ACÓRDÃO N.º 924/2024
PROCESSO N.º 1141-A/2024
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade (Habeas Corpus)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Calisto Pucúta, melhor identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional impetrar o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade de providência de habeas corpus, do Despacho a fls. 27 dos autos, prolactado, aos 23 de Janeiro de 2024, pelo Presidente do Tribunal Supremo.
Admitido o recurso e notificado para apresentar alegações, em observância ao disposto no artigo 45.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), fê-lo, conforme se vê a fls. 62 a 71 dos autos e se resumem no seguinte:
1. A decisão proferida pelo Tribunal a quo, que serve de fundamento para privação da liberdade do arguido, encontra-se pendente em razão do recurso, não tendo ainda decisão e por isso não transitou em julgado.
2. No Despacho do Juiz Presidente está bem patente que esgotaram os prazos, na medida em que o Recorrente está há mais de 24 meses em prisão preventiva, sem que haja sentença transitada em julgado. Acresce que o Tribunal Supremo reconhece que a prisão preventiva não está dentro do prazo legal.
3. A decisão do Tribunal Supremo viola de forma clara e grosseira o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1.º da CRA e, apesar da clara e evidente violação de direitos e princípios fundamentais com dignidade constitucional, ainda assim o augusto Tribunal Supremo indefere o pedido de habeas corpus.
4. A fundamentação constante no despacho do Tribunal Supremo, que veta a pretensão requerida, é inconstitucional, ilegal e ilícita, pois que ao considerar a liberdade justa e legal do arguido/recorrente um perigo para paz e segurança social, é o mesmo que admitir a pena de morte ou a perpetuidade da pena, situações inexistentes no ordenamento jurídico angolano.
5. O Despacho recorrido consagra o princípio da perpetuidade da pena e, mais grave ainda, a de pena de morte, para garantir a segurança da sociedade ou de ordem pública e tranquilidade, em desrespeito aos preceitos constitucionais de proibição de pena de morte e privação da liberdade com carácter perpétuo, previstos nos artigos 59.º e 66.º da CRA.
Termina pedindo a reposição da legalidade violada, por ofensa dos princípios da dignidade da pessoa humana e da legalidade.
O processo foi à vista do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional, que se pronunciou nos seguintes termos:
i. Promove pelo provimento, por entender que não há, seguramente, disposição legal que justifica a prisão do Recorrente, pois o fundamento segundo o qual, com base no postulado da proporcionalidade, deve prevalecer o direito de todos à segurança, sacrificando-se, destarte, o estado de inocência do arguido e o seu direito à liberdade física, embora doutrinário não encontra com certeza respaldo legal.
ii. Deste modo, a prisão do Recorrente mantida desde 2019 até à data é manifestamente ilegal e inconstitucional, violadora dos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade e da limitação das penas e medidas de segurança, previstos nos artigos 1.º, 6.º, 66.º, 67.º e 226.º, todos da CRA.
Colhidos os vistos legais cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º e 53.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, LPC, competente para julgar os recursos interpostos das sentenças e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, após o esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos.
Esta faculdade está igualmente prevista na alínea m), do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, LOTC.
III. LEGITIMIDADE
O Recorrente é parte no Processo n.º 45/2023, que tramita junto do Tribunal Supremo, tem direito a contradizer, segundo dispõe o n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente ao processo constitucional, por força do artigo 2.º da LPC.
A legitimidade para interpor o presente recurso, cabe-lhe, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC.
IV. OBJECTO
O objecto do presente Recurso para o Plenário, é apreciar se o Despacho do Presidente do Tribunal Supremo, datado de 23 de Janeiro de 2024, proferido no Processo n.º 45/23, terá alegadamente incorrido em inconstitucionalidade, ofendendo o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da legalidade.
V. APRECIANDO
O Recorrente veio a esta Corte de Justiça Constitucional interpor Recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por ser parte vencida do Despacho proferido pelo Juiz Presidente do Tribunal Supremo, na sequência da providência de habeas corpus, datado de 23 de Janeiro de 2024.
Em suas alegações, de fls. 62 a 71, o Recorrente sublinha que está detido desde 18 de Abril de 2019, tendo sido julgado e condenado a pena de 24 anos de prisão maior pela prática do crime de transmissão dolosa do vírus de HIV.
Neste ínterim, esta Corte Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 10.º da LPC, efectuou diligências no sentido de obter informações sobre a pendência do processo, tendo constatado o registo, na 4.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, do Acórdão do Processo n.º 5425/2021, de 04 de Janeiro de 2024, que o condenou na pena de 20 anos de prisão. Assim, torna-se inútil conhecer o presente habeas corpus, pois, o fim e o objectivo já foram realizados.
De acordo com José Lebre de Freitas, na perspectiva do disposto na alínea e) do artigo 287.º do CPC, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar - além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª Edição. Coimbra Editora, p. 555).
Destarte, torna-se desnecessária a apreciação da questão controvertida e consequentemente inútil a presente lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente por força do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DECLARAR EXTINTA A INSTÂNCIA, POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, NOS TERMOS DA ALÍNEA E) DO ARTIGO 287.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, SUBSIDIARIAMENTE APLICÁVEL POR FORÇA DO ARTIGO 2.º DA LEI DO PROCESSO CONSTITUCIONAL.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 7 de Novembro de 2024.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Dr. Gilberto de Faria Magalhães
Dr. João Carlos António Paulino
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora)
Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira
Dra. Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva