão.

2. Todas as passagens citadas no Acórdão recorrido demonstram claramente que o Tribunal ad quem, nos seus fundamentos, negou provimento ao recurso parcial interposto pelo Recorrente.

3. No entanto, na decisão do Acórdão recorrido, a fls. 296, dispõe o contrário, concedendo provimento ao recurso interposto, violando inequivocamente o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.

4. O Tribunal recorrido extravasou os limites do objecto do recurso, incorporando nos seus fundamentos aspectos de um processo administrativo de inquérito, que tramitou junto do Conselho de Disciplina e do Conselho Jurisdicional da FAF.

5. Portanto é um erro crasso o Acórdão do Tribunal Supremo sustentar a sua decisão judicial em factos ou fundamentos extra-processo de um processo administrativo de inquérito da jurisdição desportiva.

6. O Acórdão é inconstitucional por ter julgado para além do que lhe foi peticionado e omitiu aspectos relevantes sobre o fundo ou mérito da questão controvertida.

7. Pois, tendo interposto um recurso parcial da sentença, o Tribunal Supremo deveria, sublinhe-se, para sua coerência e conformidade ao peticionado, decidir em aceitar ou negar provimento ao recurso.

8. Constitui fundamento do presente recurso o facto de a Câmara do Trabalho ter revogado ilegalmente a sentença da 1.ª instância, na parte ou nas situações e conclusões em que era imune de vícios e irregularidades.

9. Violou o princípio do julgamento justo e conforme, plasmado no artigo 72.º da CRA, porquanto, na sua fundamentação e respondendo aos quesitos sobre se houve ou não justa causa para o despedimento, o Tribunal Supremo funda a sua convicção e decisão no documento de fls. 97 e 98 dos autos, o que é injusto, pelo facto de os documentos de fls. 47, 48, 49 e 50 dos autos não terem sido objecto de apreciação e decisão do acórdão recorrido.

10. É ainda inconstitucional por violação do princípio da estabilidade e segurança do emprego vertido no n.º 4 do artigo 76.º da CRA, não havendo justa causa para o despedimento do Recorrente, o aresto comprometeu os direitos do trabalhador a ter garantia de estabilidade e segurança do emprego.

11. O Acórdão violou os limites da condenação, pois, o recurso interposto da decisão da 1.ª instância apenas visava a parte em que o Recorrente não se conformava e era sobre tais disposições que o Acórdão do Venerando Tribunal Supremo deveria cingir-se, concluindo pelo provimento ou negação do recurso do apelante.

12. É inconstitucional o Acórdão recorrido por violação do princípio da legalidade e do princípio da decisão em tempo célere e razoável, a acção judicial foi decidida decorridos 12 anos, não foi portanto objecto de decisão em tempo razoável violando-se o plasmado no artigo 29.º da CRA.

Conclui pedindo a este Tribunal que declare inconstitucional o Aresto recorrido.

O processo foi à vista do Ministério Público que se pronunciou nos termos seguintes:

“Da apreciação das alegações em confronto com o decidido resulta a conclusão de que, as questões suscitadas pelo Recorrente e que fundamentam a sua inconformação, foram todas bem acolhidas pelo Acórdão impugnado.

Deste modo, não se vislumbra qualquer questão que não tenha sido apreciada e decidida pelo Tribunal ad quem no quadro do direito aplicável, não se verificou, por isso, a alegada violação de princípios e direitos consagrados na CRA.

(…) o Ministério Público pugna pelo não provimento ao recurso”.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II. COMPETÊNCIA
Nos precisos termos figurados na alínea a) do artigo 49.º e do artigo 53.º ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC) – combinados com a alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) – é conferido ao Tribunal Constitucional a competência devida para conhecer do mérito do presente Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade (REI). Ressurtir que, foi observado o esgotamento prévio da cadeia recursória, pressuposto grifado no parágrafo único do artigo 49.º da Lei do Processo Constitucional (LPC).

III. LEGITIMIDADE
Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, (LPC), têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional “as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

O Recorrente é parte no Processo n.º 741/2018 que tramitou junto da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo e, não se conformando com a decisão proferida, tem legitimidade para interpor o presente Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade.

IV. OBJECTO
O mérito do recurso que por ora se explana, resulta da prolacção do Acórdão expedido pela Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, capeado sob o Processo n.º 741/2016, na óptica do Recorrente maculado de inconstitucionalidades, as quais querer que sejam corroboradas e declaradas por esta corte de justiça constitucional.

V. APRECIANDO
O Recorrente possuía um vínculo laboral com a Recorrida, celebrado para perdurar por um ano, correspondente a uma época desportiva, tendo sido, na ocasião, prorrogado por igual período de tempo. Sucede, porém, que a referida relação laboral conheceu o seu termo antes do decurso do período de duração plena do contrato.

Da extinção do vínculo laboral protagonizada pela entidade empregadora, ora Recorrida, emergiu a controvérsia do trabalhador (Recorrente), que entendeu ser aquele acto violador dos seus direitos, se socorrendo do Conselho Jurisdicional da Federação Angolana de Futebol, para lograr o ressarcimento dos créditos devidos. Na sequencia, e não se bastando com a injunção da FAF contra a Recorrida, que a obedeceu e pontualmente pagou os créditos remuneratórios vincendos, o Recorrente intentou a competente acção judicial junto da Sala de Trabalho do então Tribunal Provincial de Luanda de onde logrou uma Decisão que parcialmente atendeu o que peticionou.

Acto contínuo, o Recorrente, pretendendo ver atendida a totalidade do que peticionou, interpôs recurso para a Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, de onde, para além de não lograr o que peticionou, viu ser declarada nula a Decisão do Tribunal a quo que determinou o pagamento de créditos remuneratórios, porquanto a Recorrida já os havia pago por determinação da FAF.

Exprobra o Recorrente que o Acórdão em crise padece de inconstitucionalidades, pelo facto do seu teor recalcitrar do modo grosseiro direitos, liberdades e garantias pressagiadas na Magna Carta, nomeadamente violação do princípio da legalidade, do julgamento justo e conforme, dos limites da condenação, da estabilidade no emprego e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.

Nesta Corte Constitucional, escrutinados os autos e o Acordão em crise, conclui-se, tal como fica demonstrado infra, que ao Recorrente não assiste razão.

Veja-se:

a) Da violação do princípio da legalidade.

O Recorrente alega ter sido violado o princípio da legalidade, cuja previsão legal assenta no artigo 6.º da CRA, por se ter verificado, no Acórdão em crise, contradição entre os fundamentos e a decisão.

Por se mostrar relevante para compreensão da questão em tela, cumpre ressaltar, em síntese, qual foi o posicionamento vincado pelo Tribunal Supremo, examinando o Acórdão posto sob escrutínio, para concluir se dele resulta ou não, manifesta contradição.

Da redacção do Acórdão impugnado extrai-se, que a despeito de ter fundamentado que o Tribunal a quo bem se pronunciou quanto as questões rezingadas pelo Recorrente, a saber, o dever de fundamentação, o dever de pronúncia relativo às questões processuais de relevo e a inexistência da condenação consubstanciada em objecto diverso do peticionado, resolveu, ao final da sua abordagem decisória, pela anulação do referido aforismo.

Por ter decidido nestes termos, protesta o Recorrente que o Acórdão sindicado padece de cristalina contradição, porque viola o preceito constitucional epigrafado, além de, ter o julgador ampliado em demasia o seu domínio cognitivo sobre a causa a julgar, estrangulando os limites grifados pela lei adjectiva.

Sobre a temática granizada, importa referir que o baldrame do aresto em escrutínio, prolatado pelo Tribunal Supremo, não reside no facto de o Tribunal a quo não ter, como já há pouco se referiu, respondido de modo diligente e experimentado às questões içadas na pendência da acção de conflito laboral.

Ao invés disso, tem o mérito alicerçado no facto de, conquanto tenha andado bem naquele particular, postergou o desfecho da deliberação proferida pelo Conselho de Disciplina da FAF – doravante CDFAF – cuja essência, tem implicância directa e decisiva na apreciação do presente litígio.

Reformulando, o radical inculcado na decisão de revogação da sentença proferida pela primeira instância, quando confrontado com os argumentos que justificam a forma como foram analisadas as demais questões decididas — ou seja, com os alicerces que sustentam o entendimento do Tribunal Supremo, segundo o qual o Tribunal a quo abordou adequadamente as questões elementares da lide, falhando, no entanto, ao não se ater à substância da deliberação — não apresenta, pois, evidente contradição.

Por um lado, a fundamentação patenteada pelo julgador na elaboração da sentença ou do acórdão está intrinsecamente concatenada com as causas de pedir, ou seja, às questões submetidas à apreciação, isso porque é com base nos factos e fundamentos jurídicos expostos pelo Recorrente que o julgador perlustra e justifica a decisão. Esta abordagem confere ao julgador, no âmbito da instrução e da consequente busca pela verdade material, alargada margem de inquisição, proporcionando uma margem de investigação mais abrangente, permitindo glosar e aplicar o direito de maneira mais ampla e incisiva.

Em apartado sentido, porém, apropinquado e complementar, a sentença, via de regra, tem o respectivo âmbito comprimido, por estar balizada pelos pedidos formulados, limitando o julgador a clarificar se as indagações que o Recorrente apresenta foram convenientemente apreciadas, concedendo ou negando, por fim, conforme solicitado no pedido.

Embora guarde adelgada correspondência com a fundamentação, e dela decorra a lógica que orientará o sentido adoptado pelo julgador, a decisão final de um pleito judicial não se limita exclusivamente às questões e argumentações consignadas pelas partes. O julgador não está, portanto, forçosamente vinculado aos raciocínios expostos nos autos (conforme previsto no n.º 2 do artigo 158.º e na parte preliminar do artigo 664.º, ambos do CPC). Em virtude do princípio da imparcialidade (vide artigos 174.º, 175.º e 179.º da CRA), cabe ao magistrado, quando necessário ao bom e justo julgamento da causa, proceder, ex officio, à valoração dos elementos probatórios essenciais para esse fim.

Significa que deve o julgador, no exercício da sua actividade judicante “prestar um papel assistencial que garanta às partes uma efectiva tutela jurisdicional”, valorando todo o acervo probatório e demais aspectos medulares enxertados aos autos que julgar imprescindíveis, ainda que não sejam deduzidos pelas partes e desde que não extrapolem os limites legais resultantes do artigo 659.º do CPC (José Igreja Matos, Um Modelo de Juiz para o Processo Civil Actual, 1.ª Ed., 2010, Coimbra Editora, pp. 64 e 74).

Carecerá de expurgar os escolhos do processo, por forma a proferir uma sentença que mais do que se rever nas versões oferecidas pelos litigantes, se mostre realmente justa, salvaguardando os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e do julgamento justo e conforme, previstos nos artigos 29.º e 72.º da CRA, respectivamente.

O n.º 2 do artigo 659.º do CPC explicita o que Abílio Neto denomina como “actividades intelectivas do julgador”, ou seja, aquilo de que se ocupará para a formulação do silogismo judiciário, sendo estas: i. a ponderação dos factos tidos como provados – advenham eles de acordos, de documentos ou confissão reduzida a escrito, bem como os que o Tribunal colectivo der como provados – ii. a indicação da norma adequada, e iii. a respectiva aplicação ao caso sub judice (Código de Processo Civil Anotado, 18.ª Ed. Actualizada, Ediforum Edições, 2004, p. 842).

Se o juiz infere e atribui qualidade probatória a certo facto provado por documentos, sendo o seu escrutínio fulcral à prolacção da boa decisão da causa, não estará, de modo algum, posicionando erroneamente o bastão da justiça e nem tampouco “desviando os olhos da verdade manifesta (…)” (Abílio Neto, op. cit., p. 842).

Ora, o facto de o Recorrente não ter aglutinado à descrição das respectivas justificações a Deliberação Administrativa do CDFAF como elemento probatório, não atalha a que o Tribunal, no cômputo da concretização da actividade jurisdicional conheça deste facto, pois, a sua agnição não obedece a alegação de um dos litigantes, sem desprimor de que o animus que sobre a norma repousa compulsa a que o julgador galgue o mais rente que puder da verdade e da justiça.

Extraída que foi a consequência lógica da deliberação do CDFAF e balanceadas as implicâncias jurídicas dela decorrentes, filadas por meio de laboriosos exames críticos, impossível se torna anelar um curso diverso do adoptado pelo Tribunal recorrido.

Por tudo quanto se trouxe à alvura, animar a ideia de que o Acórdão recorrido contém uma redacção da qual se avulta patente crise de incoerência por vítrea desarmonização entre os fundamentos e a decisão da causa – o que só se conceberia se fosse feito total descaso da recheadura da citada Deliberação – significaria “sacrificar a verdade real a um prurido de tecnicismo” (Abílio Neto, op. cit., p. 842).

Por tudo quanto se deixa expendido supra, vale concluir sobre a plena e coerente fundamentação, porque compatível com a decisão de anulação da Sentença, visto que no teorema esculpido no Acórdão posto em crise não se bispa qualquer deficiência semântica e tampouco jurídica, que obste que esta Corte Constitucional com a mesma não conflua, porquanto se acha diametralmente preservada a garantia da legalidade dos actos.


b) Da violação do direito a julgamento justo e conforme.
Alega o Recorrente, ter sido esbulhado o saboreio das mercês entranhadas no direito ao julgamento justo e conforme, enquanto garantia processual de compleição constitucional, pois que, os exames médicos que juntou aos autos e aferíveis junto às fls. 44-50, não granjearam o sisado pronunciamento legal pelo Tribunal recorrido, colocando o aresto descendido em situação de flagrante inconstitucionalidade.

Para lealdar se procede ou não a pretensão do Recorrente, importa mesurar, a priori, a viga sobre a qual expõe os fundamentos da alegada violação.

Noticiam os autos, que o Recorrente foi submetido à exames médicos cuja realização periódica radica de imperativo legal, podendo se lhe atestar de modo transversal no Regulamento Geral da FAF. No entanto, e para a estupefacção deste, daqueles não se extirpou um laudo que lhe aproveitava, dado que atestavam que padecia de uma lesão diosa na lombar (vide fls. 97-99), conditio que implicaria a manutenção do vínculo laboral que possuía com a Recorrida, pelas razões já afloradas.

Nesse impasse, dominado por sentimento de rompante irresignação, socorreu-se de outros meios, por sua própria iniciativa, por forma a obter um diagnóstico que conferisse maior garantia, por entender que o laudo primitivo se mostrava inconclusivo.

Neste desígnio, enfatiza que mesmo fazendo fé em juízo dos relatórios dos novos exames que realizara, por sinal conducentes a um corolário que contrapõe o que consta nos exames efectuados sob a diligência da Recorrida (fls. 97-101 e 103-108), ainda assim não logrou o seu intento, visto que, alega que o Tribunal Supremo depreciou deliberadamente a diagnose esculápia que ofereceu a título probatório, consumando o julgamento sem as considerar, optando por não adoptar as providências legais que se impunham.

Seguindo de perto o juízo de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, dizem-se provas “os meios de que o tribunal se serve para apurar a realidade dos factos controvertidos que, de acordo com o direito aplicável, interessam ao exame e decisão da causa” (Manual de Processo Civil, 2.ª Ed., Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 61).

O conteúdo probatório arrolado aos autos acarreta superlativa importância para o esclarecimento dos factos e consequentemente para a descoberta da verdade da lide, por se tratar de um princípio por meio do qual é pautada a actuação de todos os intervenientes do processo (artigo 519.º do CPC). Entretanto, a sua validade não depende apenas do conteúdo que delas se depreende, na medida em que “as normas reguladoras das provas (…) regularão o seu modo de oferecimento ou produção em juízo”, sob pena de não se ver delas, na estação própria, colhido o fruto pretendido (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, op. cit. p. 61).

Esta é a linha de orientação que se toma do âmago dos artigos 142.º e 540.º do CPC, de onde se extirpa um requisito de forma, que determina que o reconhecimento do conteúdo valorativo dos meios de prova documentais, quer sejam autênticos ou autenticados, lavrados em país estrangeiro, dependem do reconhecimento por agente diplomático ou consular angolano, no respectivo Estado e, a posterior, da autenticação junto do Ministério das Relações Exteriores em Angola, sob pena de serem declarados nulos e em nada aproveitarem à parte interessada.
Ajuizando tal cânone aos factos em sindicância, límpida se aflora ilação inilidível mediante a qual, embora tenha o Recorrente apresentado um rol de relatórios médicos que asseguravam o respectivo bom estado de saúde, estes não estavam em conformidade plena com as regras processuais exigíveis tendentes a os lograr validos, não sendo possível, por isso, gizar um caminho avesso ao adoptado pelo Tribunal Supremo quanto efectuada valoração em juízo.

Ademais, neste mesmo sentido esclarece o n.º 3 do artigo 131.º do Regulamento Geral da FAF, que a inscrição dos jogadores na FAF impõe que os responsáveis pelos clubes dos atletas em questão, exibam a documentação que ateste a aptidão física destes, devendo os relatórios ser emitidos pelo Centro de Medicina Desportiva, sob pena de devolução do processo (alínea d) do artigo 141.º do mesmo instrumento normativo).

Outro aspecto hegemónico subsumível dos autos e que, portanto, não pode estar aquém deste crivo constitucional, é o de, entre os novos exames mencionados pelo Recorrente, mormente o de fls. 46, se apurar que, pese embora o especialista em ortopedia e traumatologia tenha concluído que a lesão que o acomete não compromete a prática da actividade futebolística de alta competição, no mesmo relatório, faz alusão da premente necessidade deste ser submetido a treinamentos específicos, com vista ao fortalecimento da musculatura paravertebral lombar, atento ao perigo iminente de crises de lombalgia ou lombociatalgia.

Refira-se, que tais crises implicariam a paralisação do jogador por lapso de tempo que não se consegue precisar – contexto que, convenha-se, além de em nada favorecer a entidade empregadora, ora Recorrida, iria se consubstanciar num episódio de colossal injustiça, dadas as intricâncias que delineiam as relações de trabalho desportivo.

Incongruente é o juízo mental que se extrai do presente laudo médico, conquanto, além da sua substância conflituante, resvala clara imprudência técnica, posto que seu discurso concebe como admissível a exposição de certo atleta – lesionado e com exponencial risco de sofrer um acidente de trabalho cujas sequelas são imponderáveis – à prática de uma actividade desportiva que envolve movimentos intensos e bruscos como sprints rápidos, saltos vigorosos e mudanças abruptas de direcção, além de frequentes disputas corpo a corpo entre os atletas, petitando, por isso, um expendimento energético descomunal, condicionamento que exige treinamento físico avançado constante.

Ao sobredito, é acrescido o facto de a prescrição da fl.50 não se dar por assertiva, pois, a perita em questão grifou que “acredita que, com um acompanhamento quiroprático adequado, o Sr. João poderá efectuar as actividades desportivas normalmente”. Na verdade, o que era esperado de um laudo médico em circunstancialismos como o que agora se perscruta, não é, pois, um “juízo de probabilidade”.

Neste diapasão, o que de essencial clama por resguardo constitucional transpõe o horizonte que se mira com a mera análise do cenário pré e pós cessação contratual, isto é, com a manutenção da relação de trabalho propriamente dita. O protesto capital, se prende, especialmente, a direitos intrínsecos à identidade do trabalhador enquanto ser humano, sendo vitais, e, portanto, inegociáveis.

Em síntese, coexistem duas garantias constitucionais contrapostas numa mesma moeda, sendo que, numa das facetas reside o direito ao trabalho (artigo 76.º da CRA), enquanto na outra reside o direito à vida (artigo 30.º da CRA), por seu turno, aqui desdobrado em dois outros direitos, nomeadamente, o direito à dignidade humana (artigo 1.º da CRA) e o direito à integridade pessoal (artigo 31.º e 36.º n.º 3 alínea c) da CRA), sendo certo que esta última faceta tem prevalência sobre a primeira.

Se expende da substrução contida nos artigos 72.º e 177.º, n. º 1 ambos da CRA, que a todos é outorgado o direito de sopetearem de um julgamento que se paute pelas estacas da justeza, da imparcialidade e da transparência, sendo reverenciados, austeramente, os prelúdios constitucionais e as normas legais, de modo a difundir a confiança e a integridade do processo judicial em si.

Sabendo que “a tutela constitucional está intimamente ligada à teoria do Direito Processual”, trazendo a ideia da submissão do processo ao direito (Adlezio Agostinho, Manual de Direito Processual Constitucional - Princípios ordinários e procedimentais sobre as garantias constitucionais – Parte Geral e Especial, AAFDL Editora, Lisboa, 2023, p. 375);

Por tudo quanto se dissecou, entende, esta Corte de Justiça Constitucional, não haver razão legalmente censurável imputável ao Acórdão recorrido, que se tenha consubstanciado em violação da garantia ao julgamento imparcial e adequado, não procedendo a pretensão do Recorrente.

c) Da violação dos limites da condenação.
Neste particular, urge o dever de examinar, para decidir, se o Acórdão recorrido violou os limites da condenação, ao conhecer e atribuir valor probatório à deliberação expedida pelo CDFAF, dessabendo que a natureza jurídica desta – a de um acto administrativo – e o respectivo raio de implicâncias legais em nada se conectam ao elemento finalístico e à natureza própria dos processos judiciais, como pontua o Recorrente.

Com efeito, importa considerar, ab initio, ao que espartilha o Código de Processo Civil a esguardo do presente tópico. O n.º 1 do artigo 661.º, institui uma regra mediante a qual, a sentença não pode fixar uma condenação que se funde em quantidade superior ou em objecto diverso do que for pedido, sob sulco imediato de nulidade (cfr. alínea e) do artigo 668.º do CPC). À esta elucidação se adscreve ainda o conteúdo vertido no n.º 2, parte final do artigo 660.º da mesma legislação.

Entretanto, importa reflectir se sobre esta regra impendem excepções, ou, se porventura, a sua aplicação é imediata independentemente dos circunstancialismos. Para tal, se faz necessário discorrer acerca da natureza dos contratos desportivos, para, em acto contínuo, melhor se precisar sobre a questão.

Defende Albino Mendes Baptista que não foi esporádica a razão que serviu de mote para que o legislador atribuísse ao contrato de trabalho desportivo o pendor de uma relação de trabalho especial. Contrariamente, procedeu sábia e convenientemente, dado que a respectiva regulamentação comporta especificidades, visto que, é notória a discrepância entre esta e as demais normas de direito laboral comum, por insuficiência de resposta desta última às problemáticas intrínsecas à primeira (Estudos sobre o Contrato de Trabalho Desportivo, Coimbra Editora, 2006, p. 17).

Clarificado está que os contratos de trabalho de natureza desportiva acarretam, na sua essência, particularidades assinaláveis, cabendo ao legislador e ao intérprete da lei que não somente se ornem dos adereços conducentes ao afloramento da sensibilidade laboral em geral, mas que, em bom rigor, se revistam dos atavios propícios à sensibilidade laboral aplicada ao desporto – operação que demanda um forcejo acrescido.

Deste modo, implica que se coloque “maior cuidado na aplicação subssidiária das regras laborais comuns”, ou seja, que se adoptem soluções jurídicas que se ajustem à realidade laboral desportiva (Albino Mendes Baptista, op. cit. pp. 37-39).

Nos presentes termos, o princípio da condenação extra vel ultra petitum, se afigura como uma excepção ou desvio, quando em causa estiverem questões de cunho laboral, uma vez que, concebível é que o julgador condene em quantidade superior ao peticionado ou em objecto diverso do pedido, dado que a referida conduta, forjada está na protecção dos direitos indisponíveis dos trabalhadores, por lhes ter sido conferido o apanágio de parte vulnerável da relação jurídica laboral.

De resto, poderá nestes moldes proceder quer seja em virtude do conforto legal que lhe concede o artigo 514.º do CPC, quer, por implicação de preceitos nucleares, e, portanto, inafastáveis, e de leis ou demais instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (vide Instituto de Direito de Trabalho da Faculdade de Lisboa, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. VI, Edições Almedina, S.A., Coimbra, 2012, p. 191).

Outrossim, e por abonar de sobremaneira o escorreitado, a FAF enquanto membro da FIFA e filiada da CAF, se mirada sob um prisma transversal, tem o nervo fulcral encerrado na regulamentação do cunhado “desporto rei”, o aclamado futebol, estando todo campo de actuação sujeito às normas constitucionais e demais leis vigentes em solo pátrio (artigo 1.º e alínea a) do artigo 2.º do Estatuto da FAF). Dentre os mais diversos aspectos, actua de modos a exercer o controlo e o poder disciplinar sobre os filiados, e a estabelecer um sistema de controlo médico desportivo, como participam as alíneas g) e i) do artigo 2.º do mesmo instrutivo normativo.

Os objectivos da FAF são acuados por meio dos respectivos órgãos, dentre os quais avulta – por sisos de pura complementaridade e escólio da lide – o Conselho de Disciplina, cujos titulares, no exercício do poder decisório, cumprem o propósito de dirimir as infracções cometidas no âmbito desta modalidade desportiva, estando, para o efeito, sujeitos à Lei, ao Estatuto e ao Regulamento da FAF (cfr. al. e) do artigo 21.º do Estatuto da FAF; artigos 46.º, n.º 3 do artigo 53.º e 199.º do Regulamento Geral da FAF).

Por se consubstanciar numa pessoa de direito privado, a FAF não se vê eximida do realismo jurídico vigente que decorre da própria supremacia constitucional. Nos anais jurídicos, “pessoas públicas e privadas estão submetidas a esta supremacia”, em reverência à unicidade do sistema jurídico. Deste modo, estar-se-á a garantir a coesão e a homogeneidade do sistema normativo, independentemente da natureza da entidade ou da qualidade do sujeito em questão (Adlezio Agostinho, op. cit., p. 379).

Do acima referido, firmado está no encalço de a Constituição se situar no vértice ou cume da pirâmide jurídica, componente que a eleva à qualidade de pedra angular da ordem jurídica hierarquicamente concebida (Uadi Lammêgo Bulos, Mutação Constitucional, São Paulo, Saraiva Editora, 1997, p. 80).

Considerando que tanto entidades públicas quanto privadas são pautadas por premissas gerais que governam todo sistema jurídico, tais como a justiça, a igualdade, boa-fé, e sobretudo à mesura aos direitos fundamentais (n.º 3 do artigo 174.º da CRA) – embora a legislação possa prever algumas distinções pontuais que atendam às especificidades de cada sector – é pacifico concluir que essa convergência gera um baldrame ético normativo unânime entre ambos os domínios, robustecendo a unidade do sistema jurídico nacional.

Assim, o primado da lex fundamentalis e da lei, pode e deve se observar materializado na proferição das deliberações da FAF, que por obrigação legal devem estar embasadas em factos e fundamentos jurídicos (n.º 4 do artigo 53.º do Estatuto da FAF). Aliás, o próprio Estatuto da FAF nesse atilho converge, porquanto exige que pelo menos o Presidente, o Vice-Presidente e um Vogal do Conselho de Disciplina sejam licenciados em Direito.

Pelo exposto, é facto que as deliberações assumem a forma de instrumento jurídico dotado de autenticidade para fazer força em juízo, caindo por terra o argumento do Recorrente em que afirma, com algum assombro, que uma decisão administrativa não pode ser apreciada em juízo por não possuir qualquer virtude probatória ou correspondência com a instância judicial, sendo certo que, nem mesmo o regime das provas vertido no CPC confere qualquer tese que coopere com a ratio endossada.

O veredito proferido pelo Conselho de Disciplina da FAF não é estranho ao processo, nos termos em que a acção do Tribunal Supremo não se configura como um acto ilícito de introdução de documentos ou fundamentos que a defesa do Recorrente não tenha previamente deduzido. Pelo contrário, tendo ciência de que as partes, desde logo, mencionam sua existência e dela fazem prova nos autos (fl. 127), o julgador que aprecia o recurso está legalmente habilitado a reavaliar as provas que julgar pertinentes, mesmo que na instância inferior não lhes tenha sido atribuída a devida valoração, uma vez que age conforme os princípios da liberdade de julgamento e da livre apreciação da prova (cfr. artigo 665.º do CPC).

Importa frisar que não se pode mesclar os contextos jurídicos resultantes do conhecimento de um elemento probatório novo, isto é, não constante dos autos e, portanto, estranhos à lide; com o caso em que determinada prova, previamente enxertada aos autos, recebe valoração distinta pelo Tribunal superior.

Ademais,

Perscrutando a motivação inicial que forçou o Recorrente a se socorrer da FAF – cujo desfecho se atesta na deliberação do CDFAF junto (fls. 130, 133 e 148) – e comparada a que o incitou a despoletar o processo judicial que por ora tramita junto desta Corte Constitucional, se infere, de forma cristalina, que ambas coincidem, pois que, implícitas estão nos mesmos fundamentos.

Defrontados com a essência da matéria que dela se alcança, a qual, a bônus da verdade, espelha que a Recorrida cumpriu integralmente os débitos devidos ao Recorrente, conforme atestam as cártulas de fls. 128 e 129, 136 e 137, 153 a 162, e ainda assim conjecturar oportuna a ideia de tornar a submeter a Recorrida à condenação para o pagamento do mesmo montante, sob o pretexto de se tratarem de processos de natureza e jurisdição distintas, conforme sustenta o Recorrente, configuraria, indubitavelmente, num insulto à vetusta trave da paz social e da segurança jurídica e, uma beliscadura à boa fé.

Tudo sopesado, se conclui que não extrapolou, o Acórdão sob escrutínio, as trincheiras fixadas por lei que delimitam o seu âmbito de cognição, nem tampouco incorreu em eventuais confusões e muito menos em actuações ofensivas a Constituição e a lei, tendo decidido de modo diligente e com o sentido de justiça, dignificando a função jurisdicional.


d) Da violação do princípio da estabilidade do emprego.
Alega o Recorrente, que o despedimento de que foi objecto, ocorreu ao arrepio do espírito legislativo, dado que inexistiam pousadouros sob os quais se pudesse erigir o fundamento da justa causa. Por este motivo, considera que a actuação da Recorrida profanou a sua garantia constitucional à estabilidade do emprego.

Importa destacar o regime jurídico aplicável à cessação do vínculo laboral existente entre o Recorrente e a Recorrida, porquanto sobre o mesmo se denota visível controvérsia. Consta nos autos que a cessação do vínculo contratual ocorreu por iniciativa do empregador, ora Recorrido, sob a chancela de justa causa para a referida ruptura (fl. 246), estribada na alegação de que o Recorrente não se encontrava em pleno gozo de seus predicados físicos, considerados indispensáveis para a prática da actividade futebolística de alta competição, dadas às especificidades que lhe subjazem. Acto contínuo, manifestou o Recorrente seu dissabor, alegando que os exames que embasaram o referido laudo foram, além de azafamados, inconclusivos.

À época dos factos vigorava a Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro, doravante designada pela sigla LGT. O conteúdo vertido naquele instrumento regulatório das relações trabalhistas nada articulava à respeito da modalidade contratual em questão – o contrato de trabalho desportivo – sem embargo de o legislador a ter classificado como uma relação laboral especial (alínea c) do artigo 9.º da LGT).

Essa omissão levou o julgador do Tribunal a quo a recorrer à analogia, nos termos do artigo 10.º do Código Civil (CC), equiparando a relação de trabalho desportivo à relação de trabalho comum. Com base na exegese prestada, ajuizou pela ausência de aviso prévio, o que resultou na condenação da Recorrida no pagamento dos salários que o Recorrente teria direito a receber até a caducidade do contrato.

O Tribunal Supremo, por sua vez, concluiu pela existência de justa causa objectiva (vide fls. 97 e 98), a qual, não deve ser confundida com a justa causa que fundamenta o despedimento disciplinar. Esta última, conforme disposto nos artigos 224.º, n.º 2, e 225.º da LGT, decorre exclusivamente da prática de infrações disciplinares graves pelo trabalhador, e exige a instauração do devido processo disciplinar para sua efetivação, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 228.º da LGT (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito do Trabalho de Angola, Edições Almedina, SA, 2010, p.334).

No ordenamento jurídico angolano, precisamente no âmbito da legislação laboral vigente à época dos factos, o legislador previu, no artigo 224.º, as modalidades de justa causa por si acolhidas, sendo: (i) justa causa propriamente dita, caracterizada pela prática de infração disciplinar grave por parte do trabalhador; e (ii) justa causa fundamentada na ocorrência de motivos objectivamente verificáveis, desde que, em ambos os casos, a manutenção da relação jurídico-laboral se torne praticamente inviável. No mais, estabeleceu que o despedimento somente pode ser considerado válido se estiver devidamente alicerçado em um desses pressupostos
Menezes Leitão, fragmentaliza a norma e dela retira os seus elementos basilares, que são: i. a existência de infracção disciplinar do trabalhador ou outro motivo objectivamente verificável; ii. a impossibilidade de subsistência da relação laboral; e iii. um nexo de casualidade entre a infracção disciplinar ou o motivo objectivamente verificável e a impossibilidade de subsistência da relação laboral e escalpeliza que a justa causa será subjectiva se embasada no cometimento de uma infracção disciplinar, e objectiva se reputar a outro motivo objectivamente verificável (op. cit., p. 334).

Esta última modalidade, a cessação por justa causa pautada em motivos objectivamente verificáveis, figura como a que melhor se adequa aos factos em escrutínio, conforme se abarrota na sequência do virgulado subsequente.
Embora a Magna Carta consagre a proibição dos despedimentos sem justa causa, conforme resulta do artigo 76.º – corolário do princípio constitucional da segurança no emprego – da respectiva esquematização discursiva não radica a proibição absoluta do despedimento do trabalhador, pois que, perante situações de crise contratual resultantes da actuação deste, ou ante à verificação de motivos objectivamente verificáveis, a lei admite que a entidade empregadora o possa despedir com justa causa. Neste cenário de crise contratual, lecciona António Monteiro Fernandes que a cessação do contrato com fundamento em justa causa aparece como uma válvula de escape (op. cit., p. 547).
Constando que o contrato de trabalho nas suas versões gerais e especiais assume a forma de um contrato sinalagmático, atribuindo onerações e proveitos recíprocos às partes, como informa o artigo n.º 1 do artigo 76.º da CRA (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, op. cit. p. 76).
Nos anais do direito privado, para que haja cumprimento, é exigível que a prestação efectuada pelo devedor corresponda ao acordado, quer em termos qualitativos quer em termos quantitativos. Assim, o cumprimento pressupõe conformidade (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II – Direito das Obrigações, Tomo IV – Cumprimento e não Cumprimento, Transmissão, Modificação, Extinção e Garantias, Coimbra, Almedina, 2010, p. 21).
Nesta orla, vale referenciar, oportunamente, o arrimo presente no artigo 405.º do CC, que bem preceitua a cerca do dever de cumprimento das obrigações contratuais, de onde se desabrocha o princípio do pacta sunt servanda que o subjaz e o informa.
Ora, a justa causa para a extinção da relação laboral fundada na violação de deveres contratuais — subsunção legal convenientemente concebível no caso de um atleta que inditosamente oculta uma lesão que padece desde a infância — é perfeitamente plausível por embasada estar nos ditames legais, implicada pela conduta omissiva do trabalhador, comprometendo o desígnio fulcral pelo qual se celebrou o contrato, afectando, consequentemente, a sua manutenção.
Ao escrutar estes factos sob o prisma constitucional, procede que a Magna Carta consagra uma panóplia de direitos que acolitam tanto o empregador quanto o trabalhador, concebidos como fracções distintas, porém, pertencentes à uma mesma totalidade. Com isso, se pretende afirmar, que embora o trabalhador ocupe a posição mais vulnerável na relação de trabalho, a manifestação jurídica das garantias que o agasalham não lhe sobrevirá, isto é, não lhe prestará escolta se, porventura, os fundamentos que as invocam estiverem esvaziados de juridicidade.
Face ao exposto, conclui-se que Tribunal recorrido percorreu o caminho certo, constatando-se que houve justa causa objectiva decorrente da inaptidão física do Recorrente, pondo em crise a manutenção do vínculo jurídico-laboral. Assim, não procede o intento do Recorrente, porque o Acórdão sob escrutínio em nada conflitua com o preceito constitucional da tutela do direito à estabilidade no emprego.

e) Da violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.
O alicerce sobre o qual erige a pretensa violação, se consubstancia na falta de pronunciamento judicial em tempo útil, ou seja, no “alargado” lapso de tempo decorrido para a prolacção da decisão do processo em apreço, na jurisdição comum.
Por motivos de economia processual, vale tomar como assentes as considerações feitas nos tópicos precedentes, concernentes ao princípio da tutela jurisdicional efectiva e seu respectivo pendor elementar sob o prisma da análise dos direitos fundamentais.
A perspectiva de consecução de uma resposta judicial célere, vem sendo cada vez mais reclamada à laboração de quem julga a causa, embora seja do conhecimento geral que a celeridade processual por si só não se basta quando o que se almeja é a justiça no sentido e alcance mais puro.
A sua materialização depende, em boa verdade, da verificação da confluência de factores, sendo alguns respeitantes à própria jurisdição e outros não, cuja verificação apesar de se configurar crucial ao alcance do escopo da lide, nem sempre se acha sob total previsibilidade e domínio humano.
A manifestação jurídica reclama por um rigor processual emergido na legalidade da forma dos seus actos, decerto que, atento à demanda processual que avalancha as jurisdições, se torna quimérico cultivar a lógica de que os Tribunais decidem de modo tardio sem que haja causa bastante para o efeito.
Nesta ordem de ideias, não obstante a componente temporal seja elementar na sedimentação da justiça aspirada pelos litigantes, sob arrimo de a lentidão excessiva estorvar a efectividade da decisão judicial, vale assinalar que a “justiça não mais se destina, pois, apenas a dizer o direito, dirimindo litígios. Interessa, sim, que esse direito seja realizado concretamente e que as partes satisfaçam os interesses que os trouxe a Tribunal” (José Igreja Matos, op. cit. p. 85).
Portanto, a decisão em tempo útil requer uma gestão complexa – pendor raramente levado em consideração pelos litigantes – que dependendo da elaboração de cada caso, pode requerer o prolongamento da pendência do processo, impossibilitando que se fixe um horizonte temporal exacto para cada processo, considerado como “ideal”, durante o qual se apreciará o mérito da lide.
Assim sendo, este Tribunal entende que o Acórdão recorrido não violou os princípios da legalidade, da estabilidade do emprego, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, nem ofendeu o direito a julgamento justo e conforme, pois respeitou os limites da condenação.
Nestes termos,

DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EM VIRTUDE DE O ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO TER OFENDIDO NENHUM PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 18 de Dezembro de 2024.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dr. Gilberto de Faria Magalhães

Dr. João Carlos António Paulino (Relator)