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ACÓRDÃO N.º 944/2024

Processo n.º 1229-A/2024

Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações (Providência Cautelar de Suspensão de Deliberação)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

 

 

I. RELATÓRIO

António Francisco Venâncio, militante do MPLA e titular do cartão n.º 594037, com melhor identificação nos autos, vem, ao abrigo das disposições combinadas dos artigos 6.º, 17.º, 23.º, 29.º, 72.º, 73.º, 175.º e 179.º, todos da Constituição da República de Angola (CRA), dos artigos 5.º, alínea c) do 8.º, n.º 2 do 24.º e n.º 2 do 29.º, todos da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (LPP), da alínea j) do artigo 3.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC), dos artigos 396.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), aqui chamados à colação por força do preceito do artigo 2.º da LPC, bem como da alínea p) do n.º 1 do artigo 31.º dos Estatutos do MPLA, requerer procedimento cautelar de suspensão da deliberação proferida em definitivo pelo Comité Central do partido político MPLA, na sua VII Sessão Ordinária realizada no dia 25 de Novembro de 2024.

O Requerente sustenta o seu requerimento, em síntese, nos seguintes fundamentos de facto e de direito:

    1. A convocatória do VIII Congresso Extraordinário, padece de vícios, pois o Congresso devia ser convocado com, pelo menos, dois meses de antecedência, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 79.º dos Estatutos do MPLA. No entanto, o Comité Central iniciou o processo na sua III Sessão Extraordinária, no dia 9 de Outubro 2024 e a convocatória apenas foi consumada, no dia 25 de Novembro do mesmo ano, marcando para os dias 16 e 17 de Dezembro do ano em curso e perfazendo um intervalo temporal de, apenas, 21 dias;
    2. Se for admitido que as competências do Congresso Ordinário e do Congresso Extraordinário são as mesmas, então a agenda enferma de vícios, resultantes do n.º 7 do artigo 76.º dos Estatutos, visto que o ponto 2 ou alínea b) da agenda de trabalhos sugerida, só foi aprovado, em definitivo, na VII Sessão Ordinária do Comité Central, que teve lugar, no dia 25 de Novembro do ano em curso;
    3. Da deliberação do Comité Central resulta violação dos direitos e deveres dos militantes e, como corolário, a violação dos Estatutos do MPLA com o processo de ajustamento aos estatutos, frustrando as pretensões do Recorrente de concorrer ao cargo de Presidente do Partido no IX Congresso Ordinário electivo de 2026;
    4. O Requerente vê-se impedido de se preparar prévia e convenientemente para apresentar e formalizar a sua candidatura, em tempo e em sede própria, pois o objectivo principal do Congresso convocado é o de alterar os Estatutos do Partido para condicionar, em sede de um Congresso extraordinário e em violação do espírito estatutário vigente, o direito de apresentação de candidaturas daqueles que pretendem concorrer à presidência do MPLA e encabeçar a lista de candidatos à Presidente da República. Condição que resulta da interpretação do n.º 1 do artigo 120.º dos Estatutos do MPLA;
    5. A actual direcção da organização pretende submeter uma agenda de trabalhos aos delegados ao VIII Congresso Extraordinário para a sua alteração, que designou propositadamente como ajustamento, quando pretende, na verdade, modificar os estatutos, com o objectivo de garantir ao líder do partido impor um candidato à liderança do País que seja da sua preferência, por via do Bureau Político, cujos membros, ele mesmo propõe e dirige, numa clara violação dos princípios da universalidade e igualdade, ex vi do n.º 1, alínea f) do n.º 2, alíneas d) e e) do n.º 3, todos do artigo 17.º da CRA, por via do preceito dos n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do artigo 13.º, dos Estatutos, que acolhe o catálogo dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, consagrados nos artigos 52.º, 53.º, 54.º e 55.º, todos da CRA, conjugados com o n.º 1 e as alíneas b), c), r) e s), do artigo 13.º, dos Estatutos;
    6. O Bureau Político do Comité Central do MPLA, reunido aos 16 de Novembro de 2024, analisou e propôs o teor do referido ajustamento, indicando em concreto os artigos que serão objecto desta pretensão, com maior destaque para a redacção do n.º 1 do artigo 120.º dos Estatutos, no seguinte: "Os candidatos a Presidente e a Vice-Presidente da República, são designados pelo Comité Central, sob proposta do Bureau Político". Ao manter-se esta intenção de alteração, existem sérios riscos de a deliberação violar a Constituição (artigos 6.º, 17.º, 22.º e 23.º) e a alínea a) do n.º 2, do artigo 13.º dos Estatutos;
    7. Os assuntos constantes da agenda de trabalhos do VIII Congresso Extraordinário convocado para os dias 16 e 17 de Dezembro do ano em curso, não devem ser tratados neste congresso, por não serem urgentes e muito menos inadiáveis, pois podem e devem constar da agenda do Congresso Ordinário, a ter lugar em 2026, ex vi das alíneas b) e c) do artigo 75.º dos Estatutos;
    8. Lançando mão à redacção proposta para substituir a actual redacção do n.º 1 do artigo 120.º, dos Estatutos, compreende-se, de forma clara, que há aqui uma alteração substancial da regra ou critério de apresentação de candidaturas a Presidente e a Vice-Presidente da República, mais do que isso, remove-se o critério que limita o número de mandatos do Presidente do Partido;
    9. Porque a reclamação apresentada pelo Requerente para esgotar as vias internas não mereceu qualquer resposta, e porque a acção principal para a declaração da nulidade das deliberações do Comité Central leva tempo, o que dificulta, a todos os títulos, o acautelamento do direito do Requerente, digno de protecção legal, na qualidade de militante, que pretende concorrer ao cargo de Presidente do seu Partido e encabeçar a lista de candidatos pelo círculo nacional, sendo o candidato a Presidente da República pelo IX Congresso Ordinário, que terá lugar no ano de 2026, mas que, com a alteração a vista, está em risco a sua pretensão, logo, apenas por meio de uma providência cautelar, nesta fase, é possível acautelar o direito do Requerente que está em vias de ser violado e que dificilmente se poderá reparar num futuro próximo;
    10. O tempo que se leva a proferir uma decisão nas acções judiciais principais, face a natureza dos direitos a acautelar, v.g., o direito de eleger e de ser eleito, ex vi dos artigos 13.º n.º 2, alíneas a) e c), 31.º n.º 1, alínea d), 30.º, 31.º, 32.º, 107.º, 110.º, 111.º e 112.º e seguintes dos Estatutos do Partido, direito este que encontra respaldo na CRA, ex vi dos artigos 17.º n.ºs 1, 2, alínea f), 3, alíneas d) e e), 22.º, 23.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º e 57.º, por um lado;
    11. Por outro lado, atendendo que o direito em causa integra o catálogo dos direitos e liberdades fundamentais consagrados na CRA, de harmonia com os preceitos legais retro mencionados da Lei Magna, trata-se de um bem jurídico digno de protecção legal ao mais alto nível da legislação angolana, fazendo assim impender sobre o partido MPLA, até por força do preceito do artigo 17.º n.ºs 1 e 2, alínea f), 3, alíneas d) e e), da CRA, conjugado com o preceito do artigo 13.º n.º 2, alínea a), dos seus Estatutos, a obrigação de observar, nas suas decisões e deliberações, os preceitos constitucionais que consagram os princípios democráticos que devem nortear a organização e funcionamento dos partidos políticos em Angola e os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos/militantes do Partido em pauta;
    12. A deliberação do Comité Central que convoca e define a agenda de trabalhos para o VIII Congresso Extraordinário do MPLA, a realizar-se entre os dias 16 e 17 de Dezembro do ano em curso, na hierarquia dos bens jurídicos tutelados pela Ordem Jurídica Angolana, atento igualmente à hierarquia das normas em confronto, os princípios fundamentais da organização e funcionamento democrático das forças políticas angolanas e os direitos fundamentais do Requerente/Militante têm um valor jurídico superior ao da deliberação recorrida, por violação de princípios, direitos e liberdades constitucionais fundamentais, incluindo princípios da democracia interna e normas estatutárias do próprio Partido;
    13. A manutenção desta deliberação, coloca em crise o processo de organização e funcionamento do próprio partido MPLA.

 

Termina requerendo que seja decretada a providência cautelar de suspensão de todas deliberações do Comité Central do MPLA sobre os assuntos objecto desta providência, aprovadas na sua VII Sessão Ordinária, do dia 25 de Novembro de 2024, cujo processo teve seu início na III Sessão Extraordinária, realizada no dia 9 de Outubro e que culminou na aprovação da data para realização do VIII Congresso Extraordinário do MPLA, para os dias 16 e 17 de Dezembro do presente ano.

Prescindindo da vista e dos vistos legais nos termos do n.º 3 do artigo 707.º do Código do Processo Civil (CPC), cumpre, agora, apreciar para decidir.

 

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é competente para conhecer dos processos relativos a partidos políticos e coligações, conforme o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 181.º da Costituição da República Angola (CRA), na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do processo Constitucional (LPC), combinado com a alínea i) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho - Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) e n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Portidos Políticos (LPP).

 

III. LEGITIMIDADE

O Requerente é militante do MPLA, portanto, parte interessada em demandar, no âmbito dos artigos 26.º e 396.º, ambos do CPC, aplicável ao abrigo do artigo 2.º da LPC, combinado com o n.º 3 do artigo 17.º e alínea p) do n.º 1 do artigo 31.º dos Estatutdos do MPLA, possuindo legitimidade para o efeito.

 

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso consiste na apreciação do pedido para, nos termos do artigos 396.º e seguintes do CPC, ser decretada a providência cautelar de suspensão de todas as deliberações do Comité Central do MPLA proferidas na sua VII Sessão Ordinária, do dia 25 de Novembro de 2024, cujo processo teve o seu início na III Sessão Extraordinária, realizada no dia 09 de Outubro e que culminou na aprovação da agenda de trabalho supra mencionada e na determinação de nova data para a realização do VIII Congresso Extraordinário do MPLA, para os dias 16 e 17 de Dezembro, cabendo verificar se estão ou não reunidos os seus pressupostos, nomeadamente, a existência do direito invocado, bem como verificar se a execução da deliberação pode causar dano apreciável.

 

V. APRECIANDO

 

Questão Prévia

O ora Requerente interpôs a presente Providência Cautelar contra o partido MPLA, requerendo que seja decretada a suspensão de todas as deliberações do seu Comité Central aprovadas na sua VII Sessão Ordinária, do dia 25 de Novembro de 2024, cujo processo teve início na III Sessão Extraordinária, realizada no dia 9 de Outubro e que culminou com a aprovação da data para a realização do VIII Congresso Extraordinário do MPLA, para os dias 16 e 17 de Dezembro do presente ano.

Para o efeito, sustenta a sua pretensão no facto de existirem vícios constantes da convocatória do VIII Congresso Extraordinário do MPLA, susceptíveis de lesar os Estatutos do Partido e, a concretizarem-se, impedirem o Requerente, de preparar e apresentar a sua candidatura atempada à presidência do Partido, violando-se desta forma o n.º 1 do artigo 120.º dos Estatutos do Partido. Alega, igualmente, que o ajustamento aos Estatutos, proposto como ponto de apreciação na agenda de trabalhos, visa tão-somente impor um candidato à liderança do partido, por via do Bureau Político, ao arrepio do artigo 13.º dos Estatutos do Partido e lesando os artigos 52.º, 53.º, 54.º e 55.º, todos da CRA.

Ao escalpelizar a pretensão do Requerente consegue-se aferir que este pretende, com a interposição da providência cautelar, impedir que as deliberações tomadas pelo Comité Central, que serão objecto de análise e discussão para deliberação em Congresso, constem da agenda de trabalhos, em virtude de ter a convicção que essas deliberações lesam o seu direito constitucionalmente consagrado de concorrer a cargos electivos no seu Partido, solicitando, assim, a suspensão das mesmas, nos termos do artigo 396.º do CPC. Logo, resulta claro que o Requerente pretende alcançar, com o presente expediente, os desígnios próprios de uma acção principal.

Ora, uma providência cautelar é um expediente usado quando haja fundado receio que alguém venha a causar lesão grave e dificilmente reparável ao direito de outrem, podendo fazer recurso a essa medida judicial com o propósito de assegurar a efectividade do direito ameaçado, entendimento já defendido por esta Corte Constitucional nos seus Acórdãos n.º 731/2022; 761/2022; 880/2024, disponíveis em www.tribunalconstitucional.ao.

Tal como discorre Tomás Timbane “se antes ou mesmo no decurso do processo não forem tomadas medidas provisórias, o efeito que se pretende obter com a acção pode não ser alcançado quando a sentença final for proferida. Enquanto se espera pelo início da acção ou quando esta está em curso, mas não foi decidida, pode suceder que os meios necessários à decisão desapareçam ou sejam subtraídos à justiça” (Lições de Processo Civil I, Escolar Editora, 2010, p. 169).

O mesmo autor prossegue referindo o seguinte: “as providências cautelares visam precisamente impedir que na pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida ou a medida decretada sendo favorável, perca toda a sua eficácia, ou parte dela. O seu objectivo é, de facto, combater o periculum in mora (o perigo da demora inevitável do processo)”. Ibidem, p. 171.

Em vista disso, o artigo 399.º do CPC estabelece os requisitos para a efectivação de uma providência cautelar: o fumus bonus iuris, o periculum in mora e a proporcionalidade do direito em causa. Assim, ao interpor a providência cautelar de suspensão de deliberação, o Requerente fá-lo, convicto de que é titular de um direito conferido por lei, e que a eventual discussão da agenda do Congresso Extraordinário do MPLA o impedirá de exercer esse direito e limitará a sua capacidade de facere.

Deste modo, atendendo a natureza meramente cautelar deste tipo de procedimento, os seus objectivos não colimam o restabelecimento da verdade jurídica, mas, tão somente, um meio de evitar possíveis danos, enquanto a veracidade dos factos é determinada na acção principal.

Dito isto, e tendo em conta o disposto nos artigos 396.º e seguintes do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo constitucional, por meio do artigo 2.º da LPC, esta Corte Constitucional limitar-se-á a verificar se estão preenchidos os pressupostos cumulativos para a procedência de uma Providência Cautelar de Suspensão de Deliberações Sociais.

 

Elucidada a questão, segue-se a apreciação dos pressupostos inerentes ao provimento de uma providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, nos termos do definido nos artigos 396.º e seguintes do CPC.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 396.º do CPC “se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de cinco dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.

Nas palavras de A. S. Abrantes Geraldes “a suspensão de deliberações sociais constitui uma providência específica que permite antecipar certos efeitos derivados de sentença declarativa de nulidade ou de anulabilidade obstando à execução de uma deliberação formal ou substancialmente inválida, mas que, apesar disso, poderia ter repercussões negativas na esfera do sócio ou da pessoa colectiva” (Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. IV, 2.ª ed., Almedina, 2003, p. 70).

Desde logo, importa aqui elucidar que os Partidos políticos, enquanto “organizações de cidadãos, de carácter permanente e autónomas, constituídas com o objectivo fundamental de participar democraticamente da vida política do País”, nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos, não deixam de ser considerados como associações, enquanto organizações criadas por pessoas com interesses comuns, que se unem para alcançar objectivos específicos.

Sendo claro, nesta medida, o disposto no artigo 396.º do CPC, ao dispor que o seu regime é aplicável às associações e sociedades, seja qual for a sua espécie.

Assim, são pressupostos cumulativos para o provimento de tal providência cautelar, os seguintes:

a) Ser o requerente sócio da associação que proferiu a deliberação;

b) Ser essa deliberação contrária à lei ou aos estatutos;

c) Resultar da execução da deliberação dano apreciável.           

O primeiro requisito constitui pressuposto da legitimidade activa e os dois restantes são elementos integrantes da causa de pedir.

O aqui Requerente é militante do partido político MPLA, detentor do cartão de militante n.º 594037, pelo que, tem legitimidade para requerer a suspensão de deliberações aprovadas pelo partido político de que é militante, nos termos da lei e dos Estatutos partidários.

Quanto ao ser a deliberação contrária à lei ou aos estatutos, a lei adoptou um conceito amplo de ilegalidade, podendo englobar, a inexistência jurídica, a nulidade, a ineficácia em sentido estrito e a anulabilidade.

Já quanto ao dano, é pressuposto fundamental para a propositura do procedimento cautelar que a execução de tal deliberação possa causar um dano apreciável. Sendo que, o Tribunal deverá acolher o procedimento cautelar quando consiga percepcionar a existência de um real direito do Requerente e um fundado receio de lesão (fumus boni iuris).

Nos dizeres de Taveira da Fonseca “quer o artigo 396.º n.º 1, quer o artigo 397.º n.º 2, referem-se às deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, abarcando […] as deliberações nulas ou anuláveis. […] Ponto é que, a esse respeito, possa verificar-se a existência do pressuposto conatural das providências, isto é, o fumus boni iuris […]. Quanto ao periculum in mora, supõe a lei a verificação, em termos de probabilidade, do perigo de ocorrência do dano apreciável decorrente da deliberação inválida.” (Deliberações Sociais – Suspensão e Anulação, ed. CEJ, 1994/95, pág. 87 e ss). Já quanto ao dano apreciável, refere Miguel Teixeira de Sousa que “é o dano visível, de aparente dignidade, estimável” (Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 240).

Embora não seja necessária a certeza absoluta sobre a existência de um vício na deliberação, é essencial a convicção clara no sentido de que a deliberação social é ilícita ou pelo menos irregular, passível de ser arguida a sua invalidade em sede de acção principal. Assim, a providência cautelar de suspensão de deliberações sociais não tem como finalidade a substituição da decisão do julgador da acção principal de impugnação da deliberação social.

No caso em concreto, o Requerente propõe a presente providência cautelar alegando que a deliberação do Comité Central, ao convocar o Congresso Extraordinário com a ordem de trabalhos que lhe foi fixada é susceptível de vir a ofender os seus direitos enquanto militante, bem como os seus direitos de cidadania constitucionalmente protegidos.

Nas palavras de A. S. Abrantes Geraldes “atenta a designação da providência, apenas se abarcam deliberações já tomadas e não as que se apresentam como meramente eventuais” (Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. IV, 2.ª ed., Almedina, 2003, p. 95).

Destarte, o Requerente não logra demonstrar que a deliberação em causa representa, para si, um ataque a uma posição ou pretensão jurídica concreta, porquanto a eventual alteração dos Estatutos, invocada pelo Requerente, nos termos previstos é, ainda, uma mera possibilidade abstracta e não uma realidade concreta. Tanto pode ocorrer, como não, em função da votação que tiver lugar. Não pode, portanto, dizer-se, que a demora da acção principal com vista à anulação da deliberação lhe possa causar prejuízo irreparável ou, nos termos da lei, dano apreciável.  

Os procedimentos cautelares destinam-se, em geral, a acautelar o efeito útil da acção, impedir que, na pendência, a situação de facto se altere, de modo a tornar-se ineficaz uma sentença porventura favorável, logo, o pedido de suspensão de uma deliberação social pressupõe a existência dela.

Por outro lado, Vejamos,

Uma vez que os partidos políticos são associações privadas com dignidade constitucional, como referido acima, a eles aplica-se, de modo analógico, o regime das providências cautelares nominadas, designadamente, a suspensão de deliberações socias, prevista no artigo 396.º e seguintes do CPC.

Prescreve o n.º 2, do artigo 396.º do referido diploma legal que “o sócio instruirá o requerimento com cópia da acta em que as deliberações foram tomadas e que a direcção deve fornecer ao requerente dentro de vinte e quatro horas; quando a lei dispense reunião de assembleia, a cópia da acta será substituída por documento comprovativo da deliberação”.

Mais ainda, o n.º 1 do artigo 397.º do CPC dispõe que “se o requerente alegar que lhe não foi fornecida cópia da acta ou do documento correspondente, dentro do prazo fixado no artigo anterior, a citação da associação ou sociedade é feita com a cominação de que a contestação não será recebida sem vir acompanhada da cópia ou do documento em falta”.

Nas suas alegações, o Requerente apresenta aqueles que, na sua óptica, são os factos que consubstanciam violações aos Estatutos do MPLA, decorrentes das deliberações do Comité Central do referido Partido.

Da conjugação da exposição dos factos e do pedido formulado pelo Requerente resulta como elemento fundamental da acção sub judice, em face da apreciação dos pressupostos de admissibilidade e eventual decretamento da providência, verificar a deliberação ou deliberações do Comité Central do MPLA que convoca o VIII Congresso Extraordinário e aprova a respectiva ordem de trabalho, pois que, no caso em apreço, sem a junção deste documento aos autos, não é possível aferir minimamente sobre a idoneidade da acção.

No que aos presentes autos diz respeito, importa referir que, não há documento algum, no conjunto dos oferecidos pelo Requerente, que virtualmente possa consistir numa acta ou documento correspondente, em que se expressa o conteúdo das alegadas deliberações tomadas pelo Comité Central do partido MPLA, em relação as quais se pede a suspensão da sua execução. Constata-se que o Requerente não apresentou qualquer documento ou outro meio de prova, sumária, que confirme as suas alegações constantes no seu requerimento. Nada consta nos autos em relação a isso; os autos nada trazem em relação ao grau de prova que é suficiente para a demonstração da situação jurídica que se pretende acautelar ou tutelar provisoriamente; pelo que, a presente acção carece do mínimo de prova sumária do receio da lesão, tendo o Requerente se limitado a alegar os eventuais prejuízos.

Relativamente aos requisitos de ordem formal do requerimento inicial, há necessidade de apresentação de cópia da acta (ou documento que a substitua) em que tenha sido tomada a deliberação, alegadamente viciada. No procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, o objectivo da actividade jurisdicional no que concerne à produção de prova, é a formulação dos juízos de probabilidade e de suficiência.

Apesar de não existir qualquer restrição quanto aos meios probatórios, é certo que a prova documental ganha relevo, designadamente a necessária para comprovar o teor da deliberação, conforme A. S. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV vol., Procedimentos Cautelares Especificados, Almedina, 2010, pág. 95.

Tratando-se de um procedimento cautelar, nos termos da primeira parte do n.º 2 do artigo 396.º do CPC, o Requerente deveria apresentar a prova sumária dos fundamentos alegados para sustentar o direito ameaçado, in casu, os documentos nos quais constem as deliberações objecto desta acção. Não basta, por isso, alegar, ao Requerente é exigido, por lei, já nesta fase, instruir o requerimento com cópia da acta, ou documento correspondente, comprovativo das referidas deliberações (elemento fundamental) que, alegadamente, violaram normas estatutárias.

Outrossim, o legislador, prevendo e prevenindo a impossibilidade ou a dificuldade da sua apresentação, impulsionou, por duas vias, a colaboração da sociedade ou associação:

- Atribuiu ao sócio o direito de, num curto prazo de vinte quatro horas, obter uma cópia (n.º 2 do artigo 396.º do CPC);

- Perante uma eventual recusa, previu a possibilidade de requerer a citação da sociedade ou associação para o procedimento, com a especial cominação constante do n.º 1 do artigo 397.º do CPC, ou seja, com aviso de que a apresentação desse documento constitui condição de aceitação do articulado de contestação.

Este regime melhor se compreende quando associado a normas ligadas ao relevo jurídico das actas.

Por exemplo, uma apreciação análoga ao disposto no n.º 1 do artigo 68.º da Lei das Sociedades Comerciais – LSC (Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro), as deliberações apenas podem provar-se através das actas ou, quando admitidas as deliberações por escrito, através dos documentos que as contenham.

Deste modo, questiona-se como poderia o ora Requerente ver satisfeita a sua pretensão se não lhe fosse possível juntar documento comprovativo da deliberação.

A resposta resulta da interpretação conjugada dos n.ºs 1 e 2 do artigo 397.º do CPC, segundo a qual a falta de apresentação da acta implica, para a sociedade ou associação, o efeito cominatório pleno, ou seja, o imediato decretamento da suspensão, sem necessidade de outras diligências.

Da análise dos autos resulta que o Requerente não provou ter solicitado ao Requerido o documento que corporiza a deliberação que vem impugnar.

Neste sentido, e porque nas suas alegações não há qualquer referência relativa à recusa da entrega da cópia do documento ou documentos (deliberação do Comité Central do MPLA) pelos órgãos do Partido em questão, não pode este Tribunal citar o Requerido para solicitar tal documento, na medida em que a prova deveria ser produzida e juntada sumariamente pelo Requerente, ou, no limite, este deveria alegar que, sendo esse o caso, que o Requerido, abusivamente, cerceou a concretização do acesso a informação essencial (no caso em apreço, o documento que corporiza a deliberação) à tutela jurisdicional.

Portanto, no caso em análise, a falta de exibição das actas (ou documento correspondente) nas quais alegadamente se exprimem as deliberações tomadas cuja execução se pretende suspender, só pode ser imputável ao ora Requerente. Pois que, não obstante a falta da sua apresentação, também não usou da faculdade que lhe é conferida por lei, fazendo a alegação de que tendo solicitado, não lhe foi fornecida cópia da acta pelo Requerido, para que a citação fosse efectuada com a advertência da cominação expressa no n.º 1 do artigo 397.º do CPC.

A suspensão de deliberações sociais, como procedimento cautelar que é, está processual e peremptoriamente subordinada ao disposto nos artigos 302.º a 304.º do CPC, e assim, as partes devem oferecer logo, no requerimento em que seja formulado o pedido de suspensão ou no requerimento de oposição a esse pedido, o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, não lhes sendo lícito diferir tais actos para momento posterior, salvo casos excepcionais.

Existem, contudo, factos que só podem ser provados mediante documento, pelo que o Requerente deveria instruir o seu requerimento com o respectivo suporte documental.

É consabido, que os processos especiais se regulam pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns em tudo quanto não estiver previsto, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário (n.º 1 do artigo 463.º do CPC).

Nesse sentido, aos procedimentos cautelares, naquilo que não se acha previsto, são aplicáveis as disposições do processo ordinário.

Nesta base, pode e deve ser indeferida in limine a petição quando ocorra algum dos casos previstos no artigo 474.º do CPC, mas a esses casos gerais de indeferimento liminar acrescem outros especiais, como é o caso contemplado no n.º 2 do artigo 396.º do CPC.

O indeferimento liminar pressupõe que, ou por motivos de forma ou por motivos de fundo, a pretensão do autor esteja irremediavelmente comprometida, ou seja, votada ao insucesso certo. Em tais circunstâncias, não faz sentido que o requerimento tenha seguimento.

Assim, se o Requerente da providência não instruir o requerimento com cópia da acta ou documento equivalente, em que as deliberações foram tomadas, nem fazer a alegação inserta no n.º 1 do artigo 397.º do CPC, segundo a qual a falta é imputável ao Requerido, por não lhe ter sido facultada, cumpre ao julgador, em vez de seguir com o processo, indeferir in limine o requerimento.

Trata-se, portanto, de um pressuposto processual positivo, específico deste procedimento cautelar, ou seja, para a admissibilidade da instância ou para que a mesma possa prosseguir, torna-se necessário que a parte junte a cópia da acta (ou documento) em que foi tomada a deliberação a suspender; ou que alegue, desde logo, que a falta de junção é por culpa do Requerido.

Desse modo, a falta de junção da acta ou documento que a comprove, em que tenha sido tomada a deliberação inválida, traduz-se na omissão de um pressuposto processual em termos de excepção dilatória inominada, conducente à extinção da instância – artigos 493.º e 494.º do CPC.

A omissão do referido pressuposto traduz-se numa excepção dilatória inominada que deve ser conhecida oficiosamente, atento aos preceitos insertos nos artigos 493.º, 494.º, n.º 1 e 495.º, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, cujos efeitos determinam a absolvição do réu da instância, conforme a alínea e) do n.º 1 do artigo 288.º, todos do CPC.

Assim, em face do exposto, esta Corte Constitucional conclui que a pretensão do Requerente não pode ser atendida, por não ter apresentado prova, ainda que sumária, dos prejuízos que poderiam advir da deliberação, bem como, por não se verificarem preenchidos os pressupostos para a concessão da providência cautelar de suspensão de deliberações.

Nestes termos,

 

 

DECIDINDO 

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: INDEFERIR A PRESENTE PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES E, EM CONSEQUÊNCIA, ABSOLVER O REQUERIDO DA INSTÂNCIA, NOS TERMOS DA ALÍNEA E) DO N.º 1 DO ARTIGO 288.º, CONJUGADO COM O ARTIGO 493.º, AMBOS DO CPC, SUBSIDIARIAMENTE APLICÁVEIS POR FORÇA DO ARTIGO 2.º DA LPC.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.

 

Notifique-se.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 13 de Dezembro de 2024.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dra. Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)

Dra. Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)

Dr. Carlos Alberto B. Burity da Silva (Relator)

Dr. Gilberto de Faria Magalhães

Dr. João Carlos António Paulino

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (Com reserva)

Dra. Júlia de Fátima Leite S. Ferreira