ACÓRDÃO N.º 963 -A/2025
PROCESSO N.º 1091-C/2023
(Aclaração do Acórdão n.º 963/2025)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
António Paulo Lima dos Santos e Constância de Carvalho da Costa Bárber dos Santos, suficientemente identificados nos autos, vieram requerer a aclaração do Acórdão n.º 963/2025, de 12 de Fevereiro, prolatado pelo Plenário do Tribunal Constitucional, no âmbito do Processo n.º 1091-C/2023, arguindo, em síntese, os seguintes fundamentos:
1. O Acórdão não reconhece a invalidade do contrato de direito de superfície celebrado antes da entrada em vigor da Lei n.º 9/04, com fundamento no facto de a concessão ter sido feita ao abrigo da Lei n.º 21-C/92, de 28 de Agosto, mas ignora o disposto na alínea b) do n.º 2 da Lei de Terras de 2004.
2. A violação deste dispositivo legal, quer pelo Acórdão do Tribunal Supremo, quer pelo Acórdão desta Corte Constitucional, coloca em causa o princípio da legalidade, na medida em que a aquisição irregular do direito fundiário pela TECNIDATA, LDA., por força da não regularização do título, nos termos e prazos fixados na Lei de Terras de 1992, implica nulidade da concessão.
3. A questão da usucapião foi mal analisada, na medida em que essa aquisição do direito de superfície não ocorreu sobre os terrenos integrados no domínio privado do Estado, mas sobre o direito de superfície outorgado no ano de 2004, a favor da empresa supra referida.
4. Assim, pelo facto de o Acórdão ter omitido questões fundamentais, ser ambíguo e por violar os princípios, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola, os Recorrentes rogam respeitosamente a este Venerando Tribunal, que aclare a sua decisão.
Terminam os Requerentes solicitando a aclaração do Acórdão proferido e a sua consequente rectificação, ao abrigo das disposições constantes do n.º 2 do artigo 666.º, do n.º 1 do artigo 667.º e da alínea a) do artigo 669.º, todos do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 2.º da Lei do Processo Constitucional.
Prescindiu-se da vista do Ministério Público e dos vistos legais dos Juízes Conselheiros, nos termos do n.º 3 do artigo 707.º do CPC.
II. OBJECTO
O objecto da presente aclaração é saber se o Acórdão n.º 963/2025, de 12 de Fevereiro de 2025, proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional, no âmbito do Processo n.º 1091-C/2023, padece de ambiguidades ou obscuridades que importam esclarecer, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 669.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade ex vi dos artigos 2.º, 39.º e 52.º, da Lei do Processo Constitucional (LPC).
III. APRECIANDO
Nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 666.º do CPC, uma vez proferida a decisão judicial, seja ela singular ou colegial, considera-se esgotado o poder jurisdicional do juiz ou da conferência quanto ao mérito da causa.
Excepcionam-se apenas hipóteses taxativamente previstas na lei, nomeadamente: a correção de erros materiais, o suprimento de nulidades, o esclarecimento de dúvidas e a reforma da decisão no tocante a custas e multas, correspondendo cada uma das aludidas excepções ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional, um regime específico de arguição, conforme regulado nos artigos 667.º e seguintes do CPC.
Dessa limitação legal resulta que, uma vez decidido o mérito da causa, o poder cognitivo do Tribunal em relação à matéria decidida se exaure, sendo apenas admissível a intervenção posterior nos termos restritos definidos pelos dispositivos acima referenciados. A propósito, Hermenegildo Cachimbombo ressalta que, não obstante a limitação dos poderes jurisdicionais após o julgamento da causa, subsiste competência residual do juiz para conhecer de questões ou incidentes que eventualmente se suscitem após a decisão (cf. Manual de Processo Civil & Perspectiva da Reforma, 2017, Casa das Ideias, p. 219).
Nesta seara, em face do expediente requerido, a competência do Plenário desta Corte limitar-se-á, no presente caso, à aferição da existência de eventual obscuridade ou ambiguidade no Acórdão recorrido que justifique o seu esclarecimento, desde que alegada e fundamentada a pretensão de forma legalmente admissível.
De acordo com Ana Prata “o pedido de aclaração tem, pois, cabimento quando algum passo importante do texto da sentença não permite compreender o pensamento do julgador ou, por comportar dois ou mais sentidos diversos, suscite dúvidas sobre aquele em que foi utilizado” (Dicionário Jurídico, Direito Civil, Direito Processual Civil e Organização Judiciária, 2022, 6.ª ed. — Actualizada e Aumentada, Almedina p. 41).
Aliás, conforme reiteradamente salientado por esta Corte Constitucional, considera-se ambíguo o acórdão que admite interpretação de sentido ambivalente, dúbio ou confuso, estando a obscuridade associada à ininteligibilidade da decisão e à dificuldade de apreensão do seu real conteúdo. Assim, a aclaração não pode configurar mera reapreciação do pedido, mas deve limitar-se a esclarecer o exacto alcance da decisão. Em sentido convergente vide entre outros os Acórdãos n.ºs 981 -A/2025, 738-A/2023, 906-A/2024, 882-A/2024, 852-A/2024 disponíveis em www.tribunalconstitucional.ao e, igualmente, Lebre de Freitas e Raquel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2008, Vol. II, 2.ª ed., Coimbra Editora, p. 707 e, Abílio Neto, Breves Notas ao Código de Processo Civil, 2005, Editora fórum, p. 196.
Contudo, em síntese, os Reclamantes sustentam que os Acórdãos do Tribunal Supremo e desta Corte violaram o princípio da legalidade ao não reconhecerem a nulidade da concessão fundiária outorgada à TECNIDATA, Lda., celebrada em desconformidade com as Leis de Terras de 1992 e de 2004. Alegam, ademais, que a questão da usucapião foi incorretamente apreciada, motivo por que requerem a aclaração do Acórdão, que reputam ambíguo.
Ora, da motivação apresentada pelos Reclamantes em sustento do presente pedido de aclaração, depreende-se facilmente que estes manifestam, em essência, o seu inconformismo com o sentido global da decisão, e não propriamente a necessidade de esclarecer qualquer dúvida relevante. Com efeito, deixam de indicar qualquer trecho ou fundamento específico do Acórdão cuja compreensão se revele difícil ou que comporte interpretações divergentes susceptíveis de comprometer o alcance da decisão deste Tribunal.
Deste modo, cumpre assinalar que a pretensão deduzida pelos Reclamantes carece de respaldo jurídico, porquanto, da análise do requerimento de aclaração apresentado, não se verifica a invocação de quaisquer fundamentos plausíveis subsumíveis às hipóteses excepcionais previstas no n.º 2 do artigo 666.º do CPC.
No caso decidendo, não se vislumbra qualquer ambiguidade ou obscuridade no Acórdão colocado em crise que mereça um esforço hermenêutico adicional do Tribunal Constitucional no sentido da sua aclaração. O Acórdão é suficientemente esclarecedor acerca dos fundamentos pelos quais conclui pela inexistência das inconstitucionalidades alegadas pelos Aclarantes e só por argumentação retórica se pode dizer que se encontram obscuridades na Decisão aclaranda.
Destarte, os Reclamantes limitam-se a reiterar argumentos já propugnados no âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, ora definitivamente julgado, e, paralelamente, alegam de forma genérica a existência de obscuridade na Decisão, sem, contudo, indicar de modo concreto qualquer passagem obscura ou ambígua, seja na parte dispositiva, seja na fundamentação do Acórdão desta Corte Constitucional, que justificasse, nos termos da alínea a) do artigo 669.º do CPC, o reconhecimento de quaisquer ambiguidades e obscuridades que carecessem de esclarecimento.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: MANTER, NOS SEUS PRECISOS TERMOS, O ACÓRDÃO N.º 963/2025, DE 12 DE FEVEREIRO, POR NÃO HAVER ERROS MATERIAIS POR RECTIFICAR, NULIDADES POR SANAR OU DÚVIDAS E AMBIGUIDADES QUE IMPORTE ESCLARECER.
Custas pelos Reclamantes, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, LPC.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 26 de Agosto de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Amélia Augusto Varela
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva (Relatora)
Vitorino Domingos Hossi