ACÓRDÃO N.º 967/2025
PROCESSO N.º 1142-B/2024
Processo Relativo a Partidos Políticos
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Marcos Kayeki João Paulo, melhor identificado nos autos, veio intentar a presente acção de impugnação contra o Partido de Renovação Social (PRS), ao abrigo da alínea d) do n.º 1, do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC).
Na sua petição, submetida a este Tribunal Constitucional, o Requerente, em articulados de aperfeiçoamento, refere, em síntese, o que se segue:
1. É membro do Comité Provincial e Nacional do PRS, onde milita desde 2004, tendo, entre outros, exercido o cargo de Secretário Provincial Adjunto do PRS no Uíge.
2. No âmbito da convocação do V Congresso Ordinário do PRS, decidiu candidatar-se ao cargo de Secretário Provincial do Partido no Uíge, nos termos da alínea a) do artigo 14.º dos Estatutos e da Directiva n.º 05/2024, sendo que viu a sua candidatura rejeitada pela Comissão Preparatória da V Conferência Provincial do PRS/Uíge, criada pelo Secretário Provincial cessante e candidato à sua própria sucessão, que, todavia, não era competente para o fazer, posto que tal competência é, estatutariamente, atribuída ao Comité Provincial do Partido.
3. A rejeição da candidatura teve por fundamento o facto de, alegadamente, ter sido sancionado, o que de acordo com as alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 15.º dos Estatutos do Partido e dos n.ºs 1, 2, e 3 do artigo 7.º do Regulamento das sanções partidárias só seria possível na sequência da instauração do competente processo disciplinar, que não se verificou, posto que nunca foi notificado para responder à Comissão de Ética e Auditoria (CEA).
4. O Secretariado Executivo Nacional e o Secretário Provincial cessante, no quadro da V Conferência Provincial do PRS no Uíge, que teve lugar no dia 15 de Março de 2024, também praticaram actos para os quais não tinham competência, incluindo o facto de ter sido o Secretário Provincial a criar a Comissão Provincial para a realização da Conferência Provincial.
5. Todos os actos praticados pelo PRS na Província do Uíge violaram os Estatutos e, por forma a repor a legalidade, deve ser constituída uma Comissão imparcial, eleita pelos membros do Comité Provincial, onde todos os envolvidos no processo possam participar com sucesso e sem intimidação.
Termina pedindo a procedência da presente acção e a impugnação da Conferência Provincial do PRS/Uíge de 15 de Março de 2024.
Citado o Requerido, Partido de Renovação Social, veio a esta Corte apresentar contestação, sumarizada no seguinte:
1. O vertido pelo Requerente com relação à alegada incompetência do Secretariado Executivo Nacional revela desconhecimento sobre os Estatutos do PRS, cujo n.º 2 do artigo 21.º determina que “os organismos provinciais, municipais e comunais do Partido orientam-se pelas resoluções do Congresso, do Comité Nacional, do Conselho Político e do Secretariado Executivo, que controlam a realização da sua actividade nas áreas administrativas da sua jurisdição, sempre no espírito da democracia vigente no País.”
2. As competências do Secretariado Executivo Nacional também podem ser clarificadas a partir da alínea a) do artigo 53.º dos Estatutos, que estabelece que “compete ao Secretariado Executivo Nacional cumprir e fazer cumprir as orientações emanadas pelo Conselho Político e pelo Comité Nacional.”
3. O Requerente foi sancionado, dois dias antes da submissão da sua candidatura, por violação do disposto na alínea b) do artigo 13.º dos Estatutos, tendo convocado reuniões paralelas aos órgãos do Partido na Província, fazendo campanha antes da abertura do processo de candidaturas.
4. O Requerente não recorreu da rejeição da candidatura ao cargo de Secretário Provincial do PRS no Uíge, sendo que, à luz do n.º 24 da Directiva n.º 05/2024, podia fazê-lo para a Comissão Nacional Preparatória, o órgão com competência para resolver as dúvidas e omissões resultantes da interpretação e aplicação desta Directiva.
5. Ao não recorrer da rejeição da candidatura, conclui-se que o Requerente se conformou com a decisão tomada.
O Requerido finaliza a sua contestação pedindo a improcedência da presente acção.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional, por meio do seu Plenário, é competente para conhecer e julgar conflitos intra-partidários que resultem, entre outros, da aplicação de normas estatutárias, das Convenções partidárias, das eleições ou das deliberações de órgãos de partidos políticos, de harmonia com o previsto na alínea j) do artigo 16.º e no artigo 30.º, ambos da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), conjugado com o disposto na alínea j) do artigo 3.º, na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º, no n.º 1 do artigo 66.º , todos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, e no n.º 2 ( segunda parte) do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (LPP).
III. LEGITIMIDADE
O Requerente é militante, membro do Comité Provincial e Nacional do Partido de Renovação social e, sendo parte interessada em demandar, possui, como tal, legitimidade para intentar a presente acção, nos termos do artigo 26.º do Código de Processo Civil – CPC, aplicável subsidiariamente em decorrência do estabelecido no artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional.
O Requerido, por seu lado, tem interesse directo em contradizer, pelo que, igualmente, lhe assiste legitimidade em face dos fundamentos legais acima vertidos.
IV. OBJECTO
A presente acção visa apreciar a procedência ou não do pedido de impugnação da Conferência Provincial do PRS no Uíge, realizada no quadro da convocação do V Congresso Ordinário desta agremiação partidária.
V. APRECIANDO
Os partidos políticos, nos termos do artigo 17.º da Constituição da República de Angola (CRA) e do artigo 1.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (LPP) são organizações teleologicamente vocacionadas para representar politicamente e de forma democrática os cidadãos, sendo que, no contexto do sistema eleitoral angolano, detêm o monopólio da representação parlamentar.
Neste sentido, concorrem livremente para a formação e expressão da vontade popular e para organização do poder político, respeitando os princípios da Independência nacional, da unidade nacional e da democracia política. Consequentemente, a sua organização e funcionamento internos devem estruturar-se à luz de fundamentos democráticos, com a consagração estatutária, entre outros, dos direitos e deveres dos militantes, do regime disciplinar a que estes estão submetidos ou da competência e composição dos órgãos do partido, como se retira dos artigos 17.º da CRA, 1.º e 20.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro.
Nos presentes autos, o conflito que destes emerge, não obstante associado a uma medida sancionatória, aplicada sem a instauração do competente procedimento disciplinar, tem por fim último, conforme pedido, impugnar a Conferência Provincial do Uíge, convocada no âmbito da realização do V Congresso Ordinário do PRS, que elegeria o Secretário Provincial (ver ponto 3 da Directiva n.º 05/2024), cargo para o qual o Requerente apresentou candidatura, entretanto, rejeitada.
Ora, este V Congresso, inicialmente convocado para os dias 2, 3 e 4 de Abril de 2024, viria, neste ínterim, a acontecer em Outubro de 2024, não sem antes ter sido objecto de uma série de acções judiciais impetradas junto deste Tribunal Constitucional, que visaram impugnar a legalidade de actos e procedimentos relativos à sua organização, incluindo a invalidação de Conferências Provinciais, com fundamento na violação de normas estatutárias e em irregularidades que atentavam contra princípios e direitos fundamentais.
Em razão destas acções, foram prolactados os Acórdãos n.ºs 880/2024, 908/2024, 917/2024 e 918/2024 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.ao) em que, reiteradamente, esta Corte declarou conforme com a lei e os Estatutos todo o processo que conduziu à realização do V Congresso Ordinário do Partido de Renovação Social.
Assim, em sede do Aresto n.º 880/2024, a decisão desta Instância Constitucional foi no sentido de reconhecer o facto de o PRS ter observado “as regras internas para a constituição da Comissão Preparatória do V Congresso, bem como para a sua convocação” e de, consequentemente, considerar os procedimentos legais e estatutários conformadores do processo orgânico do Congresso em harmonia com o disposto na lei e nos Estatutos.
Este entendimento viria a ser retomado nos Acórdãos subsequentes, dando lugar à realização do Congresso nos dias 1, 2 e 3 de Outubro de 2024, cujo processo para aferição e anotação foi remetido a esta Corte no dia 18 de Novembro do ano transacto.
Deste modo, firmada a convicção supra espelhada e realizado o V Congresso Ordinário do PRS, dúvidas não subsistem de que a pretensão do Requerente, em face da presente lide, perdeu o seu efeito útil.
Como subscrito na jurisprudência deste Tribunal, a inutilidade superveniente da lide dá-se “quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado, aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3.ª ed., p. 546).
Assim considerando e afigurando-se supervenientemente inútil o efeito jurídico pretendido pelo Requerente, a solução legal que importa atender é a de extinguir a instância, posta a inutilidade em prosseguir com a lide, conforme decorre da alínea e) do artigo 287.º do Código do Processo Civil, subsidiariamente aplicável ex vi do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes do Tribunal Constitucional em: DECLARAR A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, NOS TERMOS DA ALÍNEA E) DO ARTIGO 287.º DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL, SUBSIDIARIAMENTE APLICÁVEL EX VI DO ARTIGO 2.º DA LEI DO PROCESSO CONSTITUCIONAL.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 11 de Março de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora)
Lucas Manuel João Quilundo
Maria da Conceição de Almeida Sango
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Vitorino Domingos Hossi