ACÓRDÃO N.º 951/2025
PROCESSO N.º 1191-C/2024
Relativo a Partidos Políticos e Coligações de Partidos Políticos (Recurso para o Plenário)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
A Comissão Instaladora do Partido Pacificador Democrático, com os demais sinais identificativos nos autos, representada pelos respectivos mandatários, veio ao Plenário do Tribunal Constitucional interpor o presente recurso do Despacho proferido pela Juíza Conselheira Presidente desta Corte, a 22 de Julho de 2024, que rejeitou a inscrição e determinou o cancelamento do credenciamento.
O aludido Despacho tem como fundamento o facto de a Comissão Instaladora do Partido não ter apresentado a esta Corte os requisitos legais imprescindíveis, para efeitos da sua inscrição, nos termos do disposto no artigo 14.º, dando lugar à rejeição do pedido de inscrição, nos termos da alínea b) do artigo 16.º e da parte final do n.º 6 do artigo 12.º, todos da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos, designadamente:
a) Não ter apresentado o número mínimo de 7.500 subscrições;
b) Declarações de aceitação suportadas por fotocópias de Bilhetes de Identidade ilegíveis e caducados;
c) Declarações de aceitação de cidadãos menores de 18 anos de idade;
d) Declarações de aceitação sem assinatura dos referidos subscritores;
e) Declarações de aceitação desacompanhadas das declarações colectivas ou atestados individuais de residência;
f) Em 4 (quatro) províncias, nomeadamente Cunene, Lunda Norte, Malanje e Zaire, a Comissão Instaladora apresentou assinaturas em números inferiores ao mínimo legal exigível (150);
g) Processos de subscrição repetidos.
A Recorrente, inconformada com o Despacho de rejeição, expôs as razões fácticas e de direito que fundamentam o presente recurso, invocando, em síntese, o seguinte:
1. Deu entrada do processo de inscrição para aquisição do estatuto e qualidade de Partido Político, no dia 19 de Junho de 2024.
2. Recebeu o processo (nota) de rejeição de inscrição e cancelamento do credenciamento da Comissão Instaladora, no dia 09 de Agosto de 2024.
3. A rejeição de inscrição e cancelamento de credenciamento teve como fundamento, as razões vertidas no Despacho em anexo.
4. Compulsado o processo, foram detectadas irregularidades, facto que fez com que fosse dado um prazo, ao abrigo do estatuído no n.º 3 do artigo 15.º da Lei dos Partidos Políticos.
5. A Comissão Instaladora fez tudo o que devia para completar o vácuo atinente ao número de 7.500 cidadãos que, no mínimo, devem subscrever o projecto de partido político e pelo menos 150 residentes em cada uma das províncias que integram o País e mais outras que constam dos anexos.
6. As Administrações Municipais, que são entidades desconcentradas da Administração Central do Estado, foram um entrave considerável no cumprimento da obrigação a que a comissão estava adstrita, pois, sem a colaboração da administração local era impossível a efectivação de tal desiderato.
7. Louva a prorrogação de 15 dias concedidos à Comissão Instaladora do Partido Pacificador Democrático, para efeitos de inscrição.
8. Sucede que, no espírito cabal do cumprimento do tempo concedido, a Comissão Instaladora tinha preparado todo arcabouço de elementos adicionais para a completude das insuficiências registadas na fase anterior.
9. Todavia, na data em que a Comissão Instaladora se dirigiu ao Tribunal Constitucional, recebeu a informação segundo a qual, por conta e em decorrência das comemorações do aniversário da CRA, não seria possível a recepção de quaisquer expedientes.
10. Considerando que, nestas condições e circunstâncias, em sujeição diante desta situação unilateral do Tribunal Constitucional, era impossível a apresentação do ônus.
11. Nos termos do artigo 101.º da Lei n.º 31/22, de 30 de Agosto – Código do Procedimento Administrativo, os órgãos responsáveis são obrigados, no prazo máximo de 10 dias, a emitirem certidões ou declarações que tenham sido solicitados pelos particulares, o que não foi cumprido e observado pelas administrações municipais.
12. O facto de as administrações municipais não terem passado os certificados (atestados de residência individuais), constituiu um justo impedimento para a comissão instaladora (vide subsidiariamente o artigo 146.º do Código do Processo Civil).
13. Considerando que a existência de mais um Partido Político solidifica o processo democrático e por meio disso a ampliação de espaços de expressão de opinião pública sobre Angola, é mister que este Augusto Tribunal actue com alguma ponderação do contexto e da realidade prática que se vive neste país.
14. Nos termos do artigo 20.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável ao caso sub judice mediante adaptação permitida, a Administração Pública deve, aquando da respectiva actuação e relação com os particulares, se revestir de boa-fé. Considerando que das 7.500 subscrições exigíveis pela Lei dos Partidos Políticos, a comissão instaladora recolheu mais de 90% daquelas, em primeira instância e já dispõe da totalidade anteriormente em falta, numa primeira visão, considera ter cumprido integralmente as exigências para a sua pretensão.
15. Longe de qualquer intenção de diabolizar esse Augusto Tribunal, requer que se digne entender as razões objectivas da não remessa dos elementos adicionais, solicitando o bom senso para permitir que haja uma nova moratória para indexar ao processo os elementos que confirmem a certeza de que a Comissão Instaladora cumpriu com os requisitos para inscrição do PPD.
16. No espírito da equidade e se for considerado mais razoável e ponderado que, pelo facto de a Comissão Instaladora ter completado a maioria dos subscritores e já em posse das restantes, não as tendo dado entrada no período de prorrogação, por circunstâncias desculpáveis por se alhearem à sua vontade, conforme já acima referido, permitir que a Comissão Instaladora termine com o processo de legalização do Partido Político.
17. Não obstante as várias situações constrangedoras, submeteu ao Tribunal Constitucional, um total de 6.513 processos, dos quais 5.866 estão conformes e 647 desconformes. Não foi possível efectuar a remessa na data prevista dos 1.531 processos, porquanto, a mesma coincidiu com o aniversário referente às comemorações da Constituição da República de Angola, e um funcionário deste Tribunal, orientou que se retornasse noutro dia, porquanto, naquele já não seria possível.
Conclui, alegando que, a Comissão Instaladora cumpriu com todos os pressupostos das alíneas a), b), c), d) e e) do artigo 14.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
Em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (LPP), conjugado com as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 64.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC) e com a alínea i) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), compete ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar e decidir sobre o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
A Comissão Instaladora do Partido Pacificador Democrático tem interesse em demandar, ao abrigo do n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos e do artigo 26.º do Código de Processo Civil – aplicável ex vi do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional (LPC), possuindo legitimidade para interpor o presente recurso.
IV. OBJECTO
O recurso ora interposto tem como escopo verificar se o despacho de rejeição, datado de 22 de Julho de 2024, prolactado pela Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, mediante o qual foi rejeitada a inscrição do Partido Pacificador Democrático e extinta a respectiva Comissão Instaladora, violou ou não a Constituição e a lei.
V. APRECIANDO
O presente recurso impugna a decisão que negou a inscrição do Partido Pacificador Democrático (PPD) e peticiona que seja revogado o Despacho de rejeição de inscrição do projecto de partido político, bem como a revogação do cancelamento do credenciamento da respectiva Comissão Instaladora.
Assistirá razão à Recorrente?
Veja-se.
A criação de partidos políticos está sujeita a um rigoroso arcabouço normativo, com fulcro na Constituição da República de Angola (CRA) e legislação correlacta. No entanto, o acto constitutivo de partidos políticos, indispensáveis à democracia, está adstrito a um quadro legal que delimita as condições e os procedimentos a serem observados.
Como fundamentos da inadmissibilidade da inscrição do projecto de partido político, são elencados os seguintes: (i) apresentação a esta Corte, de um total global de 6.513 fichas de subscrições, das quais 5.866 assinaturas estão conformes e 647 não conformes; (ii) a apresentação das declarações de aceitação suportadas por fotocópias de Bilhetes de Identidade ilegíveis e caducados; (iii) a apresentação de declarações de aceitação de cidadãos menores de 18 anos de idade; (iv) a apresentação de declarações de aceitação sem assinatura dos referidos subscritores; e (v) a apresentação de declarações de aceitação desacompanhadas das declarações colectivas ou atestados individuais de residência; (vi) em 4 (quatro) províncias, nomeadamente Cunene, Lunda Norte, Malanje e Zaire, a Comissão Instaladora apresentou assinaturas em número inferior ao mínimo legal exigível (150), bem como, (vii) a apresentação de processos de subscrição repetidos (cf. fls. 38-39).
Face ao exposto, é imperativo ressaltar que a Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (adiante LPP) é o diploma legal que disciplina a matéria em apreço, delineando os critérios para a criação de partidos políticos.
A aludida lei estabelece, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º, que “a inscrição de um partido político é feita a requerimento de, no mínimo de 7500 cidadãos, maiores de 18 anos e no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, devendo, entre os requerentes, figurar, pelo menos, 150 residentes em cada uma das províncias que integram o país”.
Ademais, à luz do estatuído no n.º 2 do artigo 14.º da LPP, são elencados, entre outros, como requisitos de inscrição de um partido político: i. declaração expressa de aceitação de cada subscritor (alínea e); e ii. atestado de residência (alínea g)).
Por conseguinte, a Constituição da República de Angola, prevê expressamente na alínea g) do n.º 2 do artigo 17.º, o princípio da representatividade mínima.
Do exame da legislação pertinente, é possível inferir que a inscrição de um Partido Político está condicionada à apresentação completa de todos os documentos exigidos pelo Tribunal Constitucional, nos termos da lei. Logo, é imprescindível que todos os requisitos legais sejam taxativa e integralmente atendidos de modo a permitir que o pedido de inscrição seja deferido.
Neste sentido, é curial salientar que a criação de partidos políticos se desenvolve dentro dos limites impostos pela ordem jurídica angolana, tendo em vista, sobretudo, a Constituição da República de Angola (CRA) e as normas legais pertinentes. Aliás, o Estado está subordinado à Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis. É o que resulta do plasmado no n.º 2 do artigo 6.º da CRA.
Por outro lado, a imposição de um quórum mínimo de assinaturas para a constituição de partidos políticos, conforme previsto na legislação angolana, encontra amparo no princípio constitucional da representatividade política, visando assegurar a existência de partidos com bases sociais sólidas e capazes de expressar os interesses da colectividade.
Deste modo, o processo de inscrição de um partido político está adstrito aos rígidos parâmetros da legalidade, da tipicidade e da taxatividade, sendo imposta a observância integral das disposições normativas aplicáveis, sob pena de invalidade do acto. Aliás, este entendimento é pacífico e bastante sedimentado na jurisprudência desta Corte, tal como se depreende da análise de precedentes firmados nos Acórdãos n.º 890/2024, 867/2023, 601/2020, 500/2018 e 370/2015 (disponíveis em: www.tribunalconstitucional.ao).
De resto, o juízo competente, ao analisar o pedido de inscrição do PPD, verificou a ausência de requisitos legais essenciais, decidindo pela improcedência do pedido e pelo cancelamento do credenciamento da respectiva Comissão Instaladora. Aliás, o princípio da legalidade constitui o alicerce sobre o qual se assenta a validade da inscrição de um partido político, exigindo, no entanto, o cumprimento de todos os requisitos previstos em lei.
Dos autos, a fl. 19, se extraem as alegações segundo as quais, “não foi possível efectuar a remessa na data prevista dos 1.531 processos, porquanto, a mesma coincidiu com o aniversário referente às comemorações da Constituição da República de Angola, e um funcionário deste Tribunal, orientou que se retornasse noutro dia, porquanto, naquele já não seria possível.”
Ora, o aludido trecho busca, efectivamente, justificar o incumprimento de uma diligência (remessa de processos), por alegada orientação recebida de um funcionário desta Corte, no sentido de que a recepção dos documentos não poderia ser realizada naquele dia em virtude das comemorações do aniversário da Constituição da República de Angola.
Os autos, por sua vez, não evidenciam a existência de qualquer acto formal que comprove a referida orientação, deste modo, a justificação apresentada, baseada em uma suposta orientação verbal, carece de precisão e objectividade, não sendo apta a ilidir a obrigação legal de cumprimento dos requisitos processuais em torno da pretensa inscrição do Partido Político.
Ademais, a fls. 16 e 18 se extrai que “as administrações municipais foram um entrave considerável no cumprimento da obrigação a que a comissão estava adstrita, pois, sem a colaboração da administração local era impossível a efectivação de tal desiderato” e em consequência disso requer a esta Corte “que se digne a entender as razões objectivas da não remessa dos elementos adicionais, solicitando o bom senso ao permitir que haja uma nova moratória para indexar ao processo os elementos que confirmem a certeza de que a Comissão Instaladora cumpriu com os requisitos para inscrição do PPD”.
Sob esse prisma, cabe destacar que a inscrição de um partido político está condicionada ao atendimento dos requisitos expressamente previstos em lei. Dito de modo diverso, a análise do pedido de inscrição de partido político deve ser estribada, estritamente, nos requisitos legais, sendo vedada a consideração de critérios subjectivos ou extralegais, devendo a entidade competente, analisar a documentação apresentada à luz da legislação vigente.
De resto, esta Corte de Justiça Constitucional, ancorada nos fundamentos expostos conclui que o Despacho recorrido está devidamente amparado por sólidos fundamentos Constitucionais e legais.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AOS PEDIDOS DE REVOGAÇÃO DO DESPACHO DE REJEIÇÃO DE INSCRIÇÃO DO PROJECTO DE PARTIDO POLÍTICO E A EXTINÇÃO DA RESPECTIVA COMISSÃO INSTALADORA E, EM CONSEQUENQUÊNCIA, MANTER O DESPACHO RECORRIDO.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 14 de Janeiro de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) (Declarou-se Impedida)
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino (Relator)
Josefa Antónia dos Santos Neto
Lucas Manuel João Quilundo
Maria da Conceição de Almeida Sango
Vitorino Domingos Hossi