ACÓRDÃO N.º 972/2025
PROCESSO N.º 1105-A/2023
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Nyanga Sarina Castilho da Rocha Pereira da Gama, melhor identificada nos autos, impetrou neste Tribunal Constitucional um recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo que revogou a decisão prolactada pela 1.ª Secção da Sala de Trabalho do Tribunal da Comarca de Luanda, na sequência de uma apelação interposta pela empresa FMC - Kongsberg International, AG – Sucursal de Angola.
A apelação ora visada decorre de uma Acção de Recurso em Matéria Disciplinar proposta contra a FMC para impugnar o despedimento, cujo pedido de nulidade foi decidido a favor da aqui Recorrente. Além de a medida de despedimento ter sido julgada nula, a FMC foi condenada a proceder à reintegração da sua trabalhadora (a Recorrente) e a pagar-lhe os salários e complementos desde o despedimento até à reintegração efectiva, no valor de Akz 12 456 664,00 (doze milhões, quatrocentos e cinquenta e seis mil, seiscentos e sessenta e quatro Kwanzas).
Em instância de recurso, a FMC arguiu a nulidade desta Decisão, amparada na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código do Processo Civil e invocando a caducidade do direito de acção de reintegração, ex vi do artigo 301.º da Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro – Lei Geral do Trabalho, aplicável à data dos factos, o que foi julgado procedente, dando origem ao Acórdão objecto da presente sindicância.
Nesta sede, a Recorrente, inconformada, considera que o Aresto posto em crise enferma do vício de inconstitucionalidade por violar os artigos 26.º (âmbito dos direitos fundamentais), 29.º (acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) e 76.º (direito ao trabalho), todos da Constituição da República de Angola (CRA).
Este entendimento é sustentado nas alegações submetidas a este Tribunal Constitucional, que se sumarizam no seguinte:
1. A caducidade aludida pelos Juízes Conselheiros refere-se, apenas, ao direito que a lei confere ao trabalhador de, querendo, fazer uso dele.
2. O Tribunal a quo julgou o despedimento nulo por violação do procedimento disciplinar, tendo agido, depois de escrutinados os elementos de prova, em conformidade com a lei e decidido pela reintegração nos termos do n.º 3 do artigo 228.º da LGT (em vigência à época).
3. A Recorrente nunca requereu o direito à reintegração que, de harmonia com disposto no artigo 301.º da LGT, então aplicável, caduca no prazo de 180 dias a contar do dia seguinte a que se verificou o despedimento.
4. A reintegração não está sujeita a prazos quando decidida pelo Tribunal como consequência da nulidade do despedimento.
5. Com a consagração no texto fundamental do direito à segurança no emprego, a reintegração, no caso de despedimento sem justa causa, constitui uma imposição da Constituição, tendo em conta o estabelecido no n.º 4 do artigo 76.º, que confere relevância ao bem jurídico “segurança no trabalho”, proibindo os despedimentos sem justa causa.
6. A decisão recorrida é inidónea, na medida em que a norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada é insusceptível de ser extraída do preceito legal impugnado, uma vez que regula situação distinta daquela que constitui a questão de constitucionalidade colocada no recurso (artigos 228.º e 301.º, caducidade do direito de acção para reintegração, ambos da Lei n.º 2/00).
7. A decisão recorrida viola direitos, liberdades e garantias da Recorrente, tendo em conta que as normas não foram aplicadas nos termos em que deviam sê-lo.
A Recorrente termina pedindo a revogação do Acórdão recorrido e que seja mantida a decisão da 1.ª Instância.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais cumpre, agora, apreciar e decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é, de harmonia com a alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, LPC, competente para julgar os recursos interpostos das sentenças e decisões que violem princípios, direitos, garantias e liberdades, previstos na Constituição, após o esgotamento dos recursos ordinários legalmente cabíveis, faculdade, igualmente, estabelecida na alínea m), do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, LOTC.
A Decisão proferida pela Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo esgota, deste modo, a cadeia dos recursos ordinários da jurisdição comum, cumprindo o disposto no § único do artigo 49. º da LPC.
III. LEGITIMIDADE
A legitimidade processual decorre do interesse directo em demandar e ou contradizer, tal como estatui o n.º 1 do artigo 26.º do Código do Processo Civil, CPC, aplicado subsidiariamente aos processos sujeitos à jurisdição do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.
Estabelece a alínea a) do artigo 50º da LPC que “têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade (…) as pessoas, que de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
A Recorrente é parte vencida no processo que deu lugar ao Acórdão recorrido, pelo que, como tal, tem legitimidade processual activa para recorrer.
IV. OBJECTO
Constitui objecto deste recurso verificar a inconstitucionalidade do Acórdão da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, prolactado no âmbito do Processo n.º 934/19, por alegada ofensa a princípios fundamentais e violação de direitos e garantias previstos na Constituição da República de Angola.
V. APRECIANDO
A declaração de inconstitucionalidade requerida a este Tribunal tem por substracto matéria relativa às consequências que decorrem da repercussão do tempo no contexto da relação jus laboral, em contraponto com o direito à reintegração que emerge como um dos efeitos da nulidade do despedimento, tendo em atenção a norma convocada pelo Tribunal Supremo para o proferimento da Decisão recorrida.
Sustentando-se no artigo 301.º da LGT (aplicável à época) que fixava um prazo de 180 dias, contados do dia seguinte àquele em que se verificou o despedimento, para requerer judicialmente a reintegração na empresa, a Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo julgou procedente a excepção peremptória da caducidade, suscitada pela FMC. Considerou, a respeito, que o direito de acção da Recorrente, nessa lide, havia já caducado, atendendo ao facto de a medida de despedimento ter sido notificada a 26 de Maio de 2014 e a propositura da acção de impugnação junto do Órgão de Conciliação ter ocorrido a 20 de Maio de 2015.
Ora, a interpretação que fundamenta o juízo decisório em apreço contrapõe-se à da Recorrente, para quem a reintegração não se sujeita a prazos quando decidida pelo Tribunal, operando, no caso, em razão do assentado no n.º 3 do artigo 228.º da Lei n.º 2/00, à data em vigência, que obrigava o empregador, na situação de despedimento nulo, a “proceder a reintegração do trabalhador e a pagar-lhe salários e complementos que este deixou de receber até à reintegração.”
Colocados os termos do dissídio, vejamos em que medida procede ou não a alegada inconstitucionalidade do Aresto recorrido que, na concepção da Recorrente, no contexto dos direitos, liberdades e garantias fundamentais e do previsto no artigo 26.º da CRA, viola o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, bem como o direito ao trabalho, respectivamente, consagrados nos artigos 29.º e 76.º da Constituição da República de Angola.
A interpretação dos preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais de conformidade com os instrumentos de direito internacional de que o País seja parte encontra, efectivamente, fundamento no n.º 2 do artigo 26.º da CRA, como feito valer pela Recorrente.
Na verdade, estes instrumentos, que configuram mecanismos de hermenêutica, aplicação jurisdicional e de garantia dos direitos fundamentais e cuja relevância não é de descurar, reflectem uma “consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados (…) acerca de temas centrais aos direitos humanos, na busca da salvaguarda de parâmetros protectivos mínimos”, conforme acentua Flávia Piovesan (Os Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho, in Direitos Humanos e Direito do Trabalho, Atlas, S. Paulo, 2010, p. 9).
No que concerne ao direito ao trabalho, positivado no artigo 76.º da CRA e, igualmente, em instrumentos de direito internacional, como a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (artigo 15.º), a Declaração Universal do Direitos Humanos (artigo 33.º) ou o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (artigo 6.º), é de realçar o facto de existir uma quase unanimidade relativamente à essencialidade deste direito, de estrutura compósita e pluridimensional, que permite o gozo de outros direitos e que, concomitantemente, releva como meio de protecção da dignidade da pessoa humana.
A exemplo, nas Directrizes e Princípios sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, adoptados pela Comissão Africana, o direito ao trabalho é reconhecido como um direito essencial para o gozo e fruição de outros direitos económicos, sociais e culturais, que implica o acesso a trabalho equitativo e decente e do qual resulta, entre outros, a garantia da protecção dos trabalhadores contra despedimentos arbitrários e injustos. (ver Aua Baldé, Sistema Africano de Direitos Humanos: As experiências dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, Universidade Católica Editora, Novembro de 2017, p. 123).
Na realidade, esta é a compreensão que tem, também, sido perfilhada por este Tribunal e que resulta do preconizado no artigo 76.º da CRA, cujo n.º 4 incorpora a proibição contra o despedimento sem justa causa, o que representa a protecção de “uma posição subjectivada, de objecto bem definido, já integrante da esfera jurídica de todos aqueles que têm emprego, (…) e que visa a segurança e estabilidade do emprego, a preservação de um bem já adquirido” (Joaquim de Sousa Ribeiro e Outros, Direitos Humanos/Direitos Fundamentais, Os sistemas Internacionais e Angolano de Protecção, Petrony Editora, 2020, p. 145).
É, pois, desta dimensão de protecção contra o despedimento sem justa causa que emerge o direito à reintegração, cujo alcance tem em vista assegurar a subsistência da relação de trabalho, na situação de declaração de invalidade judicial do despedimento decretado pela entidade empregadora, matéria sobre que versam os presentes autos.
Por outro lado, e como sabido, o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva também encontra consagração nos instrumentos de direito internacional supra identificados, sendo que, na já sedimentada jurisprudência deste Tribunal, tem sido compreendido, latu sensu e pese as suas diferentes concretizações, como garantia de protecção de direitos fundamentais e, como tal, estruturante do Estado Democrático de Direito.
Incorporando, por meio do exercício do direito de acção, a dimensão de protecção através dos tribunais, que se exige seja justa, efectiva, adequada e exequível, pressupõe, na esteira de J.J. Canotilho e Vital Moreira, um “quadro de direito material compatível com o estatuto do Estado de direito e com os direitos fundamentais”(Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 3.ª ed. revista, Vol. I, 1993, p. 416), evitando que os direitos garantidos constitucionalmente sejam transformados em meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadoras, conforme se retira de Luiz Guilherme Marinoni. (Tutela Inibitória: individual e colectiva, Editora Revista dos Tribunais, 4.ª ed., SP, 2006, p. 80).
Nesta linha de raciocínio, a tutela requerida aos tribunais deve dar lugar a soluções jurídicas que, alicerçadas no direito, confiram protecção efectiva aos direitos e interesses em disputa, quer esteja em causa acautelar ou impedir a prática de determinado acto lesivo, quer repor um statu quo ante, em face da lesão de determinado direito.
Tal não significa, contudo, que da pretensão deduzida em juízo se obtenha, necessariamente, uma decisão favorável, impondo-se, antes, que a decisão judicial, ainda que desfavorável, seja fundada no direito, exigência que, no domínio das diferentes dimensões em que se concretiza o direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, não se afigura incompatível com a necessidade de serem observados requisitos processuais para que o Tribunal se pronuncie, como, a exemplo, os prazos legais estabelecidos para a propositura de uma dada acção.
Para J.J. Canotilho, a interligação existente entre o direito de acesso aos tribunais, como garantia da via judiciária, o direito ao processo e o direito à uma decisão fundada no direito, “deixa intuir que todas estas dimensões do direito de acesso não são incompatíveis com a exigência de pressupostos processuais, ou seja, de um conjunto de requisitos cuja verificação e observância é necessário para um órgão judicial poder examinar as pretensões formuladas no pedido. Daí que (…) o direito à tutela jurisdicional não se identifique com o direito a uma decisão favorável, antes se reconduza ao direito de obter uma decisão fundada no direito, sempre que se cumpram os requisitos legalmente exigidos” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7.ª ed., p. 498).
No caso dos autos, o Tribunal Supremo decidiu em desfavor da Recorrente ao julgar procedente, com fundamento no artigo 301.º da LGT, então em vigência, a caducidade do direito de interposição da acção para a reintegração, o que, no plano prático, traduz um limite ao exercício deste direito derivado do decurso do tempo e que, por isso, conduz à sua extinção.
Com efeito, no Aresto em sindicância é acentuado o facto de o instituto da caducidade configurar uma excepção peremptória, que (…) “o tribunal conhece por própria iniciativa ainda que nenhuma das partes a tenha invocado (…), sendo causa de extinção automática de um direito pelo decurso do respectivo prazo, “pois, nos termos do n.º 2 do artigo 288.º do Código Civil, estão sujeitos à caducidade os direitos que devam ser exercidos durante certo lapso de tempo, configurando os direitos sujeitos a prazo “matéria excluída da disponibilidade das partes, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CC” (fls. 175 e 176).
Ora, em face da decisão da 1.ª Instância e na esteira do alegado, é de admitir que o direito à reintegração da Recorrente foi decidido como efeito obrigatório da nulidade do despedimento, tendo em atenção ao que estabelecia o n.º 3 do artigo 228.º da LGT, cuja ratio prefigurava a ideia de manutenção da relação laboral, decorrente do contrato de trabalho interrompido, posto entender-se, na esteira de doutrina maioritária e conforme já aflorado, ser a reintegração a medida regra que “assegura plenamente a reposição da situação que existia antes do despedimento ilícito” e a que constitui “a solução que melhor se compagina com a ideia da invalidade do despedimento e com a tutela da estabilidade no emprego.”( Ver a respeito Norberto Capeça, Estudos de Direito Privado, Where Angola, 2013, p. 54 e Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado do Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 5.ª ed., 2014, p. 1006).
Desta sorte, a reintegração, quando não requerida, como in casu (ver fls. 4 e 5), não estaria sujeita ao prazo de 180 dias fixado no artigo 301.º, mas antes, ao do n.º 1 do artigo 300.º da LGT, cuja epígrafe se refere à prescrição, por remissão do estabelecido no n.º 2 do artigo 63.º da então LGT em aplicação, que submetia o recurso contra a medida de despedimento imediato aos prazos constantes dos dois dispositivos legais aqui assinalados (300.º e 301.º). Esta subsunção justificaria, por consequência, a decisão do Tribunal a quo.
Não foi este, porém, o ajuizamento da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo no Aresto recorrido, cuja fundamentação viria a ser acolhida pelo Plenário dessa Corte Superior da Jurisdição Comum no seu Acórdão para Uniformização de Jurisprudência, n.º 1/23, de 22 de Junho, que, respondendo em sentido afirmativo, dilucidou a questão de saber se a caducidade do direito à reintegração deveria ou não ser conhecida oficiosamente. Aduziu, a respeito, que tal se deve ao facto de esta (caducidade) se tratar de matéria indisponível, excluída da disponibilidade das partes, nos termos do artigo 333.º, n.º 1 do CC, conforme, aliás, acentuado no Acórdão impugnado.
Reconhecendo, ainda assim, que a reintegração constitui a solução regra perante a declaração de ilicitude do despedimento, o Plenário do Tribunal Supremo, escudado na norma do artigo 303.º da Lei n.º 7/15, de 15 de Junho, que revogaria a Lei n.º 2/00, mas que, entretanto, não estava ainda em vigor aquando da prolacção do Acórdão, sendo que, no entanto, reproduzia, ipsis litteris, o conteúdo do artigo 301.º da LGT revogada, conclui só ser possível a reintegração na situação em que a acção de conflito de trabalho é intentada dentro do prazo de 180 dias contados do dia seguinte àquele em que se verificou o despedimento.
Sequencialmente, lê-se, no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência, o seguinte: “Porém, se o trabalhador tiver chegado aos Órgãos de Justiça do Trabalho depois do prazo de 180 (cento e oitenta dias) a contar do dia seguinte àquele em que se verificou o despedimento, não há lugar à reintegração, mesmo que a parte a quem aproveita a caducidade não a invoque. (…). Assim, se o trabalhador impugnar o despedimento passados mais de 180 dias, a contar do dia seguinte ao do despedimento, mesmo que haja fundamento para a declaração da sua invalidade, o Tribunal não deverá condenar o empregador a reintegrar o trabalhador e, em consequência, também não terá direito a perceber os salários intercalares ou de tramitação e, por fim, não terá direito à indemnização. Isto é, o Tribunal decide a favor do trabalhador, porém, por ter recorrido tardiamente ao Tribunal, aquele daqui sai «de mão a abanar». Este é o sentido que se deve dar ao artigo 303.º da LGT.”
Ora, é facto que a protecção do trabalhador contra o despedimento ilícito assume-se como uma das dimensões mais importantes da tutela laboral, não apenas por estar em causa garantir a estabilidade do emprego em obediência a razões de natureza económica, jurídica ou de paz social, mas também em atenção ao desequilíbrio que se verifica na relação de trabalho, onde o empregador ocupa “uma posição de supremacia, em reverso da subordinação jurídica que recai sobre o trabalhador”, para utilizar as palavras de Luís Manuel Teles de Menezes Leitão (Direito do Trabalho de Angola, Almedina, 3.º ed., 2014, p. 129).
Por conseguinte, são sempre de relevar as soluções legais que permitem assegurar uma protecção devida e efectiva ao trabalhador e que garantam a estabilidade da relação jurídico-laboral, enquanto direito/garantia implícito no n.º 4 do artigo 76.º da CRA.
Deste modo, ao lado da tutela reintegratória, que personifica o regime regra no âmbito do despedimento ilícito, porquanto percebida como a que melhor assegura a estabilidade da relação jus laboral, releva, igualmente, a tutela ressarcitória, expressamente contemplada no n.º 4 do supramencionado artigo 76.º e também reflectida n.º 2 do artigo 228.º da LGT, em vigência à data dos factos, como mecanismos tendencialmente aptos para conferir protecção ao trabalhador despedido ilicitamente.
Não obstante, o recurso a estes mecanismos de tutela jurisdicional só se torna exequível se verificado dentro do espaço temporal estabelecido na lei para o efeito, sob pena de preclusão do direito de a eles lançar mão. Como acima espelhado, o direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva também encontra concretização quando observado o formalismo legal prescrito para tutelar os direitos e pretensões reconhecidos pela ordem jurídica, o que, igualmente, configura pressuposto de certeza e segurança jurídicas.
Este direito encontra, ainda, efectivação no plano da interpretação e aplicação da norma jurídica ao caso concreto, na medida em que, a decisão judicial representa o resultado desse juízo de valoração.
Por outro lado, será mister reconhecer que, em sede da Lei n.º 2/00, antes vigente, sempre subsistiram dúvidas quanto à identificação do regime jurídico aplicável para a determinação do prazo de interposição da acção de impugnação do despedimento ilícito, no confronto entre o previsto no n.º 1 do artigo 300.º e o estabelecido no artigo 301.º.
Talvez, por isso, esta questão se encontre, agora, melhor articulada na nova Lei Geral do Trabalho, a Lei n.º 12/23, de 27 de Dezembro, ao regular claramente, no seu artigo 313.º, a caducidade do direito de acção para a impugnação. Dispõe, pois, este artigo que “o direito de requerer judicialmente a ilicitude do despedimento caduca no prazo de 120 dias contados do dia seguinte àquele em que se verificou o despedimento.”
Chegados aqui, é de entender que a limitação que, no plano do exercício do direito de acção de impugnação do despedimento ilícito, por inobservância de formalismo legal, deriva da solução interpretativa do direito ordinário, operada pela Câmara do Trabalho do Tribunal no âmbito da presente acção e não coloca em causa o direito de tutela efectiva do direito ao trabalho.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ACÓRDÃO PROLACTADO PELA CÂMARA DO TRABALHO DO TRIBUNAL SUPREMO, NA MEDIDA EM QUE NÃO SE VERIFICA A ALEGADA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS E DIREITOS ENUNCIADOS PELA RECORRENTE.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 12 de Março de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) (Declarou-se Impedida)
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora)
Lucas Manuel João Quilundo
Maria da Conceição de Almeida Sango
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Vitorino Domingos Hossi