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ACÓRDÃO N.º 1020/2025

 

 

PROCESSO N.º 624-B/2018

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade.

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I.  RELATÓRIO
O Ministério Público, Recorrente, veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, do Acórdão proferido na 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 17183 (53/15-D).
Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte:
1. Que no início da audiência de julgamento, o Magistrado do Ministério Público arguiu a questão prévia relativa a indevida composição do Tribunal, pois, para realização do julgamento era necessária a presença de três juízes de Direito, nos termos dos artigos 45.º e 97.º da Lei n.º 2/15, de 02 de Fevereiro – Lei Orgânica Sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum (adiante apenas LOOFTJC).
2. Assim, o Magistrado do Ministério Público requereu a suspensão da audiência até a constituição do Tribunal conforme a previsão legal.
3. Todavia, o Juiz da causa indeferiu o requerimento de suspensão da audiência com fundamento na Resolução n.º 3/15, de 15 de Abril, aprovada pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ).
4. Do indeferimento, o Ministério Público interpôs recurso e apresentou no prazo legal as suas alegações, onde se referiu sobre a inconstitucionalidade da referida Resolução.
5. Os autos subiram em Recurso e o tribunal ad quem não se pronunciou sobre os mesmos.
6. Com efeito, os n.ºs 2 e 3 da Resolução n. º 3/15, de 15 de Abril, do Conselho Superior da Magistratura Judicial, dispõe o seguinte: 
2) “Enquanto não forem criados os tribunais de Comarca e as condições para          admissão de novos Juízes que permitirão o funcionamento dos tribunais colectivos, os tribunais existentes continuarão a fazer julgamentos como tribunais singulares.” 
3) “Todos os tribunais do País devem continuar a realizar julgamentos nos moldes anteriores até novas instruções.”
7. Deste modo, o Conselho Superior da Magistratura Judicial decidiu sobre matéria da exclusiva competência da Assembleia Nacional, pois só a esta compete pronunciar-se sobre a organização e funcionamento dos tribunais da jurisdição comum.
8. A CRA estabelece quais são as competências do Conselho Superior da Magistratura Judicial no artigo 184.º, e neste artigo não consta que o Conselho Superior da Magistratura Judicial tenha competência para revogar tacitamente uma Lei.
9. A competência não se presume, vigora em relação a ela o princípio da legalidade.
10. O Conselho Superior da Magistratura Judicial não tem competência para ordenar aos juízes que não obedeçam a uma lei.
11. A organização dos tribunais é da competência exclusiva da Assembleia Nacional, nos termos da alínea b) do artigo 166.º da CRA.
12. O artigo 93.º da Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro confere efectivamente competência ao CSMJ para deliberar no âmbito das suas competências, necessárias a entrada em vigor a título experimental e a título definitivo.
13. Porém, como se lê, as deliberações devem ser tomadas no âmbito das suas competências, e não no âmbito das competências da Assembleia Nacional, como sucedeu com o conteúdo da Resolução n.º 3/15, de 15 de Abril já citada.
14. Não há dúvidas de que a citada Resolução viola os princípios da reserva de lei, da preferência ou prevalência de lei, pois, incidiu sobre matérias que só podem ser reguladas por lei e nunca por outras fontes, nos termos do artigo 164.º da CRA.
15. A Resolução é, portanto, inconstitucional quanto aos números dois e três, por violar disposições constitucionais vertidas nos artigos 6.º, 7º, na alínea h) do artigo 164.º, 174.º e 184.º, todos da CRA.
16. Não estamos perante ilegalidade, pois como acima se demonstrou, os preceitos ofendidos pela Resolução não constam de uma lei ordinária, nem nela estão fundados, mas sim na Constituição.
Concluiu requerendo que se declare a inconstitucionalidade dos n.ºs 2 e 3 da Resolução n.º 3/15, de 15 de Abril, aprovada pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial.
Colhidos os vistos legais cumpre agora apreciar, para, em seguida, decidir.    
II.  COMPETÊNCIA
O presente Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade foi interposto, nos termos da alínea a) e do parágrafo único do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (doravante LPC), pelo que, tem o Tribunal Constitucional competência para apreciar e decidir o presente Recurso.
III.  LEGITIMIDADE
Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, dispõem de legitimidade para interpor o recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional “as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do Processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
O Recorrente é parte do Processo n.º 17183 (53/15-D) que tramitou no Tribunal Supremo, não se conformando com a decisão proferida, tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
IV.   OBJECTO
Ao abrigo da alínea a) do artigo 49.º da LPC, o objecto do Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade são “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”.
Do disposto acima, resulta inequivocamente que, o objecto do REI são sempre actos ou decisões jurisdicionais, proferidas pela última instância da jurisdição comum, e que o Recorrente considere lesiva a princípios, direitos, liberdades e ou garantias fundamentais.
Tal como defende Rosa Maria Guerra, “o controlo da constitucionalidade exercido através deste mecanismo processual consubstancia um contencioso de actos sem carácter normativo. Isto quer dizer que, quando o cidadão solicita a intervenção do Tribunal Constitucional, pede que este órgão apure a constitucionalidade da decisão e dos argumentos que a fundamentaram” (Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade – Problemas da Configuração do Regime e da Natureza Jurídica, Universidade Católica Editora, 2017, p. 122).  
Em sentido simétrico, Adlézio Agostinho postula que, “o objecto de fiscalização em sede de fiscalização concreta deve ser sempre a última decisão judicial “decidida” pelo tribunal superior da jurisdição comum, no caso de recurso extraordinário de inconstitucionalidade (…) (Manual de Direito Processual Constitucional – Parte Geral & Especial, AAFDL, 2023, p. 458).”
No caso vertente, o Recorrente impetrou formalmente um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, todavia, centrou as suas alegações em arguir a inconstitucionalidade de normas ínsitas na Resolução n.º 3/15, de 15 de Abril do Conselho Superior da Magistratura Judicial que, por razões várias, determinou a suspensão da obrigatoriedade da observância de tribunal colectivo, nos termos determinados pela então Lei n.º 2/15, de 02 de Fevereiro.
Ou seja, daquilo que se extrai das suas alegações, verifica-se que o Recorrente não pretendeu impetrar um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, uma vez que impugnou directamente as normas dos n.ºs 2 e 3 da Resolução do Conselho Superior da Magistratura Judicial e não o Acórdão do Tribunal recorrido.
Em rigor, pela delimitação do recurso operada, estamos diante de um processo de fiscalização abstracta que, erradamente, encapotou em um processo de fiscalização concreta, rectius recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
A delimitação do objecto do recurso é um ónus processual do Recorrente, que o faz mediante exposição dos fundamentos do recurso e do pedido da decisão que pretende do Tribunal de Recurso, in casu, do Tribunal Constitucional.
Não é função do Tribunal Constitucional cogitar, supor e apreciar aquilo que devia ter sido alegado ou pedido pelo Recorrente, senão a pretensão de recurso manifestada efectivamente nas alegações.
Como acima se fez alusão, o recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem por objecto Sentenças ou Acórdãos reputados ofensivos a princípios, direitos e garantias fundamentais do processo, e não a declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas, conforme proposto pelo Recorrente. 
Por outro lado, por mera hipótese de raciocínio, este Tribunal considera que, ao abrigo do disposto nos artigos 230.º da CRA, alínea d) do 27.º e 28.º, ambos da LPC, o meio processual idóneo para o Recorrente, eventualmente, alcançar o seu desiderato, seria o processo de fiscalização abstracta sucessiva, posto tratar-se de normas jurídicas já acabadas, isto é, constante de diploma publicado em Diário da República e a possibilidade da sua arguição a todo tempo.
Nesta conformidade, este Tribunal declina ao conhecimento do presente recurso por falta de objecto, conquanto, o Recorrente impugnou normas num recurso extraordinário de inconstitucionalidade ao invés de recorrer dos fundamentos do Acórdão.
Nestes termos,
DECIDINDO:
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR O CONHECIMENTO DO RECURSO POR FALTA DE OBJECTO.
Sem custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 26 de Agosto de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente
Amelia Augusto Varela (Relatora) 
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino (Declarou-se Impedido)
Lucas Manuel João Quilundo
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Vitorino Domingos Hossi