ACÓRDÃO N.º 960/2025
PROCESSO N.º 818-B/2020
Recurso para Uniformização de Jurisprudência
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Augusto da Silva Tomás, com os demais sinais de identificação nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 46.º da Lei n.º 3/06, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (doravante LPC), por entender que existe contradição entre o Acórdão n.º 612/2020, prolactado no âmbito do Processo n.º 790-B/2020, em que foi Recorrente, e o Acórdão n.º 623/2020, proferido no âmbito do Processo n.º 796-D/2020, em que foi Recorrente Isabel Cristina Gustavo de Ceita Bragança, ambos do Plenário do Tribunal Constitucional.
O Recorrente havia interposto, por não conformação, recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido pela 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que indeferiu a providência de habeas corpus por si impetrada, por, alegadamente, encontrar-se, à data, em excesso de prisão preventiva. Neste Tribunal, apreciados os autos, o aresto, datado de 28 de Abril de 2020, julgou improcedente o recurso por se ter considerado que o Recorrente já não se encontrava em prisão preventiva, mas em cumprimento efectivo da pena, visto que, tendo o recurso extraordinário de inconstitucionalidade efeito meramente devolutivo, a decisão do Plenário do Tribunal Supremo, proferida nos autos do Processo principal, tinha já transitado em julgado.
Similarmente, Isabel Cristina Gustavo de Ceita Bragança, à data, arguida nos mesmos autos, interpôs recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido pela 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que julgou improcedente a providência de habeas corpus. Por Acórdão datado a 02 de Junho de 2020, o Tribunal Constitucional deu provimento ao recurso, pronunciando-se no sentido de que a interposição do recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem efeito suspensivo e, por este motivo, encontrava-se, ainda, a então Recorrente, em prisão preventiva, não tendo a decisão do Plenário do Tribunal Supremo adquirido a qualidade de caso julgado.
Tendo tomado ciência desta última decisão, o Recorrente interpôs o presente recurso, por entender que o Tribunal Constitucional fez incidir, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão jurídico-fundamental, decisões contraditórias nos Processos acima referidos.
Para fundamentar a sua pretensão, o Recorrente alega, em síntese, o seguinte:
1. O Recorrente requereu providência extraordinária de habeas corpus, por excesso de prazo da prisão preventiva a si aplicada.
2. O Tribunal Supremo indeferiu a referida providência por falta de objecto, fundamentando que, à data em que foi interposta a providência, já se encontrava em curso a discussão e decisão do processo principal e, havendo condenação pelo Plenário do Tribunal Supremo, extinguiu-se a prisão preventiva.
3. Inconformado, desta decisão interpôs recurso no Tribunal Constitucional, tendo este Tribunal decidido, no seu Acórdão n.º 612/2020, que a decisão do Plenário do Tribunal Supremo já tinha transitado em julgado e que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional tem efeito meramente devolutivo.
4. Por sua vez, Isabel Cristina Gustavo de Ceita Bragança, arguida no mesmo processo em que foi condenado o então Recorrente, interpôs, também, recurso para o Tribunal Constitucional da decisão que indeferiu a providência de habeas corpus, tendo este Tribunal considerado, nas mesmas circunstâncias e por aplicação das mesmas normas, que a decisão ainda não tinha transitado em julgado e que o recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem efeito suspensivo.
5. Neste Acórdão, proferido por unanimidade, o Tribunal Constitucional entendeu que o conceito de “esgotamento prévio da cadeia de recursos, previsto no parágrafo único do artigo 49.º da LPC, não pode ser confundido com o conceito de trânsito em julgado”.
6. Ambos Acórdãos referem-se à noção de trânsito em julgado, prevista no artigo 677.º do Código de Processo Civil (CPC), extraindo, porém, conclusões diferentes.
7. Assim sendo, existindo duas decisões contraditórias do Tribunal Constitucional, por aplicação das mesmas normas, no âmbito do mesmo processo, é mister requerer-se o presente recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional para efeitos de uniformização de jurisprudência.
Termina pedindo que seja uniformizada e fixada jurisprudência, sob a forma de assento, quanto à questão de saber se:
a) Transitou em julgado a decisão do Plenário do Tribunal Supremo que condenou o Recorrente;
b) O recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem efeito suspensivo ou meramente devolutivo, ou se, pelo contrário, caso tenha efeito suspensivo, o Recorrente encontrava-se, ou não, em prisão preventiva;
c) Face a omissão da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro – Lei das Medidas Cautelares (LMC) -, em vigor à data dos factos, relativamente ao prazo de vigência das medidas cautelares em processo penal, que prazos devem ser observados nesta fase eventual do processo, isto é, após a condenação em primeira instância.
O Processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar, para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional tem competência para apreciar e decidir o presente recurso, nos termos e fundamentos previstos no artigo 46.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC) conjugado com o artigo 763.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente ao processo constitucional por força do artigo 2.º da LPC.
III. OBJECTO
O presente recurso tem como objecto apreciar se existe oposição de julgados nos Acórdãos n.ºs 612/2020, de 28 de Abril, e 623/2020, de 02 de Junho, ambos prolactados pelo Plenário do Tribunal Constitucional.
IV. Questão Prévia
No caso vertente, o Recorrente interpôs o presente recurso para uniformização de jurisprudência por entender que há contradição entre os entendimentos jurisprudenciais consignados nos Acórdãos n.ºs 612/2020, de 28 de Abril, e 623/2020, de 02 de Junho, ambos proferidos pelo Plenário do Tribunal Constitucional.
Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões das alegações formuladas pelo Recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar, preliminarmente, se se encontram preenchidos os pressupostos para o conhecimento do presente recurso.
Como se sabe, a Lei do Processo Constitucional acolheu, no n.º 2 do artigo 46.º, aplicável ex vi do artigo 52.º, o recurso para uniformização de jurisprudência, que se rege pelas disposições do Código de Processo Civil (artigos 763.º e seguintes), referentes ao recurso para o Tribunal Pleno, que tem como finalidade a emissão de um assento que ponha termo a um determinado conflito jurisprudencial.
Deste modo, seguindo o estatuído no artigo 763.º do CPC, podem-se enumerar, além das disposições gerais sobre a interposição de recurso neste âmbito aplicáveis, as seguintes condições de admissibilidade do recurso: a) Se no domínio da mesma legislação, forem proferidos dois acórdãos que, relativamente a mesma questão fundamental de direito, assentem sobre soluções opostas, pode recorrer-se do acórdão proferido em último lugar; b) Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; c) Os acórdãos opostos hão-de ser proferidos em processos diferentes ou incidentes diferentes do mesmo processo; neste último caso, porém, se o primeiro acórdão constituir caso julgado para as partes, o recurso não é admissível, devendo observar-se o disposto no artigo 675.º; d) Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, mas presume-se o trânsito, salvo se o recorrido alegar que o acórdão não transitou.
Ora, compulsados os autos e as respectivas alegações, verifica-se que o Acórdão impugnado pelo Recorrente corresponde ao aresto fundamento, que seria, para efeitos de admissibilidade, o acórdão apresentado como justificação do recurso em causa.
Da análise dos requisitos acima elencados, decorre que o acórdão fundamento deve ser anterior ao aresto colocado em crise. O recurso para uniformização de jurisprudência está igualmente vinculado à regra geral prevista no n.º 1 do artigo 680.º do CPC. Ou seja, apesar de no n.º 1 do artigo 763.º do CPC, a lei não fazer tal referência, deve-se interpretar o sujeito da oração deste n.º 1, em consonância com a “parte principal na causa, [que] tenha ficado vencid[a]”, do n.º 1 do artigo 680.º, visto que a parte que interpõe tal recurso, pretende, claramente, fazer revogar ou alterar o acórdão que lhe foi desfavorável.
Assim sendo, e, para efeitos de fixação de jurisprudência, tal como decorre da parte final do n.º 1 do artigo 763.º do CPC, o acórdão do qual se recorre deve ser o mais recente, estando em oposição com o acórdão fundamento, que será o mais antigo, já transitado em julgado, facto que não se verifica no caso vertente.
Afirma Alberto dos Reis: “(…) Além dos pontos comuns considerados neste artigo, há um ponto especial para o qual o relator tem de olhar: se o requerente satisfez ao preceituado no artigo 764.º [763.º], isto é, se indicou acórdão anterior com o qual o acórdão recorrido esteja em oposição (…)” – Código de Processo Civil Anotado, Volume VI, 3.º ed., Reimpressão, 1953, pp. 291 e 292.
Não tendo sido o Recorrente parte no processo que culminou com a decisão mais recente, a decisão da qual o Recorrente deveria ter recorrido, o Acórdão n.º 623/2020, datado de 02 de Junho de 2020, não tem, pois, legitimidade para interpor tal recurso. Tendo em atenção a sua ratio, neste âmbito de recurso, “seria ilógico e incoerente que o acórdão recorrido fosse prolactado antes do acórdão fundamento (…) (Acórdão n.º 844/2023).
Pelo exposto, e em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 763.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC, esta Corte Constitucional considera não ser de admitir o recurso para uniformização de jurisprudência.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: INDEFERIR O PRESENTE RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, POR NÃO SE VERIFICAREM OS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 12 de Fevereiro de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator)
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Josefa Antónia dos Santos Neto
Lucas Manuel João Quilundo
Maria da Conceição de Almeida Sango
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Vitorino Domingos Hossi