No quadro das comemorações das jornadas Março Mulher e das comemorações dos 50 Anos da Independência Nacional, a Procuradoria-Geral da República, realizou nesta quarta-feira, 12 de Março de 2025, a palestra “O Legado das Mulheres no Sistema Jurídico”.
Confira, na íntegra, a intervenção da Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, 𝗟𝗮𝘂𝗿𝗶𝗻𝗱𝗮 𝗣𝗿𝗮𝘇𝗲𝗿𝗲𝘀 𝗠𝗼𝗻𝘁𝗲𝗶𝗿𝗼 𝗖𝗮𝗿𝗱𝗼𝘀𝗼, que marcou a abertura do evento.
Excelentíssimo Procurador Geral Da República;
Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal de Contas;
Venerandos Juízes Conselheiros dos Tribunais Superiores;
Excelentíssimos Procuradores-Gerais Adjuntos Da República;
Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República;
Ilustres Magistrados, advogados e académicos;
Distintos Convidados;
Minhas Senhoras e Meus Senhores.
É com imensa honra que aceitei o convite que me foi formulado pelo Digníssimo Procurador-Geral da República Doutor Hélder Fernando Pitta Gróz para proferir o discurso de abertura, e felicito-o desde já, pela organização deste evento de capital importância para a consolidação do Estado de direito, pois, uma sociedade verdadeiramente justa, é aquela onde homens e mulheres têm as mesmas oportunidades de contribuir para o seu funcionamento e desenvolvimento.
Os temas inscritos para esse evento subordinam-se ao lema “O legado da mulher no sistema Jurisdicional Angolano”, pressupondo, a meu ver, não apenas o reconhecimento do progresso alcançado, mas, também, uma reflexão sobre os desafios que ainda persistem e o caminho que temos pela frente na construção de um sistema jurisdicional sólido e inclusivo.
A mulher angolana carrega no seu ADN a resiliência dos nossos antepassados que resistiram à colonização, lutaram pela independência nacional e reconstruíram o país. Esta força ancestral está presente em cada reunião onde a sua voz ecoa, em cada política que implementa, e em cada equipa que lidera.
No que à função jurisdicional diz respeito, a nossa história, regista que a presença feminina nesse sector, foi frequentemente limitada, não por falta de capacidade, mas por barreiras sociais e institucionais que negavam às mulheres o direito a oportunidades em condições de igualdade.
Entretanto, é graças à resiliência e ao trabalho incansável de muitas e muitos, que as mulheres conquistaram o direito de estudar, advogar, julgar e interpretar e aplicar a Constituição. Personalidades como Myra Bradwell, Ruth Bader Ginsburg, nos Estados Unidos, Fatou Bensouda, no Tribunal Penal Internacional e Maria do Carmo Medina (1ª Magistrada Angolana) demonstraram a grandeza da participação feminina.
As personalidades acima referidas não apenas abriram portas para que as mulheres ingressassem na magistratura, advocacia e procuradoria, mas, também, redefiniram os conceitos de justiça e equidade, demonstrando que a justiça só é plena quando for mais inclusiva e representativa.
No entanto, as mulheres angolanas que ocupam cargos de decisão no sistema jurisdicional são verdadeiras pioneiras, cujo trabalho diário não apenas sustenta os pilares da justiça no país, mas também abre caminhos para futuras gerações. Este legado, construído com determinação e sabedoria, representa um testemunho vivo da capacidade feminina de transformar instituições e sociedades.
A título de exemplo, em Angola, em sede das jurisdições comum e especial, os Tribunais Superiores têm os seguintes registos:
I. Tribunal Constitucional: 5 mulheres (45%), 6 homens (55%);
II. Tribunal Supremo: 8 mulheres (38%), 13 homens (62%);
III. Tribunal de Contas: 4 mulheres (31%), 9 homens (69%);
IV. Supremo Tribunal Militar: 0 mulheres (0%), 7 homens (100%).
Uma nota de realce na perspectiva do feminino, com excepção do Supremo Tribunal Militar, a Vice-Presidência dos Tribunais Superiores, e, até da PGR, são exercidas por Mulheres.
O papel da mulher angolana no sistema jurisdicional tem raízes profundas que remontam à luta pela independência. A Constituição angolana de 2010 reforçou o princípio da igualdade de género, permitindo avanços significativos na participação feminina em todas as esferas de poder, incluindo no judiciário.
Historicamente, destacam-se marcos como:
I. A nomeação da primeira juíza angolana, a Professora Dra. Maria do Carmo Medina, que abriu caminho para outras mulheres no sistema judicial após a independência;
II. A primeira Mulher Presidente do Tribunal de Contas;
III. A Primeira Mulher Presidente do Tribunal Constitucional;
IV. As primeiras Mulheres Vice-presidentes dos Tribunais Superiores, Constitucional, Supremo e de Contas;
V. A primeira Mulher Vice PGR da República;
VI. A primeira Mulher Presidente de um Tribunal da Relação.
Enfim, o aumento gradual da presença feminina nas magistraturas, quer seja do Ministério Publico e do Judicial, nos tribunais superiores, com destaque para o Tribunal Constitucional, onde mulheres têm contribuído para decisões fundamentais para o estado democrático de direito, demonstra a força da nossa luta.
O destaque que aqui fazemos, prova a nossa ciência que, em Angola, a presença feminina no sistema jurisdicional não é, apenas, uma conquista recente; é um testemunho da dedicação de gerações de mulheres que desafiaram estereótipos e conquistaram o seu espaço. Desde advogadas e magistradas pioneiras que enfrentaram desafios num contexto pós-independência, até às magistradas que hoje ocupam posições de destaque, o caminho foi trilhado com determinação e compromisso com a justiça.
Contudo, não se pode falar do legado feminino na justiça sem mencionar nomes como Maria do Carmo Medina, pioneira que ajudou a estruturar o sistema jurídico angolano no período pós - independência, e tantas outras que, silenciosamente nos bastidores dos tribunais, universidades e órgãos consultivos moldaram e continuam a moldar a justiça no nosso país, só para citar algumas, Antonieta Coelho, Paulette Lopes, Luzia Sebastião, Terezinha Lopes, Ana Maria Azevedo Chaves, Eva Ferreira, Suzana Inglês, Elisa Rangel Nunes, Laurinda Jambela, Guilhermina Prata, Lizete Veríssimo da Costa, Marieth Oliveira e Isabel Repsina, Maria do Rosário Veloso, entre muitas outras, que, com dedicação e compromisso, construíram um legado que nos orgulha e nos inspira a avançar.
Excelências,
Minhas senhoras e senhores,
Caros Participantes,
Actualmente, as mulheres, no sistema jurisdicional angolano, enfrentam vários desafios, entre eles, o de contribuir para modernização da justiça enquanto preservam valores essenciais:
Integridade e Ética: precisamos reforçar os mecanismos de comprometimento exemplar com a imparcialidade e a ética judicial, qualidades fundamentais para garantir a confiança pública no sistema de justiça.
Sensibilidade Social: A presença feminina nos tribunais tem trazido uma perspectiva diferenciada para casos envolvendo questões familiares, proteção de menores e violência doméstica, contribuindo em grande medida para a humanização do sistema judicial.
Eficiência e Dedicação: Apesar dos desafios estruturais, as profissionais do direito, podem contribuir significativamente na implementação e melhorias da gestão processual e no atendimento ao cidadão.
Mentoria e Inspiração: Cada mulher em posição de liderança no judiciário serve como modelo para estudantes de direito e jovens profissionais, demonstrando que é possível quebrar barreiras de género em um campo tradicionalmente dominado por homens.
Excelências,
Caros Colegas e Participantes,
O horizonte para as mulheres no sistema jurisdicional angolano é promissor, porém desafiador. Senão vejamos, temas como:
* Inovação Tecnológica e Modernização
A digitalização dos processos judiciais e a implementação de novas tecnologias representam uma oportunidade para as mulheres liderarem a modernização do sistema judicial. A adaptação às ferramentas digitais, à inteligência artificial e aos sistemas de gestão moderna são áreas onde a sensibilidade feminina para detalhes e a capacidade de implementar mudanças com empatia podem fazer a diferença.
* Proteção da Família como Pilar da Sociedade
O fortalecimento da família como núcleo social básico permanece uma prioridade. As mulheres na magistratura têm a oportunidade única de desenvolver jurisprudência que proteja a unidade familiar enquanto garante os direitos individuais, especialmente de crianças e adolescentes.
* Justiça Inclusiva e Acessível
O futuro do sistema jurisdicional angolano depende da sua capacidade de servir todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica ou localização geográfica. As Mulheres Magistradas podem impulsionar projectos e acções envolvendo outras instituições no sentido de promover programas de assistência jurídica gratuita; simplificar procedimentos legais para maior compreensão pelo cidadão comum; implementar tribunais móveis para alcançar comunidades remotas e desenvolver programas de educação jurídica para empoderar mulheres e famílias.
* Cooperação Internacional e Desenvolvimento Profissional
O intercâmbio de experiências com sistemas judiciais de outros países, particularmente aqueles com maior representatividade feminina, pode trazer inspiração e novas metodologias. A participação em fóruns internacionais e a formação contínua são essenciais para o crescimento profissional e institucional.
E, antes de terminar, aproveitando que estamos no mês de março, onde temos uma tríade de celebrações, como sendo o Dia da Mulher Angolana, o Dia Internacional da Mulher e o Dia da Mulher Juíza, permitam-me, fazer aqui alguns lembretes especiais à Mulher Angolana, em geral, e em particular às Magistradas:
O seu trabalho diário não é apenas uma carreira, mas um legado vivo que molda o futuro da nação. Quando aplica a lei com sabedoria e compaixão, está a proteger não apenas indivíduos, mas famílias inteiras. Quando inova e moderniza procedimentos, não está apenas a melhorar a eficiência, mas a tornar a justiça mais acessível para todos os angolanos.
Magistrada, Assessoras, Advogadas e outras, lembrem-se sempre:
* A sua voz importa: Cada decisão, cada opinião, cada dissidência tem o poder de moldar o direito e influenciar gerações.
* O seu exemplo inspira: Jovens mulheres observam a sua trajetória e ganham coragem para seguir caminhos semelhantes.
* A sua sabedoria transforma: A combinação única de conhecimento jurídico com sensibilidade social cria uma justiça mais humana.
* O seu equilíbrio orienta: A capacidade de harmonizar carreira, família e responsabilidades sociais demonstra que é possível ser completa em todas as dimensões da vida.
As mulheres no sistema jurisdicional angolano não estão apenas aplicando leis; estão construindo um novo paradigma de justiça que combina o rigor legal com valores de proteção, cuidado e desenvolvimento social. Este é, no meu entender, um legado de valor inestimável para Angola e para o mundo.
Para terminar…
O legado das mulheres no sistema jurisdicional angolano é um mosaico em construção, onde cada peça representa uma conquista, uma barreira superada, uma decisão justa. À medida que mais mulheres assumem papéis de liderança na magistratura, advocacia e outros campos jurídicos, este legado se fortalece e se expande.
O futuro da justiça em Angola será moldado por mãos femininas que combinam força e sensibilidade, tradição e inovação, respeito pelo passado e visão de futuro. Este é um legado em constante evolução, que honra o caminho percorrido pelas pioneiras enquanto abre novas veredas para as gerações vindouras.
A verdadeira medida deste legado não está apenas nas leis escritas ou nas decisões publicadas, mas nas vidas transformadas, nas famílias protegidas e na sociedade mais justa que emerge quando as mulheres participam plenamente na administração da justiça.
Nestes termos, declaro aberta a palestra subordinada ao tema: “O legado das Mulheres no sistema Jurisdicional”
MUITO OBRIGADO PELA BONDADE DA VOSSA AUDIÊNCIA.