ACÓRDÃO N.º 1042/2025
PROCESSO N.º 1312-D/2025
Recurso Para o Plenário
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
GRANA PEDRA - INDÚSTRIA DE PEDRAS (SU), Lda., melhor identificada nos autos, veio ao Plenário do Tribunal Constitucional interpor o presente recurso do Despacho prolatado pela Juíza Conselheira Presidente deste Tribunal, a 29 de Abril de 2025, no âmbito do Processo n.º 1294-B/2025, que indeferiu o recurso ordinário de inconstitucionalidade, com fundamento na alínea a) do n.º 3, do artigo 42.º, conjugado com o artigo 5.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC).
A Recorrente, inconformada com o Despacho sindicado, deduziu as suas alegações invocando, essencialmente, que:
Por manifesto lapso, no Processo n.º 40/24-C, interpôs na Sala do Contencioso Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Comarca de Luanda um recurso ordinário de inconstitucionalidade, quando a espécie adequada seria o recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
A Decisão recorrida põe termo ao processo, não admitindo qualquer outro recurso ordinário, além disso, é contrária a jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional, que prima por uma justiça material, assente no direito a julgamento justo e conforme e no princípio da tutela jurisdicional efectiva.
A Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional deveria ter proferido um Despacho de aperfeiçoamento e não de indeferimento, permitindo, dessa forma, a correcção da espécie de recurso interposto.
Embora a Lei do Processo Constitucional faça referência à sentença, os Tribunais, no exercício da sua actividade jurisdicional, podem igualmente pôr termo ao processo por meio de despachos.
Por isso, à semelhança das Sentenças, os Despachos também são susceptíveis de recurso.
Tal como ocorre no presente caso, os despachos podem violar direitos fundamentais, designadamente o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, o direito a julgamento justo e conforme, bem como o direito ao duplo grau de jurisdição.
O Despacho que declarou deserto o recurso violou o direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, o direito ao julgamento justo e conforme e o direito ao duplo grau de jurisdição, razão pela qual é de acolher o presente recurso.
Conclui requerendo “que o recurso interposto seja admitido e, consequentemente, convolado para o recurso extraordinário de inconstitucionalidade”.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Plenário do Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da LPC.
III. LEGITIMIDADE
Nos termos do n.º 3 do artigo 5.º e do n.º 2 do artigo 8.º, ambos da LPC, a Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso para o Plenário, por não se conformar com o Despacho de indeferimento da Juíza Presidente do Tribunal Constitucional, por falta de requisitos, prolatado em 29 de Abril de 2025.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso é o Despacho de indeferimento proferido pela Juíza Conselheira Presidente deste Corte Constitucional, cabendo verificar se o mesmo violou ou não princípios e direitos constitucionalmente consagrados.
V. APRECIANDO
Cronologicamente, verifica-se nos autos que a Sala do Contencioso Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Comarca de Luanda proferiu, em 8 de Outubro de 2024, sentença (fls. 96 a 103) que julgou improcedente o embargo de executado deduzido pela Recorrente.
Inconformada com esta Decisão, a Recorrente interpôs recurso em 29 de Outubro de 2024 (fls. 110), tendo, contudo, apresentado as respectivas alegações apenas em 26 de Novembro do mesmo ano (fls. 126). Ora, considerando que a notificação da sentença ocorreu em 22 de Outubro de 2024 (fls. 106), o recurso veio a ser declarado deserto (fls. 135 a 136), por terem sido apresentadas as alegações fora do prazo legal de 15 dias, previsto no artigo 166.º do Código de Execuções Fiscais (CEF).
Em reacção ao Despacho que declarou a deserção do recurso, a Recorrente apresentou reclamação (fls. 142) e interpôs recurso extraordinário de revisão (fls. 143 a 146), do qual posteriormente desistiu (fls. 152). A posteriori, avançou com um novo recurso extraordinário de revisão, previsto no artigo 175.º do CEF, com fundamentos distintos do anterior, visando a reapreciação do Despacho da Juíza da Sala do Contencioso Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Comarca de Luanda.
Em Despacho de 17 de Dezembro de 2024 (fls. 156 a 157), a Juíza do Tribunal da Comarca de Luanda esclareceu nos seguintes termos:
“Face ao requerimento apresentado, o Tribunal não se pode pronunciar sobre a referida reclamação porque terminou o seu poder jurisdicional. A parte poderia, dentro do prazo de 5 (cinco) dias, reclamar para o Tribunal da Relação de Luanda caso assim o pretendesse, nos termos do disposto no art.º 688.º do CPC”.
Não obstante tais esclarecimentos, a Recorrente deu entrada de um recurso ordinário de inconstitucionalidade (fls. 162 a 164), perante o Tribunal a quo. Após a sua admissão, apresentou as alegações (fls. 173 a 183), que foram admitidas pelo Juiz da Sala do Contencioso Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Comarca de Luanda, ordenando-se a remessa ao Tribunal Constitucional.
Já na jurisdição constitucional, e em sede de apreciação preliminar, nos termos do artigo 5.º da LPC, a Juíza Conselheira Presidente prolatou, em 29 de Abril de 2025, o Despacho em sindicância, no âmbito do Processo n.º 1294-B/2025, que indeferiu o recurso ordinário de inconstitucionalidade, com fundamento na alínea a) do n.º 3, do artigo 42.º, conjugado com o artigo 5.º, ambos da LPC.
Desta feita, inconformada, a Recorrente interpôs recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, requerendo a sua admissão e a convolação do recurso ordinário de inconstitucionalidade em recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
Ante as alegações e ao pedido formulado, cumpre apreciar o enquadramento constitucional e legal da pretensão recursal.
Veja-se:
O indeferimento do recurso ordinário de inconstitucionalidade interposto pela Recorrente teve como fundamento a alínea a) do n.º 3 do artigo 42.º da LPC, o que significa que o requerimento de interposição do recurso não observou os requisitos legalmente exigidos.
O recurso ordinário de inconstitucionalidade encontra-se previsto no n.º 1 do artigo 36.º da LPC, tendo por objecto apenas as sentenças dos demais tribunais que:
recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade;
apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo;
apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional;
recusem a aplicação de normas com fundamento na violação pela mesma de uma convenção internacional de que Angola seja parte;
apliquem norma constante de convenção internacional em desconformidade com acórdão anteriormente proferido pelo Tribunal Constitucional.
Neste diapasão, o recurso ordinário de inconstitucionalidade demonstra a vertente mista do sistema de fiscalização da constitucionalidade, consagrado no ordenamento jurídico angolano.
A actuação do Tribunal Constitucional apenas irá incidir sobre as normas utilizadas e não sobre sentenças proferidas pelos tribunais comuns, correspondendo a um controlo incidental, pois os cidadãos não podem recorrer aos tribunais para impugnarem directamente uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, só podendo invocar a inconstitucionalidade das normas que sejam relevantes para a solução do caso por via de incidente no decurso de uma acção.
Ademais, o requerimento de interposição do recurso deve conter elementos essenciais, como a indicação da decisão concreta de que se recorre; a norma ou princípio cuja constitucionalidade tenha sido suscitada e se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie e a peça ou diligência processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade.
Ora, conforme se extrai do Despacho recorrido, a Recorrente não observou tais requisitos, quer no requerimento de interposição do recurso, quer nas alegações subsequentes, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 41.º da LPC.
Com efeito, não tendo a Recorrente logrado satisfazer os pressupostos formais de admissibilidade do recurso ordinário de inconstitucionalidade, nem se enquadrando o objecto da sua impugnação no âmbito desta espécie recursal, não restava à Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional outro acto a praticar senão o de indeferi-lo liminarmente.
Por outra parte, relativamente ao pedido de convolação do recurso ordinário de inconstitucionalidade para o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, ainda que tal fosse de admitir, o mesmo não preencheria o requisito do esgotamento prévio da cadeia recursória, previsto no parágrafo único do artigo 49.º da LPC, o que conheceria o mesmo desfecho, isto é, o indeferimento liminar.
Pelo exposto, o Despacho recorrido, datado de 29 de Abril de 2025, que indeferiu o recurso ordinário de inconstitucionalidade com fundamento da alínea a) do n.º 3 do artigo 42.º, conjugado com o artigo 5.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), mostra-se conforme à Constituição e a lei.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: CONFIRMAR A DECISÃO CONSTANTE DO DESPACHO RECORRIDO.
Custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 5 de Novembro de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Jacinto Prazeres (Presidente) (Declarou-se Impedida)
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Amélia Augusto Varela
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo (Relator)
Vitorino Domingos Hossi