ACÓRDÃO N.º 990/2025
PROCESSO N.º 1292-D/2025
Contencioso Parlamentar (Providência Cautelar não Especificada)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
O Grupo Parlamentar da UNITA, com os demais sinais identificativos nos autos, representado pelo seu Presidente, Liberty Marlin Dirceu Samuel Chiaka, veio ao Tribunal Constitucional interpor a presente Providência Cautelar Não Especificada, ao abrigo do disposto na alínea i) do artigo 3.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), conjugado com o artigo 399.º do Código de Processo Civil.
Em sede das suas alegações, o Requerente, veio, alegar o seguinte:
1. O Grupo Parlamentar da UNITA intentou uma acção de fiscalização abstracta sucessiva, junto do Tribunal Constitucional, Processo n.º 1252-D/2025, em que é Requerente, tendo sido requerido o Conselho Superior da Magistratura Judicial, sobre o Regulamento relativo ao concurso curricular de provimento do cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, cuja decisão pelo Tribunal competente se aguarda.
2. No dia 11 de Abril de 2025, a Presidente da Assembleia Nacional convocou a V Reunião Plenária Extraordinária da III Sessão Legislativa da V Legislatura.
3. No n.º 3 da referida convocatória consta o ponto atinente a “Discussão e Votação do Projecto de Resolução que aprova a designação nominal dos membros da Comissão Nacional Eleitoral.
4. A questão referida no número anterior é impugnável, porque enferma de vícios insanáveis, cujo respectivo Processo sob o n.º 1252-D/2025, corre termos no Tribunal Constitucional, pelo que, em homenagem ao princípio da precedência dos actos jurídicos, a designação nominal dos membros da Comissão Nacional Eleitoral, deve ter lugar depois da decisão relativa a questão controvertida.
5. O Requerente tomou conhecimento da Convocatória no dia 14 de Abril de 2025.
6. Estando em sede do Tribunal Constitucional, a análise do processo de fiscalização abstracta sucessiva, o Requerente entende que enquanto não existir uma decisão definitiva desta Corte, não deve ser designada a lista nominal dos membros da Comissão Nacional Eleitoral, junto da Assembleia Nacional.
7. O Grupo Parlamentar da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) possui legitimidade activa para o exercício desta acção uma vez que os resultados das eleições legislativas de 2022 consolidaram a sua posição como principal força na oposição no Parlamento angolano, com uma representatividade de 40,90% dos mandatos, traduzidos em 90 deputados. Esta representação lhe confere direitos e prerrogativas asseguradas tanto pela legislação nacional, como para a tomada de posse do Presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 7.º, da Lei n.º 12/12 de 13 de Abril, Lei Orgânica Sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral, conjugado com o n.º 1 do artigo 26.º do CPC.
8. Tratando-se de um acto que põe em risco direitos, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 12/12, de 13 de Abril – Lei sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral, e que contraria a vontade do legislador constitucional nos termos do artigo 107.º da CRA, conjugado com o artigo 4.º da Lei n.º 12/12, de 13 de Abril, que é de criar uma Comissão Nacional Eleitoral independente, representativa, proporcional, imparcial, equilibrada, a Assembleia Nacional deve esperar a decisão do Tribunal Constitucional.
O Requerente termina a sua petição pedindo que este Tribunal Constitucional julgue procedente o seu pedido e declare a suspensão imediata dos pontos 2 e 3 da Convocatória da Presidente da Assembleia Nacional do dia 11 de Abril de 2025, relativos a tomada de posse do Presidente da Comissão Nacional Eleitoral e a discussão e votação do projecto de Resolução que aprova a designação nominal dos Membros da Comissão Nacional Eleitoral.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir sobre esta Providência Cautelar Não Especificada (Processo Relativo ao Contencioso Parlamentar), ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 181.º da CRA, e da alínea i) do artigo 3.º e do n.º 2 do artigo 60.º, ambos da LPC.
III. LEGITIMIDADE
O Requerente tem legitimidade para interpor a presente Providência Cautelar Não Especificada ao abrigo do previsto no artigo 26.º do Código de Processo Civil – aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC, e a Requerida possui legitimidade para contradizer no processo.
IV. OBJECTO
O objecto da presente providência reside na apreciação da procedência, ou não, do pedido de suspensão da discussão e votação do projecto de Resolução que aprova a designação nominal dos membros da Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
Questão Prévia
A presente providência foi interposta pelo Requerente na sequência da convocatória da V Reunião Plenária Extraordinária da III.ª Sessão Legislativa da V Legislatura, cujos pontos 2 e 3 dizem respeito a tomada de posse do Presidente da Comissão Nacional Eleitoral e a discussão e votação do projecto de Resolução, relativa a designação nominal dos membros da Comissão Nacional Eleitoral.
Por considerar que a Assembleia Nacional é parte ilegítima nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 26.º e artigos 493.º e 494.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis por força do artigo 2.º da LPC e pelo facto do Presidente da CNE já ter sido empossado, foi o pedido parcialmente indeferido na parte relativa à tomada de posse do Presidente da CNE, por meio do Despacho fundamentado da Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, datado de 16 de Abril de 2025.
Entretanto, tendo sido admitida a referida providência na parte relativa à designação nominal dos membros da CNE, impõe-se, pois, analisar e decidir se procede ou não a presente providência.
V. APRECIANDO
Veio o Requerente (Grupo Parlamentar da UNITA), ao abrigo do disposto na alínea i) do artigo 3.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, conjugado com o artigo 399.º do Código de Processo Civil, intentar a presente Providência Cautelar Não Especificada, visando a suspensão da discussão e votação do projecto de Resolução que aprova a designação dos membros da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), alegando que da realização de tal acto poderá resultar a violação de preceitos constitucionais e legais que regem a tramitação, bem como causar prejuízo grave e de difícil reparação à legalidade democrática e ao regular funcionamento das instituições.
Conforme assevera Osvaldo Malanga as “Providências cautelares são meios provisórios tendentes à justa composição dos litígios que visam acautelar o efeito útil da acção. Estas providências visam impedir que na pendência de uma acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca a sua eficácia total ou parcialmente. 2.º in fine e 381.º CPC” (Lições de Direito Processual Civil, Vol. 1, Marmoco Criações, 2021, p. 100).
O instituto da providência cautelar está consagrado como sendo o meio processual provisório que visa assegurar a eficácia prática de uma futura decisão de mérito, evitando que o decurso do tempo ou a realização de actos por qualquer das partes torne irreversível a lesão de um direito alegadamente ameaçado.
A providência é um processo de natureza sumária cuja função é congelar uma situação jurídica controversa enquanto se aguarda uma decisão definitiva (em processo já pendente ou ainda não instaurado). Esta “destina-se a prevenir a violação de um direito próprio, seja ele de natureza pessoal ou patrimonial, quando a previsível lesão seja grave e a reparação do direito se torne difícil. Nestes casos, o titular do direito ameaçado pode requerer providência antecipatória ou conservatória da tutela do direito ameaçado” (Código de Processo Civil Anotado, Tomo I Artigos 1.º a 702.º, José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, p. 422).
Nos termos do artigo 399.º do CPC, é admissível o recurso a providência cautelar não especificada “Quando alguém mostre fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito (…)”.
Para mais, a jurisdição cautelar opera, mediante verificação cumulativa de dois requisitos essenciais sendo o fumus boni iuris – a plausibilidade do direito invocado e periculum in mora – o risco de dano grave ou de difícil reparação que torne inútil a sentença da causa principal, tendo natureza instrumental e acessória.
O seu objetivo é permitir a realização antecipada do direito, total ou parcialmente, antes da decisão final, ou assegurar a protecção do direito de forma a garantir a utilidade da decisão a ser proferida na acção principal.
No caso em apreço, o Requerente pretende prevenir a consumação de um acto legislativo que, segundo sustenta, poderá ter vícios que comprometam princípios constitucionais como o da imparcialidade, transparência e legalidade na constituição dos órgãos da CNE, órgão fundamental para a realização de eleições livres, justas e transparentes, nos termos da Constituição da República de Angola.
Para o efeito, sustenta que, caso o projecto de Resolução seja aprovado enquanto se discute a sua validade em sede do Processo n.º 1252-D/2025 (acção principal), a reversão da situação seria de difícil concretização, com prejuízo para o Estado Democrático de Direito.
Refere, ainda, tratar-se de um acto que põe em risco direitos consagrados no artigo 7.º da Lei n.º 12/12 de 13 de Abril, nos termos do qual, “1. A Comissão Nacional Eleitoral é composta por dezassete membros, sendo:
a. Um Magistrado Judicial, que a preside, oriundo de qualquer órgão, escolhido na base de concurso curricular e designado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (…).
b. Dezasseis cidadãos designados pela Assembleia Nacional, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, sob proposta dos partidos políticos e coligações de partidos políticos com assento parlamentar, obedecendo o princípio da maioria e do respeito pelas minorias parlamentares.
2. (…)
3. A afixação do número de membros da Comissão Nacional Eleitoral propostos pelos partidos políticos ou coligações de partidos políticos com assento parlamentar é estabelecido por Resolução da Assembleia Nacional (…)”.
Ocorre, porém, que a Assembleia Nacional, no uso da sua competência, aprovou a distribuição dos 16 membros, acto este, impugnado nesta Corte pelo Requerente, por entender que aquela não respeita “o princípio da maioria com respeito pelas minorias”, que aguarda decisão.
Sobre a distribuição de lugares entre partidos, faz todo sentido que a Assembleia Nacional suspenda o projecto da Resolução que indica nominalmente os membros que compõem a CNE por cada partido político, sem que este Tribunal tenha se pronunciado de forma líquida sobre a questão controvertida, em respeito ao princípio democrático e da igualdade de tratamento, a que o partido tem direito, conforme o artigo 2.º e n.º 4 do artigo 17.º, conjugado com o artigo 29.º, todos da CRA.
Ora;
A actuação deste Tribunal, em sede da presente providência, se consubstancia na aferição da existência ou não dos requisitos para o respectivo decretamento, prevenindo, deste modo, a consumação do acto ora impugnado antes da decisão definitiva, como decorre do disposto no artigo 401.º do Código de Processo Civil, que consagra os pressupostos clássicos do fumus boni iuris e do periculum in mora.
A providência requerida, tendo sido admitida, em face dos fundamentos supra, após a notificação, veio a Assembleia Nacional, por ofício n.º 001731/00/D-01/PAN/2025, datado de 28 de Abril de 2025, em sede da sua contestação, referir que se absteve de votar e aprovar a Resolução que designaria a Relação Nominal dos Membros da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) enquanto estiver pendente no Tribunal Constitucional a acção proposta pelo Requerente.
De recordar que, a jurisprudência deste Tribunal (vide, entre outros, os Acórdãos n.ºs 544/2019, 549/2019, 683/2021 disponíveis em www.tribunalconstitucional.ao), se tem firmado no sentido de ser extinta a instância sempre que a pretensão do autor não se possa manter, por virtude do desaparecimento do objecto do processo, que torna impossível atingir o resultado esperado.
No caso em apreço, entende este Tribunal, que não subsistiria um interesse suficientemente relevante no conhecimento do pedido, nem sequer no que toca aos efeitos pretendidos, por força do posicionamento de non facere da Requerida.
Diante do exposto, é inequívoco que o efeito jurídico pretendido com a presente providência cautelar já foi obtido, uma vez que a discussão da Resolução ora impugnada foi protelada enquanto tramitar a acção principal nesta Corte Constitucional, pelo que é de considerar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 287.º do CPC, aplicável por força do artigo 2.º da LPC.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DECLARAR EXTINTA A INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, NOS TERMOS DA ALÍNEA E) DO ARTIGO 287.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, SUBSIDIARIAMENTE APLICÁVEL POR FORÇA DO ARTIGO 2.º DA LEI DO PROCESSO CONSTITUCIONAL.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 26 de Maio de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Amélia Augusto Varela
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo (Com Declaração de Voto)
Gilberto de Faria Magalhães (Relator)
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Vitorino Domingos Hossi