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ACÓRDÃO N.º 950/2024


PROCESSO N.º 1196-D/2024

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade (Habeas Corpus)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:


I. RELATÓRIO
Walter Ribeiro Raposeiro, melhor identificado nos autos, veio a este Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 41.º e da alínea a) do artigo 49.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade da Decisão do Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação do Lubango, prolactada a 19 de Abril de 2024, no Processo n.º 67/2024, que indeferiu a providência de habeas corpus com fundamento na legalidade da prisão do Recorrente.

Por não se ter conformado com a decisão jurisdicional, o Recorrente interpôs o presente recurso e, em síntese, alegou o seguinte:

1. O Recorrente encontra-se preso na Unidade Penitenciária da Comarca do Lubango há mais de 20 meses.

2. Foi detido a 27 de Setembro de 2021 por se considerar existirem indícios da prática dos crimes de violência doméstica, homicídio qualificado em razão da qualidade da vítima, denúncia caluniosa e homicídio simples na forma tentada, tendo o Ministério Público aplicado a medida cautelar de prisão preventiva.

3. Volvidos 4 meses, isto é, a 26 de Janeiro de 2022, a medida de prisão preventiva inicialmente aplicada foi alterada para a de Termo de Identidade e Residência.

4. Após um curto período de liberdade, tendo havido acusação, com o Processo registado sob o n.º 1456/22-D, no dia 26 de Outubro de 2022, em virtude da reapreciação da medida de coacção pessoal, o Juiz da causa em primeira instância, por despacho alterou a medida de coacção para a mais gravosa prisão preventiva, tendo o Recorrente, retornado à Unidade Penitenciária.

5. Em Abril de 2023, o Recorrente foi condenado em primeira instância na pena de 22 anos de prisão. Após prolacção da decisão, interpôs recurso com efeito suspensivo junto do Tribunal da Relação do Lubango, com o Processo registado sob o n.º 034/2023. Com o mesmo efeito suspensivo foi interposto recurso tempestivo e admitido para o Tribunal Supremo.

6. Em decorrência da medida de coacção a que estava submetido manteve-se encarcerado, pois, decorria o prazo de prisão preventiva. No dia 26 de Outubro de 2023, o Recorrente completou 16 meses, somados aos 4 meses de 2021, 18 meses no dia 26 de Dezembro de 2023, cumprindo com o prazo regra estabelecido por lei e 20 meses no dia 26 de Fevereiro de 2024.

7. Deste modo, o Recorrente encontra-se sob medida de coacção pessoal, designadamente, prisão preventiva há mais de 20 meses completados a 26 de Fevereiro de 2024, descortinando-se um excesso de prisão preventiva.

8. O Tribunal da Relação fundamenta a sua Decisão de manutenção da prisão preventiva com base no artigo 57.º da CRA, legitimando a violação do princípio da legalidade e a consequente restrição do direito à liberdade e a garantia de habeas corpus do Recorrente, para salvaguarda de outros direitos constitucionais.

9. A Constituição tutela direitos, liberdades e garantias a todos os cidadãos, tendo em conta o princípio da igualdade cfr. artigo 23.º da CRA, o Tribunal ad quem, num dos seus fundamentos destaca que pesou na decisão, o facto do Recorrente ter dupla nacionalidade, o que é um atentado ao princípio da igualdade material de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo.

10. Deste modo, a decisão assumida pelo Tribunal da Relação do Lubango, constitui manifestamente uma medida individualizada aplicada ao Recorrente com o objectivo de tornar eficaz o processo penal que recai sobre si.

11. Não pode o Recorrente sofrer as mazelas da privação de liberdade em razão, exclusivamente, da ineficiência administrativa do Estado na efectivação dos procedimentos processuais.

O Recorrente termina requerendo que seja declarada a insconstitucionalidade da decisão recorrida, dando-se provimento à providência e em consequência seja restituido à liberdade nos termos do artigo 68.º da CRA e n.º 1 do artigo 284.º do CPPA.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do parágrafo único do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º, da Lei n. º2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).

III. LEGITIMIDADE

Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, dispõem de legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional “as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

O Recorrente foi parte do Processo n.º 67/24, que tramitou junto do Tribunal da Relação do Lubango, não se conformando com a Decisão prolactada, tem, pois, legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

IV. OBJECTO

O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem por objecto verificar se a decisão proferida pelo Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação do Lubango, em sede do Processo n.º 67/24, que indeferiu a providência extraordinária de habeas corpus, ofendeu princípios ou violou direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.

V. APRECIANDO

O presente recurso foi interposto da decisão final do Tribunal da Relação do Lubango, que negou, provimento à providência de habeas corpus requerida pelo Recorrente. Nos termos da alínea a) e do parágrafo único do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º, da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).

Nos termos da alínea e) do artigo 3.º e da alínea a) do artigo 49.º, ambos da LPC, cabe a este Tribunal Constitucional, porque competente, apreciar o presente recurso.

O habeas corpus é uma providência com dignidade constitucional consagrada na Constituição da República de Angola e do ponto de vista processual traduz-se numa providência excepcional, contra situações anómalas de privação de liberdade, consubstanciadas no abuso de poder perpetrado por órgãos judiciários do Estado, através da imposição de prisão ou detenção ilegal de qualquer cidadão, e tem por finalidade a reposição da legalidade mediante uma decisão tuteladora do direito fundamental à liberdade física ou de locomoção dos cidadãos.

Decorre dos autos que o Recorrente foi preventivamente detido a 27 de Setembro de 2021, por existirem indícios da prática dos crimes de violência doméstica, homicídio qualificado em razão da qualidade da vítima, denúncia caluniosa e homicídio simples na forma tentada, tendo neste interim, o Ministério Público aplicado a medida cautelar de prisão preventiva. Contudo, a referida medida veio a ser alterada para a de Termo de Identidade e Residência no dia 26 de Janeiro de 2022.

Considerando, contudo, os factos vertidos nos autos e após um curto período de liberdade, e porque acusado da prática dos crimes de que vinha indiciado conforme o Processo registado sob o n.º 1456/22-D, no dia 26 de Outubro de 2022, o Juiz da causa em primeira instância, por despacho alterou a medida de coacção para a mais gravosa de “prisão preventiva” e o arguido recolhido aos calabouços da Unidade Penitenciária em virtude da reapreciação da medida de coacção pessoal.

O Recorrente foi condenado em primeira instância na pena de 22 anos de prisão em Abril de 2023. Inconformado, interpôs recurso ordinário para o Tribunal da Relação do Lubango, tendo em sede de reapreciação da decisão alterada a pena e condenado a 26 anos de prisão no dia 21 de Março de 2024.

Por considerar que a sua prisão é ilegal interpôs uma providência cautelar no TRL tendo sido negada, e na sequência recorrido ao Tribunal Supremo que de igual modo negou provimento àquela providência.

Inconformado, veio ao Tribunal Constitucional, interpor recurso da providência requerida, entretanto, negada pelo Tribunal da Relação do Lubango.

Vejamos pois se lhe assiste razão;

Nos termos do artigo 68.º da CRA, o interessado pode requerer, perante o Tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude da detenção ou prisão ilegal. A referida providência é o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais do cidadão.

Porém, a interposição da providência de habeas corpus deve ser fundamentada e só é possível desde que verificados os pressupostos previstos no n.º 4 do artigo 290.º do CPPA, nomeadamente “ser a prisão ou detenção efectuada sem mandado da autoridade competente; Estar excedido o prazo para entrega do arguido detido ou preso preventivamente ao magistrado competente para a validação da detenção ou prisão preventiva; Manter-se a privação da liberdade para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial; Manter-se a privação da liberdade fora dos locais para este efeito autorizados por lei; Ter sido a privação da liberdade ordenada ou efectuada por entidade incompetente; Haver violação dos pressupostos e das condições da aplicação da prisão preventiva”.

É o legislador processual penal que indica os prazos máximos da prisão preventiva de modo a salvaguardar as chamadas garantias constitucionais do arguido em processo penal, bem como, garantir o princípio da celeridade processual, e fá-lo mediante a definição de prazos mínimos e máximos de prisão preventiva que variam de 4 meses à 18 meses (n.º 1 do artigo 283.º CPPA), podendo os referidos prazos ser alargados desde que fundamentado, para 6 meses, 8 meses, 14 meses e até ao prazo de 20 meses em função da qualidade ou gravidade do crime ou crimes em causa, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos ou nos processos que se revestem de especial complexidade (…), do carácter violento ou organizado do crime e do particular circunstancialismo em que foi cometido (n.º 2 do artigo 283.º do CPPA).

No caso sub judice, embora o Recorrente em sede das suas alegações apresente fundamentos para sustentar, o seu pedido a providência de habeas corpus legalmente prevista, decorre dos autos que o mesmo totalizou 20 meses de prisão preventiva no dia 26 de Fevereiro de 2024, prazo limite legal previsto no n.º 2 do artigo 283.º do CPPA.

Em Abril de 2024 foi notificado da sentença que recaiu sobre o recurso ordinário referente ao Processo n.º 034/2023-CRL1 da Câmara Criminal do Tribunal da Relação do Lubango que confirmou a Decisão recorrida.

A providência requerida seria, entretanto, atendida em face da preclusão dos prazos de prisão preventiva e dos elementos juntos ao requerimento petitório. Contudo, das diligências efectuadas este Tribunal tomou conhecimento que sobre o recurso interposto pelo Recorrente junto do Tribunal Supremo - recurso de apelação - aquele Tribunal confirmou a decisão recorrida, aos 12 de Setembro de 2024, em sede do Processo n.º 6276/24, decisão esta notificada ao Recorrente aos 14 de Novembro de 2024.

Maia Costa, assevera que “é fundamento de habeas corpus a ilegalidade que existir ou perdurar ao tempo da apreciação do pedido. O que significa que qualquer ilegalidade verificada em fase anterior do processo, que já não persista quando o pedido é julgado, não pode servir de fundamento de habeas corpus” (Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, p. 908).

Com efeito, ao ser notificado da decisão do Tribunal Supremo que confirma a decisão condenatória, fica extinta a causa principal que fundamentou o pedido de habeas corpus.

Nestes termos,
DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DECLARAR A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA, POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, NOS TERMOS DA ALÍNEA E) DO ARTIGO 287.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, SUBSIDIARIAMENTE APLICÁVEL POR FORÇA DO ARTIGO 2.º DA LEI DO PROCESSO CONSTITUCIONAL.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 19 de Dezembro de 2024.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva

Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Dr. Gilberto de Faria Magalhães (Relator)

Dr. João Carlos António Paulino

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto