ACÓRDÃO N.º 1025/2025
PROCESSO N.º 1300-D/2025
Recurso para o Plenário
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
António Sebastião Fernandes, com os demais sinais identificativos nos autos, veio interpor recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional do Despacho de indeferimento da reclamação, datado de 10 de Abril de 2025, exarado pela Juíza Conselheira Presidente desta Corte.
A Decisão em questão fundamenta a inadmissibilidade da reclamação na irrecorribilidade do Despacho de pronúncia por meio do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por se tratar de acto processual interlocutório, não ser passível de admissão do recurso em epígrafe, nos termos do disposto no parágrafo único do artigo 49.º e no n.º 3 do artigo 36.º, aplicável por força do artigo 52.º, todos da Lei do Processo Constitucional, culminando com a rejeição da referida reclamação.
O Recorrente, inconformado com o Despacho de indeferimento expôs as razões fácticas e de direito que fundamentam o presente recurso, invocando, em síntese, o seguinte:
O Despacho violou o dever de fundamentação, pois, as decisões dos Tribunais da Jurisdição Comum, que não sejam de mero expediente, devem ser fundamentadas na forma prevista na lei, tal como prevê o artigo 17.º da Lei n.º 29/22, de 29 de Agosto – Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum.
O Despacho ficou limitado a citação dos Acórdãos n.º 146/2011 e 402/2016, sem, no entanto, focalizar a situação em concreto.
Os fundamentos para rejeição do referido requerimento constam no artigo 8.º da Lei n.º 03/08, de 17 de Junho, designadamente, ser formulado por pessoa ou entidade sem legitimidade, ser apresentado fora do prazo e se as deficiências que apresentar não tiverem sido supridas.
O Despacho prolatado pela Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional desconsiderou o dever de fundamentação, por se ter dedicado a apresentar as normas legais. Logo, violou o princípio da supremacia e da legalidade, previsto no artigo 6.º da CRA.
O Despacho de pronúncia, ao ser executado, terá como consequência submeter o Recorrente a julgamento, violando, deste modo, o artigo 30.º do Código Penal Angolano, na medida em que o facto não é punível quando a ilicitude for excluída pela ordem jurídica.
Outrossim, o cumprimento do Despacho de pronúncia viola o artigo 2.º da Lei n.º 3/22, de 23 de Dezembro – Lei da Amnistia, conjugado com o artigo 138.º do Código Penal Angolano e também os princípios da dignidade da pessoa humana, mormente a submissão a julgamento quando o crime está amnistiado, presunção da inocência e o direito ao recurso.
O Despacho de que se recorre violou também o artigo 26.º da CRA, porquanto os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e os tratados internacionais sobre a matéria, ractificados pela República de Angola.
Conclui, peticionando a revogação do Despacho recorrido com todos os efeitos legais.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
Em conformidade com o preceituado no n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 3/08, 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC), o Plenário do Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
Nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da LPC, o Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso para o Plenário, por não se conformar com o Despacho de indeferimento prolatado pela Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional.
IV. OBJECTO
O presente recurso tem como escopo verificar se o Despacho, datado de 10 de Abril de 2025, prolatado pela Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, mediante o qual foi indeferida a reclamação interposta pelo Recorrente, violou ou não a Constituição e a lei.
V. APRECIANDO
O presente recurso decorre da reclamação interposta pelo Recorrente contra o Despacho de inadmissão do recurso extraordinário de inconstitucionalidade (REI), proferido pelo Juiz do Tribunal da Comarca do Lobito, sob o fundamento de que a referida Decisão (despacho de pronúncia) não comporta impugnação com base no acto processual interposto. Ante a inadmissibilidade do REI, o Recorrente formulou reclamação junto deste Tribunal, que foi indeferida pela Juíza Conselheira Presidente desta Corte Constitucional, sustentada no parágrafo único do artigo 49.º e no n.º 3 do artigo 36.º, aplicáveis por força do artigo 52.º da LPC. Inconformado, o Recorrente pleiteia perante o Plenário desta Corte pela revogação do Despacho recorrido, com a consequente produção de todos os efeitos legais.
Se procedem ou não os fundamentos elencados pelo Recorrente, é o que infra cabe apreciar para decidir.
Impende, preliminarmente, destacar que a Constituição da República de Angola (CRA), estabelece, nos termos do artigo 181.º, a competência do Tribunal Constitucional de julgar questões em matérias jurídico-constitucionais, incluindo apreciar os recursos de constitucionalidade interpostos de decisões judiciais e demais actos do Estado que violem princípios, direitos, liberdades e garantias dos cidadãos previstos na Constituição, conforme o vertido na alínea m) do artigo 16.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.
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O REI é configurado como um instrumento processual de natureza excepcional, precípuo à salvaguarda da supremacia da CRA. Permite que a Corte Constitucional reexamine as decisões que afrontem os princípios, direitos, liberdades e garantias fundamentais consagrados na Carta Magna. Constitui, portanto, uma via de controlo da conformidade constitucional de decisões judiciais.
A Lei do Processo Constitucional (LPC) detalha, nos termos artigo 49.º, o âmbito do REI, sendo destacadas as sentenças dos demais Tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias, e actos administrativos definitivos e executórios que afrontam princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na CRA.
O parágrafo único da norma citada dispõe que, “o recurso extraordinário de inconstitucionalidade (…) só pode ser interposto após prévio esgotamento nos Tribunais Comuns e demais Tribunais, dos recursos ordinários legalmente previstos”.
Do exame da legislação pertinente, é possível inferir que o recurso extraordinário de inconstitucionalidade visa aferir a conformidade de uma decisão judicial com a Constituição, podendo ser interposto após o esgotamento prévio de todos os recursos ordinários disponíveis nos Tribunais Comuns e demais Tribunais.
Urge referir que, não obstante as condições taxativas de rejeição do requerimento do REI, conforme o disposto no artigo 8.º da LPC, a respectiva admissibilidade está condicionada ao prévio esgotamento dos recursos ordinários, cuja inobservância acarreta o não conhecimento do recurso e, consequentemente, a impossibilidade de o mérito ser analisado pelo Tribunal Constitucional.
Neste particular, Onofre dos Santos destaca que “o recurso extraordinário [de inconstitucionalidade] é um mecanismo específico do processo constitucional – onde não está em causa apreciar uma norma, mas uma decisão final ou um acto administrativo e, ao contrário do primeiro caso em que o recurso é directo para o Tribunal Constitucional, no recurso extraordinário há um ónus sobre o recorrente de esgotar os recursos ordinários legalmente cabíveis (...)” (Lei do Processo Constitucional Anotada, Texto Editores, Luanda 2016, p. 70).
Este entendimento é pacífico e encontra-se sedimentado na jurisprudência desta Corte, segundo o qual, “embora sendo certo que muitas decisões proferidas antes da sentença possam violar direitos fundamentais, a opção do legislador é deixar em primeira mão essa apreciação aos tribunais de recurso (…). Somente nos casos em que a violação de direitos fundamentais persista na decisão final do processo, caberá o recurso para o Tribunal Constitucional”, tal como se depreende do vertido no Acórdão n.º 146/2011 (disponível em: www.tribunalconstitucional.ao).
A fl. 4 dos autos, o Recorrente aduz que “o Despacho prolatado pela Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional desconsiderou o dever legal de fundamentação, pois simplesmente dedicou-se a apresentar as normas legais. Logo, violando o princípio da Supremacia da Constituição e da legalidade”.
Face ao exposto, depreende-se dos autos que o juízo competente, ao analisar a aludida reclamação, constatou a inobservância de um requisito legal essencial à admissibilidade do recurso outrora interposto, o que ensejou o indeferimento daquela. Destarte, ante a ausência do esgotamento da cadeia recursória ordinária, é manifesta a improcedência da pretensão do Recorrente.
De resto, esta Corte de Justiça Constitucional, estribada nos fundamentos expostos conclui que o Despacho recorrido está devidamente amparado por fundamentos Constitucionais e legais.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EM VIRTUDE DE O DESPACHO RECORRIDO NÃO TER OFENDIDO A CONSTITUIÇÃO E A LEI, DEVENDO SER MANTIDO NOS PRECISOS TERMOS.
Custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 11 de Setembro de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) (Declarou-se Impedida)
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino (Relator)
Lucas Manuel João Quilundo
Vitorino Domingos Hossi