ACÓRDÃO N.º 949/2024
Processo N.º 971-A/2022
Recurso para o Plenário
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
SONANGOL, E.P, melhor identificada nos autos, veio ao Tribunal Constitucional impetrar Recurso para o Plenário, contra o Despacho de rejeição proferido pela Juíza Conselheira Presidente em Exercício à data dos factos, referente à retenção do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, em sede da Reclamação n.º 962-D/22.
Admitido o Recurso e notificado para apresentar alegações em observância ao disposto no artigo 45.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), conforme se vê a fls 2 a 7 dos autos, alega em síntese que:
1. No dia 28 de Abril de 2022, foi notificada de um despacho liminar de rejeição da Reclamação e do REI, com o fundamento do objecto do REI agora apresentado já ter sido julgado e conhecido pelo Acórdão n.º 523/18, do Tribunal Constitucional, entendendo, ipso factum, estar verificada a excepção do caso julgado, pelo que “não pode o Tribunal Constitucional apreciar o assunto, posto que o poder jurisdicional desta Corte já se esgotou”.
2. Da comparação do objecto do Acórdão n.º 523/18 do Tribunal Constitucional e do objecto do REI, nota-se, de modo líquido, que o Despacho de rejeição fez uma interpretação errada do objecto do recurso interposto pela Recorrente, que é a decisão (Despacho com valor de Acórdão) da 1.ª Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, proferida no dia 20.09.2019, e do objecto do Acórdão n.º 523/18, que é o Acórdão da 1ª Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, proferida no dia 16.09.2015.
3. Não há, pois, nos termos do artigo 498.º do Código de Processo Civil, excepção de caso julgado, uma vez que o REI em causa, em todas as suas vertentes não foi conhecido e julgado por este Tribunal Constitucional.
4. O Acórdão n.º 523/18 deste Venerando Tribunal não conheceu nem julgou os factos colocados no REI mencionado, uma vez que se trata de factos de decisões posteriores a sua prolação.
5. O Despacho da Juíza Conselheira Presidente em exercício, que impede este Tribunal de conhecer e julgar o REI e de fiscalizar a constitucionalidade do Despacho (com valor de decisão final e valor de acórdão) de 20.09.2019, do Tribunal Supremo.
Termina pedindo a revogação do Despacho de rejeição e, em consequência, admissão do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, ordenando-se a imediata subida para o Tribunal Constitucional, para efeitos de conhecimento e julgamento do seu objecto.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Plenário do Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º e n.º 2 do artigo 8.º, ambos da Lei n.º 3/08, 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC).
III. LEGITIMIDADE
A Recorrente é parte legítima no processo n.º 962-D/22, que correu seus trâmites no Tribunal Constitucional. Tem direito a contradizer, segundo dispõe o n.º 2 do artigo 8.º do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo constitucional, por força do artigo 2.º da LPC.
IV. OBJECTO
O objecto do presente Recurso é o Despacho de rejeição de recurso proferido pela Juíza Conselheira Presidente em exercício, na Reclamação n.º 962-D/22. Verificar a alegada violação, dos princípios da legalidade, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e do julgamento justo e conforme.
V. APRECIANDO
A Recorrente Sonangol, E.P, com os demais sinais de identificação nos autos, interpôs recurso para o Plenário desta Corte Constitucional, inconformada com o Despacho da Juíza Conselheira Presidente em exercício, que rejeitou reclamação por si interposta no Tribunal Constitucional, em virtude da retenção do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, intentado junto do Tribunal Supremo.
Como se pode observar nos autos a fls. 59 e seguintes, a Recorrente é parte no Processo n.º 18/21, da 1.ª Câmara do Trabalho, do Tribunal Supremo, cujo Acórdão foi objecto de apreciação nesta Corte Constitucional, em sede de recurso extraordinário de inconstitucionalidade, sob o Processo n.º 526 -C/2016, de que resultou o Acórdão n.º 523/18, de 18 de Dezembro, que julgou inconstitucional o Acórdão do Tribunal Supremo proferido no âmbito do supra referido Processo n.º 18/21, resultando do mesmo o dever de reforma da decisão por parte do Tribunal Supremo. Dever que não foi cumprido, porquanto, o Juiz Relator naquela instância limitou-se a exarar um despacho ordenando o cumprimento da Decisão de 1.ª instância em função do Acórdão do Tribunal Constitucional.
Inconformado com o Despacho, dele interpôs recurso extraordinário de inconstitucionalidade, que não mereceu qualquer despacho por parte daquela Corte, dando lugar à reclamação desta junto do Tribunal Constitucional, entretanto rejeitado, com fundamento na existência de caso julgado.
Em face disso, evoca a Recorrente que o Despacho em apreço viola o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e o direito ao julgamento justo e conforme, pelo que, se impõe observar em que medida assistirá razão à Recorrente.
Decorre do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, disposto no artigo 29.º da Constituição, que todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja apreciada por um tribunal, não se confundido esta, com a garantia de ser decidida nos termos do pedido, mas sim em obter uma decisão alicerçada no princípio da legalidade. O direito de interpor a acção, de alegar e contra-alegar ali onde a lei prevê intervenção da parte na controvérsia.
Este princípio, visa garantir a plena harmonia da decisão com o princípio da legalidade. Todas as pessoas que intervenham junto das distintas jurisdições no Estado de Direito angolano, devem usar todos os meios de defesa, participando em todas as fases processuais permitidas por lei, até à prolacção da decisão.
Neste sentido, diz J.J. Gomes Canotilho que “(...) no direito de acesso aos tribunais inclui-se o direito de obter uma decisão fundada no direito, embora dependente da observância de certos requisitos ou pressupostos processuais legalmente consagrados. Por isso, a efectivação de um direito ao processo não equivale necessariamente a uma decisão favorável; basta uma decisão fundada no direito quer seja favorável quer desfavorável às pretensões deduzidas em juízo” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 2003, p. 498).
Quanto ao direito a julgamento justo e conforme, com previsão no artigo 72.º da CRA, amplamente consagrado em inúmeros instrumentos jurídicos de direito internacional, e incorporado no ordenamento constitucional e infraconstitucional da maioria dos países contemporâneos, podemos eleger o artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que estabelece “toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei”, e o artigo 7.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (1981) que dispõe que, 1. “Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja apreciada. Esse direito compreende: a) O direito de recorrer aos tribunais nacionais competentes de qualquer acto que viole os direitos fundamentais que lhe são reconhecidos e garantidos pelas convenções, as leis, os regulamentos e os costumes em vigor; d) O direito de ser julgado num prazo razoável por um tribunal imparcial.”
Um julgamento é considerado justo quando são acautelados e respeitados, pelos tribunais, os princípios da imparcialidade, independência e de equidade no tratamento das partes e seus representantes.
Outrossim, o Acórdão n.º 741/2022, desta Corte Constitucional, (pág. 5), ressalta que, (...) para que o julgamento seja justo e conforme, é essencial que se verifique o pressuposto da imparcialidade e independência dos juízes, que o julgamento seja baseado na equidade e igualdade de armas, que as garantias processuais das partes sejam asseguradas durante todo o processo, que seja dado direito a assistência e patrocínio judiciário das partes, para que estas possam exercer na plenitude o direito à defesa, o direito a recurso e que a demanda tramita e seja decidida dentro dos parâmetros constitucionais e legais (disponível em www.tribunalconstitucional.ao).
Dilucidados os princípios e olhando para o caso concreto, a fls. 33 dos autos, se afere que “o fundamento da rejeição do recurso, sustenta-se no facto de o Tribunal Constitucional já ter apreciado a matéria da reclamação, no âmbito de outro processo autuado com o n.º 526-C/2016, tendo prolactado, na altura, o Acórdão n.º 523/18, pelo que, verifica-se, aqui, a excepção do caso julgado, nos termos dos artigos 497.º e 498.º ambos do Código de Processo Civil” (CPC).
Deste modo, não pode o Tribunal Constitucional reapreciar o Processo posto que o poder jurisdicional desta Corte já se esgotou, nos termos do n.º 1 do artigo 666.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC).
Fazendo alusão ao n.º 1, in fine, do artigo 497.º do Código de Processo Civil, há lugar a excepção peremptória do caso julgado quando a repetição se verificar depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.Bem assevera a Recorrente nos articulados 17.º e 18.º das suas alegações, que “o facto de uma decisão já ter sido declarada inconstitucional, em sede de recurso, e ordenada a sua reforma, não impede que a constitucionalidade da reforma da decisão venha a ser novamente questionada junto deste Tribunal; aliás, a decisão judicial que reforme outra decisão pode entrar em choque com normas, princípios legais e constitucionais e direitos fundamentais”.
Sucede que, esta reforma do Acórdão n.º 523/18, ainda não aconteceu, pois, o Despacho do Juiz Relator de fls. 469 do processo principal, junto do Tribunal Supremo, aqui posto em crise, não tem valor de acórdão, encontrando-se, por conseguinte, o referido Acórdão do Tribunal Constitucional, por se executar, não decorrendo deste facto violação dos princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, bem como o direito a julgamento justo e conforme.
Nestes termos
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, MANTENDO-SE O DESPACHO DE REJEIÇÃO PROFERIDO PELA JUÍZA CONSELHEIRA PRESIDENTE EM EXERCÍCIO, NOS SEUS PRECISOS TERMOS.
Sem custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 19 de Dezembro de 2024.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) (Declarou-se Impedida)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel do Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dr. João Carlos António Paulino
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora)