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ACÓRDÃO N.º 952/2025

 

PROCESSO N.º 1194-B/2024

Relativo a Partidos Políticos e Coligações (Providência Cautelar)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Ivo Miguel Ginguma e Outros, com os demais sinais de identificação nos autos, vieram, na qualidade de membros fundadores do Partido Humanista Angolano, e ao abrigo das disposições conjugadas da alínea j) do artigo 3.º e da alínea d) do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC) do n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (LPP), e do artigo 399.º e ss do Código de Processo Civil (CPC), propor procedimento cautelar não especificado de suspensão de acto e abstenção da prática de actos contra o aludido Partido.

Para lograr a sua pretensão, os Requerentes sustentam, em síntese, o seguinte:
1. Os Requerentes são membros da Comissão Política Nacional (CPN) do Partido Humanista Angolano, órgão deliberativo, tendo sido eleitos em Assembleia constitutiva, no dia 05 de Abril de 2021, para um mandato de 4 anos, com anotação do Tribunal Constitucional.

2. Apesar de, estatutariamente, este órgão reunir-se a cada 15 (quinze) dias, para deliberar os principais assuntos do Partido, sucede que o mesmo nunca reuniu.

3. No pretérito dia 06 de Setembro de 2022, logo após as Eleições Gerais, a Presidente do Partido, com a intenção de enfraquecer o órgão deliberativo, a Comissão Política Nacional, exarou, unilateralmente, violando o artigo 42.º dos Estatutos, uma Resolução para reduzir e estabilizar a estrutura organizacional e redefinir atribuições orgânicas para eficiência administrativa.

4. Por meio desta Resolução, aprovada unilateralmente, procedeu à indicação dos Requerentes como candidatos a ingressarem a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), sem discussão e aprovação do órgão competente do Partido, a CPN, julgando, erroneamente, que com esta indicação os Requerentes cessariam automaticamente as suas funções como membros da Comissão Política Nacional.

5. A referida Resolução unilateral foi proferida ad referendum, o que significa que tal decisão deveria ser submetida à análise, discussão e aprovação pelo órgão deliberativo do Partido, o que não aconteceu até a data presente, conforme disposto no n.º 1 do artigo 48.º dos Estatutos.

6. Como se não bastasse, com a intenção de usurpar as competências da CPN, a Presidente do Partido alterou de forma unilateral a lista dos Vice-Presidentes do Partido eleitos em Assembleia constitutiva, anotada pelo Tribunal Constitucional, e criou uma figura de Primeiro Vice-Presidente, não previsto estatutariamente, onde indicou o Sr. Fernando Hombo Dinis, Deputado do Partido, para exercer tal cargo sem análise, discussão e aprovação do órgão competente do partido, a CPN, nos termos dos artigos 41.º e 42.º dos Estatutos.

7. Inconformada, a Presidente do Partido criou através desta Resolução, ao arrepio dos Estatutos, a figura dos Mandatários Presidenciais, cujo objectivo destes membros é de usurpar as competências dos Presidentes Provinciais eleitos na Assembleia constitutiva.

8. A Presidente do Partido, em sucessivas violações aos Estatutos do Partido, nomeia e exonera os Vice-Presidentes e os Presidentes Provinciais eleitos na Assembleia constitutiva, altera a seu bel-prazer a cotização do Partido, conforme se pode aferir nos Despachos que aqui se anexam e se dão por integralmente reproduzidos.

9. Os Vice-Presidentes, tendo se apercebido de tais violações, e tendo tomado conhecimento de várias acusações sobre a má-gestão do Partido, remeteram uma carta solicitando que a Presidente convocasse uma reunião da Comissão Política Nacional, no sentido de conformar tais actos.
10. Esta solicitação não teve o melhor acolhimento por parte da Presidente do Partido que passou a acusar os Vice-Presidentes, ora Requerentes, de iniciarem uma campanha de desinformação, incitação ao ódio e violência, vandalismo, difamação, calúnia e injúria no seio do Partido.

11. Todavia, como consequência de tais acusações infundadas, o Partido fez sair um comunicado, no dia 20 de Agosto de 2024, assinado por alguém que se intitula vice-presidente, indicado pala Sra. Presidente do Partido, no entanto, sem ter sido eleito na única Assembleia constitutiva do Partido, realizada em 2021.

12. Com base em tal comunicado, os Requerentes, que ocupavam os cargos de Vice-Presidentes, eleitos na aludida Assembleia constitutiva, foram expulsos do Partido sem a instauração de um processo disciplinar, proibindo-os de falar em nome do Partido e também de terem acesso a todas as suas instalações.

13. A doutrina sobre medidas cautelares e tutela de urgência destaca que, em casos onde há risco de danos graves e de difícil reparação, o Poder Judiciário deve agir prontamente para suspender tais actos. No contexto partidário, a perpetração de actos ilegais pode ter consequências irreversíveis, como o enfraquecimento da democracia interna e a perda da legitimidade.

14. Havendo justo receio da continuidade da prática de actos que vinculem o Partido e violem gravemente os seus Estatutos, bem como ameacem a democracia interna e os direitos dos membros dos órgãos deliberativos, por quem não tem legitimidade para tal, sendo tais actos muito difíceis de reparar numa acção principal, os Requerentes vêm propor a presente providência cautelar não especificada.

15. Nos termos do artigo 399.º do CPC, nos casos de fundado receio de que outrem possa causar uma lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer uma providência adequada, antes da acção ser proposta, ou na pendência dela. Dispõe o artigo 15.º dos Estatutos do Partido que estão assegurados o exercício de ampla defesa a todos os membros, independentemente do cargo que ocupem, quando sujeitos a medidas disciplinares.

16. Dispõe ainda o artigo 16.º dos Estatutos, que é garantido o princípio do contraditório e ampla defesa aos membros sujeitos a sanções disciplinares, o que não aconteceu, tendo o Partido expulsado três membros eleitos por intermédio de um comunicado. De tal forma que o acto de expulsão dos Requerentes viola também a alínea c) do artigo 8.º da LPP.
17. Compete à CPN, nos termos da alínea l) do artigo 38.º dos Estatutos, nomear os dirigentes provinciais e homologar os dirigentes municipais indicados pelos provinciais, bem como aprovar as resoluções do Partido, nos termos do artigo 43.º dos Estatutos.

Os Requerentes, considerando estarem reunidos os requisitos e justificada a presente providência cautelar, concluem pedindo que seja recebida e, julgada procedente e, em consequência:

a) Que sejam suspensos todos os despachos de exonerações e nomeações aludidas neste Requerimento;

b) Que seja suspenso o acto de expulsão dos Requerentes do Partido e consequentemente a retoma imediata das suas funções na Comissão Política Nacional;

c) Que seja a Presidente do Partido intimada a se abster de praticar actos da competência do órgão deliberativo.

Citado para exercer o contraditório, veio o Partido Humanista de Angola, apresentar a sua contestação, com os fundamentos de razão que a seguir se transcrevem, em síntese:
• Da Litigância de Má-Fé

1. Salvo o devido respeito, resulta da análise dos factos articulados no seu Requerimento, bem como da análise geral de todos os factos que escoltam o assunto subjudice que, hic et nunc, estamos perante perfeita litigância de má-fé, prevista no artigo 456.º do CPC, porquanto os Requerentes têm plena consciência de que o Requerido sempre agiu em conformidade com os princípios e objectivos que estão na base do seu surgimento e em prol dos interesses da colectividade e dos seus membros.

2. Os factos supra descritos constituem razões suficientes para se concluir que a conduta dos Requerentes é subsumível ao conceito de má-fé, devendo ter o tratamento descrito nos artigos 456.º e 457.º do CPC.

• Por Excepção

a) Ineptidão da petição inicial

3. Na presente providência, os Requerentes peticionam a suspensão de todos os despachos de exonerações e nomeações apresentadas no seu Requerimento, e, consequentemente, retomarem, imediatamente, às suas funções na Comissão Política Nacional e a intimação da Presidente do Partido a se abster de praticar actos da competência do órgão deliberativo, mas, apesar de sorrateiramente ocultarem factos e datas, resulta da leitura atenta ao Requerimento que, na data dos factos, os Requerentes, a seu pedido e consentimento, já não eram membros da Comissão Política Nacional desde o dia 6 de Setembro de 2022.

4. Aliás, conforme os Requerentes descrevem, essencialmente, aos 06 de Setembro de 2022, logo após as Eleições Gerais, foram indicados à CNE, consentiram, não reclamaram nem impugnaram e, imediatamente, cessaram as suas anteriores funções no Partido, sendo certo que, ainda que por mera hipótese, se considere o referido facto como verdadeiro, contados até a data da propositura da presente providência já decorreram mais de dois anos.

5. Constata-se deficiência considerável no seu requerimento que afecta a sua finalidade, constituindo uma das principais nulidades legalmente previstas, por isso, de conhecimento oficioso conforme previsto nos artigos 193.º e 202.º, ambos do CPC, cuja verificação gera indeferimento liminar ou absolvição da instância, nos termos dos artigos 474.º e 479.º do CPC.

6. Na referida providência, há, ainda, contradição entre o pedido e a causa de pedir, bem como há cumulação de pedidos substancialmente ou intrinsecamente inconciliáveis (incompatíveis), nos termos dos artigos 193.º e 470.º do CPC.

b) Caducidade

7. os Requerentes entenderam procurar o Tribunal Constitucional para requerer a suspensão de actos que neles participaram e consentiram quando sabiam que, pelo decurso do tempo considera-se extemporânea a prática de actos, uma vez que as aludidas decisões há muito que entraram em vigor, precludindo os prazos legais para a sua suspensão.

8. Assim sendo, o pretenso direito alegado pelos Requerentes, caso, por mera hipótese, algum dia tivesse existido, já caducou, ainda que se ignorasse tudo e se tentasse ficcionar uma hipótese de violação dos Estatutos do Partido.

• Por Impugnação


9. São falsas, tendenciosas, caluniosas e ficcionadas as alegações dos Requerentes. Os Requerentes foram membros ou militantes do Partido e durante o Processo Eleitoral de 2022 ocupavam cargos ou pastas na Direcção do Partido.

10. Após a divulgação dos resultados definitivos das Eleições Gerais de 2022, foram os próprios Requerentes que solicitaram ao Partido que os indicasse à Comissão Nacional Eleitoral (CNE), sob alegação de que precisavam salvaguardar os seus interesses económico-financeiros, porquanto, estando a representar o Partido na CNE expectavam beneficiar de rendimentos mensais e viatura para o seu transporte.

11. Tendo sido indicados, acto contínuo, os Requerentes procederam à passagem de pastas aos seus respectivos sucessores, igualmente, membros do Partido que passaram a exercer as respectivas funções ou cargos e aqueles, simplesmente, desapareceram, deixando de comparecer quer na sede quer nas actividades do Partido.

12. No entanto, considerando a demora na sua tomada de posse e, consequentemente, início das suas funções na CNE, os Requerentes começaram a questionar à Presidente do Partido sobre a resolução desta situação na Assembleia Nacional, mesmo sabendo que aquela era uma situação alheia à sua vontade.

13. Apesar dos vários esclarecimentos prestados aos Requerentes sobre a referida situação, quiçá, numa atitude desesperada, estes, reunidos com a Presidente do Partido, em Fevereiro de 2024, manifestaram interesse em prestar serviços de assistência ou assessoria ao Partido enquanto esperavam a referida tomada de posse na CNE. Entretanto, tendo sido indicados como assistentes, aos 15 de Fevereiro de 2024, para integrarem a Coordenação Geral do Partido, os Requerentes aceitaram as novas funções, nunca antes reclamaram a reocupação das anteriores funções e voltaram a frequentar a sede do Partido nesta qualidade de assistentes.

14. Sucede porém, que, surpreendentemente, os Requerentes começaram a adoptar comportamentos contrários aos princípios e objectivos do Partido, nomeadamente, impondo à Presidente do Partido que convocasse uma reunião, cuja data e pontos da agenda foram determinados pelos Requerentes, convocando nos grupos do Whatsapp, reuniões com membros do Partido, invocando cargos e funções que não exerciam, sem qualquer conhecimento e/ou autorização do Partido, sob alegação de que retornaram às suas anteriores funções cessadas na Comissão Política Nacional desde o dia 6 de Setembro do ano 2022.

15. Diante da gravidade dos referidos factos, ao Partido não restou alternativa se não tomar medidas contra os Requerentes para salvaguardar interesses maiores e colectivos do Partido, bem como garantir o bem-estar e a sã convivência dos seus membros no seio do Partido.

16. É condição necessária e de primazia para a concessão da medida cautelar, o receio de lesão grave ou da continuação da prática do facto lesivo grave e dificilmente reparável, nos termos do artigo 399.º do CPC, devendo, por isso, existir o fumus boni juris e o periculum in mora, pressupostos não preenchidos na presente providência cautelar.

17. No caso em apreço, os Requerentes não apresentaram factos que possam se consubstanciar ou demonstrar a existência da forte e comprovada possibilidade de direitos lesados pela decisão causar danos irreparáveis aos seus direitos, pois apenas se referem à factos que não lograram prová-los ou comprová-los, porquanto este procedimento deve ser apreciado com muita cautela e os fundamentos exigidos por lei devem se mostrar bem patentes e comprovados.

18. Acresce que, decorridos mais de dois anos, ainda que seja decretada a providência cautelar interposta pelos Requerentes, quer-nos parecer que a mesma careceria de qualquer utilidade nos moldes requeridos pelos Requerentes, pois na sua óptica o fundado receio que tinham já se consumou com a lesão causada com a sua indicação à CNE, ou seja, o alegado dano já ocorreu.

19. Por fim, se os argumentos de razão das suas reivindicações comportassem alguma solidez, os Requerentes deveriam tê-las colocado nos órgãos internos do Partido, como está previsto nos Estatutos.

O Requerido termina pedindo que sejam julgadas procedentes as excepções deduzidas e, consequentemente, absolvido o Requerido da instância, ou, não sendo este o entendimento, que se julgue improcedente a presente providência, por não provada nem fundamentada, absolvendo-se o Requerido de todos os pedidos formulados pelos Requerentes e, ainda, que sejam os Requerentes condenados por litigância de má-fé.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA
A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção (artigo 2.º do CPC).
Assim, dispondo o Tribunal Constitucional de competência para conhecer e apreciar processos de impugnação de deliberações de órgãos de partidos políticos ou de resolução de quaisquer conflitos internos que resultem da aplicação dos Estatutos e Convenções Partidárias, conforme as disposições combinadas da alínea c) do n.º 2 do artigo 181.º da Constituição da República de Angola (CRA), do artigo 30.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da LPC e do n.º 2 do artigo 29.º da LPP, tem, igualmente, competência para apreciar os cabíveis procedimentos cautelares com eles relacionados.

III. LEGITIMIDADE
Têm os Requerentes legitimidade para intentar a presente acção cautelar, nos termos das disposições conjugadas do artigo 26.º e 399.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2.º da LPC.

IV. OBJECTO
No presente caso, importa apreciar e decidir se se encontram verificados os pressupostos legais para o decretamento das providências requeridas, bem como se procede a responsabilidade dos Requerentes por litigância de má-fé.

V. APRECIANDO
A. Questão prévia
Nos presentes autos, importa, a título de apreciação liminar, apreciar as excepções de ineptidão da petição inicial e caducidade do direito, invocadas pelo Requerido, dado que a procedência das mesmas tem como consequência a nulidade do processo e a absolvição da instância ou do pedido, nos termos do disposto nos artigos 193.º e 493.º, ambos do CPC.
a) Da ineptidão da petição inicial
Na perspectiva do Requerido, a petição inicial aqui impetrada é inepta por conter deficiência considerável, em virtude da ocultação de factos pelos Requerentes, bem como por existir contradição entre o pedido e a causa de pedir e se ter cumulado pedidos incompatíveis.

As causas de ineptidão da petição encontram-se previstas no n.º 2 do artigo 193.º do CPC. A petição inicial é inepta, desde logo, quando falte ou se mostre ininteligível o pedido ou a causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem pedidos substancialmente incompatíveis.

Quanto à primeira causa de ineptidão invocada, a saber, a falta de causa de pedir por insuficiência dos factos concretos deduzidos pelos Requerentes, importa dizer o seguinte:

A falta de causa de pedir, prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 193.º do CPC não se reporta a uma determinada insuficiência factual, mas a inexistência do próprio objecto do processo, constituído pela causa de pedir. Essa tem de ser de tal forma manifesta de modo que não se consiga aferir qual o acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular a providência jurisdicional que se propõe obter ou o efeito jurídico que se aspira por meio da acção.

Compulsado o requerimento inicial, verifica-se que os Requerentes invocaram factos que suportam a sua pretensão de obter as providências requeridas, de suspensão de deliberações e abstenção da prática de actos, na medida em que alegam os requisitos previstos no artigo 399.º do CPC, a existência do direito e o justo receio de lesão grave e dificilmente reparável.

Há, claramente, um equívoco, por parte do Requerido, ao confundir as situações de falta de causa de pedir com as situações de inconcludência. Há inconcludência quando dos factos invocados como causa de pedir não é possível retirar o efeito jurídico compreendido. Na inconcludência não há falta de causa de pedir, mas uma insuficiência dos factos alegados para o pedido formulado e a sua consequência será (não sendo sanável) a absolvição do requerido do pedido (António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, QJ, 2013, p. 148).

Ora, independentemente da questão de se apurar se os factos narrados são os suficientes para a procedência da vertente acção, o certo é que a petição inicial contém a causa de pedir. Se os factos ali narrados são ou não inconclusivos, é uma questão diversa.

Aliás, apenas existindo, efectivamente, no caso dos autos, a causa de pedir, é que se justifica a alegação do Requerido relativamente ao segundo fundamento de ineptidão por si evocado e que a seguir se discorrerá.

Assim sendo, neste aspecto, não assiste razão ao Requerido.

De igual modo, tal como se referiu, assevera o Requerido haver no requerimento inicial contradição entre o pedido e a causa de pedir.

No entanto, a contradição que dá origem à ineptidão da petição inicial tem de ser uma contradição lógica entre o pedido e a causa de pedir. Isto é, é necessário que, do mesmo modo que, num silogismo, a conclusão deve ser a emanação lógica das premissas, o pedido deve ser o corolário ou a consequência lógica da causa de pedir (v.g. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Ed. 1948, p.309).

Os factos aqui trazidos pelos Requerentes, a invalidade dos actos, são, de facto, hábeis a embasar a sua pretensão, não havendo contradição entre aqueles e o pedido de suspensão de deliberações e abstenção da prática de actos.

Por último, afirma ainda o Requerido terem sido cumulados pedidos substancialmente incompatíveis. Ora, atento aos pedidos formulados (suspensão de deliberações e abstenção de aprovação de actos), verifica-se que estes não se encontram em situação de oposição ou de conflito, podendo ser cumulados, uma vez que, a procedência de um não inviabiliza a procedência do outro, nem mesmo a eles impõem-se formas de processo distintas ou o seu decretamento seja competência de tribunais diferentes em razão da matéria.
Deste modo, improcede a excepção de ineptidão.

b) Da caducidade
Na perspectiva do Requerido, o direito dos Requerentes de impetrar a presente providência cautelar caducou, uma vez que desde à data dos factos a que se socorrem para fundamentar a sua pretensão decorreram mais de dois anos.

Como se sabe, a caducidade deve ser expressamente prevista. As normas relativas aos procedimentos cautelares, previstas no CPC, nada dispõem relativamente aos prazos para propor-se um procedimento cautelar. No entanto, dada a sua natureza instrumental, nem a letra da lei, nem o seu próprio espírito justificam a que estes não sejam abarcados pelos prazos previstos para intentar-se a acção principal, em que se pretenda fazer valer o direito ou o interesse tutelado.

Ora, atento ao requerimento inicial, é pretensão última dos Requerentes impugnar as decisões de expulsão, nomeação e exoneração aprovadas em inobservância das disposições dos Estatutos e da lei. No que à impugnação de actos pelos militantes e membros dos órgãos de direcção dos partidos políticos diz respeito, estabelece o n.º 3 do artigo 29.º da LPP que esta deve estar sujeita a prazos.

Contudo, a norma da LPP, apesar de impor a existência de prazos para o efeito, relega a sua fixação para a lei. As normas reguladoras do processo no Tribunal Constitucional, bem como os Estatutos do PHA, são também omissos quanto aos prazos para impugnação de actos.
Este Tribunal já se pronunciou relativamente à aludida omissão. Segundo a jurisprudência desta Corte, vertida no Acórdão n.º 700/2021 (acessível em: www.tribunalconstitucional.ao), na ausência de normas precisas, o prazo para impugnação de actos que tenham sido praticados por membros de direcção de partidos políticos deve contar-se a partir do momento da prática do acto impugnável até ao fim do mandato do órgão que o emanou.

Portanto, tratando-se de actos da Presidente do Partido, ainda em exercício de funções, o prazo para a impugnação deve ser contado desde a prática dos referidos actos até ao fim do seu mandato.

Deste modo, improcede a excepção de caducidade evocada pelo Requerido, sendo a presente acção cautelar tempestiva.

B. Dos pressupostos do procedimento cautelar
No caso vertente, os Requerentes, temendo, entretanto, não obter uma decisão definitiva em prazo normal e razoável que, na perspectiva dos seus interesses e dadas as circunstâncias, acautele o efeito útil da acção (a propor) em conformidade com os seus desígnios, propuseram o presente procedimento cautelar para suspensão de actos e abstenção da prática de actos.

Com efeito, por meio destas providências e com o ensejo de beneficiar do carácter urgente do respectivo procedimento, intentaram ver, cautelarmente salvaguardada uma situação jurídica controversa que, em razão daquilo que alegadamente consideram violar os Estatutos do Partido, entendem não se compadecer com a normal demora do processo de impugnação adequado.

Como se sabe, existe uma elementar distinção condensada no artigo 2.º do CPC entre o direito de acção e o direito de requerer providência capaz de acautelar o efeito útil daquele, conforme previsto nos artigos 381.º e ss. do mesmo diploma. A cada um correspondem pressupostos, pedidos e, evidentemente, regime processual diversos que o Código define em função de cada caso concreto.

Nos termos do artigo 399.º do CPC, sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer, se ao caso não convier nenhum dos procedimentos aí regulados, as providências adequadas à situação.

Sob epígrafe “Concessão da Providência”, dispõe o n.º 1 do artigo 401.º do CPC, que “A providência é decretada, desde que as provas produzidas revelem uma probabilidade séria da existência de um direito e mostrem ser fundado o receio da sua lesão”, podendo, no entanto, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar, assim como pode ser substituída por caução adequada nos termos e condições previstos no seu n.º 3.

Assim, tende-se a esquematizar do seguinte modo os pressupostos cumulativos para o decretamento da providência cautelar não especificada:
a) A probabilidade séria (fumus boni iuris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor;
b) O fundado e suficiente receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável (pericullum in mora) a tal direito (lesão não consumada);
c) Que o prejuízo dela resultante para o requerido não exceda consideravelmente o dano que o requerente através dela pretende evitar.
Cumpre então apreciar se se encontram preenchidos os referidos requisitos de procedência.

B.1. Da suspensão de actos
Os Requerentes interpuseram a referida providência cautelar contra o Partido PHA, pedindo que sejam suspensos os Despachos da Presidente do Partido de nomeações e exonerações, bem como o Despacho de expulsão dos Requerentes do Partido, por se tratar de matéria da competência da Comissão Política Nacional.

No que concerne ao primeiro requisito, o fumus boni iuris, considera-se, pois, verificado, com o grau de probabilidade legalmente exigido para o efeito, dado que se revelam inválidas as decisões que se pretendem suspender.

Como se sabe, as providências cautelares reclamam apenas uma prova sumária do direito ameaçado, quer dizer, a demonstração da probabilidade da existência do direito para o qual se reclama tutela provisória, e do receio da sua lesão. Quanto à intensidade da prova basta, portanto, uma mera justificação ou um fumus iuris.

Assim, a verificação do requisito do fumus boni iuris pressupõe que, numa análise perfunctória da causa, se tenha criado uma convicção positiva, uma perspetiva de êxito relativamente à pretensão do Requerente, face aos fundamentos para o efeito evocados. É, pois, ao requerente da providência que compete alegar e provar, ainda que de forma sumária ou perfunctória, dada a natureza cautelar da tutela, que a sua pretensão será, muito provavelmente, julgada procedente em sede principal, devendo, para isso, cumprir o ónus de alegação e de substanciação do pedido e da causa de pedir que sobre si recai.

Efectivamente, atento aos elementos de prova carreados aos autos, a fls. 25-28 e 35, constata-se que os actos aqui passíveis de suspensão, designadamente os Despachos da Presidente do Partido, relativos à nomeação e exoneração dos presidentes provinciais e à expulsão dos Requerentes do Partido, foram exarados à margem da lei e dos respectivos Estatutos.

Nos termos do disposto nas alíneas g) e i) do artigo 38.º dos Estatutos do PHA, é à Comissão Política Nacional, órgão colegial que dirige o Partido, que competia a deliberação sobre tais actos de nomeação e exoneração, bem como proceder à alteração dos Estatutos e das normas regulamentares dos órgãos partidários.

Além disso, a expulsão dos ora Requerentes do Partido é manifestamente ilegal, na medida em que foi feita através de um comunicado (fls. 35 e 36), quando deveria ter sido precedida do devido processo disciplinar, levado à cabo pelas entidades competentes, tal como se pode inferir do prescrito na alínea d) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP.

Portanto, face ao expendido, considera-se verificado o requisito da probabilidade séria da existência, na titularidade dos Requerentes, do direito invocado.
Contudo, na esteira do que preconiza o Requerido, entende-se que não se verifica o segundo pressuposto necessário ao decretamento da providência requerida: o justo receio de que a normal demora na resolução do litígio potencie sério e iminente perigo de, entretanto, tal direito ser gravemente lesado e de tal lesão ser dificilmente reparável, em termos de tornar necessária e adequada a providência requerida.

Compulsado o requerimento inicial dos Requerentes, verifica-se que, quanto ao eventual justo receio, carece de clara densificação e demonstração em grau justificativo do recurso à medida provisória. A alegação dos Requerentes nada é mais do que uma conjecturável hipótese, despida de mínimo grau de concretização.

Isso mesmo se denota, desde logo, ao longo de toda a fundamentação ao aludir-se repetida, mas abstractamente, ao “justo receio da continuidade da prática de actos que vinculem o Partido e violem gravemente os Estatutos e a democracia interna”, mas ao claudicar na sua explicitação e concretização, in casu.


O requisito “lesão grave”, a que alude a norma do n.º 1 do artigo 399.º do CPC refere-se ao dano significativo que pode resultar da execução da decisão viciada, que a própria providência visa conjurar reconhecendo o “periculum in mora” na obtenção de uma decisão através da acção competente de impugnação de actos.

Ora, “mesmo que se entenda que é suficiente o juízo de probabilidade ou de verosimilhança na apreciação do requisito da lesão grave (no sentido de se exigir uma probabilidade muito forte de dano), o certo é que não se prescinde em hipótese alguma da exigência de alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dessa lesão” (cfr. Alberto dos Reis, ob. cit., p. 677 e Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Ed., p. 111).

O ónus de alegação e prova dos factos integrantes da lesão grave que possa ser causada pela execução da decisão que se pretende suspender cabe ao requerente do procedimento cautelar (n.º 1 do artigo 342º do Código Civil).

Como bem refere Abrantes Geraldes “não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da contraparte. Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade. Não é qualquer lesão que justifica a intromissão na esfera jurídica do requerido com a intimação para se abster de determinada conduta ou com a necessidade de adoptar determinado comportamento ou de sofrer um prejuízo imediato relativamente ao qual não existem garantias de efectiva compensação em casos de injustificado recurso à providência cautelar” (Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, 4.ª ed., Almedina, 2010, p. 101).

A propósito da expressão legal “lesão grave e dificilmente reparável”, acrescenta o mesmo Autor que “(…) não é apenas a gravidade das lesões previsíveis que justifica a tutela provisória, do mesmo modo que não basta a irreparabilidade absoluta ou difícil. Apenas merecem a tutela provisória consentida através do procedimento cautelar comum as lesões graves que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação. A situação de perigo deve apresentar-se como de ocorrência iminente ou em curso, desde que possam prevenir-se ainda novos danos ou o agravamento dos, entretanto, já ocorridos” (Ob. cit., pp. 103-106).

No caso aqui em apreço, não se verifica demonstrado o justo receio de lesão grave e dificilmente reparável, visto que o referido requisito tem de ser consubstanciado no requerimento inicial através da alegação de factos concretos, precisos e concisos, dos quais seja razoável concluir pela emergência da providência requerida.

Ora, a finalidade conspícua das providências cautelares é a de obviar o periculum in mora, isto é, evitar a lesão grave ou dificilmente reparável proveniente da demora na composição definitiva do litígio. O periculum in mora é, assim, nitidamente, um elemento constitutivo da providência requerida. A falta dele obsta ao seu decretamento.

Daí que, pelo exposto, conclui-se pela improcedência do presente procedimento cautelar, por não se mostrar preenchido o requisito do periculum in mora.

B.2. Da abstenção da prática de actos
Os Requerentes intentaram a acima referida providência cautelar de intimação à abstenção de conduta, peticionando o provimento do referido meio processual por forma a intimar a Presidente do Partido a abster-se de praticar actos que sejam da competência da Comissão Política Nacional.

Como é patente, o ponto de partida para o decretamento de uma providência cautelar é que o requerente seja titular de um direito ou interesse que possa servir de base à acção principal, dado que a providência não tem vida própria, não tem autonomia, e é sempre dependência de uma outra acção, não podendo ser reconhecido provisoriamente um direito que não possa vir a ser reconhecido definitivamente na acção principal.

Asseveram José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre que “constituindo a providência cautelar, a antecipação duma providência definitiva, de natureza declarativa ou executiva (…), o procedimento que visa a sua obtenção está sempre na dependência duma ação em que o autor faz valer o direito – ou o interesse tutelado – que através dele visa acautelar” (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 19).

Do exposto extrai-se que não se pode alcançar, através de um procedimento cautelar, um efeito modificativo, constitutivo ou extintivo que esteja dependente de sentença a proferir na acção principal.

Nas palavras de A. Geraldes “atenta a natureza instrumental do procedimento cautelar e a sua dependência do resultado a alcançar através da acção principal, é óbvio que não é o efeito definitivo correspondente ao exercício do direito potestativo que pode ser alcançado imediatamente através do procedimento cautelar. (...) Por isso, mesmo quando através da providência cautelar se antecipam certos efeitos da decisão a proferir na acção principal, sempre a provisoriedade continua a pairar sobre aquela medida, cuja manutenção pressupõe a posterior confirmação judicial do direito sumariamente apreciado” (Ob. cit., p. 77).

Vislumbra-se, no caso vertente, que a providência requerida não é instrumental em relação à acção principal intentada, na medida em que nesta visa-se a impugnação dos aludidos actos, nos termos do n.º 2 do artigo 29.º da LPP, bem como da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da LPC. Isto é, na acção principal não se tutela, directamente, a proibição definitiva de a Presidente do Partido aprovar actos, mas sim a validade formal e substancial dos actos por si aprovados.

Analisando a pretensão deduzida pelos Requerentes nesta sede cautelar, verifica-se que tem como finalidade a obtenção de resultado diverso daquele a que respeita a pretensão deduzida na acção, visando a regulação provisória de um direito cuja regulação definitiva não foi peticionada no processo principal e não constituindo a antecipação provisória de qualquer efeito jurídico decorrente do pedido nele formulado.

Ora, não poderá considerar-se que tal regulação provisória do direito dos Requerentes de verem impedida a Presidente do Partido de aprovar tais actos se destine a acautelar o efeito útil da acção principal, dado que nesta não foi peticionado a regulação definitiva desse direito, mas apenas a declaração de invalidade dos actos já aprovados e em execução.

O que os Requerentes pretendem obter, de facto, por meio desta providência não é uma decisão provisória, mas antes uma decisão final que não estaria dependente de qualquer acção a propor. Impedindo-se a Presidente do Partido de praticar os actos que enunciam ficaria esgotado o thema decidendum, na medida em que a prática desses actos, impedidos pelo eventual decretamento, numa análise sumária, da providência cautelar, não seria objecto de apreciação definitiva na acção principal.

É manifesto que os Requerentes não poderão ver, por meio desta providência, os seus efeitos provisoriamente antecipados, até que venha a ser definitivamente julgada a questão na acção principal, não estando demonstrada a existência da relação de dependência entre o processo cautelar e a acção principal, a que alude a norma do n.º 1 do artigo 384.º do CPC.

Em anotação ao artigo 364.º do CPC português A. Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa afirmam: “sem embargo das especificidades resultantes dos casos em que seja decretada a inversão do contencioso, é matricial ao procedimento cautelar a relação de dependência e de instrumentalidade, relativamente a alguma ação ou execução que vise o reconhecimento ou a satisfação do direito em causa. Não bastará que o procedimento e a ação se baseiem no mesmo direito substantivo abstratamente considerado; a relação de instrumentalidade impõe que o procedimento vise a tutela antecipada ou a conservação do concreto direito cuja efetividade se pretende por via da ação principal. Por isso, o objeto da providência há de ponderar não apenas o direito em causa, mas especialmente a pretensão envolvida na causa principal.

Embora não se exija uma perfeita identidade, a providência deve apresentar-se com uma função instrumental relativamente à medida definitiva.” Esclarecem os autores que a “falta de um adequado nexo de instrumentalidade levará à improcedência da pretensão cautelar”, acrescentando que se “a ação que for instaurada depois de decretada a providência não respeitar a mesma instrumentalidade, tal poderá determinar a caducidade daquela” (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 422-423).

As providências cautelares, conforme assevera Marco Gonçalves “não constituem um fim em si mesmas, mas antes um meio para se acautelar um determinado efeito jurídico. (…) A instrumentalidade das providências cautelares traduz-se na inidoneidade de se transformarem numa tutela definitiva, porquanto se destinam a ser absolvidas pelo juízo de mérito que vier a resultar do processo de declaração plena. Exatamente por isso, as providências cautelares estão sujeitas a dois limites de fundo: por um lado, o requerente não pode obter por essa via mais do que aquilo que poderia alcançar através da sentença definitiva; por outro lado, o tribunal não pode decretar uma providência cautelar cujos efeitos sejam irreversíveis ao ponto de esvaziarem de conteúdo a ação principal” (Providências Cautelares, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, pp. 118 a 120).

Assim sendo, não poderá considerar-se que a referida providência requerida configure um meio para acautelar o efeito jurídico pretendido com a acção, antes consistindo num fim em si mesma, o que impõe que se conclua que o presente procedimento cautelar não é instrumental relativamente à acção que constitui o processo principal.

Assente que a providência cautelar surge como meio de antecipação e preparação de uma providência ulterior, destinando-se a obter medidas que assegurem os efeitos de uma outra providência que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa, julga-se improcedente a presente providência cautelar por lhe faltar o carácter essencial de instrumentalidade.

Deste modo, improcede totalmente a pretensão dos Requerentes.

C. Da Litigância de Má-fé
Afirma o Requerido que, nos presentes autos, se está diante de litigância de má-fé por parte dos Requerentes, na medida em que estes têm plena consciência de que o Requerido sempre agiu em conformidade com os princípios e objectivos subjacentes ao seu surgimento, em prol dos interesses da colectividade e dos seus membros, bem como “fabricaram factos recheados de inverdades, alterando a verdade material dos factos, omitindo datas, factos essenciais e a sua cronologia”.

A norma do n.º 2 do artigo 264.º do CPC impõe às partes litigantes os deveres de probidade, cooperação e boa-fé processual que se subsumem no dever de não formular pedidos ilegais, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias.

A mais grave violação desses deveres constitui justamente a litigância de má-fé, cujos contornos a lei adjectiva civil define no seu artigo 456.º. Nos termos do disposto no n.º 2 deste preceito, diz-se litigante de má-fé, atento ao critério de diligência do “bom pai de família”, quem:

a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais à decisão da causa;
c) tiver omitido factos relevantes;
d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, entorpecer a acção da justiça ou impedir a descoberta da verdade.

A má-fé é sancionada com condenação em multa e indemnização à parte contrária, se esta o requerer, nos termos do n.º 1 do citado preceito.

Assim, se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé substancial, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (má-fé instrumental), deve ser condenada como litigante de má-fé.

Ora, perante a análise dos factos aqui carreados e demonstrados, não se vislumbra que estejam preenchidos os aludidos requisitos para que possa operar a condenação dos Requerentes como litigantes de má-fé.

Atento ao substracto factual carreado aos autos, não se vislumbra em que medida os Requerentes tenham alterado a verdade dos factos, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar, fazendo mesmo um uso reprovável do processo.

Pelo exposto, por não se verificar por parte dos Requerentes um comportamento processual censurável, se o compararmos com aquele que seria exigível de um bom pai de família, o homem comum que actua segundo parâmetros de seriedade, lealdade e probidade processuais, deve ser julgado improcedente o presente pedido de condenação por litigância de má-fé.
Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
a) Julgar improcedente as providências cautelares de suspensão de actos e abstenção da prática de actos.

b) Julgar improcedente o pedido de condenação dos Requerentes por litigância de má-fé.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 14 de Janeiro de 2025.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)

Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)

Carlos Alberto B. Burity da Silva

Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator)

Gilberto de Faria Magalhães

João Carlos António Paulino

Josefa Antónia dos Santos Neto

Lucas Manuel João Quilundo

Maria da Conceição de Almeida Sango

Vitorino Domingos Hossi