Loading…
TC > Jurisprudência > Acórdãos > Acórdão Nº 956/2025

 

 

ACÓRDÃO N.º 956/2025

 

PROCESSO N.º 1233-A/2024

Contencioso Parlamentar (Providência Cautelar Não Especificada)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

O Grupo Parlamentar da UNITA, com os demais sinais identificativos nos autos, representado pelo respectivo Presidente, veio ao Plenário do Tribunal Constitucional interpor a presente providência cautelar não especificada contra a Assembleia Nacional, ao abrigo do disposto na alínea j) do artigo 3.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, conjugado com o artigo 399.º do Código de Processo Civil.

O Requerente expôs as razões fácticas e de direito que fundamentam a presente acção, invocando, em síntese, o seguinte:
1. No pretérito dia 10 de Outubro de 2024, a Assembleia Nacional reuniu os grupos parlamentares e representações parlamentares de partidos políticos e, na especialidade, aprovou o projecto de resolução sobre a Composição da Comissão Nacional Eleitoral (CNE).

2. O aludido projecto de resolução estabeleceu a composição da Comissão Nacional Eleitoral, com a indicação do número de membros dos seguintes partidos: MPLA (9), UNITA (4), PRS (1), FNLA (1) e PHA (1), respectivamente.

3. A nova composição da CNE, ao privilegiar o princípio da maioria dos deputados em efectividade de funções, configura um desequilíbrio na representação das diversas forças políticas presentes no Parlamento e compromete a isonomia entre os partidos. Tal critério acarreta prejuízo para as demais forças políticas, notadamente às minorias parlamentares, com o direito à representação proporcional, pelo que assiste à UNITA o direito de indicar 5 (cinco) membros, ao PRS 1 (um) membro, à FNLA 1 (um) membro e ao PHA 1 (um) membro.

4. A aplicação da proporcionalidade directa pela Assembleia Nacional, ao unificar as demais forças políticas, configura uma interpretação abusiva e incorrecta do princípio do respeito às minorias.

5. A referida omissão, por força da Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais, impõe a aplicação do critério de distribuição de mandatos, onde o Método de Hondt é o critério adoptado.

6. Com base no acima exposto, a garantia do respeito pelos princípios da maioria e da minoria, tendo em conta o número de membros (dezasseis) por designar pela Assembleia Nacional, nos termos que a mencionada Lei impõe, só é possível aplicando apenas a representatividade seguida da proporcionalidade, ou seja, o Método de Hondt.

7. À luz do critério da representatividade assente na igualdade e combinado com o princípio da proporcionalidade e em consonância com a Lei Orgânica da CNE, pressupõe atribuir a cada partido político com assento parlamentar 1 (um), perfazendo 5 (cinco) e restando 11 (onze), que seriam distribuídos pelo critério da proporcionalidade directa, de acordo com a percentagem de cada na composição da Assembleia Nacional.

8. O inciso do projecto de resolução referente à composição da CNE, colide frontalmente com os direitos políticos da UNITA, legitimamente conferidos pelos angolanos no sufrágio universal, uma vez que o mandato dos membros da nova composição da CNE corresponde a 5 anos. Tendo em conta que estamos em 2024, significa que o mandato termina em 2029, facto que compromete a credibilidade e a imagem da CNE, suscitando dúvidas quanto à sua imparcialidade e independência, o que representa um risco para o processo eleitoral vindouro.

9. O acto em apreço compromete a efectividade dos direitos tutelados pelo artigo 7.º da Lei n.º 12/12, de 13 de Abril, e desvirtua a finalidade da norma constitucional inscrita no artigo 107.º da CRA, em articulação com o artigo 4.º da Lei n.º 12/12, de 13 de Abril, que consiste em assegurar uma CNE independente, representativa, proporcional, imparcial e equilibrada.

10. Requer, por fim, em sede de tutela provisória, a restituição do direito de indicar 5 (cinco) membros para a composição da Comissão Nacional Eleitoral e que seja julgada procedente e provada a presente providência.
Atendendo o preceituado no n.º 3 do artigo 707.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional (LPC) e operada a dispensa dos competentes vistos, impõe-se, doravante, a apreciação dos autos com vista à prolacção da decisão.

II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir sobre esta providência cautelar não especificada (processo relativo ao contencioso parlamentar), ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 181.º da CRA, da alínea i) do artigo 3.º e do n.º 2 do artigo 60.º, ambos da LPC.

III. LEGITIMIDADE
O Requerente tem legitimidade para interpor a presente providência cautelar não especificada ao abrigo do previsto no artigo 26.º do Código de Processo Civil – aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC, ao passo que a Requerida possui legitimidade no presente processo, nos mesmos termos e fundamentos legais ora ostentados.

IV. OBJECTO
Emerge como escopo do presente processo, aferir sobre a existência de pressupostos e fundamentos de admissibilidade da providência cautelar não especificada ora interposta, sobretudo no que concerne aos requisitos e oportunidade para o deferimento da mesma.

V. APRECIANDO
A incursão no mérito da presente demanda está condicionada à prévia apreciação da questão preliminar infra mencionada.

A providência cautelar não especificada impetrada carece de suporte documental, decorrente da inexistência nos autos de qualquer elemento de sustentação do pedido apresentado pelo Requerente, isto é, os factos alegados em sede da acção carecem de lastro probatório.

Deste modo, se afigura oportuno destacar que a presente providência cautelar não especificada tem por escopo impugnar o projecto de resolução aprovado pela Assembleia Nacional, relativo à Composição da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e, para o efeito, peticiona que seja julgada procedente e provada a acção e que, a título provisório, seja restituído ao Requerente o direito a designar 5 (cinco) membros para a composição da CNE.

Logrará êxito a pretensão do Requerente? Veja-se.

Importa, a priori, destacar que a providência cautelar configura um instrumento processual destinado a assegurar, de modo provisório e célere, a tutela de um direito. Ordinariamente, a providência cautelar é requerida quando se vislumbra o risco de dano irreparável ou de difícil reparação decorrente da demora na solução da lide principal, ou ainda, diante do fundado receio de que determinado acto possa acarretar lesão a direitos cuja reparação se mostre complexa, sendo então postulada a medida cautelar conservatória ou antecipatória, apta a garantir a efectividade do direito ameaçado.

Em face do preceituado no artigo 399.º do CPC, “quando alguém mostre fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer, se ao caso não convier nenhum dos procedimentos regulados neste capítulo, as providências adequadas à situação, nomeadamente, a autorização para a prática de determinados actos, a intimação para que o réu se abstenha de certa conduta (...)”.

Hermenegildo Cachimbombo assinala que, “para regular provisoriamente a situação, a actividade a desenvolver no contexto da jurisdição cautelar poderá consistir na antecipação de efeitos das decisões a proferir em sede da acção principal, falando-se nestes casos, de providências antecipatórias, ou na preservação do statu quo ante, ou seja, na situação tal qual existia antes da prolacção da decisão final em sede da acção principal (…). (Manual de Processo Civil I & Perspectivas da Reforma, Casa das Ideias, 2017, p. 67).

De resto, a concessão da providência pleiteada deve ser subordinada à demonstração da probabilidade do direito invocado e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. É o que resulta da redacção extraída no artigo 401.º do CPC. Tais requisitos consubstanciam-se no fumus boni iuris e no periculum in mora.

No caso em concreto, este Tribunal tomou conhecimento da publicação, em Diário da República, da Resolução n.º 118/24, de 5 de Dezembro, da Assembleia Nacional, que define os critérios de designação dos Comissários à CNE.

Todavia, a referida Resolução foi aprovada pela Assembleia Nacional no dia 31 de Outubro de 2024, sendo que a propositura da presente providência cautelar ocorreu no dia 5 de Dezembro de 2024 (conforme se vê nos autos), desta feita, este Tribunal conclui inexistirem os pressupostos para o seu decretamento, nomeadamente, periculum in mora (perigo resultante da demora) do processo principal, nos termos do n.º 1 do artigo 401.º do CPC.

Neste particular, Hermenegildo Cachimbombo advoga que, “como as providências se destinam a prevenir a lesão irreparável ou dificilmente reparável de direitos, elas não cabem contra situações de lesões já consumadas, dito doutro modo, se o direito que o requerente alega possuir já estiver violado, a providência requerida não deve ser decretada pelo tribunal” (Op. Cit., p. 71).

Destarte, em face do exposto, dúvidas não restam que o efeito jurídico almejado com a presente providência cautelar, não pode merecer provimento, em decorrência de a Resolução impugnada ter sido aprovada antes da sua propositura.
Nestes termos,

DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO À PRESENTE PROVIDÊNCIA CAUTELAR, POR NÃO SE VERIFICAR O PRESSUPOSTO DO PERICULUM IN MORA, NOS TERMOS DO N.º 1 DO ARTIGO 401.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, EX VI DO ARTIGO 2.º DA LEI N.º 3/08, DE 17 DE JUNHO – LEI DO PROCESSO CONSTITUCIONAL.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique-se.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 11 de Fevereiro de 2025.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)

Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)

Carlos Alberto B. Burity da Silva

Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Gilberto de Faria Magalhães

João Carlos António Paulino (Relator)

Josefa Antónia dos Santos Neto

Lucas Manuel João Quilundo

Maria da Conceição de Almeida Sango

Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva

Vitorino Domingos Hossi