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ACÓRDÃO N.º 1037/2025 
 
PROCESSO N.º 1259-C/2025 
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade   
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional: 
 
I.  RELATÓRIO 
Deusadeth Sheila Lobo Gil, devidamente identificada nos autos, não se conformando com o Acórdão n.º 21/2022, proferido pelo Tribunal da Relação de Luanda (TRL) no âmbito do Processo n.º 11/2022-C, interpôs, nos termos conjugados nas alíneas e) do artigo 3.º e a) do artigo 49.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), recurso extraordinário de inconstitucionalidade. 
 
Admitido o recurso e regularmente notificada a Recorrente para efeito, alegou, em síntese, o seguinte:   
A jurisprudência reiterada na Decisão impugnada contraria princípios fundamentais e declina o reconhecimento de direitos fundamentais, tais como da reparação, por despedimento ilegal, da tutela jurisdicional efectiva, do acesso à justiça e direito a julgamento justo, da igualdade de tratamento e da estabilidade no emprego. 
 
O entendimento jurisprudencial e a Decisão final constante do Aresto em crise, baseado na jurisprudência firmada pelos tribunais laborais na República de Angola, e com o qual se manteve a Decisão da primeira instância, consiste na ideia de que:   
“Se o trabalhador impugnar o despedimento passados mais de 180 dias, a contar do dia seguinte ao despedimento, mesmo que haja fundamento para a declaração da sua invalidade, o Tribunal não deverá condenar o empregador a reintegrar o trabalhador e, em consequência, também não terá direito a receber os salários intercalares ou de tramitação e, por fim, não terá direito à indemnização. Isto é, o Tribunal decide a favor do trabalhador, porém, por ter recorrido tardiamente ao Tribunal, aquele daqui sai “de mão abanar”. Este é o sentido que se deve dar ao artigo 303.º da LGT”.  
 
Tal entendimento agride frontalmente o texto constitucional, nomeadamente, os artigos 76.º, 23.º, 29.º, 72.º e o n.º 1 do 177.º da Constituição da República de Angola.  
 
A CRA consagra no n.º 4 do artigo 76.º, que o despedimento sem justa causa é ilegal, constituindo-se a entidade empregadora no dever de justa indemnização ao trabalhador. 
 
Ao abrigo do n.º 5 do artigo 208.º da LGT, o empregador não era dispensado do pagamento da indemnização por despedimento ilegal, caso corrigisse as falhas do procedimento e mantivesse a medida de despedimento (portanto, sem qualquer possibilidade de reintegração do trabalhador). 
 
As disposições combinadas dos n.ºs 4 e 5 do artigo 208.º e n.ºs 2 e 3 do artigo 209.º, da LGT demonstra(va)m o carácter heterogéneo dos direitos que o trabalhador goza pós despedimento, não lhe conferindo natureza homogénea. 
 
Entende a Recorrente que, na sequência do dispositivo constitucional indicado e existindo uma multiplicidade de direitos heterogéneos que assistam ao trabalhador, o Tribunal deve começar pela apreciação da legalidade do processo de despedimento e, por fim, realizar aqueles direitos que tenham sido reivindicados tempestivamente. 
 
Ao desconsiderar a protecção constitucional e o princípio da estabilidade no emprego, o Tribunal a quo não apenas desrespeitou as disposições constitucionais aqui invocadas, mas também, infringiu obrigações internacionais assumidas pelo Estado Angolano. 
 
O Tribunal ad quem por meio do Acórdão n.º 235/2013, referiu que “em termos de consequências, a declaração de nulidade do despedimento destrói retroactivamente os efeitos por ele produzidos e repristina os efeitos do contrato de trabalho ex tunc (...) opera a reposição do vínculo jurídico-laboral como se nunca tivesse conhecido qualquer vicissitude.” 
 
O direito de acesso à justiça, enquanto direito fundamental, garantido expressamente pelos artigos 29.º e n.º 1 do 177.º, CRA, compreende não apenas a possibilidade de ingresso aos tribunais, mas também a garantia de que a análise será ampla, justa e desprovida de cerceamento processual.  
 
Esses dispositivos impõem o dever de garantir que esse processo seja efectivo, acessível e apto a tutelar de forma substancial os direitos do cidadão.  
 
A tutela jurisdicional e efectiva exige do julgador uma análise substancial integral sobre os factos que lhe são trazidos, atenta aos direitos fundamentais e ao previsto no n.º 2 do artigo 660.º do CPC, privilegiando-se a justiça material sobre a formal, conforme seria de esperar do cumprimento das disposições constitucionais do artigo 29.º, 177.º e 76.º. 
 
Esse direito engloba a garantia de que o acesso aos tribunais não seja apenas formal, mas que seja dotado de mecanismos que assegurem a protecção integral dos direitos alegados.  
 
Embora o devesse ter efectuado, o Tribunal a quo deixou de considerar as circunstâncias e as especificidades do direito em questão, em desconsideração do favor laboratoris, princípio essencial e estruturante do direito do trabalho. Este princípio se desdobra em outros três subprincípios essenciais: da norma mais favorável, princípio da condição mais benéfica e o princípio da interpretação mais favorável, definindo este último, que em caso de ambiguidade na interpretação da norma, deve-se escolher a interpretação que favoreça o trabalhador.  
 
O artigo 76.º da CRA não é uma norma meramente programática, mas sim uma norma de eficácia plena e aplicabilidade directa, que impõe uma obrigação objectiva ao Estado, aos poderes públicos, inclusive tribunais, e aos empregadores, de garantir que a relação laboral seja protegida contra interferências arbitrárias e despedimentos abusivos.  
 
No caso em apreço, o despedimento da Recorrente foi manifestamente ilegal, conforme já demonstrado nos autos. No entanto, o Tribunal a quo interpretou de maneira restritiva o direito à indemnização, criando uma barreira processual indevida ao entendimento de que a caducidade do direito de acção de reintegração implica a perda do direito à indemnização, mediante a prejudicialidade sobre esta última, algo que não encontra qualquer fundamentação na Constituição ou na Lei Geral do Trabalho. 
 
A interpretação judicial ora impugnada desvirtua completamente o texto constitucional, pois coloca o trabalhador numa situação de completa desprotecção, tornando ineficaz a garantia constitucional contra despedimentos arbitrários e subvertendo a própria lógica do direito laboral. 
 
Ao decidir que a perda do direito à reintegração acarreta automaticamente a perda do direito à indemnização, criou um requisito inexistente na ordem jurídica angolana.  
 
No seu texto, a CRA apenas faz depender a efectivação da indemnização pelo reconhecimento da ilegalidade do despedimento. Por conseguinte, entende a Recorrente que o despedimento ilegal gera automaticamente o direito à indemnização, independentemente da vontade do empregador ou da possibilidade obejctiva ou subjectiva de reintegração. 
 
Essa indemnização, na condição de direito pecuniário, deve estar sujeita à prescrição de um ano indicada no artigo 302.º, da LGT (Lei n.º 7/15), tendo, dessa forma, a Recorrente peticionado tempestivamente.  
 
O que se verifica no Acórdão recorrido é uma restrição indevida e inconstitucional ao direito à indemnização, imposta exclusivamente por via interpretativa, sem respaldo em qualquer dispositivo normativo, vedado pelo princípio da supremacia constitucional e pelo regime de restrição de direitos fundamentais do artigo 57.º da CRA. 
 
O direito a um julgamento justo, conforme consagrado no artigo 72.º da CRA, implica que todas as partes envolvidas sejam tratadas com igualdade, que as decisões judiciais sejam devidamente fundamentadas e que se respeitem as garantias processuais.  
 
O direito a um julgamento justo, neste caso o correlacionado com a protecção da estabilidade no emprego, não deve ser restringido por inadequada aplicação normativa. Ao contrário, deve ser interpretado à luz do espírito da justiça material, com a finalidade de garantir a efectiva protecção do trabalhador. 
  
Nesse sentido, o artigo 14.º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), também ratificado por Angola, dispõe que o direito a um julgamento justo abrange o direito de obter uma decisão substancial, fundamentada na análise dos factos.  
 
No caso concreto a Decisão recorrida violou directamente esses princípios ao criar, por meio de uma interpretação judicial, um obstáculo ilegítimo ao direito da Recorrente à indemnização por despedimento ilegal, ignorando a distinção clara entre a caducidade do direito de acção para reintegração (artigo 303.º, LGT) e o prazo de prescrição da indemnização e demais critérios laborais peticionados pela Recorrente (artigo 302.º, LGT), Lei n.º 7/15. 
 
 Ao não considerar esses aspectos, a Decisão violou o direito da Recorrente a uma decisão fundamentada e justa, pois: a)- Aplicou uma interpretação formalista, desconsiderando o princípio da protecção ao trabalhador e a supremacia da Constituição; b)- Criou uma limitação indevida ao exercício de um direito fundamental, utilizando uma interpretação distorcida para suprimir um direito expressamente garantido pela CRA; c)- Omitiu qualquer análise aprofundada sobre a constitucionalidade dessa interpretação, tornando a decisão incompatível com o princípio da justiça material; d)- Ignorou o princípio da razoabilidade, pois impediu o trabalhador de obter qualquer forma de reparação por um despedimento comprovadamente ilegal, mesmo não sendo reintegrada.  
Termina requerendo ao Tribunal Constitucional a revogação do Acórdão impugnado, visando assegurar a plena conformidade das decisões judiciais com a ordem jurídica fundamental estabelecida na Constituição da República de Angola. 
O processo foi à vista do Ministério Público, que pugnou pelo não provimento do recurso.  
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir. 
 
II.  COMPETÊNCIA 
  
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do parágrafo único do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º, da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC). 
 
III.  LEGITIMIDADE 
 
Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, dispõem de legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, “as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”. 
 
A Recorrente foi parte do Processo n.º 11/2022-C, decidido pela Câmara do Trabalho do Tribunal da Relação de Luanda, não se conformando com a Decisão prolactada, tem, pois, legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.  
 
IV.  OBJECTO  
 
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem por objecto o Acórdão n.º 21/2022, proferido pela Câmara do Trabalho do Tribunal da Relação de Luanda, em sede do Processo n.º 11/2022-C, cabendo verificar se está ou não em conformidade com a Constituição da República de Angola.   
 
V.  APRECIANDO 
 
Mediante processo disciplinar instaurado pelo Banco de Poupança e Crédito, S.A. (BPC), foi aplicada à Recorrente a sanção disciplinar de despedimento por justa causa, fundamentada na alegada violação de preceitos normativos da Lei Geral do Trabalho (Lei n.º 7/15, de 15 de Junho – LGT), dos procedimentos internos e normas regulamentares da entidade empregadora, bem como, do Código de Ética e Deontologia aplicáveis. 
 
Inconformada com a referida medida disciplinar, a Recorrente intentou acção judicial de impugnação de despedimento, com fundamento na existência de um conflito laboral, contra a entidade empregadora, junto da 2.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo, Família e Trabalho do Tribunal Provincial do Uíge. 
O Tribunal a quo julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Requerida de todos os pedidos formulados, nos termos do n.º 3 do artigo 493.º do Código de Processo Civil (CPC), por se ter verificado, a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, conforme Decisão constante de fls. 170 a 180 dos autos. 
A Recorrente por não se conformar com a referida Decisão, agravou, chamando, assim, o Tribunal da Relação a se pronunciar, tendo este negado provimento e confirmado a Decisão recorrida, conforme fls. 226 a 234. 
É pois, sobre o Aresto do Tribunal ad quem, que incide o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, porquanto, entende a Recorrente que a Decisão proferida, ofendeu o princípio da estabilidade do emprego, previsto no n.º 4 do artigo 76.º, o direito a tutela jurisdicional efectiva e do acesso à justiça, previstos no artigo 29.º e n.º 1 do artigo 177.º, bem como, a violação do direito a julgamento justo e conforme, previsto no artigo 72.º, todos da CRA.  
Veja-se, pois, se assiste razão a Recorrente; 
 
Quanto à alegada violação do princípio da estabilidade do emprego 
 
À luz da Constituição da República, o princípio da estabilidade no emprego constitui um dos pilares fundamentais do Direito do Trabalho, encontrando-se intrinsecamente vinculado à tutela do trabalhador contra despedimentos arbitrários ou infundados e à promoção do trabalho digno e seguro. 
Este princípio, consubstancia-se na garantia de que o vínculo laboral não poderá ser unilateralmente dissolvido pelo empregador de forma arbitrária, assegurando ao trabalhador o direito à manutenção do seu posto de trabalho, enquanto cumprir regularmente as obrigações contratuais e laborais a que se encontra adstrito e, desde que não se verifiquem causas legítimas e legalmente tipificadas, que justifiquem a cessação do contrato de trabalho. 
Destarte, o princípio da estabilidade laboral impõe que qualquer ruptura do contrato de trabalho por iniciativa do empregador se fundamente em motivos juridicamente válidos e devidamente comprovados, sob pena de se configurar despedimento ilícito ou abusivo, passível de impugnação judicial e das consequentes sanções legais.  
 
Prescreve o n.º 1 do artigo 76.º da Constituição da República de Angola (CRA) que "O trabalho é um direito e um dever de todos." 
 
Da análise do preceito constitucional supra transcrito, depreende-se inequivocamente que, a Constituição consagra o trabalho como direito fundamental de todos os cidadãos, reconhecendo-o como elemento essencial à dignidade da pessoa humana e à sua subsistência. 
Por conseguinte, a titularidade do direito ao trabalho não se esgota na mera facultas agendi, antes pressupondo o cumprimento rigoroso das obrigações laborais e deveres funcionais inerentes ao vínculo contratual estabelecido. Em suma, ao direito subjectivo ao trabalho corresponde, indissociavelmente, o dever objectivo de cumprir as obrigações decorrentes da relação jurídico-laboral, sob pena de se frustrar a própria ratio legis do preceito constitucional em apreço. 
No mesmo sentido, afirmam Raul Carlos Vasques Araújo e Elisa Rangel Nunes que, “o direito ao trabalho é um direito fundamental que impõe direitos e deveres e que apresenta uma dimensão individual e uma dimensão colectiva. No âmbito individual, é visto como acesso ao trabalho e a feitura de contratos de trabalho (...) Entende a Constituição que o trabalho não é apenas um direito mas também um dever, uma obrigação” (Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I, 2014, p. 409).  
Consagra a Constituição da República de Angola, no n.º 4 do artigo 76.º, que o despedimento sem justa causa é ilegal. Constituindo-se a entidade empregadora no dever de justa indemnização ao trabalhador. Portanto, o processo de despedimento, independentemente da sua natureza, deve seguir o formalismo legalmente estabelecido, isto é, para a produção dos respectivos efeitos não basta que haja justa causa, é necessário que se observe, rigorosamente, o formalismo previsto na LGT. 
Deste modo, em caso de inexistência de justa causa ou violação do formalismo acima referido, o despedimento é julgado improcedente ou nulo, tendo como resultado destas várias consequências, de entre as quais a reintegração. 
Desde logo, decorre dos autos que, o Acórdão posto em crise alicerçou a sua Decisão com fundamento na caducidade verificada aquando da interposição da acção de conflito de trabalho, visto que a medida disciplinar foi comunicada à Recorrente, no dia 7 de Março de 2017 e, o pedido, para a tentativa de conciliação, apresentado apenas no dia 21 de Dezembro de 2017, isto é, após se ter esgotado o prazo de 180 dias, ou seja, 109 dias da preclusão do prazo legalmente estabelecido para que pudesse recorrer. 
Segundo Abílio Neto “(...) a caducidade, como figura do direito substantivo, consiste na extinção de vigência e eficácia dos efeitos de um acto, em virtude de superveniência de um facto com força bastante para tal, ou, por outras palavras, no desaparecimento dos efeitos jurídicos em consequência de um facto jurídico stricto sensu. E olhando para a caducidade no âmbito do direito adjectivo, é de referir que o direito da acção caduca pelo decurso do respectivo prazo sem que tenha sido exercido pelo seu titular (...)” (Código Civil Anotado, 16.ª ed., Coimbra Editora, 2009, pág. 254).    
A verificação da caducidade, constitui uma excepção peremptória e, nos termos da lei, importa a absolvição total ou parcial do pedido, consistindo na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 493.º do CPC.   
Dos autos, a fl. 21, é possível aferir que aquando da interposição da acção emergente de conflito laboral, a Recorrente peticionou ao Tribunal que declarasse improcedente a medida disciplinar aplicada contra si e, em consequência, que fosse reintegrada imediatamente ao seu posto de trabalho e que devesse ser indemnizada nos termos do artigo 58.º e 239.º da LGT.  
Ora, nos termos do artigo 303.º da LGT, o direito de requerer judicialmente a reintegração na empresa, em casos de despedimento individual ou colectivo, caduca no prazo de cento e oitenta (180) dias, contados do dia seguinte àquele em que se verificou o despedimento.  
Atendendo ao prazo estabelecido pela norma supra, dúvidas não restam que, de facto, a Recorrente deixou precludir o referido prazo, visto que a medida disciplinar lhe foi comunicada no dia 7 de Março de 2017 e esta, somente aos 21 dias do mês de Dezembro de 2017, requereu a tentativa de conciliação, isto é, muito depois de se ter esgotado o prazo de 180 dias. 
Evidencia este facto, o reconhecimento da própria Recorrente ao descrever que “é verdade, e também consta dos autos que a medida de despedimento disciplinar foi comunicada, inicialmente, a Agravante aos 07 de Março de 2017 (...)” (cfr. fl. 190). 
Justifica a Recorrente que fê-lo apenas naquela data porque, antes disso, havia apresentado à entidade empregadora, uma reclamação da medida disciplinar, requerendo que a medida em causa fosse alterada, sendo que, só a 20 de Outubro de 2017, esta tomou conhecimento da rejeição da sua reclamação. Por essa razão, entendeu que ao ter sido confirmada a medida de despedimento disciplinar, o prazo para se impugnar contenciosamente começou a contar desde àquela data, isto é, 20 de Outubro de 2017, altura em que foi comunicada da reclamação da medida disciplinar.  
Assim, entendeu a Recorrente que ao ter dado entrada da acção no dia 21 de Dezembro de 2017, fê-lo dentro do prazo legal, visto que deu entrada do requerimento inicial passados apenas 60 dias desde a comunicação do indeferimento da reclamação. 
A disposição legal prevista no artigo 328.º do CC, ao estabelecer que “o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe se não nos casos em que a lei o determine” não admite como causa de suspensão do prazo a eventual apresentação de uma reclamação à entidade empregadora pelo que se deve considerar precludido o prazo, deixando a Recorrente sem a possibilidade legal de recorrer daquela Decisão, por inércia. 
Por outro lado, entende a Recorrente que o Tribunal ad quem, criou um obstáculo ilegítimo ao direito da Recorrente à indemnização por despedimento ilegal, ignorando a distinção clara entre a caducidade do direito de acção para reintegração e o prazo de prescrição da indemnização e demais critérios laborais peticionados pela Recorrente. 
Ora, as relações laborais, por imperativo da sua natureza jus-fundamental, são estruturadas tendo em conta a protecção especial que cabe ao trabalhador e o equilíbrio da relação jurídico-laboral. Reconhecendo o valor constitucional das mesmas, é, deveras, imperioso detalhar a relação que existe entre a caducidade e os princípios constitucionais subjacentes. 
Pois bem, 
A caducidade é um mecanismo jurídico, criado para delimitar a prazo o exercício de determinado direito. Neste sentido, a caducidade estabelece balizas de tempo, dentro das quais o titular do direito pode exercê-lo. Nesta dimensão, a ordem jurídica pretende salvaguardar o princípio da autonomia privada do sujeito em causa, que por se tratar, na maior parte das vezes, de direito disponível poder exercê-lo ou renunciá-lo, pelo que, a inacção é compreendida como um acto de renúncia, ou seja, a abdicação voluntária pelo titular do direito.  
Mas, porque razão são alguns direitos sujeitos a caducidade. 
Aqui reside a segunda dimensão, da interligação entre a caducidade e a Constituição. A sujeição de determinados direitos (geralmente disponíveis) à caducidade visa conferir determinabilidade e segurança jurídica à contraparte que, no caso em apreço, pode e deve poder contratar novamente, para desta forma, promover a realização do direito ao trabalho de outro sujeito.  
Esta solução é consentânea com o princípio do Estado de Direito, pois procura evitar a permanente ou perpétua vinculação do sujeito reivindicante ao direito a protecção jurisdicional, o que introduziria sérios receios e constrangimentos à estabilidade do próprio mercado de trabalho, ao não poder acautelar  se um despedimento de há 3, 5 ou 10 anos, podendo ser impugnado e julgado procedente, continuaria a acarretar ônus susceptíveis de afectar novas contratações, capacidade financeira e outros que possam haver. Portanto, daqui se compreende que só haverá lugar à indemnização quando, o despedimento for contra legem, configurando este, um despedimento ilícito e inválido. Deste modo, na eventualidade do despedimento ser declarado ilícito, o empregador deve indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, quer estes sejam patrimoniais ou não patrimoniais. Contudo caso o despedimento seja declarado inválido, a entidade empregadora será em princípio, condenada a reintegrar o trabalhador no seu posto de trabalho. 
Na esteira do pensamento do professor João Leal Amado, “na acção judicial do despedimento, o trabalhador poderá optar pela reintegração na empresa ou pela chamada «indemnização de antiguidade». (...) a opção, uma vez exercida, é irrevogável, assim, se optar pela reintegração, o trabalhador não poderá mais tarde, mudar de ideias e optar pela indemnização, do mesmo modo, se optar pela indemnização, o trabalhador não poderá, mais tarde, escolher a reintegração (...)” (Contrato de Trabalho, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2011, pág. 413).  
Importa, realçar que a lei estabelece nos artigos 302.º e 303.º da LGT dois prazos para situações distintas, nomeadamente: um para a caducidade do direito de acção à reintegração e outro, para os créditos de salários, de adicionais e complementos, indemnizações e compensações devidas por cessação do contrato de fornecimento de prestação em espécie e ainda, de reembolso de despesas efectuadas. 
No caso sub iudice, está patente que, a Recorrente peticionou ao Tribunal a declaração da improcedência do despedimento e, consequentemente, a sua reintegração bem como uma indemnização.  Saliente-se que a indemnização só é devida se a reintegração do trabalhador não for possível, se este a declinar, ou ainda, se a medida disciplinar for declarada ilícita.  
Por conseguinte, a reintegração e eventual a indemnização, só não se tornou possível porque a Recorrente intentou a referida acção fora do prazo como supra referido, logo, não é possível que esta seja indemnizada nos termos legalmente previstos, e nem tão pouco decorre dos autos prova bastante de eventuais irregularidades do processo disciplinar ou que a referida medida, tenha sido aplicada de forma ilegal contra si.  
Deste modo, dúvidas não restam de que andou bem o Tribunal ad quem quanto a abordagem da questão concernente à caducidade do direito de acção à reintegração, previsto na norma supracitada e, por essa razão, entende este Tribunal que não foi violado o princípio em pauta.  
 
 
Quanto à alegada violação dos princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e do direito a julgamento justo e conforme   
 
Importa destacar que o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, bem como o direito a julgamento justo e conforme, decorrem das disposições constantes dos artigos 29.º e 72.º, ambos da CRA. 
 
A tutela jurisdicional efectiva, tem como objecto garantir que todas as pessoas, singulares ou colectivas, tenham o direito de acesso à justiça para a proteção dos direitos e interesses legítimos, o que pressupõe dizer que, qualquer cidadão tem o direito de recorrer aos Tribunais, sempre que, sentir violados os seus direitos, devendo tal protecção, ser real, eficaz e célere. Por essa razão, o referido princípio constitui uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de Direito (vide n.ºs 2 e 5 do artigo 29.º da CRA).  
Por seu turno, o artigo 72.º da CRA dispõe que “a todo o cidadão é reconhecido o direito a julgamento justo, célere e conforme a lei.” A conformidade do julgamento tem que ver com o princípio de igualdade de armas, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva que, sem muito esforço hermenêutico, vão todos desdobrar-se no princípio da legalidade. 
Adlezio Agostinho assevera que, “(...) o julgamento justo como princípio processual do Direito Constitucional é um dos princípios essenciais do Estado Constitucional. Este decorre do Código de Processo Civil em conexão com o princípio do Estado de Direito, e protege a pessoa, em princípio, contra a sua objetivação no processo. De acordo com este princípio, eles devem ter a oportunidade de influenciar o andamento e o resultado do processo, a fim de proteger os seus direitos, exercerem os seus poderes processuais de forma independente e evitarem a interferência do Estado ou outras partes envolvidas no processo” (Direito Processual Constitucional “Princípios Doutrinários e Procedimentos sobre as Garantias Constitucionais, Ed. Académicas, 2023, p. 401). 
Assim sendo, o direito a um julgamento justo e conforme a lei pressupõe que toda a actuação processual deve obediência ao plasmado na lei, ou seja, ao princípio da legalidade e ao princípio da igualdade, devendo, portanto, estar em harmonia com o espírito da Constituição. 
Ora, dos autos nada se infere que tenham sido violados o direito de acesso aos Tribunais nem tão pouco demonstrado que à Recorrente tivessem sido colocados impedimentos que não permitissem o exercício cabal de tais garantias fundamentais. Antes se reitera que, dos elementos constantes dos autos se afigura inequívoco que o procedimento disciplinar seguiu o formalismo legalmente exigido, tendo sido cumpridos os prazos estabelecidos, assistida por advogado, bem como não lhe foram colocados impedimentos para o exercício do seu direito ao recurso, pelo que, da Decisão não resulta qualquer vício que pusesse em causa a actuação do Tribunal.  
Ante o exposto, entende o Tribunal Constitucional que a Decisão recorrida está em conformidade com a Constituição da República de Angola.  
Nestes termos; 
DECIDINDO 
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:  NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO.  
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional. 
Notifique. 
Tribunal Constitucional, em Luanda, 9 de Outubro de 2025. 
OS JUÍZES CONSELHEIROS 
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)  
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)  
Carlos Alberto B. Burity da Silva 
Carlos Manuel dos Santos Teixeira 
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo  
Gilberto de Faria Magalhães (Relator)  
João Carlos António Paulino 
Lucas Manuel João Quilundo 
Vitorino Domingos Hossi