ACÓRDÃO N.º 1036/2025
PROCESSO N.º 1295-C/2025
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Miguel Albino de Faria de Bastos, Recorrente, devidamente identificado nos autos, interpôs um recurso contencioso de impugnação de acto administrativo contra a Assembleia Geral da Ordem dos Advogados de Angola, o qual foi julgado improcedente pela Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 346/2013.
Irresignado com a decisão, interpôs recurso para o Tribunal Pleno e de Recurso do mesmo Tribunal. Após apresentar as suas alegações, foi notificado para as concluir, de modo sintético, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 690.º do Código de Processo Civil (CPC). Embora tenha apresentado novas alegações no prazo estipulado, o Tribunal decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso, considerando que a excessiva extensão das alegações e conclusões comprometia a clareza e inteligibilidade do seu objecto (fls. 517 a 519v).
Uma vez mais inconformado, veio, ao abrigo da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade da referida decisão, alegando, em síntese, o seguinte:
O Acórdão recorrido rejeitou textualmente o conhecimento do recurso por ininteligibilidade das conclusões da alegação de recurso, apresentadas após o convite de aperfeiçoamento do Juiz Relator.
O Acórdão não indica quais lexemas, segmentos ou trechos lexicais das conclusões são tomados pelo Tribunal a quo como ininteligíveis, confundindo, no despacho-convite ao aperfeiçoamento, ininteligibilidade das conclusões com excessividade das mesmas.
Há apenas fundamento para rejeição das conclusões das alegações de recurso nos casos previstos no n.º 3 do artigo 690.º do CPC, ou seja, quando faltem as conclusões, sejam deficientes, obscuras ou nestas não se especifique a norma violada. Neste preceito, não se prevê a excessividade das conclusões.
O julgador, quando descontente com o número de conclusões, tem o poder de desconsiderar as que ache extra limitarem o normal em número, a moldura do recurso ou sejam repetitivas ou redundantes, o que não tem é poder ex lege para matar o recurso “no ovo”.
Ao tomar como justa e merecida a qualificação de uma peça processual do seu punho como ilegível, o advogado signatário teria de se aceitar como um peso morto auto-sobrestimado.
O Tribunal a quo, ao rejeitar as alegações com base no aludido fundamento, acrescentou ao texto da lei, uma nova causa de rejeição, violando o disposto no artigo 29.º da CRA, a tutela jurisdicional efectiva, configurando denegação de justiça.
Terminou requerendo que seja julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, inconstitucional o Acórdão recorrido.
O Processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do § único do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da LPC, bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).
III. LEGITIMIDADE
Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 50.º da LPC, conjugado com o n.º 1 do artigo 165.º do Código de Processo do Contencioso Administrativo (CPCA) tem o Recorrente legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por ter ficado vencido no Processo n.º 159/21, que correu os seus termos no Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo.
IV. OBJECTO
O presente recurso tem como objecto analisar se a Decisão do Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo, prolatada à margem do Processo n.º 159/21, que julgou deserto o recurso interposto naquela instância, por excessividade e ininteligibilidade das alegações, ofende o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.
V. APRECIANDO
No caso vertente, conforme ficou demonstrado no relato precedente, inconformado, o Recorrente interpôs o presente recurso, por considerar que os fundamentos apresentados pelo Tribunal a quo não tomar conhecimento do recurso que interpusera naquela instância – a excessividade e ininteligibilidade das alegações –, não se encontram tipificados e não devem justificar tal decisão, dado que compromete o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.
No contexto do caso, o Recorrente foi notificado para sintetizar e concluir as suas alegações (fls. 405), conforme o disposto no n.º 3 do artigo 690.º do CPC. Contudo, ao apresentar novas alegações, que se estenderam por quase 100 páginas, o Tribunal recorrido considerou não estar cumprida a exigência de síntese, tendo decidido rejeitar o conhecimento do recurso por ininteligibilidade do seu objecto (fls. 517 a 519v). Esta decisão baseou-se na interpretação de que a prolixidade comprometeu a clareza do objecto do recurso, dificultando a sua apreciação pelo Tribunal.
O artigo 690.º do CPC refere-se às exigências formais para a apresentação de alegações de recurso. Ao ónus de alegar acresce o ónus de concluir, isto é, o de finalizar a alegação pela indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Não basta, com efeito, que o recorrente alegue, a alegação deve apresentar conclusões, a fim de que se indique resumidamente os fundamentos da impugnação, isto é, pela enunciação abreviada dos fundamentos do recurso.
Ora, a exigência da norma cinge-se apenas, sob pena de não conhecimento do recurso, à apresentação das alegações com a respectiva conclusão, tal como se pode inferir da leitura conjugada dos n.ºs 1, 2 e 3 do aludido preceito, que reservam a deserção e o não conhecimento do objecto do recurso para os casos em que falte alegação ou quando faltem ou sejam deficientes/obscuras as conclusões.
Conforme sublinha Alberto dos Reis, se as alegações forem extensas, em vez de concisas, não justifica, em princípio, a sanção cominada no artigo. Isto é, “desde que a alegação termine por conclusões, desde que a parte final desta peça mereça realmente a qualificação de conclusões, o facto de estas serem mais extensas do que podiam e deviam ser não deve obstar ao conhecimento do recurso. A fórmula do artigo – indicação resumida dos fundamentos- deve interpretar-se e aplicar-se em bons termos, ‘cum grano salis’. Importa ver nesta determinação legal mais um voto, uma recomendação de boa técnica processual, do que um comando rigoroso e rígido, a aplicar com severidade e sem contemplações” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 3. ed., Coimbra editora, 1952, p. 361).
In casu, embora se reconheça a prolixidade da alegação (cerca de 90 páginas, com 43 dedicadas às conclusões) e o oportuno convite ao aperfeiçoamento, esta só pode fundamentar o não conhecimento do objecto do recurso se tornar o recurso ininteligível ou inviabilizar a análise do mérito.
Compulsadas as alegações verifica-se que o objecto do recurso é claro, consistindo, essencialmente, na pretensão de anulação da Assembleia Geral Extraordinária da Ordem dos Advogados de Angola, especificamente quanto à aprovação da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do anteprojecto do novo regulamento eleitoral, por alegados vícios formais e materiais. A inteligibilidade do objecto do recurso é reforçada pelo facto de o Ministério Público, na vista junto do Tribunal recorrido (fls. 500), se ter pronunciado sobre o mérito, concluindo pela improcedência, sem apontar qualquer obscuridade. Ademais, a então Recorrida, em sua contra-alegação (fls. 401-404), também não questionou a clareza do objecto do recurso.
O Tribunal recorrido limitou-se a considerar que “a excessiva formulação de conclusões, que em nada concluem, não ajudou o Recorrente a demonstrar as razões de injustiça ou de ilegalidade de que enferma a decisão impugnada” (fls. 517-519), sem, no entanto, fundamentar adequadamente como é que a prolixidade comprometeu a compreensão do objecto do recurso.
Ora, no presente caso, para que a decisão assente no não conhecimento fosse considerada legítima, o Tribunal recorrido deveria ter indicado especificamente os pontos das alegações considerados ambíguos, dúbios ou ininteligíveis, que comprometessem a análise do mérito, e concedido ao Recorrente a oportunidade de corrigi-los, visando maior clareza. Contudo, o convite ao aperfeiçoamento constante dos autos (fls. 405) não mencionou qualquer obscuridade ou ininteligibilidade, limitando-se a abordar a extensão das alegações do Recorrente.
Em face do exposto, outra conclusão não se pode colher senão a de que o Tribunal recorrido, ao decidir conforme decidiu, postergou o disposto no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, que assegura a todos o acesso à justiça e aos tribunais para a defesa de seus direitos e interesses legítimos, sem restrições desproporcionais.
No caso, o não conhecimento do recurso por alegada prolixidade das alegações configura uma restrição desproporcional ao direito de acesso à justiça, bem como ao direito ao recurso, pois limita a liberdade do Recorrente de expor a sua causa de forma detalhada, conforme entende necessário para a defesa de seus interesses. Ao não identificar os trechos considerados obscuros nem oferecer oportunidade de correcção, o Tribunal recorrido adoptou uma postura arbitrária, comprometendo a análise do mérito e, consequentemente, a efectividade da tutela jurisdicional garantida constitucionalmente.
Assim sendo, julga-se procedente o presente recurso, uma vez que a prolixidade, quando não comprometa a inteligibilidade, não pode servir de pretexto para obstar o julgamento de fundo.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVENDO BAIXAR OS AUTOS AO TRIBUNAL RECORRIDO A FIM DE APRECIAR O MÉRITO DO RECURSO INTERPOSTO PELO RECORRENTE.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 9 de Outubro de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator)
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo
Vitorino Domingos Hossi