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ACÓRDÃO N.º 1043/2025 
  
PROCESSO N.º 1348-D/2025 
Recurso para o Plenário 
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional: 
 
I.  RELATÓRIO  
Henrique Luati da Silva Beirão, Jaime Domingos Chimbamba Mussinda e Zola de Caridade Neves Álvaro, com melhores sinais de identificação nos autos, interpuseram, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), o presente recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, contra o Despacho de indeferimento liminar exarado pela Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, no âmbito do Processo n.º 1342-B/2025, no qual os ora Recorrentes haviam requerido uma Providência Cautelar Não Especificada contra a Assembleia Nacional.  
 
Para o efeito, alegam, em síntese, o seguinte: 
 
A legitimidade dos ora Recorrentes no que se refere à providência requerida não resulta, unicamente, dos artigos 3.º, 52.º e 167.º, n.º 5 da CRA, mas também, por se tratar da violação da Constituição, da interpretação sistemática e dos princípios constitucionais, da Lei n.º 3/08 – de 17 de Junho.  
 
Assim, a acção principal decorrerá no Processo Relativo ao Contencioso Parlamentar, nos termos dos artigos 60.º, n.º 1 e 62.º, ambos da LPC. 
 
A Assembleia Nacional deve subordinar-se à Constituição e fundar os seus actos na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis, concretamente os artigos 3.º, 28.º e 167.º, n.º 5 da CRA. 
 
A participação cidadã é um coroar do Estado democrático de direito da República de Angola, nos termos dos artigos 8.º e 21.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e dos artigos 2.º, 7.º al. a) e 13.º, n.º 1 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. 
 
A proposta de Projecto de Iniciativa Legislativa dos cidadãos deve ser recebida e discutida pela Assembleia Nacional, nos termos dos artigos 3.º, 52.º e 167.º, n.º 5 da CRA, da Resolução sobre o Processo Eleitoral e Governação Participativa (1996) e dos Princípios e Directrizes da SADC que regem eleições democráticas. 
 
É imprescindível que o Tribunal se digne respeitar o n.º 5 do artigo 29.º da CRA. 
 
A providência requerida cumpre, indubitavelmente, os pressupostos do artigo 399.º do CPC, designadamente: 
Periculum in mora – As discussões sobre o Pacote Legislativo iniciaram nas comissões de especialidades sem a proposta dos cidadãos em breve na generalidade e consequentemente a sua aprovação global, promulgação e entrada em vigor. Por conseguinte, não se deve confundir inclusão da proposta e a convocação dos seus proponentes para discussão com imposição da sua aprovação. 
 
Fumus boni iuris – Os requerentes são indiscutivelmente cidadãos em pleno gozo dos seus direitos civis e políticos e ao proporem o projecto da lei respeitaram a Constituição. 
 
Concluem peticionando ao Plenário desta Corte Constitucional para dar provimento ao recurso e, consequentemente, declarar inconstitucional e ilegal o Despacho recorrido, com todos os efeitos legais. 
 
Prescindiu-se da vista e dos vistos legais, nos termos do n.º 3 do artigo 707.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC. 
 
II.  COMPETÊNCIA 
 
O Plenário do Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 5.º da LPC, segundo o qual, em caso de rejeição do requerimento, cabe recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, a interpor pelo Autor do requerimento rejeitado. 
 
III.  LEGITIMIDADE 
 
A legitimidade processual decorre do interesse directo em demandar e/ou contradizer, tal como estatuem os n.ºs 1 e 2 do artigo 26.º do CPC, aplicável subsidiariamente aos processos sujeitos à jurisdição do Tribunal Constitucional, ex vi do artigo 2.º da LPC. 
Os Recorrentes são os autores do requerimento de interposição da providência cautelar em que recaiu o Despacho de não admissão exarado pela Juíza Presidente do Tribunal Constitucional, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da LPC, têm legitimidade para interpor o presente recurso para o Plenário. 
 
IV.  OBJECTO 
 
O presente recurso tem como objecto o Despacho da Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, que rejeitou a Providência Cautelar, aferindo se o mesmo ofende princípios, direitos e garantias consagrados na Constituição da República (CRA), bem como a respectiva conformidade com a LPC. 
 
V.  APRECIANDO 
 
Os Recorrentes apresentaram, em 27 de Maio de 2025, no exercício do direito de participação na vida pública, plasmado no n.º 1 do artigo 52.º e no n.º 5 do artigo 167.º, ambos da CRA, uma proposta de Projecto de Lei de Revisão da Lei n.º 36/11 – Lei Orgânica das Eleições Gerais.  
 
No dia 18 de Julho de 2025, tomaram conhecimento, através de comunicado do Gabinete de Comunicação Institucional da Assembleia Nacional, de que iria ter início, no dia 21 de Julho de 2025, o processo de discussão e votação dos diplomas que compõem o “Pacote Legislativo Eleitoral”, sem que, na ordem de trabalhos, constasse a proposta de Projecto de Lei que os ora Recorrentes haviam apresentado.  
 
No sentido de suster o referido procedimento parlamentar, os ora Recorrentes requereram, junto desta Corte Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 181.º da CRA, nos artigos 3.º, 34.º e 38.º do Regimento da Assembleia Nacional, do artigo 399.º do CPC e do n.º 2 do artigo 60.º da LPC, uma providência cautelar não especificada, requerimento esse que foi objecto de indeferimento liminar por Despacho da Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional. 
 
Inconformados, os Recorrentes interpuseram recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, nos termos consignados no n.º 2 do artigo 8.º da LPC, peticionando a declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade do referido Despacho, por ofensa ao disposto no n.º 5 do artigo 29.º, no n.º 1 do artigo 52.º e no n.º 5 do artigo 167.º, todos da CRA, no artigo 399.º do CPC e no n.º 2 do artigo 60.º da LPC. 
 
Sucede que, neste ínterim, de acordo com o Ofício n.º 000085/00/D-03/GPAN/2025, da Assembleia Nacional, junto aos autos (fl. 12), o procedimento de discussão e votação das Propostas de Lei e dos Projectos de Lei de Revisão que compõem o “Pacote Eleitoral” foi finalizado no dia 13 de Agosto de 2025, tendo-se efectuado a respectiva votação final global na 7.ª Reunião Plenária Extraordinária da 3.ª Sessão Legislativa da V Legislatura da Assembleia Nacional, que se realizou naquela mesma data.  
 
Manterá, então, o procedimento cautelar em pauta a sua utilidade ou viabilidade? Quid iuris? 
 
Sendo a providência requerida destinada a suster o procedimento de discussão e aprovação dos diplomas em causa, óbvio se torna que, uma vez findo tal procedimento, o expediente processual não tem qualquer viabilidade, ocorrendo, destarte, como assevera Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, Almedina, 2004, pág. 304) impossibilidade superveniente do procedimento.   
 
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide supõe a ulterior ocorrência de uma circunstância que retire às partes o interesse em agir, aferido em função da necessidade de tutela judicial ou da desnecessidade de uma pronúncia judicial, por ausência de efeito útil. 
 
Nas palavras de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se “quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” (Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pág. 546). 
 
Para Tomás Timbane “há dois pressupostos para que ocorra extinção da instância por este motivo: a inutilidade superveniente da lide e que essa inutilidade resulte de um facto posterior à propositura da acção. Por isso se diz que é superveniente” (Lições de Processo Civil, Vol. I, 2.ª ed., Escolar Editora, 2020, pág. 364). 
 
Está-se, pois, perante uma situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide quando, devido a novos factos, verificados na pendência do processo, não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir, quando já não é possível o pedido ter acolhimento ou quando o fim visado com a acção foi atingido por outro meio. 
 
Sustenta Alberto dos Reis que “há extinção da instância por impossibilidade da lide, ou porque se extinguiu o sujeito, ou porque se extinguiu o objecto, ou porque se extinguiu a causa» (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed. (reimp.), Coimbra, 2012, pág. 393). 
Nesse sentido se tem pronunciado variada jurisprudência desta Corte Constitucional, em que se consignou que a instância se extingue sempre que se torne supervenientemente impossível, ou seja, sempre que a pretensão do autor não se possa manter, por virtude do desaparecimento do objecto do processo, determinando impossibilidade de atingir o resultado visado. Vide, entre outros, os Acórdãos n.ºs 939/2024 e 936/2024, ambos de 5 de Dezembro, 683/2021, de 26 de Maio, 549/2019, de 21 de Maio, 544/2019, de 16 de Abril, 485/2018, de 10 de Julho e 422/2017, de 10 de Maio, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.ao. 
 
Nesta conformidade, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC, a continuação do presente Recurso para o Plenário torna-se escusada, por virtude do desaparecimento do objecto do processo e da impossibilidade de se atingir o resultado visado. 
 
Nestes termos, 
 
DECIDINDO 
 
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: DECLARAR EXTINTA A PRESENTE INSTÂNCIA DE RECURSO, POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE. 
 
Custas pelos Recorrentes, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional. 
 
Notifique. 
 
Tribunal Constitucional, em Luanda, 5 de Novembro de 2025. 
 
OS JUÍZES CONSELHEIROS 
 
Laurinda Jacinto Prazeres (Presidente) (Declarou-se Impedida)  
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)  
Amélia Augusto Varela  
Carlos Alberto B. Burity da Silva (Relator)  
Carlos Manuel dos Santos Teixeira 
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo (Declarou-se Impedida)  
Gilberto de Faria Magalhães 
João Carlos António Paulino 
Lucas Manuel João Quilundo  
Vitorino Domingos Hossi