No prosseguimento dos trabalhos do VII Congresso da Conferência das Jurisdições Africanas, que a República do Zimbabwe acolhe desde 30 de Outubro, o Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional, João Carlos Paulino falou aos presentes sobre O Papel do Poder Judiciário na Proteção dos Direitos Fundamentais e da Dignidade Humana em África.
Na íntegra, a intervenção do Juiz Conselheiro, João Paulino
Excelências, Distintos participantes,
É com profunda satisfação que assumimos a responsabilidade de, em breves traços nos pronunciarmos sobre “O papel do Poder Judiciário na Protecção dos Direitos Fundamentais e da Dignidade Humana, neste 7.º Congresso da Conferência das Jurisdições Constitucionais Africanas (CJCA).
Ao nos propormos tecer breves considerações a propósito do Papel do Poder Judiciário na protecção dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, salta-nos a vista uma problemática, que tal qual pandemia, tem afectado os Estados um pouco por todo o mundo e, Angola não é excepção: A Corrupção. É uma doença que deve ser combatida com a união de esforços. É uma satisfação poder dizer que Angola se tem batido por esta causa, ratificando inclusive instrumentos internacionais de combate à corrupção, branqueamento de capitais e outros.
No entanto, convido os presentes a atentarmos para eventuais situações de fronteira e questões potencialmente atentatórias de direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana em nome da luta contra a corrupção. Trata-se da Inversão do Ônus da Prova no Confisco e a Dignidade da Pessoa Humana.
Um pouco por todo o mundo e não sendo Angola excepção, vêm sendo criadas medidas legislativas em cumprimento das Recomendações advindas das convenções internacionais que Angola ratifica como a Convenção da União Africana sobre a Prevenção e o Combate à Corrupção ou as advindas do Grupo de Acção Financeira Internacional – GAFI, sobre as normas internacionais de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. É nessa sequência que Angola aprovou a Lei n.º 15/18, de 26 de Dezembro – Lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens e introduziu no Código Penal aprovado pela Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro, a figura da perda de bens ou confisco.
O confisco se traduz-se numa medida de político-criminal que conduz à privação definitiva de bens originados, directa ou indirectamente, da actividade criminosa, decretada por um Tribunal, ou outra entidade competente, em consequência de um processo relativo a um ou vários factos ilícitos.
Esta forma de confisco alargado permite que todo o património do criminoso que não seja congruente com os seus rendimentos lícitos se presuma proveniente da actividade criminosa, operando aqui uma inversão do ónus da prova.
Excelências, Senhoras e Senhores
Ainda que se reconheça que o confisco alargado é um mal necessário, todos certamente concordamos que deve ser utilizado cuidadosamente, respeitando os princípios e direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, mormente a presunção de inocência e a dignidade da pessoa humana, sob pena de o remédio se tornar mais prejudicial que a própria doença
A protecção dos direitos fundamentais, bem como o respeito pelo do princípio da dignidade da pessoa humana constituem uma das mais importantes, senão as mais importantes conquistas dos Estados modernos, na medida em que, por intermédio deles tem se tornado possível a consolidação do Estado Democrático e de Direito. Neste sentido, a eficaz actuação do Poder Judiciário não deve constituir apenas uma mera forma de declaração de direitos, mas uma maneira de concretizar a dignidade da pessoa humana. É, pois, neste ponto, que o poder judiciário é chamado a intervir, acautelando o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais consagrados nos seus textos constitucionais.
Exemplos Práticos
- Em 2023, a Corte declarou inconstitucional, com efeito erga omnes, o Decreto Presidencial n.º 69/21, de 16 de Março, que estabelecia o Regime de Comparticipação Atribuída aos Órgãos de Administração da Justiça pelos Activos, Financeiros e Não Financeiros por si recuperados por entender que o mesmo contendia com as garantias de independência e imparcialidade dos Tribunais, e, consequentemente, com o princípio do processo equitativo, ao criar a convicção de que o desfecho da lide se encontrava viciado desde a sua génese através da atribuição da aludida comparticipação aos órgãos responsáveis pela acusação e julgamento das infrações geradoras de tais activos financeiros.(Acórdão n.º 845/23 disponível em www.tribunalconstitucional.ao)
- Num acórdão recente o Tribunal Constitucional, debruçou-se igualmente sobre a constitucionalidade das normas do Código Penal e da Lei n.º 15/18, referentes ao regime da perda alargada de bens, no âmbito de um recurso ordinário de inconstitucionalidade, (fiscalização concreta)mecanismo em que os efeitos da decisão do Tribunal Constitucional se circunscrevem ao caso concreto, tendo após uma criteriosa abordagem sobre a matéria concluído que a interpretação das referidas normas aplicadas ao caso concreto submetido à sua apreciação não se consubstanciavam em violação dos princípios constitucionais invocados. (Acórdão n.º 896/2024 disponível em www.tribunalconstitucional.ao)
Excelências
Aqui chegados, é importante realçar que não basta a mera previsão constitucional dos direitos fundamentais e do princípio da dignidade da pessoa humana, é necessário que os Estados africanos, mediante a actuação do Poder Judiciário garantam, eficazmente, à tutela jurisdicional efectiva de tais direitos, e assegurem a defesa dos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, reprimam, de modo afincado, as violações da legalidade, não podendo a justiça, em circunstância alguma, ser denegada.
O homem precede a justiça e esta deve ser feita com respeito a dignidade da pessoa humana e nunca ao arrepio desta.
Muito obrigado!
APOIO INSTITUCIONAL
E como bom angolano, o Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário de Angola, na República do Zimbabwe, Agostinho Tavares da Silva Neto, presta de forma incansável todo apoio institucional, a delegação do Tribunal Constitucional, que trabalha na pátria de Robert Gabriel Mugabe.