ACÓRDÃO N.º 1041/2025
PROCESSO N.º 1362-B/2025
Recurso para o Plenário
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Ivo Miguel Gonçalves Ginguma e Outros, com os demais sinais identificativos nos autos, vieram interpor recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, do Despacho de indeferimento da providência cautelar não especificada, datado de 20 de Agosto de 2025, exarado pela Juíza Conselheira Presidente desta Corte.
O Despacho em questão fundamenta a inadmissibilidade da providência cautelar não especificada, no facto de o artigo 38.º do Estatuto do Partido Humanista de Angola (PHA) não atribuir competências à Comissão Política Nacional para suspender a Presidente do partido, sendo esta diferida à Convenção Nacional, enquanto órgão máximo de deliberação do partido, a quem compete, inclusive, dissolver aquele ente, nos termos da alínea b) do artigo 32.º do Estatuto do PHA.
Do decisum também se extrai que os requerentes não conseguiram demonstrar que a realização da primeira Convenção Nacional do PHA constitua ameaça aos respectivos direitos. Ademais, ainda que estes não participem da referida Convenção, enquanto filiados do partido PHA e membros dos órgãos de direcção, têm legitimidade para impugnar as deliberações resultantes do referido conclave, porquanto, no momento, não incide sobre estes nenhuma restrição de direitos civis e políticos consagrados na CRA e o Acórdão n.º 1001/25, proferido por esta Corte, que anulou actos praticados pela Presidente, não a afastou desta qualidade, sendo competente para convocar a Convenção do Partido, nos termos da alínea b) do artigo 47.º do Estatuto, pelo que não se verifica o requisito fumus boni iures.
Os Recorrentes expuseram as razões fácticas e de direito que fundamentam o presente recurso, invocando, em síntese, o seguinte:
O Despacho não possui base constitucional e legal, na medida em que, ao decidir nos moldes em que fez, violou flagrantemente a Constituição da República de Angola, a Lei do Processo Constitucional, a Lei dos Partidos Políticos, os princípios da legalidade e da supremacia da Constituição, bem como o direito a julgamento justo e conforme.
Ao indeferir a providência cautelar, conheceu imediatamente do mérito da questão evitando intencionalmente que o requerimento fosse encaminhado à distribuição, conforme dispõe o artigo 9.º da LPC, conjugado com o artigo 223.º do Código de Processo Civil.
As condições que conduzem a rejeição do requerimento e que são objecto de apreciação preliminar estão previstas no artigo 8.º da LPC e no artigo 474.º da CPC.
A Juíza Conselheira Presidente, actuou como se de Relator se tratasse, pois afirma no Despacho que o requisito fumus boni iures se afere, nos termos do artigo 38.º do Estatuto do Partido Humanista de Angola, pelo facto desta norma não atribuir competência à Comissão Politica Nacional para suspender a Presidente do Partido, sendo que esta só pode ser feita pela Convenção Nacional, órgão máximo de deliberação do partido, ao qual cabe, inclusivamente, a respectiva dissolução, nos termos da aliena b) do artigo 32.º do Estatuto do PHA.
Essa apreciação é completamente equivocada, salvo se tiver sido baseada num estatuto diferente do oficial, publicado em Diário da República, na I Série, n.º 55, de 27de Março de 2023, pois, nos termos do estatuto do partido, estão vertidas no artigo 32.º as competências exclusivas da Convenção Nacional.
Não existe nenhuma norma do Estatuto do Partido que dispõe que a suspensão da Presidente implica a dissolução da Comissão Política Nacional, sendo que a suspensão é uma decisão da Comissão Política Nacional que, enquanto órgão que dirige o partido entre as duas Convenções, nos termos do artigo 37.º do Estatuto (doc. 02).
A suspensão preventiva da Presidente foi deliberada na reunião extraordinária, realizada no dia 7 de Julho de 2025, convocada por maioria dos membros que compõem a Comissão Política Nacional, nos termos do artigo 39.º do Estatuto. Está perfeitamente compreendida no âmbito das competências disciplinares previstas nos artigos 14.º a 17.º, alínea c), por se provar, dentre vários aspectos, a violação do Estatuto do partido, conforme vertido no douto Acórdão n.º 1001/2025, prolatado pelo Tribunal Constitucional (doc. 03).
O aludido Despacho, no âmbito do conhecimento do mérito da questão, assevera que os requerentes da providência cautelar alegaram que o fundamento do fumus boni iuris ou probabilidade da existência de um direito está ancorado no facto de os artigos 35.º a 52.º do Estatuto do partido conferir aos mesmos a competência para organizar a Convenção, o que é completamente falso.
Não restam dúvidas que os Recorrentes demonstraram claramente que estavam reunidos os pressupostos para o decretamento da providência requerida e que a concessão desta não se faz na apreciação preliminar do requerimento, conforme se observou.
Concluem, peticionando a revogação do Despacho recorrido, por entenderem que existem fundamentos bastantes de que o mesmo viola a Constituição e as demais normas legais aplicáveis.
O processo foi à vista do Ministério Público, cuja promoção tem enfoque no não provimento da presente acção, em face da inutilidade superveniente da lide, decorrente do facto de ter sido já realizado o respectivo conclave. Por outro lado, por entender também que os Requerentes visaram alcançar com a providência cautelar uma finalidade que é própria de uma acção principal.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
Em conformidade com o preceituado no n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 3/08, 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC), o Plenário do Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
Nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da LPC, os Recorrentes têm legitimidade para interpor o presente recurso para o Plenário, em virtude da inconformação com o Despacho de indeferimento exarado pela Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional.
IV. OBJECTO
O presente recurso tem como escopo verificar se o Despacho, datado de 20 de Agosto de 2025, proferido pela Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, que indeferiu a providência cautelar não especificada interposta pelos Recorrentes, violou ou não a Constituição e a lei.
V. APRECIANDO
A questão essencial trazida à liça no presente recurso, tem a ver com a indagação da legalidade do Despacho de indeferimento liminar, proferido pela Juíza Conselheira Presidente desta Corte, à luz das normas processuais que regem a tramitação das providências cautelares. Os Recorrentes sustentam, em síntese, que o Despacho recorrido conheceu preliminarmente questões de fundo (mérito), quando deveria ter se limitado a apreciar os respectivos pressupostos da providência. Por este facto, entendem ter ocorrido a ofensa à Constituição e a lei.
Aprioristicamente, importa colacionar à presente apreciação que o Despacho recorrido configura uma verdadeira decisão judicial e, como tal, sempre sujeita ao dever de fundamentação, atento ao preceituado no artigo 158.º do CPC, sendo também uma injunção que tem como fonte o princípio da legalidade. A inobservância do dever de fundamentação, a que fica sempre vinculada a jurisdição no decisum, conforme estabelecido no artigo 668.º do CPC, acarreta a respectiva nulidade, por transcender a mera formalidade e configurar uma garantia essencial do devido processo legal, enquanto instrumento de controlo da actividade jurisdicional, vedando o arbítrio e permitindo a sindicância recursal da ratio decidendi.
Outrossim, o indeferimento liminar, corresponde ao verdadeiro nomen iuris do acto processual praticado, opera como medida de saneamento negativo do processo, inviabilizando o respectivo desenvolvimento regular, por força do reconhecimento de pressupostos impeditivos da marcha processual, conforme se extrai do artigo 474.º do CPC.
Compulsados os autos, verifica-se que o Despacho recorrido não se limitou a apreciar os requisitos formais de admissibilidade do requerimento, previstos no artigo 8.º da LPC e no artigo 474.º do CPC (legitimidade, prazo, suprimento de deficiências). Pelo contrário, procedeu a uma análise aprofundada da pretensão cautelar, confrontando os argumentos dos Recorrentes com o mérito da questão subjacente (competência para a suspensão da Presidente do partido PHA e para a convocação da Convenção Nacional Ordinária e demonstração de ameaça de direitos), concluindo pela ausência do requisito do fumus boni iuris, apreciação preliminar também respaldada na alínea c), in fine, do n.º 1 do artigo 474.º, dispondo, ipsi verbis, que “a petição deve ser liminarmente indeferida (...) quando por outro motivo, for evidente que a pretensão do autor não pode proceder” .
Entretanto, analisados os elementos constantes dos autos, destes se descortina a existência de um facto superveniente que se afigura determinante para a prolação da Decisão final neste recurso. Ou seja, o objecto imediato da providência cautelar não especificada, interposta pelos Recorrentes a 1 de Agosto de 2025, consistia na impugnação e na consequente suspensão da realização da 1.ª Convenção Nacional Ordinária do Partido PHA.
De acordo com os factos alegados pelos próprios Recorrentes (fl. 3), a referida Convenção estava agendada para o dia 30 de Agosto de 2025. Considerando o momento em que esta Decisão, que por ora ocupa esta Corte, é proferida, e por ser notório e público que o acto que se pretendia atalhar já ocorreu, exactamente na data agendada, é evidente que ficou menoscabado o principal objectivo da providência cautelar, sendo por isso supérfluo o conhecimento sobre o mérito da questão material trazida à liça.
Ora, atento ao disposto na alínea e) do artigo 287.º do CPC, a lide deve ser declarada inútil ou extinta por impossibilidade ou inutilidade superveniente do pedido, sendo certo que a consumação do conclave do partido a 30 de Agosto do ano em curso, tal ocorrência configura já um facto cuja conflitualidade latente ou patente não cabe dirimir nos termos da presente acção.
A impossibilidade de se decretar a suspensão de um acto que já se consumou e cujos efeitos se produziram conduz, inexoravelmente, à inutilidade superveniente da lide. Aliás, este entendimento é pacífico e bastante sedimentado na jurisprudência desta Corte, conforme se depreende da análise de precedentes firmados nos Acórdãos n.º 752/2022, 921/2024, 933/2024, 935/2024, 936/2024, 947/2024 e 980/2025 (disponíveis em: www.tribunalconstitucional.ao).
A este propósito, José Lebre de Freitas sustenta que “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” (Código de Processo Civil Anotado, 2.ª ed., Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 555).
Desta feita, considerando que a suspensão, em face da realização da 1.ª Convenção Nacional Ordinária do partido PHA, já não é materialmente possível, a decisão sobre a legalidade ou ilegalidade do Despacho liminar de indeferimento da providência cautelar não especificada é despicienda, isto é, sem qualquer utilidade prática e processual.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DECLARAR A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, NOS TERMOS DA ALÍNEA E) DO ARTIGO 287.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, EX VI DO N.º 2 DO ARTIGO 2.º DA LEI N.º 3/08, DE 17 DE JUNHO – LEI DO PROCESSO CONSTITUCIONAL.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 5 de Novembro de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Jacinto Prazeres (Presidente) (Declarou-se Impedida)
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Amelia Augusto Varela
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino (Relator)
Lucas Manuel João Quilundo
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo
Vitorino Domingos Hossi