ACÓRDÃO N.º 987-A/2025
PROCESSO N.º 1209-A/2024
(Aclaração do Acórdão n.º 987/2025)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
António Fernando Samora, com os demais sinais de identificação nos autos, tendo sido notificado do Acórdão n.º 987/2025, deste Tribunal, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 669.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por força dos artigos 39.º e 52.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), requerer a aclaração do aludido Acórdão.
Para sustentar a sua pretensão de aclaração, o Requerente invoca os seguintes fundamentos, em síntese:
A presente aclaração funda-se no facto de não conseguir compreender a fundamentação sobre as matérias do julgamento justo, abuso do julgador, legitimidade da assistência, o princípio da igualdade, bem como, pelo facto de o Tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre a amnistia, questões levantadas em sede de questão prévia, na fase da audiência de discussão e julgamento.
O Tribunal recorrido deixou de apreciar as provas carreadas aos autos, violando o princípio do julgamento justo. Isto é, o Tribunal recorrido, ao ignorar as provas juntas aos autos sobre a legitimidade do Presidente da Associação lesada nos autos, bem como ter aceitado determinados indivíduos como assistentes, ignorando as declarações dos beneficiários das viaturas e a respectiva qualidade de associados, violou o princípio constitucional do julgamento justo e conforme.
Ademais, o Tribunal ad quo, ao declarar, em plena audiência, Caetano António Marcolino como Presidente da ASCOFA e obrigá-lo a redigir um acordo entre esta e a ABC-HOLDING, ouvindo o declarante no Processo em seu Gabinete, é uma demonstração clara de um acto de abuso do julgador, matéria que não foi apreciada e que configuram, de forma clara, um atentado aos direitos do Requerente e à Constituição.
É assim, importante esclarecer que o Requerente mantém o cargo de Presidente da ASCOFA e todos os que beneficiaram das viaturas referidas no Processo são dela associados, questões que o Tribunal a quo ignorou ou não se pronunciou, ferindo assim o princípio da livre apreciação da prova.
As questões de direito ordinário trazidas nas alegações não foram apreciadas pelo Tribunal a quo. Por estas razões, requer-se esclarecimentos sobre as seguintes questões:
O Tribunal ao não se pronunciar sobre a violação dos princípios da legalidade e do contraditório, ignorar a legitimidade do participante e declarar este como Presidente da Associação, mesmo depois de apresentado nas questões prévias sobre a matéria e o Tribunal não responder;
b) A legitimidade do participante foi objecto de discussão, pois o arguido continua na Presidência da Associação, e os Associados prestaram declarações em como estão em pleno exercício de funções, matéria que ficou provada, mas o Tribunal ignorou e condenou o arguido a indemnizar a ASCOFA. De que ASCOFA a decisão se refere? Razão pela requer-se esclarecimentos;
c) O Tribunal ad quo deixou de se pronunciar sobre a Lei n.º 35/22, de 23 de Dezembro, que confere amnistia a crimes, cuja moldura penal seja inferior a 8 anos. O Requerente foi julgado e condenado na pena de 3 anos, suspensa na sua execução por 2 anos, ao não se ter amnistiado tal crime não se estaria a ferir a Constituição?
d) O Requerente apresentou nas suas alegações de facto e os atropelos verificados na decisão recorrida, e no articulado 51.º das mesmas, pediu o seu suprimento e solicitou a declaração de inconstitucionalidade da Decisão recorrida pelos factos e fundamentos ora apresentados;
Ora, a presente aclaração visa a correcção de imprecisões na apresentação das alegações, nos termos dos factos alegados.
Termina requerendo que se conceda a cabível aclaração.
II. OBJECTO
Emerge como questão decidenda, nos presentes autos, analisar se o Acórdão n.º 987/2025, deste Tribunal, proferido no âmbito do Processo n.º 1209-A/2024, padece de obscuridades que importam esclarecer, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 669.º do CPC, aplicável ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por força dos artigos 39.º e 52.º da LPC.
III. APRECIANDO
O Requerente invoca como fundamento da sua pretensão de aclarar o Acórdão n.º 987/2025, proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional, a existência de imprecisões na referida decisão.
Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 669.º CPC, os fundamentos do pedido de aclaração de uma decisão residem na existência de alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.
A ambiguidade significa ambivalência ou pluralidade de sentidos. Ambíguo é o acórdão confuso, de sentido dúbio, que contém alguma passagem equívoca, que se presta, razoavelmente, a interpretações diferentes ou apresenta duas antíteses como se fossem convergentes. Por seu turno, a obscuridade é a falta de clareza ou ininteligibilidade. Obscura é a decisão de difícil compreensão, que contenha algum passo ininteligível, cujo sentido exacto não pode alcançar-se.
No caso vertente, apesar de o Requerente invocar uma pretensa necessidade de aclaração, este não identifica qualquer passagem específica do Acórdão em causa que se revele obscura ou ininteligível, seja na sua fundamentação, seja no respectivo dispositivo. Com efeito, as questões suscitadas não decorrem de ambiguidades ou imprecisões inerentes ao texto da Decisão, mas antes parecem visar uma reapreciação de matérias que não foram objecto de apreciação por este Tribunal por transcenderem o seu âmbito de competência cognitiva material.
Na verdade, como bem se compreende o teor do pedido, com particular atenção aos pontos 5 e 6 das alegações apresentadas, o Requerente pretende que este Tribunal, em oposição ao que foi fixado na Decisão a aclarar, se debruce sobre alegados vícios na apreciação da prova, sobre a obrigação de indemnizar a que foi condenado, sobre a aplicabilidade da lei da amnistia referida pelo Requerente, bem como alegadas omissões na apreciação do mérito da causa operada pelo Tribunal recorrido, questões estas que não constituíram o cerne da decisão proferida.
Trata-se, pois, de uma tentativa de revisitar fundamentos já consolidados, sem que se demonstre qualquer obscuridade no Acórdão que justifique uma aclaração nos termos legais.
Isto é, o Requerente, tendo perfeitamente compreendido o sentido do Aresto recorrido, discorda meramente da sua substância e das conclusões nele vertidas, uma vez que, na sua óptica, o Tribunal deveria ter se pronunciado de forma diversa sobre aspectos como a alegada inconstitucionalidade da Decisão, incluindo o suprimento de presumíveis irregularidades processuais. Contudo, tais pretensões não se enquadram no âmbito de uma aclaração, que se destina unicamente a corrigir imprecisões ou obscuridades textuais e não a reformular ou alargar o âmbito da Decisão proferida.
Ora, de aclaração só carece a decisão que é obscura ou ambígua. O requerimento, nos termos em que vem estruturado, acobertado sob a figura jurídica da aclaração, extravasa, clara e ostensivamente, a sua finalidade, que admite a correcção de obscuridade que resulte do texto da decisão em si mesmo, sob condição de não resultar modificado o sentido essencial da fundamentação e do julgado.
Como se sabe, no que diz respeito às decisões jurisdicionais vigora o princípio da sua estabilidade, ínsito no artigo 666.º do CPC, que estabelece que uma vez proferida decisão final fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal, quanto à matéria da causa, estando o juiz proibido de modificar a sua decisão e/ou a motivação que a fundamenta, e sendo-lhe lícito apenas rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-las, quanto às custas e multa.
Como bem se nota, o Requerente, somente por manifesta temeridade, explicável unicamente com o escopo de retardar o trânsito em julgado da Decisão, pode dizer que se encontram obscuridades na mesma e que não compreende quais razões determinaram a construção do silogismo judiciário, quando, efectivamente, pretende, por meio do pedido de aclaração, modificar o decidido por não se ter conformado com o Aresto e os seus fundamentos.
O simples inconformismo do Requerente com o julgado não tem cobertura no regime legal que evoca. A mera discordância com os argumentos aduzidos na decisão não legitima, nem pode fundamentar, um eventual pedido de aclaração, facto que acarreta o respectivo indeferimento.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em: INDEFERIR O PEDIDO DE ACLARAÇÃO, MANTENDO O ACÓRDÃO N.º 987/2025 NOS SEUS PRECISOS TERMOS, POR NÃO HAVER ERROS MATERIAIS POR RECTIFICAR, NULIDADES POR SANAR OU DÚVIDAS E AMBIGUIDADES QUE IMPORTE ESCLARECER.
Custas pelo Requerente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 11 de Setembro de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Carlos Manuel dos Santos Teixeira (Relator)
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo
Vitorino Domingos Hossi